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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.223 Lisboa June 2017

 

ARTIGO

 

Ambiente, “economia verde” e Direitos Humanos

Environment, “green economy” and human rights

 

Ana de Jesus* e Bruno Oliveira e Silva**

*CENSE, Faculdade de Ciência e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Campus de Caparica — 2829-516 Caparica, Portugal. E-mail: aij.silva@fct.unl.pt

** Ministério dos Negócios Estrangeiros, Largo das Necessidades, 1350-115, Lisboa, Portugal. E-mail:bruno.silva@mne.pt

 

RESUMO

 

No âmbito dos desafios do desenvolvimento sustentável, o ambiente enquanto direito humano e o impacto dos problemas ambientais na proteção dos direitos humanos têm vindo a ganhar importância na cena internacional. Como se relacionam a sustentabilidade ambiental e a transição para uma sociedade de baixo carbono com a defesa dos direitos humanos é ainda difícil de avaliar, pretendendo este trabalho contribuir para esse debate. Analisando os principais contributos teóricos, o foco passará pelo exame da potencialidade de uma abordagem integrada que concilie a proteção ambiental e a defesa dos direitos humanos, reconhecendo a interdependência entre as duas problemáticas.

Palavras-chave: direitos humanos; desenvolvimento sustentável; sociedade de baixo-carbono; economia verde.

 

ABSTRACT

 

Within the scope of the sustainability challenges, environment as a human right and the impact of environmental problems in the protection of human rights have gained importance in the international arena. How environmental sustainability and the transition to a low carbon society relate with the protection of human rights is still difficult to evaluate. This work contributes to that discussion. Analyzing the main theoretical contributions, the focus will be on examining the potential of an integrated approach that reconciles environmental protection and the defense of human rights, recognizing the interdependence between the two concepts.

Keywords: human rights; sustainability; low-carbon society; Green Economy.

 

INTRODUÇÃO

 

À crescente evidência científica da ação antrópica na degradação do ambiente, provocada pelas trajetórias de uso intensivo de energia e matérias-primas herdadas do processo de industrialização e da expansão da sociedade de consumo no século XX, tem vindo a associar-se uma crescente preocupação com o carácter limitado dos recursos naturais disponíveis face às tendências mundiais de crescente procura e consumo. Reforça-se a noção de que, sem uma modificação dos atuais padrões de desenvolvimento, a pressão exercida nos recursos do planeta tenderá a atingir níveis críticos (UNDESA, 2011), com correspondentes impactos na vida e condição humana. Atualmente, a disponibilidade de recursos é identificada inclusive como assunto estratégico, potencial foco de tensões e de conflitos (Homer-Dixon, 1999). A necessária alteração de paradigma socioeconómico para um modelo de desenvolvimento sustentável passa por mudanças sistémicas e políticas concertadas, sociais, económicas e ambientais.

Com a inclusão deste assunto na agenda política internacional, em várias conferências das Nações Unidas dedicadas à problemática do ambiente e do desenvolvimento (Rio 92; Rio+20, COP 21), consubstanciaram-se diversos esforços técnicos de análise do potencial impacto das alterações climáticas em várias dimensões sociais e económicas, incluindo a sua relação com os direitos humanos.

As preocupações ambientais passaram assim da periferia para o centro dos esforços na procura de desenvolvimento económico e social, aprofundando o debate sobre a importância do ambiente no bem-estar e na proteção dos direitos humanos.

De facto, direitos humanos e proteção do ambiente apresentam-se intrinsecamente interdependentes. Os direitos humanos são baseados no respeito de liberdades e garantias fundamentais como a dignidade, a igualdade e a liberdade, sendo que a sua concretização depende de um ambiente que lhes permita prosperar. Nesse sentido, as alterações climáticas colocam em causa os direitos humanos, ao mesmo tempo que uma proteção ambiental efetiva depende do exercício desses mesmos direitos (Knox, 2012).

No entanto, apesar da consciência desta relação ter recrudescido nos últimos anos, despertando maior atenção internacional e passando para os fora de discussão mais relevantes da esfera da política multilateral (principalmente pela ação das Nações Unidas e do Conselho dos Direitos Humanos), alguns aspetos fundamentais desse relacionamento não estão ainda completamente estabelecidos. Mantém-se a necessidade de maior aprofundamento na análise de outras dimensões relevantes como a cultura, a desigualdade, e as implicações dos diferentes ritmos de desenvolvimento social e económico entre os Estados (Redclift, 2005). Uma abordagem que nos parece ser interessante na afirmação de uma retórica de sustentabilidade, por trazer a dignidade e condição humana para o centro desta problemática.

A análise realizada neste trabalho incidiu no exame da relação entre sustentabilidade ambiental, transição para uma sociedade de baixo carbono e defesa dos direitos humanos, considerando a forma como podem os direitos humanos ser internalizados nos esforços de transição (princípios, e práticas) para um novo paradigma social, económico, tecnológico e ambiental. Uma transição sistémica enquadrada pela noção recente, e muito difundida, de “economia verde” não substitui o conceito geral de desenvolvimento sustentável, antes o complementa, enquanto ferramenta operacional, baseada na inovação, no sentido da definição de uma economia global mais adaptável e resiliente e no quadro dos limites ecológicos do planeta. O objetivo é alinhar a ecologia humana e o seu contexto político-institucional e tecnológico com os princípios da sustentabilidade (Scherbenske e Perjo, 2013).

