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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.224 Lisboa set. 2017

 

ARTIGO

A experiência na Flandres e a integração portuguesa na monarquia hispânica

The experience in Flanders and Portugal’s union with the Spanish Monarchy

 

Miguel Dantas da Cruz*

* Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Avenida Professor Aníbal de Bettencourt, 9 - 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mail:miguel.cruz@ics.ulisboa.pt

 

RESUMO

O grau de adesão dos portugueses ao projeto católico dos Habsburgo, no seguimento da unificação ibérica de 1580, permanece envolto em algum mistério. A “cruzada anti-herética” de Madrid na Europa implicava compromissos, aparentemente incompatíveis com o imaginário político português orientado para o império ultramarino. No entanto, existem sinais de que os campos de batalha da ­Flandres exerceram grande fascínio em Portugal, tornando-se parte do universo de referências culturais, e roubando inclusivamente protagonismo ao império. Este estudo debruça-se sobre a experiência do serviço na Flandres, desconstruindo a sua apropriação imediata e a forma como ela se alojou na memória histórica.

Palavras-Chave: união ibérica; guerra da Flandres; cultura política; Francisco Manuel de Melo.

 

ABSTRACT

The experience in Flanders and Portugal’s union with the Spanish Monarchy.The degree to which the Portuguese adhered to the Habsburgs’ Catholic project following the Iberian unification (1580) remains something of a mystery. Madrid’s “anti-heresy crusade” in Europe was seemingly incompatible with the Portuguese political imaginary centred in the overseas empire. However, there are signs that the European battlefields of the Habsburgs, particularly Flanders, generated great fascination in Portugal, entering into the stock of Portuguese cultural references. In fact, those battlefields sometimes seemed to have stolen the leading role of the empire in the Portuguese martial imaginary. This study focuses on the Portuguese experience in Flanders, deconstructing its immediate appropriation and the way it has lodged itself in country’s historical memory.

Keywords: Iberian Union; War of Flanders; political culture; Francisco Manuel de Melo.

 

INTRODUÇÃO

 

Este texto1 debruça-se sobre um dos aspetos menos conhecidos da integração portuguesa na monarquia hispânica: o envolvimento de soldados lusos no esforço de guerra que os Habsburgo levavam a cabo na Flandres entre 1568 e 1648. Esta pesquisa não só se afastou dos argumentos propostos pela historiografia mais nacionalista, centrados na noção de dominação política, como declinou a ideia de que as esferas de influência portuguesa e espanhola se mantiveram separadas. De resto, dificilmente poderia ser de outra maneira. Explorar as múltiplas circunstâncias do serviço de vassalos portugueses na Flandres, com destaque para a forma como essa experiência se alojou na memória histórica e historiográfica, que aqui se quer realizar, só faz sentido no quadro da intensa circulação de pessoas e ideias que marcou a União Ibérica (1580-1640), e que muitos estudos têm evidenciado.

Na sequência das V Jornadas Internacionais da Red Columnaria, que decorreram em Lisboa em 2009, Pedro Cardim, Leonor Freire Costa e Mafalda ­Soares da Cunha publicaram um importante balanço de duas décadas de intensa investigação sobre as dinâmicas de integração e conflito da União Ibérica (Cardim, Costa e Cunha, 2013). Vários dos contributos deste livro acabaram por acentuar a natureza essencialmente porosa das fronteiras políticas da monarquia dos Áustria. Retomou-se, portanto, a ideia defendida por diversos historiadores, entre os quais José Javier Ruiz Ibáñez, de que a monarquia era concebida como um espaço de oportunidades especialmente favorável à circulação e movimentos.

A incorporação de Portugal no conjunto de territórios governados pelos Habsburgo constituiu um evento singular na história do país. Portugal, apesar de ter participado ativamente nas disputas dinásticas da Península Ibérica2, acabou por nunca tomar parte de processos efetivos de agregação territorial, tão comuns na Europa medieval e moderna. Isso mudou em 1581. Pela primeira vez os portugueses passaram a partilhar o mesmo monarca com castelhanos, catalães, aragoneses, valencianos, navarros, granadinos, milaneses, napolitanos, sicilianos e flamengos, o que encerrava novos desafios, a começar pela adaptação a um universo político mais complexo, e proporcionava também o acesso a um espaço repleto de oportunidades. Os estudos sobre o conhecido envolvimento de banqueiros portugueses nas finanças dos ­Habsburgo mostram como se procurava tirar partido da porosidade do sistema (Boyajian, 1986). Para estes – ao menos para estes – a monarquia era essencialmente entendida como um continuum desprovido de significativos obstáculos formais.

A convergência de interesses entre portugueses e castelhanos não era certamente uma novidade. Pelo menos desde meados do século XVI que uma comunidade de mercadores lusos ligados ao tráfico de escravos atuava no grande porto de Sevilha, contribuindo dessa forma para o sucesso da logística naval da expansão castelhana (Fernández Chaves e Pérez García, 2012, p. 212). A União Ibérica encerrava, no entanto, outro género de potencialidades, viabilizando por exemplo planos de ação conjunta, entre os quais encontramos um projeto comercial global destinado a unir, numa só rota, a América, a África e a Ásia (Bouza Álvarez, 1994, p. 83). À Península juntaram-se, entretanto, os espaços ultramarinos como cenários privilegiados de integração económica dos dois impérios, como tem sido sublinhado por uma historiografia já muito consolidada. Os trabalhos de Charles Boxer foram a esse respeito percursores, captando as dinâmicas e interações asiáticas dos impérios ibéricos (Boxer, 1969). A relação comercial de Manila com Macau, em particular, tornou-se rapidamente alvo da atenção de investigadores como John Villiers (1980), que buscavam sinais de cooperação, a qual, por vezes, surgia acompanhada por um discurso genuinamente ibérico. Mas a acomodação nem sempre foi pacífica e não faltam provas da rivalidade mais ou menos aberta, fruto das dificuldades manifestadas por Madrid “na implementação de uma política coerente e integrada relativamente à Ásia” (Lobato, 2013, p. 281). Mesmo as instituições que deveriam conferir consistência à política imperial dos Habsburgo divergiam por conta das suas agendas mais ou menos integracionistas.3

Sinais de acomodação semelhante entre ibéricos foram detetados há muito tempo na América espanhola4, onde uma comunidade portuguesa prosperava desde o início da colonização, por via do seu envolvimento no tráfico de escravos para as Caraíbas e outras regiões (Wheat, 2009). Só no Peru residiam de forma mais ou menos permanente cerca de 1400 portugueses (Ventura, 2005), entre cristãos-velhos plenamente integrados, conversos, e judeus posteriormente perseguido pelas autoridades espanholas.5

