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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.222 Lisboa mar. 2017

 

ARTIGO

Tecnologia, periferia, caciquismo: Abílio Beça e o caminho-de-ferro de Bragança

Technology, periphery, local leadership: Abílio Beça and the Bragança railway

 

Hugo Silveira Pereira*

* Centro Interuniversitário de História da Ciência e da Tecnologia, FCT, Universidade Nova de Lisboa, Campus de Caparica, Edif. VII, Piso 2 — 2829-516 Caparica, Portugal. E-mail:hugojose.pereira@gmail.com

 

RESUMO

No final do século XIX o alto distrito brigantino estava desligado da rede ferroviária nacional. As tentativas apresentadas ao Parlamento para corrigir esta situação foram invalidadas pela bancarrota parcial do Estado em 1892. Apesar da crise, Abílio Beça, um influente homem local de Bragança, lutou para que o governo construísse a continuação da linha do Tua desde Mirandela até àquela cidade. Neste artigo procuraremos explicar a forma como Abílio Beça se tornou um notável na região e como subiu nas fileiras do Partido Regenerador de modo a convencer o governo a abrir concurso para a concessão do caminho-de-ferro. Analisaremos também este processo dentro do modelo centro-periferia numa tripla perspetiva: económica, política e tecnológica.

Palavras-chave: linha do Tua; caminhos-de-ferro; políticas territoriais; tecnopolítica.

 

ABSTRACT

By the end of the nineteenth century the northernmost regions of the district of Bragança were still not connected to the national railway network. The attempts presented to the parliament to solve this situation were disregarded due to the partial default of Portugal in 1892. Despite the crisis, Abílio Beça, a “cacique” (local leader) from Bragança, struggled to convince the government to build the extension of the Tua line from Mirandela to Bragança. This paper explains how Abílio Beça became a local influencer and how he rose in the hierarchy of the Regenerator Party to convince the government to open a tender for the adjudication of the railway. We analyze this process under the center-periphery model in a triple perspective: economic, political, and technological

Keywords: Tua line; railways; territorial politics; technopolitics.

 

INTRODUÇÃO, METODOLOGIA E FONTES1

Em 1887 a linha do Tua chegava a Mirandela, deixando, contudo, Bragança fora da rede férrea nacional. Depois de um par de tentativas falhadas para decretar a construção, o processo foi suspenso com a bancarrota parcial de 1892. Na viragem do século XIX para o século XX, diversos transmontanos influentes procuraram que o governo central financiasse o assentamento da linha. Entre esses influentes destacou-se um advogado e político brigantino, Abílio Beça, cuja biografia agora apresentamos.

A biografia, enquanto estilo historiográfico para a análise do século XIX português, foi durante anos desprezada, dada a predileção pela história total dos Annales, em prejuízo das histórias individuais (Sardica, 2005a, pp. 21-23; Fernandes, 2010, pp. 20-23). Por outro lado, a carência de fontes criadas pelas elites oitocentistas (Moreira, 1998, p. 53) e a dificuldade em aceder a arquivos particulares limitaram a afirmação da biografia. Mas a partir da década de 1990 foram realizados diversos estudos sobre protagonistas da segunda metade do século XIX nacional. Fundamentalmente, a biografia deve ser usada não como um fim, mas como um meio para enriquecer o conhecimento sobre a sociedade do biografado, tendo em conta “le champ dans lequel elle [a trajetória individual] s’est déroulée” (Bourdieu, 1986, p. 72; Le Goff, 1995, p. 12. Levi, 1989, pp. 1328-1333).

Neste artigo a biografia de Abílio Beça será usada como instrumento de análise do processo político de decisão da construção da linha de Bragança. Seguiremos assim a metodologia de Hughes (1983, p. X e 1-17; Vleuten, 2006) de acompanhar o percurso dos principais intervenientes no estabelecimento de grandes sistemas tecnológicos (os system builders), adicionando, porém, um outro plano de análise: a relação entre centro e periferia no Portugal de finais do século XIX e inícios do século XX, no seu sentido económico (Wallerstein, 1990), político (Bulpitt, 1983) e tecnológico (Vasileios, 2015; Simões, Carneiro e Diogo, 2003, pp. 4-13).