Assim, neste estudo, apresentou-se inicialmente uma curta reflexão acerca da evolução e interligação dos dois conceitos, ambiente e direitos humanos. Refletiu-se seguidamente acerca do papel do ambiente como um direito humano. Por fim, incidiu-se na análise do potencial da relação entre direitos humanos e a transição para uma “economia verde”, terminando com algumas considerações finais sobre o estudo realizado.

 

AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS

 

Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca [Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, 1972]

 

Os séculos XIX e XX foram marcados por intensas mudanças tecno-económicas decorrentes da Revolução Industrial, a que se aliaram as profundas mutações ideológicas, políticas e económicas após os conflitos mundiais. Dinâmicas com influência decisiva na estrutura da economia e no funcionamento das sociedades. Os últimos dois séculos assinalaram assim um aumento populacional global (mais que duplicando entre 1950 e 2008), um incremento do consumo de recursos a nível mundial, aumentando cerca de 67% entre 1980 e 2007 (EIO, 2011), bem como da produção de resíduos, cuja composição evoluiu no sentido de se tornarem cada vez mais não-biodegradáveis (WWF, 2012). O progresso tecno-económico foi cada vez mais acompanhado pela redução da biodiversidade, extinção de ecossistemas, emissão de partículas nocivas para a atmosfera, degradação da área florestada e contaminação de lençóis freáticos (UNDESA, 2011). Nos últimos 25 anos, a taxa de aquecimento global acelerou para cerca de 0.18º C por década, com eventos climáticos extremos a tornarem-se mais intensos e frequentes. Globalmente, o número de desastres naturais triplicou desde 1960 e, todos os anos, esses desastres resultam em mais de 60 mil mortes, principalmente em países em desenvolvimento (OMS, 2013). Ao mesmo tempo, a perda de biodiversidade, a deflorestação e mudanças na utilização da terra potenciam a perda de fontes naturais de novos agentes farmacológicos e o declínio da produção alimentar, com efeitos sobre a nutrição e saúde das comunidades (Haines et al., 2012).

Ao afetar os condicionantes ambientais da saúde: como a qualidade do ar e da água, a segurança habitacional, ou a disponibilidade de alimentos e combustível, o agravar das alterações climáticas e da degradação ambiental constitui uma pressão acrescida à salvaguarda e respeito de vários direitos humanos (Corvalán, Hales, McMichael, 2005).

Os direitos humanos são considerados um conjunto específico de liberdades e direitos (como o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal), assentes nos princípios da liberdade, igualdade e solidariedade, “sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de ­nascimento ou de qualquer outra situação” (DUDH, 1948 - Artigo 2.o). No seu cerne encontra-se a aspiração de proteger a dignidade humana, colocando o indivíduo no centro dessa preocupação (Moreira e Marcelino Gomes, 2012). Estes princípios, inicialmente estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, foram transpostos em obrigações juridicamente vinculativas em 1966, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e no Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), só entrando em vigor em 1976 (Humphreys, 2009). A DUDH e os dois Pactos são usualmente definidos como a “Carta Internacional dos Direitos Humanos”, complementada por diversas outras convenções (Moreira e Marcelino Gomes, 2012).

Ao longo da história, o conceito de direitos humanos tem-se expandido para acomodar um amplo espectro de interesses e uma grande variedade de beneficiários (Leib, 2011). Assim, embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não inclua nenhuma menção aos direitos ambientais, ao abarcarem uma série de preocupações inter-relacionadas com as “necessidades básicas” humanas, os direitos humanos intersetam a problemática das considerações ambientais, que as alterações climáticas agravam.

Às alterações climáticas é já atribuído um papel negativo na realização de uma ampla gama de direitos humanos protegidos internacionalmente, como os direitos à saúde, à vida, à alimentação, à água e ao saneamento (Archer e Humphreys, 2008). Acresce que, a dispersão e incidência destes fenómenos é bastante heterogénea, afetando principalmente sociedades com recursos escassos, pouca tecnologia e infraestruturas frágeis (Agyeman e Evans, 1999; OMS, 2009) e, por conseguinte, com menos capacidade para lidar com estas questões, quer em termos de preparação, quer na resposta (OMS, 2013). O impacto de problemas ambientais dependerá, afinal, da vulnerabilidade e da capacidade de adaptação das sociedades, por sua vez influenciada por fatores sociais como género, educação e características políticas e económicas do Estado de residência (Agyeman e Evans, 1999; Laczko e Aghazarm, 2009).

O atual paradigma de desenvolvimento apresenta-se simultaneamente insustentável social e ambientalmente, promovendo uma crescente desigualdade social e a sobre-exploração dos recursos naturais, colocando em causa a necessária conservação e regeneração do capital natural. Ainda neste quadro, poucos resultados vêm sendo conseguidos no que concerne a mitigação dos problemas ambientais, continuando-se no rumo de alterações climáticas potencialmente irreversíveis (Moore, 2011).

Constatando-se esta relação de interdependência entre problemas sociais e ambientais, o grande desafio do século XXI passará por assegurar a ­sustentabilidade ambiental e garantir os direitos fundamentais a uma população mundial em rápido crescimento, estimando-se que atinja os 10 mil milhões de pessoas em 2050 (Haines et al., 2012).