No que toca à identidade portuguesa, muito estava ainda por definir à data da unificação ibérica, não obstante os sinais difusos de anticastelhanismo de raiz popular.6 O que havia era uma identificação genérica com a comunidade que procedia do mesmo território e que partilhava o mesmo rei, a mesma língua, os mesmos costumes, leis e instituições e uma mesma memória histórica (Cardim, 2004, p. 356). Foi a secessão do conglomerado dos Áustria que ajudou a cristalizar a identidade portuguesa em torno de um discurso legitimador antiespanhol, apoiado em referências de teor religioso e providencialista (Bethencourt e Curto, 1991).7 Durante a União Ibérica, a identidade dos portugueses era inclusivamente mobilizada em função das circunstâncias, sobretudo por aqueles que escreviam no estrangeiro e para uma audiência mais vasta. Ninguém cairia em contradição se se apresentasse como português de nação e simultaneamente membro da nação espanhola. Os discursos políticos desconstruídos por Pedro Cardim mostram o grau das ambiguidades identitárias ibéricas (Cardim, 2014, pp. 197-203). De acordo com Benito Peñalosa y Mondragón, autor do Libro de las excelencias del Español que despueblan España para su mayor potencia y dilatación (1629), o conceito de espanhol era suficientemente abrangente para abarcar “espanhóis portugueses”, “espanhóis castelhanos”, “espanhóis aragoneses”, etc. Para Lourenço de Mendonça, os portugueses não eram somente “puros” espanhóis, eles eram mais espanhóis que os outros povos peninsulares. Lourenço de Mendonça, que se socorria amiúde da história, referia que Portugal era na verdade parte essencial de Espanha.

O projeto político católico, assente num quadro unificador de referências religiosas e políticas, terá sido geralmente adotado pelos portugueses, conscientes de que os múltiplos compromissos internacionais dos Habsburgo constituíam oportunidades para alcançar mercês e ofícios. No entanto, são poucos os estudos que concentraram a sua atenção no envolvimento português naquela que foi provavelmente a prioridade política de Madrid: a manutenção da Flandres. José Javier Ruiz Ibañez, Vicente Montojo (2013), e Domingo ­Centenero de Arce (2013) mostraram como aquele não era um mundo irrelevante para os portugueses. Este último procurou, inclusivamente, quantificar o grau do envolvimento português naquela empresa, à imagem do que outros autores já tinham realizado de forma mais genérica para outros contingentes (Ribot, 2004). De permeio, levantou a possibilidade de Madrid ter procurado tirar partido daqueles que tinham servido na Flandres para melhorar a eficiência da administração ultramarina portuguesa. Algo que parece estar em linha com o espírito voluntarista, senão mesmo de ingerência, que Madrid começou a revelar e que esteve em grande medida na génese do descontentamento social e político emergente em 1640.

Porém, ainda há muito por saber acerca da forma como aquela experiência foi entendida pelos seus contemporâneos e por aqueles que sobre ela se debruçaram posteriormente. Está certamente por saber de que forma ela integrou o imaginário político português, reconhecidamente vocacionado para o império e alheio à Europa. Este estudo debruça-se sobre essa experiência, procurando demonstrar a forma como o serviço nos Países-Baixos foi apropriado pelo imaginário marcial português, até então essencialmente marcado pelas experiências extraeuropeias, e sobretudo pelo seu pendor antimuçulmano. Longe de ser esquecida, a guerra na Flandres ter-se-á tornado parte integrante do universo de referências português, retirando inclusivamente protagonismo ao império na literatura.

 

DINÂMICAS DE CIRCULAÇÃO ENTRE O IMPÉRIO E A EUROPA

 

A orientação essencialmente extraeuropeia dos interesses de Portugal merece pouca contestação. O império era o centro das preocupações da coroa, no que dizia respeito à esfera diplomática (Macedo, 2006), e constituía um elemento definidor da identidade dos portugueses, que se associavam cada vez mais à empresa ultramarina (Cardim, 2014, p. 99). Não era por acaso que a ­simbologia régia da dinastia de Avis (1385-1580) comportava um vocabulário imperial nos eventos diplomáticos além-Pirenéus, como forma de enaltecer as façanhas portuguesas na América, África, e sobretudo na Ásia. O protagonismo do imaginário imperial é evidente na explosão literária de meados do século XVI, que se debruçou sobre a expansão ultramarina no Índico, desde as Décadas da Ásia, de João de Barros, à História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, de Fernão Lopes de Castanheda. Este legado literário centrado na Ásia foi mais tarde apropriado por outros, como Diogo do Couto ou João Baptista Lavanha, antes de se reorientar para o Atlântico, por via de autores como frei Vicente Salvador, António de Oliveira Cadornega ou Simão de Vasconcelos.8

De acordo com Giuseppe Marcocci, a ideologia de império em Portugal assentava desde os primeiros momentos na teologia moral. A religião, em geral, e as bulas papais, em particular, ajudaram a sustentar as primeiras iniciativas ultramarinas dos portugueses no início do século XV. Para Marcocci, a autoridade do sumo pontífice conferia a legitimidade indispensável à expansão de um reino dotado de capacidades militares reconhecidamente insuficientes. Só o papa poderia fazer valer as pretensões globais dos portugueses entre os outros príncipes europeus (Marcocci, 2014, p. 481). Tudo o que dizia respeito ao império, desde a guerra ao comércio, possuía uma carga religiosa, caindo frequentemente na esfera de influência da Mesa da Consciência e dos teólogos que rodeavam o monarca.

Essa centralidade do imaginário imperial refletia-se naturalmente na política de mercês de Lisboa desde os primeiros tempos da expansão, quando iniciativas de pendor medieval deram seguimento à reconquista cristã no Norte de África. As insígnias e as comendas das ordens militares (Cristo, Santiago e Avis), criadas com o propósito de dar luta ao “infiel” na Península Ibérica, passaram a ser concedidas de forma quase exclusiva no Norte de África, onde o conflito contra os muçulmanos se intensificou com a coroação de D. Afonso V (1448-1481). Como escreveu Fernanda Olival, os hábitos e as comendas constituíram de facto “verdadeiras marcas na geografia política da cristandade” (Olival, 2001, p. 52).

O Norte de África nunca perdeu a aura inicial no imaginário marcial português, permeado por considerações religiosas. Por isso era tratado de modo diferente em matéria de serviços, especificamente designados “serviços de África”. A luta contra os muçulmanos emprestava uma dignidade ao campo de batalha, que esteve por muito tempo ausente de confrontos ocorridos em outras paragens. No entanto, a partir de meados de Quinhentos, os serviços ­prestados noutras partes do império, nomeadamente na Índia e nas embarcações que protegiam a costa do reino, tornaram-se igualmente remuneráveis; estavam, no entanto, dependentes de critérios mais exigentes (Olival, 2001, p. 54). No tempo dos Áustria, os serviços prestados em Angola passaram a ser também contemplados.9Todavia, os Áustrias não introduziram provisões destinadas a satisfazer os serviços realizados no Brasil, ainda muito desvalorizado enquanto campo de batalha, ou em qualquer território europeu disputado por Madrid.

Os Áustria procederam ainda a outro tipo de reformas. Para além de se redefinirem os procedimentos associados à satisfação de serviços, minimizou-se o papel da Mesa da Consciência, o que, de acordo com Giuseppe Marcocci (2014, p. 491), concorreu para enfraquecer a carga religiosa do imaginário imperial português. Claro que a teologia moral manteve grande protagonismo, mas era agora matizada e enriquecida por elementos provenientes do universo intelectual dos Habsburgo. Doravante, a perceção de império dos portugueses teria de entroncar no projeto católico, o qual incluía um grande conflito com os “hereges” dos Países Baixos, Alemanha e Inglaterra.