Veremos que a trajetória de Beça se desenvolveu inicialmente em ­Bragança, onde se viria a afirmar como cacique local. Assim que obteve tal estatuto, passou a agir como intermediário entre o centro decisor (Lisboa) e a periferia (Bragança), com o objetivo de aproximar ambas as regiões através da tecnologia ferroviária. Em troca, auxiliou o governo central a estender a sua influência sobre o território (Moreno, 1998, pp. 445-446). Bragança era uma zona da periferia económica, política e técnica da nação, e o caminho-de-ferro foi encarado como solução para minorar, e até eliminar, tal distanciamento.

Neste sentido usaremos o modelo de Bulpitt (1983), que considera a sede do governo como centro e tudo o resto como periferia, e em específico o conceito de políticas territoriais:

 

that arena of political activity concerned with the relations between the central political institutions in the capital city and those interests, communities, political organisations and governmental bodies outside the central institutional complex [Bulpitt, 1983, pp. 1-3 e 60].

 

Deste conceito não se pode dissociar o de tecnopolítica, a política que é conduzida através de meios tecnológicos ou a estratégia baseada na tecnologia para impor fins políticos (Hecht, 2009, p. 89; Mehos e Moon, 2011, p. 43).

Com este estudo procuraremos também contribuir para o conhecimento sobre a história dos caminhos-de-ferro nacionais (para o atual estado da arte v. Pereira, 2015b), em particular sobre os homens que assumiram, financiaram ou influenciaram a construção de ferrovias em Portugal.

Sobre este tema existem já estudos sobre diversos indivíduos relevantes, como as biografias de Fontes Pereira de Melo (Mónica, 1999), Ávila (Sardica, 2005a), Mariano de Carvalho (Fernandes, 2010) ou Eugénio de Almeida (­Sardica, 2005b). Dispomos também de notas sobre acionistas das companhias ferroviárias nacionais (Pinheiro, 2008, pp. 143-180), sobre deputados que defenderam uma ou outra linha no Parlamento (Mónica, 2005-2006) e sobre alguns engenheiros que as construíram (Macedo, 2009).2

No caso específico da linha do Tua dispomos de duas biografias sobre os indivíduos que fizeram pressão e arrebataram a concessão da primeira secção da linha (até Mirandela), respetivamente, Clemente Menéres (Viseu, 2013a) e o marquês da Foz (Santos, 2014). Ainda sobre este trecho da via temos estudos sobre os engenheiros Dinis da Mota e Almeida Pinheiro, que a construíram (Pereira e Cordeiro, 2015). Para a segunda parte do caminho-de-ferro (até Bragança) a ação do empreiteiro João da Cruz e do engenheiro Costa Serrão está bem documentada, bem como a atuação política da família Beça (Pereira, 2014).

A principal referência sobre a vida de Abílio Beça é a obra do abade de Baçal, Francisco Manuel Alves, Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, um trabalho extremamente meritório do ponto de vista de recolha de fontes, mas que está longe de poder ser considerado um exercício de investigação crítico. Aliás, o abade de Baçal, pela sua intimidade com os Beças, não é de todo uma fonte isenta, sendo provável que a sua nomeação para a paróquia de Baçal se tenha devido à influência desta família (Jacob, 2000, p. XX). O abade chegou ainda a fazer parte de uma lista encabeçada por Beça, que venceu a eleição para a câmara municipal de Bragança em 1908 (­Berenguel et al., 2004, p. 58).

O prestígio das Memórias condicionou outros trabalhos sobre a figura de Abílio Beça. Todos são unânimes em considerá-lo um “grande benemérito regional”, dotado de um “civismo quase fanático por quanto diz respeito ao engrandecimento de Bragança” (Leitão-Bandeira, 2010; Sousa et al., 2005). Todos consideram também o caminho-de-ferro como o grande melhoramento a que Beça ficou ligado.