 

DOS “LIMITES AO CRESCIMENTO” AO “DIREITO A UM AMBIENTE DE VIDA SADIO E ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO”

 

(…) todos os seres humanos têm o essencial direito ao ambiente adequado à sua saúde e bem-estar [Comissão Mundial de Ambiente e Desenvolvimento, 1991]

 

A consciência da potencial escassez de recursos, em consequência do aumento populacional e intensificação do consumo, surgedocumentada logo no século XVIII, nas reflexões do reverendo Thomas Malthus sobre os limites ao crescimento populacional impostos pelo carácter finito dos recursos do planeta e sua relação com o aumento da pobreza na Inglaterra de 1798 (Mebratu, 1998).

É, contudo, no século XX, que a relação entre ambiente, desenvolvimento e direitos humanos se torna alvo de reforçada atenção em vários fora, incluindo órgãos de direitos humanos das Nações Unidas, órgãos regionais de direitos humanos, conferências internacionais sobre o desenvolvimento sustentável, acordos ambientais multilaterais e em estudos académicos. De facto, ao longo desse século, a afirmação gradual da consciência dessas inter-relações alicerçou-se em importantes contributos de impacto internacional. A Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano (Conferência de Estocolmo) sublinhava, no Princípio 1 da sua Declaração:

 

O Homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida adequadas, num ambiente de qualidade que permita uma vida de dignidade e bem-estar, e tem uma responsabilidade solene de proteger e melhorar o ambiente para as gerações presentes e futuras [CNUMAH, 1972, Princípio 1].

 

Nesse mesmo ano, amplificada pelo enquadramento da Conferência de Estocolmo e pela crise do petróleo da década de 1970, a obra Limites do Crescimento atraiu enorme atenção internacional, constituindo um marco na mediatização deste debate (Meadows, Randers e Meadows, 1972).

A noção de sustentabilidade ambiental, conciliada com desenvolvimento humano e direitos humanos, foi em 1987 mais profundamente articulada no Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum”, pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, onde a importância de garantir “as ­necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas” foi reforçada, advogando-se que “todos os seres humanos têm o essencial direito ao ambiente adequado à sua saúde e bem-estar” (CMAD, 1991). Este relatório e os princípios nele vertidos tornaram-se referência nos esforços subsequentes, designadamente na Conferência da Terra no Rio de Janeiro, em 1992. Nesta, a comunidade internacional sublinhou que o desenvolvimento deverá ser sustentável, com o ser humano no centro dessas preocupações.

Na Declaração do Rio e na Agenda 21, ambas resultantes da Conferência do Rio de Janeiro de 1992, destacou-se a melhoria das condições das populações e a melhor gestão e proteção dos ecossistemas como um processo integrado, não podendo ser considerados isoladamente:

 

[…] caso se integrem as preocupações relativas a meio ambiente e desenvolvimento e a elas se dedique mais atenção, será possível satisfazer às necessidades básicas, elevar o nível da vida de todos, obter ecossistemas melhor protegidos e gerenciados e construir um futuro mais próspero e seguro [CNUAD, 1992].

 

Os Estados repetiram este compromisso na Conferência Rio+20, em 2012, na perspetiva de “garantir a promoção de um futuro económica, social e ambientalmente sustentável para o nosso planeta e para as gerações presentes e futuras” (CNUAD, 2012).

As Conferências das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável renovaram ao longo dos anos, com diferentes graus de ambição, esse desiderato. Estas preocupações têm efetivamente vindo a permear as legislações nacionais. Praticamente todos os Estados do mundo promulgaram leis destinadas a reduzir a poluição do ar e da água, regulando substâncias tóxicas e prevendo a conservação dos seus recursos naturais. Em muitos destes Estados, esse esforço legislativo foi acompanhado pela inserção de direitos ambientais explícitos nas suas constituições. Em 1976, Portugal tornou-se o primeiro país a adotar o “direito a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado” (Constituição da República Portuguesa, 1976). Desde então, mais de 90 Estados adotaram direitos semelhantes nas suas constituições nacionais (Knox, 2012).

Ao nível regional verifica-se um proliferar de convenções e cartas com este tipo de preocupações em todo o globo:

 

a) A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1981 prevê que “todos os povos têm direito a um ambiente satisfatório e global, propício ao seu desenvolvimento” (Organização da Unidade Africana, 1981, artigo 24).

b) O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1988 afirma que todos têm o “direito de viver num ambiente saudável” (Organização dos Estados Americanos, 1988, parágrafo 1).

c) A Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa estabeleceu igualmente, na Convenção de Aarhus de 1998, obrigações detalhadas no que diz respeito ao acesso à informação, participação pública e acesso à justiça em questões ambientais, sublinhando o “direito de todos os indivíduos, das gerações presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem-estar” (UNECE, 1998).

d) Carta Árabe de Direitos Humanos, de 2004, inclui-se também o direito a “padrões de vida adequados, que garantam o bem-estar (…) e o direito a um ambiente saudável” (Liga Árabe, 2004, artigo 38).

e) Identicamente, na Declaração dos Direitos Humanos adotada pela Associação das Nações do Sudeste Asiático, em 2012, foi incorporado, “como um elemento do direito a um padrão de vida adequado”, o “direito a um ambiente seguro, limpo e sustentável” (ASEAN, 2012 parágrafo 28, f).

 

A questão parece hoje não passar tanto pela constatação da relação e da importância entre ambiente e direitos humanos, que se veio a afirmar ao longo do tempo, mas sim a sua aplicação na prática (Moore, 2011). Se por um lado a relação entre ambiente e direitos humanos tem recebido um impulso significativo através da agenda política multilateral, enquanto questão inerentemente global, por outro lado a sua operacionalização apresenta-se constrangida quer pelos limites do exercício de soberania dos Estados, quer pela inexistência de poder sancionatório do direito internacional. Ao longo do tempo, não parece assim existir escassez de declarações sobre obrigações de direitos humanos relacionados com o ambiente. Poderá, contudo, afirmar-se que não existe ainda uma constituição conjunta, coerente e amplamente vinculativa de normas que permita a sua implementação efetiva.