A integração de Portugal e dos seus territórios no conglomerado dos Áustria criou um mercado alternativo para aqueles que serviam o monarca na guerra, ainda que isso não tivesse sido previsto nos termos da adesão portuguesa; provavelmente porque a carta patente tinha sido decalcada na proposta de candidatura de D. Miguel da Paz ao trono dos reis católicos, em 1498. Os territórios ultramarinos portugueses foram confrontados, assim, com um concorrente que era especialmente valorizado pelo imaginário marcial coetâneo, e que começou inevitavelmente a absorver recursos, até então destinados ao império.

É bem certo que Portugal nunca foi um campo de recrutamento preferencial dos Habsburgo para os tercios (ou terços) de Flandres. Estes eram essencialmente compostos por alemães, castelhanos e italianos (Parker, 1972, p. 279). Lisboa fazia, no entanto, parte do sistema de corredores que Madrid dispunha para manter as fileiras preenchidas nos campos da Flandres. A capital portuguesa era um porto de embarque dos contingentes castelhanos, quando as rotas terrestres estavam bloqueadas, incorporando também homens em território português.

É certo, também, que o envolvimento de portugueses em cenários que lhes seriam estranhos não era uma novidade. D. Francisco de Almeida participou nas guerras de Granada (1481-1492) antes de seguir para a Índia, como vice-rei. Outros acompanharam Gonzalo de Córdoba nas expedições que este comandou a Itália, e que o famoso historiador-soldado Francisco Manuel de Melo recordou no seu Politica Militar en Avisos Generales (1638) como forma de demonstrar a lealdade portuguesa num tempo em que ela parecia menos certa. E isto para não falar nos empreendimentos conjuntos, quer daqueles que decorriam de colaboração mais vernacular de ataque e pilhagem do norte de África, quer daqueles que envolveram formalmente tropas portuguesas e espanholas, como ocorreu durante o sítio de Tunes em 1535. A consagração deste evento nos famosos “panos de Tunes” sugere até que ponto as pessoas se reviam num universo cultural que transcendia os limites do reino, mesmo antes da União Ibérica (Cardim, 2014, pp. 59 e 113). Havia um passado comum grandemente assente na oposição ao “infiel”.

Importa, contudo, salientar que a participação no projeto católico fez aumentar o envolvimento português nos conflitos europeus, promovendo padrões de circulação impressionantes, que incluíam temporadas na Europa e no Atlântico Sul. Alguns autores referem, talvez com algum exagero, que em dada altura existiriam 4 portugueses “entre capitães e soldados”, a servir na corte de Madrid, na Flandres, na Itália e nas Índias (Silva, 1971-1972, vol. IV, p. 382). Aqueles que desse grupo desertaram para o lado dos Bragança em 1640 tornaram-se, segundo a mesma fonte, no primeiro núcleo das forças portuguesas na Guerra da Restauração (Silva, 1971-1972, vol. IV, pp. 199-200), do que parece haver alguns vestígios, sobretudo quando se procedia ao preenchimento de postos vagos. Por exemplo, em carta dirigida ao rei em 28 de junho de 1645, muitos dos homens propostos para o posto de capitão de infantaria pelo governador de armas do Alentejo, o marquês de Castelo Melhor, tinham passado pelo Brasil e pela Europa.10

A correspondência dos governadores de armas com os primeiros ­Bragança, publicada em 1940, parece confirmar tal impressão. Em 1652, uma carta de D. João da Costa sobre as exigências feitas pelos Habsburgo em matéria de prisioneiros de guerra, referia “que vieram dos exércitos da Flandres, Itália, e Catalunha […] quase todos os oficiais deste exército”.11 Mas não se tratava somente de chefias que, na ausência de outras considerações, tenderiam a ser escolhidas por conta da sua experiência marcial. Segundo uma carta de 4 de outubro de 1646 do marquês de Alegrete, igualmente a respeito de troca de presos de guerra, escreveu-se “que as duas partes da gente que serve Vossa Majestade neste Reino vieram de Castela, Itália, Catalunha e Flandres, onde se achavam servindo El Rei de Castela”.12

 

O FASCÍNIO MARCIAL DA FLANDRES

 

A Guerra dos Oitenta anos (1568-1648), que opôs os Habsburgo às províncias protestantes dos Países-Baixos, conferiu um simbolismo muito especial aos campos de batalha da Flandres, onde o duque de Alba chegou em 1567. Na verdade, foram as façanhas das tropas entretanto reorganizadas pelo hábil general em torno da unidade de combate mais eficaz do momento – o tercio espanhol – que estiveram na base do célebre exército da Flandres (González de León, 2009, p. 49). Tudo muito ao gosto de uma sensibilidade cortesã rendida ao aparato cénico dos confrontos militares da Europa seiscentista. As formações lineares dos contingentes e a geometria dos longos e custosos cercos, mais do que responderem a considerações práticas, satisfaziam as necessidades estéticas da época (Lynn, 2003, pp. 115-125). Aqueles eram tempos dominados por uma exuberância comunicativa que depurava a realidade como um imenso teatro de formas e gestos, e que no campo da atividade militar ficou cristalizada na Rendição de Breda, de Velasques (1625). Francisco Manuel de Melo, pela sua parte, atribuía um valor especial a essas complexas operações de cerco que por esta altura chegavam a durar mais de três anos, como foi o caso de Ostende, entre julho de 1601 e setembro de 1604.13 Decisiva era também a dimensão religiosa: a necessidade de pôr “freio a tantos milhares de inimigos de nossa santa fé católica, os mais teimosos e endurecidos que tem mundo todo”, nas palavras do português Francisco Morais Sardinha (2003, pp. 216-217).

Inicialmente estranha à cultura escrita espanhola, a Flandres tornou-se uma referência familiar da literatura do Siglo de Oro (Século de Ouro).14 Era um campo de batalha de tal modo consagrado que se converteu numa espécie de bitola de assuntos militares de que se podia lançar mão até para efeitos de propaganda. Por exemplo, quando o clérigo Diego Rosales chamou de Flandes Indiano à sua Historia general del reino de Chile esperava resgatar a dimensão quase épica da guerra nos Países Baixos para emprestá-la ao conflito que os Habsburgo mantinham contra os Mapuche. Diego Rosales sabia que todos passariam a ver aquele conflito numa parte tão remota da América do Sul como um empreendimento extraordinário15 Não foi por acaso que Filipe II enfeitou o Escorial com elementos decorativos evocativos das façanhas dos seus exércitos da Flandres. De resto, o próprio palácio do Escorial fora ­dedicado à vitória de St. Quentin, alcançada sobre os franceses nos Países Baixos, em 1557 (González, 2009, pp. 66-67). A fama internacional dos tercios da Flandres não teria paralelo, mesmo para aqueles que os enfrentavam, como foi o caso do galês Roger Williams, que no seu A Brief Discourse of War… notou que “ninguém tinha a escola da Guerra continuamente, senão eles [os tércios herdeiros de Alba]” (Williams, 1590, p. 11). E nem mesmo os múltiplos desaires às mãos de Maurício de Nassau, parecem ter minado o estatuto dos tercios, que cronistas como Jean Antoine Vincart se encarregaram de divulgar.