Quanto às fontes, a principal dificuldade da sua análise reside na sua dispersão. A carreira de Beça como deputado, governador civil, presidente da câmara e influente local em Bragança deixou uma vincada marca no universo documental, preservada em diversos arquivos locais e nacionais. Se tivéssemos que eleger uma fonte principal, a escolha recairia sobre os jornais de Bragança, pois

 

a consulta da imprensa [brigantina do século XIX] (…) revela-nos múltiplas aspirações e reivindicações das populações e das elites municipal e distrital aos mais diversos níveis (…), mas sobretudo, os projetos político-partidários e os confrontos entre as diferentes forças políticas, estruturadas no plano distrital enquanto emanações dos partidos nacionais [Sousa, 2013, vol. 2, p. 471].

 

Aliás, o período analisado (1890-1910) corresponde à época áurea da imprensa brigantina (Sousa, 2013, vol. 2, pp. 471-476). O essencial da análise recairá sobre O Brigantino (1886-1889), a Gazeta de Bragança (1892-1910), O Nordeste (1888-1910) e o Districto de Bragança (1902-1907). Os dois ­primeiros foram dirigidos por Abílio Beça, o Districto é relevante por dar conta da oposição a Beça dentro do próprio Partido Regenerador local e O Nordeste era o principal adversário da Gazeta.

Nesta época os jornais estavam profundamente comprometidos do ponto de vista político. O Nordeste incluía mesmo a expressão “órgão do Partido Progressista do districto de Bragança” no seu cabeçalho. A Gazeta nunca ocultou a sua colagem a Hintze Ribeiro, líder dos regeneradores. No Districto o apoio ao regenerador Teixeira de Sousa (e ao seu protegido em Bragança, Alberto Charula) era evidente. Assim, nenhum dos artigos daqueles jornais pode ser tomado como isento no que toca à avaliação política de Abílio Beça. Se para a Gazeta o seu comportamento era imaculado, para O Nordeste era demagógico e ilegal. Todavia, as notícias factuais podem ser usadas com alguma segurança, sobretudo se forem confirmadas por outras fontes. Este aspeto é particularmente importante no que respeita à construção do caminho-de-ferro. A Gazeta fez uma cobertura bastante mais incisiva da empreitada do que O Nordeste ou o Districto, o que demonstra que a linha-férrea era de facto um projeto político de Abílio Beça (Beira, 2013a; Beira, 2013b).

Por fim, é ainda possível determinar a notoriedade dos influentes locais através dos editoriais dos jornais adversários: a influência política de um cacique é diretamente proporcional à violência das críticas movidas pelos adversários (Pereira, 2014, pp. 20-31).

A análise da sua carreira no poder local é complementada pela documentação à guarda dos arquivos distrital (ADB) e municipal de Bragança (AMB). Lá encontramos as atas da Junta Geral, da Comissão Distrital e da Câmara Municipal (órgãos que Beça integrou).

Abílio Beça foi também deputado, pelo que os diários parlamentares são igualmente úteis para a sua biografia. Embora o texto ali publicado não seja igual ao discurso falado, aquele continua a demonstrar a opinião do orador, o que nos permite caracterizar uma parte do seu pensamento (Monteiro, 2006).

Para terminar, as cartas trocadas com Hintze Ribeiro – guardadas no Arquivo Regional de Ponta Delgada (ARPD) – são também fundamentais. Por norma, as cartas privadas permitem “esclarecer dúvidas e reconstituir com mais rigor e pormenor episódios específicos (…), não raro revelando também factos inéditos” (Almeida, 2003, p. 170). Por se tratar de correspondência particular, revelam aspirações e atitudes que, de outro modo, não seriam divulgadas, já que “a política é, pelo menos numa grande parte, na melhor parte, representada nos bastidores” (Raul Brandão, apud Almeida, 2003, p. 170).