 

DIREITO AMBIENTAL, OU SUPORTE AMBIENTAL DOS DIREITOS HUMANOS? NORMAS E DEVERES DE DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO AMBIENTAL

 

[…] climate change-related impacts have a range of implications, both direct and indirect, for the effective enjoyment of human rights [UNHRC, 2009a]

 

Ao longo de 40 anos de preocupações ambientais, foi sendo estabelecida a inter-relação entre ambiente, desenvolvimento e direitos humanos, à medida que se consubstanciou a perceção dos efeitos nocivos decorrentes das alterações ambientais nos ecossistemas e o seu inevitável impacto na condição e desenvolvimento humanos. O reconhecimento da estreita relação entre direitos humanos e ambiente tem tomado duas formas: a adoção de um novo direito explícito a um ambiente caracterizado como saudável, seguro, satisfatório ou sustentável; ou uma maior atenção na relação entre o ambiente e direitos já reconhecidos, como o direito à vida e à saúde.

Nos órgãos das Nações Unidas de Direitos Humanos, este tópico tornou-se mais visível no início de 1990. Nesse ano, a Subcomissão de Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias nomeou Fatma Zohra Ksentini como relatora especial sobre os direitos humanos e o ambiente. Ksentini, no seu relatório de 1994, conclui que a degradação ambiental tem um efeito adverso na consagração de vários direitos humanos e que infrações aos direitos humanos geram/potenciam degradação ambiental. Sublinhando que os fatores ambientais constituem uma barreira significativa para a realização dos direitos humanos e uma grande ameaça ao direito à vida, a relatora da ONU reconheceu um fosso patente entre o direito ambiental internacional e os direitos humanos. Por último, salientou que as ações por parte da comunidade internacional no desenvolvimento do pensamento jurídico nessas áreas e na modificação dos existentes mecanismos para incorporar as violações dos direitos humanos, que ocorrem direta ou indiretamente a partir de fatores ambientais, eram ainda diminutas (Ksentini, 1994).

Este relatório não originou, no entanto, um novo direito humano “ambiental”, mas potenciou e intensificou a designada “ecologização” ou o “esverdeamento” dos direitos humanos – ou seja, reforçou a relação dos direitos humanos já reconhecidos com o ambiente. O impacto das alterações climáticas sobre os direitos humanos já estabelecidos foi novamente sublinhado em 2008-2009, num estudo pedido pelo CDHNU ao Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (UNHRC, 2008). Este estudo concluiu que as alterações climáticas representam ameaças diretas e indiretas a muitos direitos, tais como: os direitos à vida e alimentação, como resultado da desnutrição e de eventos climáticos extremos; e o direito à água (UNHRC, 2009b). Nessa sequência, em 2012, o CDHNU, pela resolução 19/10, decidiu nomear um perito independente, o professor John Knox, para avaliação de questões de direitos humanos referentes a um ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável (Knox, 2012).

Verifica-se então uma tendência para um reconhecimento internacional da conexão entre a garantia dos direitos humanos e a preservação do ambiente, mais do que a opção pela inclusão de um direito humano específico ao ambiente, apesar de o mesmo ter sido introduzido em algumas constituições nacionais. De facto, a relação entre direitos humanos e proteção ambiental no direito internacional está longe de ser simples. O tema continua a constituir um desafio para a agenda das instituições de direitos humanos e para o Programa Ambiental das Nações Unidas, colocando questões difíceis sobre princípios básicos do direito internacional dos direitos humanos (Boyle, 2012). Contudo, têm vindo a ser desenvolvidas em número crescente afirmações legais, identificadas como corpo de normas de direitos humanos relacionados com o ambiente, fornecendo fortes evidências de tendências convergentes para uma maior uniformidade e segurança nas obrigações daí decorrentes.

Embora o direito internacional não forneça um meio claro para avaliar as atividades de desenvolvimento económico e os seus impactos sobre os direitos humanos, nem para responsabilizar os principais atores desse processo, aos Estados já é reconhecida a obrigação de proteção contra os danos ambientais que interferem com os direitos humanos. Não obstante, os contornos específicos das obrigações ambientais encontram-se ainda em debate sendo que muitas destas não são formalmente aceites por todos os Estados.

As obrigações e normas relativas ao ambiente dividem-se em dois conjuntos distintos: (i) direitos cujo uso é particularmente vulnerável à degradação ambiental – direitos substantivos – por exemplo, direito à vida, à saúde e à propriedade; (ii) e direitos cujo exercício suporta melhor a formulação de políticas ambientais – direitos processuais – direito à liberdade de expressão, de associação, de informação, e de participação na tomada de decisões (Knox, 2012).

No que toca aos direitos processuais, a avaliação dos impactos ambientais sobre os direitos humanos, a disponibilização de informação ambiental ao público, a facilitação da participação nos processos de tomada de decisões e a dinamização de soluções de mitigação, são obrigações que, antes de mais, se colocam aos Estados. A obrigação de facilitar a participação pública inclui, igualmente, a obrigação de proteger os direitos de liberdade de expressão e de associação contra ameaças, assédio e violência.