Existem sinais de que alguns portugueses foram rápidos a comprometer-se genericamente com a empreitada político-religiosa dos Habsburgo na Europa, e com os seus vários desdobramentos militares; um poema em oitava-rima, escrito em 1593 por um veterano chamado Emanuel Antunes, parece deixar isso claro (Antunes, 1593).16 Mas a Flandres assumiu um lugar especial no imaginário marcial português, convertendo-se, tal como tinha acontecido em Castela, numa espécie de bitola para temas militares. Também para os portugueses, a Flandres passou a servir de referência universal de comparação, como aconteceu a Francisco de Brito Freire, governador de Pernambuco (1661-1664), quando escreveu que a guerra de ibéricos e holandeses pelo ­Brasil se sobrepôs às da Flandres (Freire, 1675, nota ao leitor). As guerras da Flandres foram mais tarde concebidas como modelo a seguir quando Portugal se separou da monarquia dos Áustria. O título da compilação de regulamentos militares organizada e publicada por Luís Marinho de Azevedo fazia questão de lembrar que se tratava de uma reprodução das ordenanças originalmente introduzidas no exército da Flandres pelo príncipe de Parma, que o autor português acompanhou em 1637 (Azevedo, 1641). A referência pública não seria inocente. Havia que vincar onde se estava a ir buscar inspiração.

Francisco Manuel de Melo foi um dos autores portugueses que mais escreveu sobre a guerra da Flandres, para onde ele próprio seguiu em 1639, à frente de um terço de 1170 soldados, 570 recrutados em Portugal, nas províncias da Beira, Douro e Minho, Trás-os-Montes e Alentejo (Prestage, 1996, p. 107). O prolixo escritor, ao comentar a nomeação do conde de Óbidos para o governo do reino do Algarve, sublinhou a sua temporada na “Flandres cuja escola foi de tanta opinião ao mundo que as horas dela se reputavam mais que os anos de outra milícia” (Melo, 1995, p. 151). Para Francisco Manuel de Melo, a Flandres continuava a sobrepor-se a todos os outros teatros de guerra, a despeito da mudança das circunstâncias políticas em 1640. Aquando da redação do Tácito, Portugal já não fazia parte da monarquia dos Áustria, não existindo, portanto, razões evidentes para discriminar positivamente o serviço nos Países Baixos. Acontece que, como notou António de Oliveira, Francisco Manuel de Melo era um cosmopolita, plenamente capaz de se colocar acima de fronteiras geográficas (Oliveira, 2009, p. 25). Era inclusivamente capaz de se libertar de restrições retóricas que a sua adesão à causa brigantina tornaria convenientes, alongando-se em considerações que no limite poderiam beliscar o estatuto de um Portugal restaurado. Quando o historiador-soldado referiu que “as nossas guerras [dos portugueses] eram em tão remotas Províncias, como são Portugal, Ásia, África e América” (Melo, 1660, p. 47), parece estar essencialmente a aludir a um imaginário marcial, a seu ver encimado pela Flandres. No entanto, tal reflexão de cariz militar encerra conotações políticas, até porque os assuntos estavam necessariamente relacionados. O polígrafo, ao estabelecer um paralelo entre o reino e os territórios extraeuropeus, enquanto campos de batalha secundários, revelava um entendimento ainda tributário do projeto imperial dos Habsburgo, no qual Portugal desempenhara um papel muito periférico, equiparável às suas próprias conquistas ultramarinas.

Um outro autor menos conhecido, Francisco Morais Sardinha, seguiu um caminho similar em matéria de hierarquização de espaços. A estrutura do Parnaso de Vila Viçosa sugere um entendimento rendido às guerras da Flandres e a subalternização relativa de um dos territórios que mais tinha contribuído para a definição do imaginário imperial português: a Índia. O levantamento dos serviços notáveis prestados por calipolenses não começa por aqueles que se tinham distinguido na Ásia, área familiar à cultura intelectual portuguesa, mas por aqueles que se tinham destacado nos Países Baixos (Sardinha, 2003, pp. 15-17, 215 e seguintes). Só o Norte de África parece ter preservado o seu estatuto original, e sobretudo por via da batalha de Alcácer-Quibir. A reconstrução do passado fazia-se agora de acordo com outras referências políticas e religiosas, anteriormente estranhas à cultura escrita portuguesa.

O fascínio militar pela Flandres não era uma especificidade de aristocratas ou de escritores mais ou menos consagrados. O estatuto marcial da Flandres fazia também parte do imaginário da soldadesca e de oficias subalternos, que também escreveram sobre as suas façanhas nos Países Baixos, como deixou claro o estudo de Miguel Martínez (2016). No entanto, isso não significa que as metas de recrutamento fossem alcançadas sem o recurso a outro género de soluções de mobilização, a começar pelos laços pessoais que se estabeleciam com os capitães (Thompson, 1981, p. 140). Esses laços eram, mais tarde, fundamentais na manutenção da disciplina militar (a deserção por falta de soldos foi sempre um problema para os Habsburgo) e até no sucesso profissional dos portugueses que seguiram para Flandres. As progressões militares de Manuel Franco e de Michael de Andrade, por exemplo, sugerem que havia espaço para a interferência de parentes, apesar de o exército deixado pelo duque de Alba ter como base de recrutamento principal a experiência e o mérito (González, 2009, p. 7).17 Isto ocorre no âmbito de um exército que separava flamengos ou italianos, mas que mantinha peninsulares – chamados de “gente espanhola” (Antunes, 1593, p. 17) – na mesma unidade de combate. Note-se, a este respeito, que a hispanidade dos lusos nos campos de batalha dos Países Baixos foi reconhecida, entre outros, por Lourenço de Mendonça no seu conhecido repto contra as discriminações que ocorriam na América espanhola: “Em Flandres, em Itália, em todo o mundo são os Portugueses, como é verdade, vassalos naturais e leais de Vossa Majestade, e iguais com os Castelhanos e mais espanhóis […]” (Mendonça, 1630, fl. 35v).

Os contactos feitos na Flandres também perduravam para além daquela experiência, mesmo quando não envolviam redes de parentesco. As relações de confiança geradas durante a guerra eram renovadas noutros cenários, por vezes do outro lado do Atlântico. O conhecimento adquirido nos Países ­Baixos era um trunfo convocado amiúde por aqueles que lá tinham estado, como aconteceu a D. Vasco de Mascarenhas. Em 1625 o futuro conde de ­Óbidos foi convidado a seguir para o Brasil pelo novo governador-geral Diogo Luís de Oliveira, com quem tinha servido na Flandres.18 O mesmo tipo de solicitação foi feita em 1641 por Joane Mendes de Vasconcelos a respeito do tenente Miguel de Andrade (talvez seja o Michael de Andrade acima referido), com quem estivera na Flandres, e que tinha acabado de regressar a Portugal. O governador de armas do Alentejo pediu para o recém-chegado ser “examinado com todo o rigor por me haver servido em Flandres e dizer que se passara a este reino por meu respeito”.19

 

O SERVIÇO NA FLANDRES E AS DIMENSÕES IDENTITÁRIAS DA UNIÃO IBÉRICA

 