 

BRAGANÇA NA VIRAGEM DO SÉCULO E A LINHA DO TUA

 

No final de Oitocentos o Alto Trás-os-Montes era uma região periférica de ­Portugal que, “na viragem do século XIX para o século XX, conheceu, porventura, um dos períodos mais dramáticos da sua História Contemporânea” (Sousa, 2013, vol. 1, p. 108).

Apesar de a população do distrito de Bragança ter crescido desde 1864, o seu peso demográfico, como percentagem da população total nacional, vinha diminuindo, acompanhando a tendência geral verificada em todo o interior norte (Silveira et al., 2011, p. 17). Quadro 2 Ao longo deste período, Bragança manteve-se também uma região com um baixo nível de urbanização (ocupava os últimos lugares entre os distritos com menor percentagem de população urbana). A própria capital de distrito era uma pequena cidade com cerca de 5 mil habitantes, tendo inclusivamente registado um decréscimo populacional na década de 1890. Portugal era também um país com uma taxa de urbanização baixa (13% a 17% entre 1864 e 1900), mas mesmo assim bastante superior ao valor de Bragança (Silveira et al., 2011, p. 22. Sousa, 2013, vol. 1, p. 53-57).

 

 

 

A principal atividade económica da região era a agricultura (centeio, batata, castanha e vinha), que, porém, se mantinha arcaica e limitada, em grande medida, ao consumo local, devido à falta de capitais, falta de mão-de-obra, altos juros cobrados pelos agiotas locais e falta de maquinaria e processos de lavra modernos. A viticultura – cultura mais importante da região – recebera um duro golpe com a filoxera (1882-1890), de modo que a produção vinícola caiu mais de 90% de 21845 hl para 1756 hl antes e depois da praga (Sousa, 2013, vol. 1, p. 82-92).

A indústria era praticamente inexistente, assentando no domestic system pré-industrial, com práticas antiquadas. Excetuava-se a indústria ligada à seda, que, contudo, se encontrava em acelerado declínio. A dinâmica comercial regional/local baseava-se na ação dos almocreves, já que o comércio internacional (com Espanha) deslocalizara-se desde finais da década de 1880 para o sul do distrito com a abertura da ligação férrea de Barca d’Alva a Salamanca (Sousa, 2013, vol. 1, pp. 92-108 e 113-123).

Assim, desde finais da década de 1880, uma grave crise económica abateu-se sobre o distrito, não surpreendendo que a resposta dos brigantinos fosse a emigração Quadro 3. O número de emigrantes que até 1887 não ultrapassava os 115 indivíduos atingiu uma média de 570 indivíduos/ano no período entre 1888 e 1902, com picos em 1890, 1895 e 1896 (Sousa, 2013, vol. 1, pp. 53-57).

 

 

Quanto a infraestruturas tecnológicas, nomeadamente de transporte, Trás-os-Montes era também uma região periférica. Praticamente sem caminhos-de-ferro (a província tinha pouco mais de 100 km de ferrovia: linhas do Tua e parte da do Douro, geridas pela Companhia Nacional de Caminhos de Ferro (CNCF) e pelo Estado) e com uma fraca extensão da rede rodoviária, contrastava vincadamente com outras zonas do reino e acentuava paulatinamente a sua periferização (Alegria, 1990; Silveira et al., 2011, p. 24).

 

 

Numa época em que a maioria da população era iletrada (em Bragança o analfabetismo rondava em 1900 os 80%, segundo Sousa, 2013, vol. 1, pp. 108, 390-391 e 425) a tecnologia assumia um papel extremamente relevante (Saraiva, 2007) e fazia com que as regiões que dela usufruíam (o centro) fossem reconhecidas pelas demais (a periferia) pela sua excelência e desenvolvimento (Simões, Carneiro e Diogo, 2003).

Por tudo isto, o caminho-de-ferro era a solução mais desejada para inverter a periferização de Trás-os-Montes e aproximar a região do centro; era uma medida muito mais atraente do que qualquer outro tipo de melhoramento material ou imaterial (Moreno, 1998, p. 447).