Já em relação aos direitos substantivos, sublinha-se a adoção de quadros legais e institucionais que protejam as populações contra danos ambientais que interfiram com os seus direitos humanos, incluindo danos causados por agentes privados. O Representante Especial do Secretário-Geral para a questão dos direitos humanos e corporações transnacionais e empresas (John ­Ruggie) advoga que existem incentivos internacionais para que os Estados tomem medidas regulamentares para evitar abusos por parte das suas empresas no exterior (Ruggie, 2008), sublinhandocontudo a necessidade de se fazer mais nesse sentido (Ruggie, 2010).

A obrigação de proteger os direitos humanos de impactos decorrentes de danos ambientais não implica, contudo, que os Estados proíbam todas as atividades que possam causar qualquer tipo de degradação ambiental. Os Estados têm liberdade para estabelecer um equilíbrio entre proteção ambiental e outros interesses sociais legítimos, sendo que o equilíbrio não pode resultar em infrações previsíveis de direitos humanos (Knox, 2012). Apesar de reconhecido o direito dos Estados de buscar o desenvolvimento económico, sendo seu atributo a gestão dos seus próprios recursos naturais e do seu território, esta prerrogativa não pode legalmente ser exercida sem ter em conta o impacto negativo sobre o ambiente ou sobre direitos humanos. Os Estados têm a responsabilidade de proteger os direitos humanos de danos ambientais causados pelas empresas e indústria (Boyle, 2012).

Além de uma exigência geral de não discriminação na aplicação das leis ambientais, os Estados podem ter obrigações adicionais para segmentos da população já em situação de vulnerabilidade (como mulheres, crianças e povos indígenas). De facto, prevê-se que os piores efeitos das alterações climáticas serão sentidos pelos indivíduos e grupos cuja proteção dos seus direitos é já precária. Populações cujos direitos são mal protegidos estão menos equipadas para entender ou preparar-se para os efeitos das alterações climáticas, menos capazes de fazer lobby para uma ação governamental ou internacional e mais propensos a não ter os recursos necessários para se adaptar às alterações previstas (Humphreys, 2009). Proporciona-se, neste quadro, um círculo vicioso em países de renda baixa e onde os governos possuam menos capacidade, com acesso precário aos recursos naturais, infraestruturas físicas deficientes, proteção fraca dos direitos humanos e vulnerabilidade face às alterações climáticas, que tenderão a afetar as populações de forma irregular e desigual, já que a capacidade de os indivíduos resistirem e se adaptarem diferirá (Archer e ­Humphreys, 2008).

Embora os contornos específicos das obrigações ambientais sejam ainda apenas “normas gerais”, pouco definidas e controversas, com aplicação ­heterogénea, variando de Estado para Estado, é já reconhecida a obrigação de proteção contra os danos ambientais que interferem com os direitos humanos. É por isso necessária uma mais ampla clarificação do conteúdo das obrigações de direitos humanos extraterritoriais relacionados/dependentes do ambiente.

Nesse âmbito, parece-nos interessante, se bem que ainda se encontre pouco analisado, o debate acerca dos méritos da internalização dos princípios, e prática, dos direitos humanos nos esforços para a transição para um novo paradigma social, económico, tecnológico e ambiental: uma sociedade de baixo carbono, catalisada pelo conceito operacional da “economia verde”. Uma construção que se pretende alicerçada na definição e afirmação de uma nova retórica, não apenas baseada em fatores económicos e ambientais, mas reforçada com fatores “humanos”, que a seguir exploraremos.

 

REDEFININDO “ECONOMIA VERDE” NUMA ÓTICA DE DIREITOS HUMANOS

 

Countries cannot achieve sustainable development while conflict rages, while human rights are breached, while good governance and the rule of law are neglected, and while inequality and injustice feed the fires of instability [Ban Ki-moon, 2014 Cimeira G77 mais China].

 

Uma noção estrita de salvaguarda ambiental pode ser entendida simplesmente como a identificação e minimização de impactos diretos ou indiretos sobre o ambiente, potencialmente geridos por um sistema de preços reforçado, penalizando a externalização desses impactos para terceiros. No entanto, na análise da problemática ambiental, consolidou-se atualmente uma perceção diferente, sistémica, sublinhando-se a necessidade de envolvimento de toda a sociedade numa alteração de mentalidades e comportamentos (Schmidt, Nave e Guerra, 2010). A sustentabilidade é compreendida num sentido mais lato, com uma vertente ambiental (poluição, resíduos, uso de recursos), social (saúde, bem-estar) e económica (competitividade). Nos fora académicos e em organizações internacionais multilaterais, como a União Europeia, Nações Unidas e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, tem-se defendido o acelerar do desenvolvimento de soluções que conciliem dinamismo económico, melhoria das condições de vida das populações e, ao mesmo tempo, assegurem a sustentabilidade ambiental (EIO, 2011; UNDESA, 2011). Considerando-se que, perante os desafios que se colocam, o “business as usual” não é uma opção, reconhece-se que ainda se mantém uma lenta evolução na definição de uma estratégia de resposta eficaz, seja ao nível local, nacional ou global (OCDE, 2012). O combate à degradação ambiental e às alterações climáticas implicará então alterações fundamentais nos modelos de desenvolvimento e de tomada de decisões estratégicas, questões que têm, inevitavelmente, consequências diretas no que concerne os direitos humanos (Humphreys, 2009).

A sustentabilidade tem vindo recentemente a ser definida como o objetivo a concretizar através da afirmação de um novo paradigma de desenvolvimento tecno-económico, a “economia verde”.

Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (ou Rio + 20) que o conceito de “economia verde” surge como um tema central no caminho para sustentabilidade, através de várias organizações internacionais como o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Esta corrente otimista advoga que soluções “win-win” de sustentabilidade e desenvolvimento económico são possíveis (hipótese de Porter e Van der Linde, 1995). Trata-se de um conceito operacional que visa a construção de um modelo socioeconómico com capacidade para assegurar, simultaneamente, o crescimento e desenvolvimento económico, uma melhoria das condições de vida das populações, mais emprego, redução das desigualdades e da pobreza, e a preservação do “capital natural”. A capacidade de uma “economia verde” para apoiar a transição para a sustentabilidade é, contudo, frequentemente debatida, principalmente na presença de diferenças na interpretação do conceito de sustentabilidade.

A “economia verde” é entendida de forma diferente mediante escolas de pensamento ligadas à economia ambiental ou à economia ecológica e a conceções de sustentabilidade fraca e forte (Dietz e Neumayer, 2007). O conceito de sustentabilidade fraca postula a possibilidade de trade-offs, isto é, a substituição do capital natural por capital humano. Ligada principalmente à escola de pensamento da economia ambiental, esta conceção assenta na compatibilização entre desenvolvimento económico e sustentabilidade ambiental. A degradação ambiental é, nesta ótica, identificada como um problema a resolver, sem carácter de irreversibilidade. O progresso tecnológico é assumido como essencial nessa resolução, potenciando soluções e ferramentas técnicas para problemas ambientais (Ekins et al., 2003).

Noutra perspetiva, a sustentabilidade forte defende que o capital humano e o capital natural, embora complementares, não são ilimitadamente permutáveis. Esta corrente, ligada à economia ecológica, considera que nem sempre os trade-offs são possíveis, identificando igualmente limitações à inovação tecnológica. Esta é uma perspetiva mais ecológica que preconiza mudanças estruturais na sociedade, que considera incontornáveis (Dietz e Neumayer, 2007). No entanto, ainda não existe evidência que mostre que conceitos de sustentabilidade forte como “degrowth” ou “steady-state” possam ser implementados sem comprometer dinâmicas macroeconómicas, como a criação de emprego. Tal, torna estas correntes uma opção difícil no quadro atual de feroz competição internacional entre Estados e entre cooperações transnacionais (Bergh, 2001).

Uma vez que garantir uma mais ampla prosperidade global num mundo de recursos limitados constitui um dos maiores desafios económicos e políticos do nosso século, perante a dificuldade em romper com a inércia e os interesses instalados, o discurso da “economia verde” coloca a ênfase na vertente económica, procurando mostrar o potencial de inovação, diferenciação e competitividade que daí poderá advir (Fisher, 2013). A mensagem pretendida é clara: o desenvolvimento económico e a sustentabilidade não são incompatíveis. A procura das melhores formas de reforçar mutuamente estas realidades reveste-se inclusive de grande potencial no sentido de estimular a atividade económica, através da criação de novos modelos de negócio e produtos e serviços mais compatíveis com os imperativos ecológicos.

Embora a “economia verde” esteja mais relacionada com a sustentabilidade fraca, por exemplo mais focada na eficiência energética ou mitigação da poluição, encontra-se igualmente ligada a conceitos dirigidos para transformações industriais/societais (e.g. ecologia industrial). Poderá assim ser definida como um conceito abrangente, englobando diferentes dimensões. Desta forma, e depois de anos de desejável e contínua redefinição, se “economia verde” apenas visar uma produção mais “verde”, sem uma redução absoluta do uso de recursos naturais, continuará a ser considerada um falhanço nas definições de sustentabilidade forte (Loiseau, 2016). O que se propõe é então uma redefinição para inclusão de vetores mais antropocêntricos. Sendo um conceito com significativa operacionalização política, o seu reforço de conteúdo neste sentido, poderá ser a chave para a definição de objetivos fortes por parte dos decisores políticos.

Na constatação da forte inter-relação entre direitos humanos e ambiente, a concretização do desenvolvimento sustentável, via “economia verde”, terá de unir os temas, já que esta transição só será possível no respeito simultâneo dos direitos humanos e da preservação do ambiente. A abordagem limitada à vertente económica, mesmo se teoricamente mais respeitadora dos limites ambientais, carece assim do complemento de um enquadramento de direitos humanos e do seu papel como garante de uma sociedade mais justa e equitativa. Só a integração dos direitos humanos na equação do desenvolvimento e da “economia verde” permite olhar com confiança a transição para a sustentabilidade, potenciando a interdependência entre direitos humanos, economia e ambiente, de forma a garantir o respeito por todos os direitos e para todas as pessoas.