Ao contrário de Castela e de Itália, Portugal era um espaço de recrutamento menos massificado para as guerras da Flandres, onde um contingente mínimo de 13 000 a 15000 soldados era mantido pelos Habsburgo, mesmo em tempo de maior tranquilidade, como durante a Paz dos Doze anos (1609-1621) (Parker, 1972, p. 25). Isso não quer dizer que o reino tivesse sido poupado a mobilizações mais substanciais, levadas a cabo por oficiais com o tradicional auxílio de corregedores, juízes de fora e câmaras municipais, como aconteceu ao contingente de Francisco Manuel de Melo em 1638-1639. Numa altura de grande tensão fiscal20, as autoridades locais de Elvas, Viseu e Pinhel foram então informadas pela vice-rainha para prestarem assistência ao mestre de campo em matéria de alojamento das tropas, mas também no que tocava ao fornecimento de “cavalgaduras, carros e mais o que houverem mister para caminhar”.21

O primeiro contrato para o levantamento de um tercio em Portugal terá sido assinado em 1592, ainda que este acabasse por não seguir para o Norte da Europa (Parker, 1972, p. 45).22 Foram as levas de 1602 e 1603, comandadas pelos futuros administradores coloniais Gaspar de Sousa e por D. Jorge de Mascarenhas, célebre marquês de Montalvão, que parecem ter interrompido um panorama dominado por aventureiros que esperavam encontrar na Flandres um espaço recompensador em matéria de satisfação de serviços.

A circulação de Gaspar de Sousa e de D. Jorge de Mascarenhas parece mostrar que a temporada na Flandres ajudou a catapultar as suas carreiras para lugares de topo na administração ultramarina portuguesa. O primeiro seguiu logo em 1612 para o Brasil, enquanto o segundo governou as praças norte africanas de Mazagão (1615-1619) e Tânger (1622-1624), antes de ser nomeado primeiro vice-rei do Brasil (1640). Um trajeto semelhante teve Diogo Luís de Oliveira, incumbido de levantar um tercio em Portugal para servir na Flandres e no Palatinado, de onde seguiu para o Brasil, na conhecida “Jornada dos vassalos”, de 1625.23 Aí viria a ser nomeado governador-geral em dezembro de 1626, só regressando à Europa em 1635, sendo pouco depois nomeado mestre de campo do exército que o príncipe de Parma conduziu aos Países Baixos (Azevedo, 1641).

Em 1639, Diogo Luís de Oliveira participou em mais uma expedição que Madrid enviou à Flandres e que culminou na desastrosa Batalha das Dunas, na qual a armada dos Habsburgo foi destruída pelos holandeses. O procedimento do então mestre de campo, que teria comandado alguns navios, foi mesmo alvo de longo parecer do Conselho de Estado, sem consequências de maior para o experimentado militar.24 Diogo Luís de Oliveira conhecia bem as complexidades políticas e burocráticas do conglomerado Habsburgo. A sua expedição de 1619 evidenciara os limites da integração portuguesa na monarquia dos Áustria, expondo também a controvérsia que rodeava as prioridades do projeto católico.

O levantamento foi encomendado no início de 1617 a Diogo Luís de ­Oliveira, que se encontrava em Madrid a pedir a satisfação dos serviços que realizara desde 1599, e dos serviços do seu pai na Batalha de Alcácer Quibir.25 No entanto, a iniciativa conheceu vários percalços. Em primeiro lugar porque o futuro governador do Brasil desejava ser recompensado com mais uma vida na comenda que detinha, referindo que assim se procedia com recrutadores no reino de Portugal.26 Tal solução envolvia uma transferência de recursos portugueses, teoricamente destinados a satisfazer as exigências ultramarinas, em proveito do esforço militar Habsburgo na Europa. O rei rejeitou a pretensão de Diogo Luís de Oliveira. No despacho notou que “não convinha estas extensões de comendas”, mas assegurou-lhe o pagamento de 2000 ducados de ajudas de custo a serem satisfeitos em Lisboa, de onde Diogo Luís de ­Oliveira deveria embarcar para a Flandres. E foi quando este procurou garantir o cumprimento da decisão do monarca que ocorreu o segundo problema: o Conselho da Fazenda em Lisboa recusou-se a dar o despacho que intimasse o tesoureiro-mor do reino a pagar ao mestre de campo, que se queixou a Madrid. Tal era a resistência, que Filipe III foi forçado a escrever quatro vezes às autoridades em Portugal para exigir o pagamento daquela soma.27

Importa chamar a atenção para a dissonância de opiniões que existia relativamente ao recrutamento de soldados portugueses para as frentes que os Habsburgo mantinham na Europa, e em particular para a Flandres. Nem todos eram como Francisco Manuel de Melo, para quem a Flandres “seria escola de capitães [para os lusos]” (Melo, 1660, p. 183). Nesse sentido os portugueses só teriam a ganhar, até porque, segundo ele, “a nossa nação transplantada em alheias terras, dizem os estrangeiros, lhe sucede o que aos pomos da Pérsia (ditos por ela Pérsicos) que notavelmente se melhoram em sabor e virtude” (Melo, 1660, p. 183). Outros, que não se reviam no projeto católico dos Habsburgo, estavam todavia dispostos a boicotar os esforços de recrutamento ordenados por Madrid, como aconteceu à expedição de Diogo Luís de Oliveira, que só saiu de Lisboa em 22 de março de 1619, depois de uma longa espera por recrutas, que se apresentaram quase despidos.28

Entretanto, a resistência à cooptação de soldados portugueses voltaria a emergir nesse mesmo ano, por ocasião da realização das Cortes. A proposta apresentada pelo braço do povo, de “que não se tire desta Coroa gente de guerra para outra” (Centenero, 2013, pp. 53-54) encerrava uma visão compartimentada da monarquia absolutamente contrária à ideia de União de Armas delineada alguns anos depois pelo conde duque de Olivares.29

A resposta de instituições como o Conselho da Fazenda em 1618 sugere que a identificação genérica com o mundo hispânico não implicava a identificação imediata com as prioridades do imaginário político dos Áustria, historicamente orientadas para a luta contra os protestantes, mas que nem mesmo em Castela recolhiam completa unanimidade. Numa fase inicial, o compromisso dos Habsburgo com a Flandres também foi estranhado em Castela. Além disso, os castelhanos mostravam-se frequentemente desfavoráveis a tais campanhas, não se reconhecendo em projetos vinculados à defesa dos destinos gerais da cristandade (Thompson, 2000, pp. 128-133).30 Segundo o conhecido historiador, os castelhanos viam a monarquia hispânica menos como “protagonista de uma cruzada anti-herética” e mais “vítima de uma cruzada protestante anticatólica”, o que certamente não retira centralidade ao elemento confessional no seu entendimento político.

Para os efeitos deste estudo importa referir que a dissonância ibérica regressou 14 anos depois – sinal de que o problema não tinha sido resolvido – pela pena do conhecido João Pinto Ribeiro, futuro campeão da causa restauracionista. O Discurso sobre os fidalgos e soldados portugueses não militarem em conquistas alheas desta Coroa, publicado em 1632, num registo surpreendentemente cru para um texto que poderia ir parar à mesa do rei, expôs o desacerto ibérico em matéria de prioridades. Não espanta que o texto tivesse sido considerado sedicioso em Madrid, que ordenou censura mais apertada no licenciamento de publicações (Silva, 1971-1972, vol. III, pp. 417-418).