Em 1888, um ano após a abertura da linha de Mirandela, Emídio Navarro, ministro das Obras Públicas do governo progressista, propôs ao Parlamento o complemento da rede férrea a norte do Mondego, incluindo a extensão da linha do Tua a Bragança. O projeto foi aprovado pelas comissões de Obras Públicas e Fazenda, mas nunca seria levado a debate, em virtude das críticas que entretanto foram levantadas pela oposição. Em 1890, Eduardo Coelho, sucessor de Navarro nas Obras Públicas, alterou ligeiramente o projeto (agregou o caminho-de-ferro de Bragança ao de Coimbra a Arganil) e apresentou-o ao Parlamento, mas o insucesso foi o mesmo (Pereira, 2012a, p. 142).

Após a bancarrota parcial de 1892, a construção de novas vias férreas tornou-se manifestamente inexequível. Politicamente, propor novas despesas passou a ser inviável (Pereira, 2012a, pp. 146-150); em termos económicos, a crise interna que se seguiu diminuiu os recursos disponíveis para novos investimentos e a saída do sistema de padrão-ouro manietou severamente a importação do necessário material ferroviário (Lains e Silva, 2005, pp. 294-323).

Assim, em finais do século XIX Trás-os-Montes continuava a ressentir-se da falta de vias de comunicação, de tal modo que

 

o maior terror que póde inspirar-se a um funccionario qualquer, civil ou militar, é ameaça-lo com uma transferencia para Bragança. Suppõe-se que Bragança é a Siberia 3

 

desabafo do brigantino Pires Vilar, que em 1900 ainda fazia sentido e que denota como o isolamento da periferia era considerado injurioso (a comparação com a remota região russa), conduzindo a uma sensação de exclusão e a uma necessidade de se ligar ao centro (Shils, 1975, pp. 9-13). Este sentimento de atraso e de separação assumia um significado cultural e simbólico e não apenas económico ou tecnológico (Swartz, 1997, p. 73).

Em 1898 procuraram-se novas soluções para o problema. A 6 de outubro daquele ano o ministro progressista Elvino de Brito publicou um decreto com um ambicioso programa de melhoramento e alargamento da rede através de um fundo financeiro formado por receitas ferroviárias. O diploma consubstanciou-se na lei de 14 de julho de 1899 que, complementada com o decreto de 15 de fevereiro de 1900, fixava as vias férreas a construir na região ao norte do Mondego, onde se incluía o prolongamento da linha do Tua para nordeste até Bragança e para sudoeste até Viseu (Alegria, 1990, p. 299).

Foi neste contexto que Abílio Beça desenvolveu a sua ação a favor da linha de Mirandela a Bragança.

 

A AFIRMAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DE ABÍLIO BEÇA EM BRAGANÇA

 

Abílio Beça nasceu a 20 de agosto de 1856 em Vinhais, filho de José António Ferro de Madureira Beça e de Maria Augusta de Morais Beça (Alves, 2000, vol. 1, pp. 357-358), mas foi criado em Bragança.4

Os Beças eram uma família com alguma notoriedade na região. Registos do Arquivo diocesano de Bragança (ADB) e da Torre do Tombo (ANTT) e o testemunho do abade de Baçal fazem referência a vários Beças como clérigos, militares ou possuidores de títulos nobiliárquicos (Alves, 2000, vol. 6, p. 678).5Um tio de Abílio, Miguel Beça, fez também carreira como condutor nas direções de Obras Públicas de Vila Real e Bragança, tendo participado na construção de várias estradas.6

Abílio Beça ingressou no curso de Direito da Universidade de Coimbra em 1875, tendo provavelmente estabelecido os primeiros contactos político-partidários, já que na universidade se criavam relações pessoais, que amiúde evoluíam para amizades políticas (Almeida e Moreno, 2012, p. 41). Em 1880 concluiu os seus estudos superiores 7 e passou a exercer advocacia em Bragança (Alves, 2000, vol. 1, pp. 357-358). A posse de um título universitário fortaleceu também a sua posição na elite política local (Sousa, 2013, vol. 1, p. 185) e tornou-o elegível para o Parlamento (Almeida e Moreno, 2012, p. 24). Beça possuía o curso mais comum entre o universo de deputados nacionais,

 

que além de facultar a aprendizagem dos assuntos legais e administrativos, adestrava os estudantes na eloquência retórica [e] era o viveiro natural dos homens políticos [Almeida e Moreno, 2012, p. 41].