A viabilidade da “abordagem dos direitos humanos” na formação de políticas efetivas para enfrentar a degradação ambiental e as alterações climáticas, não é ausente de problemas, designadamente:

 

a) na constatação da difícil aplicação dos direitos em questão. As alterações climáticas em geral (embora não exclusivamente) afetam as categorias de direitos humanos que têm mecanismos de aplicação notoriamente fracos sob o direito internacional, como os direitos económicos, os direitos dos migrantes, bem como a proteção dos direitos durante os conflitos (Humphreys, 2009). Por outro lado, o uso dos direitos existentes não é suficientemente robusto para o reconhecimento de novos direitos, o que impede a transformação dessa prática num princípio de direito internacional consuetudinário (Leib, 2011);

b) devido à complexidade na identificação das responsabilidades locais e extraterritoriais, é difícil responsabilizar as autoridades locais e governos por circunstâncias que não criaram diretamente. Embora o governo tenha o dever de agir quando os direitos humanos são violados, no contexto das alterações climáticas, a responsabilidade por impactos nos países mais vulneráveis muitas vezes não é do governo, mas sim de atores difusos, muitos dos quais estão localizados longe do território afetado, o que constitui grandes dificuldades em termos de responsabilização dos agentes (Humphreys, 2009);

c)na dificuldade de mostrar uma conexão causal entre o dano ambiental e o seu impacto na vida e saúde humana (Leib, 2011);

d) outros direitos humanos (culturais, de liberdade de religião, ou reunião de família) podem entrar em conflito com as políticas de adaptação, ou de mitigação às alterações climáticas (Humphreys, 2009);

e)    direitos humanos existentes não são facilmente invocados para defender os direitos das gerações futuras, ou mesmo os interesses não-antropocêntricos, como a preservação de espécies e ecossistemas (Leib, 2011);

f)    as condições de emergência limitam a aplicação do direito internacional dos direitos humanos. Prevê-se que os mais severos impactos das alterações climáticas serão catastróficos – secas, inundações, fome, migração em massa, guerras – sendo a resposta comum a declaração de emergência. Os tratados internacionais de direitos humanos, e a maioria das constituições nacionais, permitem normalmente a suspensão de muitos direitos humanos em tempos de emergência (­Humphreys, 2009).

 

Não obstante, esta abordagem pode contribuir para mitigar alguns das limitações apontadas ao conceito de “economia verde”, percebido como reduzindo a ecologia e o ambiente a uma mera parte da economia, assim ignorando o papel do ambiente como contexto fundamental e transversal a todas as economias. A transição para uma “economia verde” é ainda considerada como colocando menor enfâse na dimensão social, logo dedicando menos atenção ao acompanhamento das ações nesse sentido por uma política redistributiva da riqueza eficaz, que mitigue o fosso entre ricos e pobres, e entre economias desenvolvidas e em desenvolvimento. E, como tal, favorecendo um discurso político em que “(…) a sobrevivência tem precedência sobre uma vida melhor”, secundarizando a justiça de uma partilha equitativa dos recursos limitados (Unmüßig et al., 2012). Ora, as alterações climáticas afetarão progressivamente a realização dos direitos humanos, sendo que, à medida que os danos causados sejam sentidos, é provável que o tema seja gradualmente reforçado (Humphreys, 2009) e a necessidade de intervir de forma integrada (levando em linha de conta necessidades económicas, direitos humanos e imperativos ambientais) emergirá com maior veemência.

De facto, a utilização de uma ótica de direitos humanos pode ser útil na abordagem e gestão das alterações climáticas, potenciando sinergias na adaptação e/ou minoração dos seus impactos, sejam eles sociais ou ambientais. Com efeito, a afirmação da relação entre direitos humanos e ambiente propicia abordagens que mobilizam a retórica dos direitos humanos para promover a alteração de paradigma ambiental e económico, possibilitando um maior foco da política nas condições humanas já afetadas pelas alterações climáticas e no seu crescimento no futuro (Archer e Humphreys, 2008).

Uma abordagem de direitos humanos na conceptualização da “economia verde” oferece, portanto, uma série de vantagens. Desde logo, analisar a problemática da degradação ambiental como um problema de direitos humanos tem uma função simbólica ou política. A linguagem dos direitos humanos proporciona não apenas argumentos jurídicos, mas também fora de discussão desses argumentos. Além disso, ao focar os danos sofridos pelos indivíduos e comunidades coloca uma face humana nos impactos das alterações climáticas, ajudando a mobilizar a preocupação pública e a estimular o processo político (Bodansky, 2010). Os direitos humanos podem, desta forma, servir de instrumento potenciador de uma ação prévia, de forma a evitar consequências irreversíveis quer ao nível da qualidade ambiental, quer ao nível da qualidade social e direitos humanos (Humphreys, 2009).

Independentemente da discussão do ambiente como um direito humano autónomo, ou como inter-relacionado com os restantes direitos, a virtude da utilização da perspetiva de direitos humanos no ambiente decorre do seu foco no indivíduo. A definição de ambiente como um direito, ou assessor de vários direitos humanos, pode potenciar a ação dos Estados na tomada de medidas para controlar a poluição que afeta a saúde e a vida privada. Acima de tudo, ajuda a promover o Estado de Direito, no contexto de que os governos se tornam diretamente responsáveis pela regulação e controlo de perturbações ambientais (incluindo as causadas por empresas), e por fazer cumprir as leis ambientais e facilitar o acesso à justiça.

Clarificar a existência da inter-relação entre ambiente e direitos humanos, dando maior peso ao interesse público global na proteção do ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável, parece ser possível sem causar danos ao tecido da legislação de direitos humanos já existente, ao mesmo tempo respeitando e integrando as prerrogativas estatais de equilíbrio de objetivos de política económica, ambiental e social (Boyle, 2012).

Olhando para a questão por um outro prisma, as próprias políticas de adaptação e mitigação face às alterações climáticas levantam questões de direitos humanos, beneficiando de uma abordagem integrada. Quando um governo age para combater as alterações climáticas, deve fazê-lo de maneira a respeitar os direitos humanos, i. e. políticas florestais devem respeitar os direitos indígenas, políticas de biocombustíveis devem respeitar o direito à alimentação e assim por diante (Bodansky, 2010).