Note-se que João Pinto Ribeiro até se mostrava compreensivo com as ambições genéricas de Madrid, defendendo abertamente a necessidade de dar combate aos protestantes. Mas a dada altura parece sugerir que aquela guerra estava ferida de legitimidade: os Habsburgo tinham sido imprudentes, insensíveis aos “humores” de cada reino, e em particular na “Flandres [onde] estava conhecido o humor de não sofrer tributos”. Tinham também cometido o erro de pensar que “tudo facilitariam as armas”, sem perceber “que as armas matam e não vencem” (Ribeiro, 1632, pp. 12v-13).

A insistência em confrontar os holandeses na Flandres, ou como ele referiu “portas adentro” (Ribeiro, 1632, p. 13), estava estrategicamente errada, acarretando efeitos perniciosos. Para ali seguiam recursos portugueses historicamente destinados a outros compromissos, com o império a ficar especialmente desguarnecido. E isso implicava uma desvalorização implícita dos interesses portugueses. Em linguagem metafórica, Pinto Ribeiro assinalou que “tirar soldados para Flandres é cortar as forças ao rio, desencaná-lo e desassombrar o inimigo” (Ribeiro, 1632, p. 5). Mas desguarnecer o império em proveito dos interesses de Madrid na Flandres, veiculava também um desrespeito flagrante pelo imaginário político dos lusos, modelado por uma história construída em torno de um conjunto de referências mais ou menos próprias, das quais não fazia parte o conflito contra os protestantes dos Países Baixos. Para “conservar reinos e senhorios” era crucial, segundo Pinto Ribeiro, “considerar os princípios e meios porque cada qual deles cresceu e se fez florente e pôs no aumento, e auge de suas glórias”. Por isso referiu criticamente que “mal satisfazem os conselheiros deste voto [levar gente para Flandres] a obrigação de seu ofício, que é ser mui destros nas histórias dos Reinos vizinhos, quando mais do próprio e natural [refere-se aos conselheiros portugueses]” (Ribeiro, 1632, p. 5v). A história tem sempre um papel estruturador da identidade, reforça a ideia de especificidade, neste caso arreigadamente defendida por João Pinto Ribeiro.

O letrado sugeriu alternativamente uma guerra de “portas afora”, i.e., no império, para o qual deveriam concorrer os soldados portugueses, que, assim, poderiam replicar as “gloriosas conquistas de seus avós” (Ribeiro, 1632, p. 7v). De resto, apressou-se a desmistificar a ideia de que os portugueses deixaram de servir na Índia “por não haver que se lhe dar” (Ribeiro, 1632, p. 7). Muito pelo contrário. A pegada burocrática sugere que Madrid tratava o despacho das mercês do império de modo quase obsessivo. Por exemplo, no início da década de 1620, e em pouco menos de um ano, Filipe III escreveu pelo menos quatro vezes sobre este assunto. Primeiro, pediu para que o vice-rei, conde de Salinas, fosse diligente na apreciação das petições que chegavam da Índia, sobretudo de “pessoas que foram estropeadas na guerra”, de “filhos e filhas de homens que lá serviram bem, […] já falecidos e mortos na guerra”, de quem tinha “serviços assinalados”. Salinas deveria também pedir os papéis daqueles que não tinham meios para solicitar mercês.31 E depois pediu para se dar prioridade aos despachos dos serviços realizados na Ásia; os serviços prestados no reino poderiam esperar.32

A arca das mercês mantinha-se aberta para aqueles que seguiam para a Ásia, o problema estaria, de acordo com Pinto Ribeiro, na sua distribuição, o que António Vieira confessou num outro contexto: “os valerosos levam as feridas e os venturosos os prémios” (Vieira, 1655, p. 321). Havia, no entanto, um problema relacionado com a facilidade de circulação na monarquia. Apesar do letrado referir que os portugueses preferiam ser recompensados “em sua pátria e casa”, ele próprio admite que “os fidalgos e soldados que passam à Flandres” podiam ser “pagos nesta, ou em outra coroa” (Ribeiro, 1632, p. 7).

Entre as petições conservadas no Arquivo de Simancas sobressai a ideia de que os termos da agregação ibérica não tinham previsto soluções para aqueles iam servir os interesses iminentemente castelhanos na Europa. Na Patente das Merces, Graças e Privilegios que El Rei Dom Philippe nosso senhor fez merce a estes seus Regnos (1583), em vários capítulos, garantira-se o acesso privilegiado dos naturais de Portugal a cargos e ofícios do reino, entre outras coisas, mas nada se dizia a respeito dos portugueses que seguiam para cenários estranhos aos tradicionais interesses de Lisboa. Aqueles que serviram na Flandres ou em qualquer outro território diretamente controlado por Castela corriam o risco de cair num vazio burocrático/jurisdicional que os expunha a entendimentos mais circunscritivos da União Ibérica. Algumas exposições parecem sugerir que havia conselhos do espectro político castelhano indisponíveis para recompensar portugueses em Castela ou nas Índias de Castela, independentemente dos espaços onde estes haviam servido. Por exemplo, Diogo Luís de Oliveira queixou-se em 1617 que o Consejo de Guerra de Indias tinha ignorado o decreto que lhe permitia ser considerado para o cargo de general de frota de Nova Espanha, referindo que isso se devia a ser português.33

Alguns anos depois, o já referido Lourenço de Mendonça chamou a atenção para a discriminação seletiva de portugueses nos diferentes territórios da monarquia hispânica, e que o trajeto de Diogo Luís de Oliveira parecia ilustrar: “E se alguém disser que as Índias não são da Coroa de Portugal, tão-pouco é da Coroa de Portugal Flandres” (Mendonça, 1630, fl. 35v). Mas os obstáculos não eram exclusivamente castelhanos. Segundo Diogo Luís de Oliveira, em ­Portugal também não se atendia às pretensões de quem servira fora dos territórios portugueses. De acordo com o mestre de campo, “se em Castela no se lhe faz mercê por ser português, nem em Portugal por ter servido em Castela, não resta esperança de poder ser gratificado pelos seus serviços e tempo perdido e sua fazenda gasta”.34

Joane Mendes de Vasconcelos, que servira em Milão, e que 1619 se incorporou no tercio que Diogo Luís de Oliveira conduziu aos Países Baixos, queixou-se em termos semelhantes quando viu negadas as suas pretensões a uma comenda. Apelou então ao rei, por via do Conselho de Estado, referindo que “por servir em Castela no se lhe faz mercê em Portugal, e em Castela por ser português será ele só o desgraçado pois a todos os demais que serviram em Castela se lhes deu comendas”.35

Este género de argumentos obedecia certamente a uma estratégia negocial, que não deixava de revelar sinais de tensão política. A este respeito, foi com surpreendente franqueza que Diogo Luís de Oliveira deu conta das dúvidas que “os da sua nação”, a começar pelo seu irmão e parentes, alimentavam acerca da liberalidade do monarca.36 Na mesma linha estavam as referências ao papel da família de Joane Mendes de Vasconcelos, que entregara o reino do Algarve ao duque de Medina Sidónia em 1580.37 No entanto, algumas apreciações do Conselho de Estado sugerem que os queixosos teriam alguma razão, recomendando-se com aparente enfado ao Conselho de Portugal que atendesse, por exemplo, às pretensões do veterano de Flandres Pedro Fernandes de Figueiroa, anteriormente baldadas.38 As supressões, recriações e extinções do Conselho de Portugal, fruto dos esforços empreendidos por Madrid no sentido de reorganizar o circuito de comunicação português,39 terão certamente afetado o destino dado às petições dos envolvidos nas campanhas europeias.