 

Ainda em 1880 tornou-se professor provisório de história e geografia no liceu de Bragança8 e, segundo o abade de Baçal, ensinava ainda francês no seminário (Alves, 2000, vol. 3, pp. 417-420).

Casou a 17 de maio de 1882 com Ana Clotilde Leitão Bandeira, filha de João Carlos Leitão Bandeira e de Leopoldina Pavão (Leitão-Bandeira, 2010, p. 252). Os Leitões Bandeira eram uma família com tradição na região, contando vários membros entre os 40 maiores contribuintes de Bragança e com ligações ao poder local. O sogro de Beça foi administrador do concelho e procurador, vereador e vice-presidente da Câmara, com participação em várias eleições. Estava ligado ao Partido Progressista, tendo sido um dos fundadores do centro progressista de Bragança (Leitão-Bandeira, 2010, pp. 249-252).

É de supor que tenha sido sob os seus auspícios que Abílio Beça se iniciou nas lides políticas locais em 1884, no seio do Partido Progressista, como vogal da comissão executiva da Junta Geral do distrito (Alves, 2000, vol. 3, pp. 417-420). A união com uma importante família local abriu-lhe as portas da política, já que

 

apenas eram admitidos na comunidade partidária aqueles que detinham uma real influência política e eleitoral nas coletividades em que se inseriam, em virtude do seu poder social, económico, administrativo ou simbólico [Almeida, 1991, p. 122].

 

No seu ano de estreia, Beça redigiu o memorando sobre a construção de novas estradas em Bragança, com base no qual Emídio Navarro ordenaria a construção de quatro rodovias no distrito. Nesse ano, a Junta Geral enviou uma representação ao Parlamento, pedindo que a via férrea que então se construía no Tua não se ficasse por Mirandela e alcançasse também Bragança.9 Já como secretário, assinou, entre 1887 e 1889, diversos pareceres sobre vários assuntos de gestão autárquica.10

Por esta altura, Abílio Beça já se tinha desligado do Partido Progressista, segundo os seus adversários, por este “não lhe satisfazer de prompto todas as suas desmedidas ambições pessoais e familiares”, designadamente uma candidatura a São Bento. O seu sogro incompatibilizara-se também com Eduardo Coelho, líder dos Progressistas no distrito, alegadamente por este lhe ter recusado o cargo de administrador do concelho.11

Beça aproximou-se então de uma cisão do Partido Regenerador, a Esquerda Dinástica 12, um movimento político formado por Barjona de Freitas após a morte de Fontes Pereira de Melo (1887). O movimento, que se inspirava no homólogo espanhol Izquierda Dinástica, formado em 1881 (Artola, 1974, pp. 335-338), conseguiu eleger oito deputados nas eleições de 1889 (Almeida, 1991, p. 226), nas quais Beça foi candidato não-eleito.13 Foi ainda durante a sua militância na Esquerda Dinástica que foi provido professor definitivo do liceu de Bragança, algo a que a influência de Barjona de Freitas não terá sido alheia.14

O movimento deteve dois jornais em Lisboa e Porto. Em Bragança, ­contava com O Brigantino, dirigido por Beça desde finais de 1888.15 Até ao encerramento do jornal, Beça aproximou-se das posições regeneradoras, levantando forte oposição à política progressista. Quando Eduardo Coelho juntou num só projeto de lei as linhas do Tua e de Arganil e não o conseguiu aprovar O Brigantino aconselhou os leitores a “entoar um doloroso de profundis e derramar sentidas lagrimas sobre o projeto do prolongamento do caminho de ferro do Tua até Bragança”. Coelho passou a ser descrito como um inimigo da cidade, em virtude da sua naturalidade (Chaves), alegada predileção por Mirandela e vincado nepotismo em favor dos seus protegidos.16