As respostas aos problemas colocados pela degradação ambiental parecem mais eficazes se incluírem critérios de direitos humanos na avaliação dos danos futuros, das áreas suscetíveis de vulnerabilidade e na comparação das diversas medidas disponíveis. Qualquer estratégia (ou combinação de estratégias), a nível global, tende a determinar o acesso, a longo prazo, que muitos milhões de pessoas terão a bens públicos básicos e, a curto prazo, as escolhas poderão afetar a utilização da terra e de recursos, com impacto na disponibilidade de comida, água e saúde.

As considerações de direitos humanos são também relevantes na transferência de tecnologia, podendo ajudar a informar e orientar as políticas de desenvolvimento para a inovação e transferência adequada de tecnologia, através da identificação de necessidades prementes e possíveis soluções. A transferência de tecnologia é relevante tanto para adaptação (irrigação, diques, seleção de culturas, dessalinização, …) como para mitigação de longo prazo (energias renováveis, tecnologias “verdes”) face às alterações climáticas.

Ao mesmo tempo, a adaptação à degradação ambiental pode ser uma resposta compensatória ou corretiva para potenciais ou atuais violações de direitos humanos decorrentes do ambiente. Intervenções adaptativas, antes ou durante impactos das alterações climáticas, reduzem a probabilidade de violações dos direitos, ou podem fornecer compensação onde as violações já tiveram lugar (Archer e Humphreys, 2008).

Um direito a um ambiente salutar per se não vai salvar o clima global, mas pode aumentar a pressão política sobre os governos para avançar mais, e mais rápido, em direção às metas já consagradas na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. O desafio que se coloca para um desenvolvimento sustentável é o de assegurar que a proteção ambiental está totalmente integrada com a política económica (Boyle, 2012) e demais dinâmicas societais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS1

 

Com a conclusão científica da responsabilidade antrópica na degradação ambiental e redução da biodiversidade, bem como das consequências adversas para a ecologia humana que daí poderão resultar, afirmou-se também a noção de que existe uma inter-relação entre direitos humanos e ambiente. Tal decorre da constatação da estreita interdependência entre as duas realidades, já que a degradação ambiental tem uma ampla gama de implicações no direito à vida, saúde, alimentação, água, habitação e autodeterminação, mas também porque os direitos à liberdade de expressão e de associação, à informação e à participação na tomada de decisões, influenciam a capacidade de uma sociedade se consciencializar e mobilizar quanto a ações concretas, de prevenção ou mitigação, no sentido da salvaguarda ambiental.

O cimentar desta noção, resultante do conceito de desenvolvimento sustentável cunhado há três décadas, propiciou duas formas de abordar este tema em sede de direitos humanos: a adoção de um novo direito, explícito, a um ambiente caracterizado como saudável, seguro, satisfatório ou sustentável; e, naquela que tem sido a tendência predominante, uma maior atenção na relação entre o ambiente e o uso e respeito de direitos já reconhecidos. Neste debate, esta última visão foi ainda mais reforçada com a adoção em 2015 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, construída sobre a base dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio.

O contributo da “economia verde” para a prossecução dos objetivos da Agenda 2030, enquanto alteração de paradigma para uma sociedade de baixo carbono que capacite um desenvolvimento sustentável, parece um conceito muito interessante a desenvolver e, sobretudo, a implementar, se:

 

a)   possibilitar desenvolvimento sustentável, inclusivo e equitativo;

b)   promover tecnologias inovadoras e modos de produção e consumo mais sustentáveis;

c)    assegurar os interesses humanos e ecológicos num “contrato social verde”;

d)   pressupor uma ação contínua do poder político, dos cidadãos e de outros atores da sociedade civil;

e)    garantir os direitos fundamentais (humanos, ambientais, económicos…) para todos.

 

Muito mais do que a vantagem económica de ações de prevenção da ­degradação ambiental em detrimento da mitigação ex post facto, utilizada como o alicerce das abordagens à sustentabilidade segundo a ótica das relações custo-benefício, exige-se a responsabilidade aos governos dos Estados de agir no sentido de garantir aos seus cidadãos o respeito e a concretização dos seus direitos humanos fundamentais.

Respondendo às questões de partida, a associação entre os direitos humanos e o ambiente é hoje inequívoca, existindo também uma relação positiva entre defesa dos direitos humanos e sua inclusão nos objetivos da “economia verde”. Tal traduz-se numa dinâmica de reforço mútuo e de integração num quadro mais alargado, que inclui os direitos civis, políticos, económicos e sociais, conceptualizando na linguagem dos direitos económicos e sociais a ideia do ambiente como um bem comum. Esta abordagem integrada alia à capacidade operacional e mobilizadora da “economia verde”, e sua implementação no discurso político, o carácter universal e congregador da proteção ambiental e defesa dos direitos humanos.

 

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Recebido a 29-06-2015. Aceite para publicação a 31-01-2016

 

NOTAS

 

1 Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da investigação em curso no quadro da Bolsa financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia Ref: SFRH/BD/52295/2013. CENSE é financiado através de Projetos Estratégicos Pest-OE/AMB/UI4085/2013 da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Portugal. As fontes de financiamento não desempenharam qualquer papel na conceção, análise, interpretação, ou escrita do artigo ou na decisão de publicar. Agradecemos ainda aos referees anónimos, cujos comentários e sugestões em muito contribuíram para a construção do artigo final.

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