 

APROPRIAÇÕES E PRIMEIRAS RELEITURAS HISTORIOGRÁFICAS

 

A herança imediata da experiência portuguesa na Flandres foi interpretada de diferentes maneiras, oscilando em função das circunstâncias decorrentes do golpe de 1640. Por um lado, ela era uma testemunha inconveniente do envolvimento português no esforço de guerra que os Áustria levavam a cabo na Europa. Portugal queria agora demarcar-se desse esforço belicista que tanto viria a contribuir para o desenvolvimento da conhecida Lenda Negra. A propaganda da Restauração foi lesta a recuperar a ideia da ambição desmedida dos Habsburgo (Cardim, 2015), defendida por João Pinto Ribeiro em 1632, saneando, de permeio, o papel dos portugueses nesse conflito. Por outro lado, a experiência lusa nos Países Baixos converteu-se num trunfo, num fator de distinção daqueles que para aí tinham seguido. Veteranos da Flandres, como Matias de Albuquerque, apoiavam as suas pretensões precisamente no facto de terem participado naquela guerra, que, em seu entender, lhes deveria conferir uma dignidade especial.40 Segundo uma carta desdenhosa do embaixador francês François Lanier, de 6 de abril de 1642, abundavam em Portugal aristocratas presumidos da sua grande tarimba por terem servido na Flandres e no Brasil contra os holandeses (Demerson, 1994, pp. 752-754).

O fascínio pela Flandres ganhou raízes profundas na memória histórica portuguesa. Em 1680, por exemplo, o embaixador espanhol referiu que a nomeação do conde de Sabugal para o Conselho de Guerra se devera, em parte, ao tempo que ele passou na Flandres, onde aprendeu “na sua mocidade os primeiros rudimentos da milícia”.41 Mais de vinte anos depois essa memória permanecia bem viva, como prova uma descrição do assalto ao Palacio Del Buen Retiro, em 1706, por parte das forças portuguesas que participaram nas campanhas da Guerra da Sucessão de Espanha. Existe um orgulho indisfarçado na forma como Domingos Conceição fala de uma pintura do “famoso Simão Antunes […] capitão-general que foi de Flandres”, exposto na companhia de “retratos dos maiores homens de Espanha”.42

As primeiras releituras historiográficas dificilmente poderiam alimentar semelhante perspetiva sobre a experiência portuguesa nas guerras Flandres, que foi genericamente remetida para a obscuridade por aqueles que primeiro reconstruíram o passado ibérico partilhado.

Numa altura em que se procurava fixar a imagem de um passado precocemente marcado por traços de nacionalismo, fazia pouco sentido discutir o voluntarismo com que alguns saíam de Portugal para servir em territórios que apenas interessavam a Madrid. A situação não era nova e seria repetida vezes sem conta, conforme notou Lewis Hanke a respeito dos migravam para a América espanhola (Hanke, 1961, p. 40). Além disso outros conflitos do século XVII, a começar pela Guerra da Restauração, ofereciam por certo material mais adequado a saciar o sentimento patriótico. Não surpreende, portanto, que uma referência incontornável da historiografia portuguesa como Oliveira Martins tivesse tratado o serviço nos Países Baixos da mesma forma que tratou a conhecida punção fiscalista efetuada pelos Habsburgo, e que contribuiu para a dinâmica secessionista portuguesa: “novos impostos, múltiplas levas que iam combater na Flandres, sugavam as mealhas de sangue e de dinheiro” (Martins, 1882, II, p. 120).

Note-se que a narrativa deste membro da “Geração de 70” não comportou a este respeito grande novidade, seguindo um registo muito semelhante ao de Rebelo da Silva, que tinha escrito no auge da polémica iberista. Na História de Portugal nos Séculos XVII e XVIII refere-se que as levas para a Flandres constituíam “pesados tributos de sangue”, que se juntavam aos “vexames fiscais” (Silva, 1971-1972, vol. III, pp. 470-471). Encomendada para preencher um vazio intelectual, a carência de conhecimentos gritante sobre “todos os factos do domínio filipino”, a obra sugere mesmo que as levas para a Flandres contribuíram para a ruína da agricultura portuguesa, acabando “nos campos o que a emigração lenta e constante começara” (Silva, 1971-1972, vol. IV, p. 454).

Ainda que conhecesse e discutisse o texto de João Pinto Ribeiro acima citado sobre as escolhas daqueles que serviam os Habsburgo, Rebelo da Silva preferia ignorar o voluntarismo com que muitos se envolviam na empresa militar dos Países Baixos. Para ele, a jornada da Flandres só poderia ser forçada. No entanto, admitia as vantagens ganhas com a experiência adquirida por aqueles que participaram nessa e noutras jornadas europeias. A opção por recrutar portugueses ao arrepio da autonomia do reino terá emprestado um saber marcial de que os secessionistas de 1640 souberam tirar proveito: “A Espanha em suas lutas dos Países Baixos, da Itália, de França e da ­Catalunha, doutrinou sem cuidar a índole belicosa dos portugueses, obrigados a marcharem debaixo de seus estandartes na escola das grandes guerras tão proveitosa depois aos cabos e soldados” (Silva, 1971-1972, vol. IV, p. 200). Este argumento seria mais tarde recuperado por uma historiografia especialmente interessada na evolução de conhecimentos militares em Portugal, como foi o caso de ­Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda, que referiu que a “Flandres [foi] nessa época uma verdadeira escola militar para os nossos cabos de guerra, dos quais lá estiveram dos melhores” (Sepúlveda, 1906, pp. 38-39).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O projeto católico dos Habsburgo e os seus desdobramentos nos campos de batalha da Flandres podiam ser genericamente estranhos a Portugal à data da unificação ibérica, mas depressa passaram a fazer parte do imaginário político dos portugueses. A orientação imperial da dinastia de Avis, atestada por uma política de mercês que definia os contornos da geografia política da cristandade, foi complementada por elementos provenientes do universo intelectual dos Habsburgo e da sua cruzada anti-herética. A partir de 1581 abriu-se um mercado alternativo para aqueles que serviam o monarca na guerra, sendo que os Países Baixos reuniam condições especialmente valorizadas pela sensibilidade barroca, a começar pelo aparato cénico dos confrontos militares. Servir na Flandres, ou no Brasil, contra os holandeses conferia uma dignidade que se reclamava amiúde. A literatura também deu sinais da recomposição do imaginário marcial português, rendido às guerras da Flandres, sobretudo pela pena do cosmopolita Francisco Manuel de Melo.

Aqueles que seguiram para a Flandres encontravam porém dificuldades em matéria de remuneração de serviços, por conta de um arranjo institucional mal resolvido aquando da unificação ibérica. O Conselho de Portugal nem sempre estaria disponível para satisfazer serviços prestados num território estranho aos interesses iminentemente portugueses, e em Madrid a naturalidade portuguesa não deixava de ser um elemento de ponderação. Em Portugal nem todos se reviam nas prioridades políticas dos Áustria. Na verdade, o desvio de recursos portugueses para os campos de batalha da Flandres provocou uma reação suficientemente forte para que Madrid a considerasse quase sediciosa. Foi desse descontentamento que a historiografia nacionalista de Oitocentos deu conta para alimentar o sentimento patriótico, soterrando de permeio, porque inconveniente, o voluntarismo com que alguns seguiam para os Países Baixos.

 

SIGLAS DOS ARQUIVOS CONSULTADOS

 

ACL – Academia de Ciências de Lisboa

AGS – Archivo General de Simancas

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

 

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Recebido a 15-06-2016. Aceite para publicação a 31-01-2017.

 

NOTAS

 

1Este estudo faz parte de um projeto de investigação mais alargado intitulado Carreira das Armas na América Portuguesa, financiado pela FCT. O estudo beneficiou muitíssimo da leitura efetuada por Pedro Cardim e Nuno Gonçalo Monteiro, aos quais agradeço. Agradeço também aos revisores da revista Análise Social, cujos comentários me ajudaram a concretizar argumentos e pontos menos bem explicados. Uma palavra final de agradecimento para a Mafalda Soares da Cunha e a Graça Almeida Borges, com quem troquei muitas ideias e argumentos do texto.

2Sobre estas constantes disputas e sobre os conflitos militares que se seguiam quase sempre destinados a manter um frágil equilíbrio de forças na Península Ibérica, v. Álvarez Palenzuela (2003).

3O Consejo de Estado, como órgão superior da monarquia, parecia revelar uma tendência mais integracionista. Já o Consejo de Indias, cujos propósitos diziam essencialmente respeito à administração do império espanhol, persistia na ideia de que os impérios não tinham necessariamente de convergir (Valladares, 2001, p. 17 e segs.).

4Os trabalhos de Robert Ricard (1952) e Lewis Hanke (1961) foram a esse respeito verdadeiramente precursores.

5De acordo com Sullón Barreto (2014), a proporção de cristãos-novos na comunidade portuguesa na América espanhola tem sido empolada. Sobre esta comunidade, v. também ­Studnicki-Gizbert (2009).

6Sobre estes sentimentos, v. Sobral (2003).

7Sobre o discurso político da Restauração, v. Torgal (1981).

8O trabalho de Diogo Ramada Curto (1998) sobre a cultura escrita do império permanece incontornável.

9Referido em consulta do Conselho Ultramarino, de 8 de julho de 1688. AHU, Consultas Mistas, Códice 86, fls. 31v-32v.

10Carta do governador de armas do Alentejo de 28 de junho de 1645. Coelho (1940b), pp. 87-92.

11Carta de D. João da Costa de 27 de abril de 1652. Coelho (1940a, pp. 219-220).

12Carta do marquês de Alegrete de 4 de outubro de 1646. Coelho (1940b, pp. 122-123).

13Francisco Manuel de Melo chega mesmo a esboçar uma hierarquia das ações mais significativas em campo de batalha, destacando as operações de cerco. V. Melo (2000, pp. 77-78).

14Sobre o papel da guerra na literatura espanhola, v., por exemplo, Rupp (2014), García ­Hernán (2006) e Levisi (1984).

15Escrita em 1674, a obra de Diego Rosales só seria publicada em 1877-1878.

16Emanuel Antunes era irmão de Simão Antunes, mais tarde nomeado capitão-general da Flandres.

17No caso, o favorecimento teria sido conseguido por via de Simão Antunes, seu primo e mestre de campo de um dos terços permanentes da Flandres. O autor do Parnaso de Vila Viçosa, onde se recolheram estas informações, não foi obviamente tão taxativo quanto ao favorecimento direto dos calipolenses. Sardinha (2003), pp. 214-220.

18 Requerimento de Diogo Luís de Oliveira, s.d. AHU, Bahia-Luísa da Fonseca, Cx. 34, doc. 4382.

19Carta de Joane Mendes de Vasconcelos de 10 de junho de 1646. Coelho (1940a), p. 21.

20Sobre as revoltas fiscais de meados da década de 1630, ver Oliveira (1990).

21A pegada burocrática mostra bem o trajeto realizado por Francisco Manuel de Melo a caminho da Corunha. Prestage (1996, pp. 468-470, docs. 40, 41, 42).

22Sobre as modalidades de recrutamento na Europa moderna existe uma vasta literatura. V. entre outros, Parrott (2003).

23AGS, Estado, Legajo 2053, n.º 36.

24AGS, Estado, Legajo 2053, n.º 39.

25 AGS, Estado, legajo 2750. Consulta do Conselho de Estado de 28 de janeiro de 1618.

26AGS, Estado, legajo 2750. Consulta do Conselho de Estado de 28 de janeiro de 1618.

27AGS, Secretarias Provinciales, Livro 1516, fls. 67v, 98v, 129v, 146.

28AGS, Estado, legajo 2308, carpeta 910. Memória de Diogo Luís de Oliveira de 19 de abril de 1619.

29O trabalho de John Elliott sobre este projeto de Olivares, como tudo o que diz respeito ao governo do conde-duque, permanece incontornável. Elliott (1986), pp. 244-277.

30 Agradeço a Pedro Cardim esta indicação sobre a visão que os castelhanos alimentavam acerca do seu papel enquanto defensores da cristandade.

31AGS, Secretarias Provinciales, Livro 1517, fls. 24-24v. Carta para o vice-rei de 12 de março de 1620.

32AGS, Secretarias Provinciales, Livro 1517, fl. 45. Carta para o vice-rei de 18 de novembro de 1620.

33AGS, Estado, legajo 2749. Consulta do Conselho de Estado de 28 de fevereiro de 1617.

34AGS, Estado, legajo 2749. Consulta do Conselho de Estado de 28 de fevereiro de 1617.

35AGS, Estado, legajo 2749. Consulta do Conselho de Estado de 18 de julho de 1617.

36AGS, Estado, legajo 2749. Consulta do Conselho de Estado de 28 de fevereiro de 1617.

37  AGS, Estado, legajo 2749. Consulta do Conselho de Estado de 18 de julho de 1617.

38AGS, Estado, legajo 2749. Consulta do Conselho de Estado de 10 de outubro de 1617.

39Sobre este tópico ver Hespanha (1989).

40Existia uma tensão permanente entre o mérito e o nascimento, e os postos de comando nem sempre eram dados a militares experientes nas coisas práticas da guerra. A hierarquia militar representava a ordem social, devendo, portanto, ser encabeçada pela aristocracia. Costa (2005).

41AGS, Estado, legajo 4029. Carta do abade Maserati de 10 de junho de 1680.

42Diario Bellico. ACL, série vermelha 45, fls. 17 e seguintes. Trata-se de uma crónica de guerra de um clérigo chamado Domingos Conceição, que acompanhou as tropas portuguesas durante estas campanhas na Península Ibérica. O texto manteve-se manuscrito até 2013, quando foi publicado em espanhol (Conceição, 2013).

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