A carreira política de Beça sofreu um duro revés com a extinção da Esquerda Dinástica após a nomeação de Barjona de Freitas como enviado extraordinário em Inglaterra, na sequência do Ultimato (Sousa e Marques, 2004, p. 243). Não podendo regressar ao Partido Progressista, Beça acabou por se juntar aos regeneradores.17

No início da década de 1890, o brigantino acumulara um considerável prestígio a nível local. Ligara-se a uma das famílias mais importantes da cidade, adquirira experiência na gestão de órgãos autárquicos, aderira ao Partido Regenerador e fundara a Gazeta de Bragança em 1892 (Alves, 2000, vol. 3, pp. 417-420; vol. 7, p. 692).

A extinção das Juntas Gerais (Serra, 1988, pp. 1045-1055) libertou-o para outros voos, nomeadamente o Parlamento. Contudo, Beça ainda não dispunha de influência suficiente para contar com o apoio do partido, pelo que se viu forçado a continuar a carreira a nível local. O mesmo decreto que extinguiu as Juntas Gerais criou junto dos Governos Civis as Comissões Distritais (Serra, 1988, p. 1053) e foi na de Bragança que Beça prosseguiu a sua atividade autárquica. Foi eleito vogal em janeiro de 1893, tendo mais tarde chegado a presidente (Alves, 2000, vol. 1, pp. 357-358; vol. 3, pp. 417-420). A sua ação neste órgão e na Gazeta fez subir a sua cotação entre os regeneradores, de tal modo que passou a ser alvo preferencial dos ataques dos progressistas d’O Nordeste.18

Em 1894, Beça deu finalmente o salto para a política da capital ao ser eleito deputado pelo círculo de Bragança nas eleições realizadas em Abril, vencidas pelo Partido Regenerador (Alves, 2000, vol. 1, pp. 357-358). O advogado migrava assim da periferia política do reino para o seu centro, onde as decisões sobre investimentos em obras públicas eram tomadas e financiadas.

Além de influência a nível local, Beça possuía as condições físicas e vocais necessárias para intervir no Parlamento. Nas câmaras não falava quem queria, mas quem podia, pois a tribuna não era para vozes frouxas (Monteiro, 2012). Os seus rivais coevos confirmam que se destacava pela sua postura, vestuário e bigode, ou, mais precisamente, pelas “suas afiambradas toilettes e os seus aprumados bigodes”.19

Contudo, a sua estreia parlamentar não foi brilhante. Deixou-se enredar em tramas burocráticas enquanto vogal da comissão de Verificação de Poderes e quando interveio fê-lo de forma tão atrapalhada que “parecia que fallava a prestações. As palavras sahiam a sacarolhas”.20Cometeu ainda uma gaffe, situando Timor na Índia (Pereira, 2014, pp. 111-114) e ao tentar justificar-se produziu um discurso ainda “mais infeliz do que aquelle em que o professor de geographia em Bragança mostrou não saber a situação das colonias portuguesas”.21

A legislatura terminou abruptamente a 28-11-1894 e Beça retomou em Bragança os cargos de presidente da Comissão Distrital, professor, advogado e diretor da Gazeta.22 Simultaneamente preparou a sua candidatura à Câmara e ao Parlamento. Apesar de os dois cargos serem incompatíveis, Abílio Beça venceu os dois plebiscitos (Mónica, 2005-2006, vol. 3, p. 357). Foi eleito para o Parlamento no ato de 17-11-1895, ao qual o Partido Progressista não concorreu em forma de protesto contra a lei eleitoral de 28-3-1895 (Almeida e Moreno, 2012, pp. 21-22). Eleito deputado, não pôde continuar como presidente da Câmara, por incompatibilidade determinada pelo Supremo Tribunal Administrativo (Alves, 2000, vol. 1, pp. 357-358 e 417-420). A escolha era historicamente a mais recorrente. Por norma, os políticos locais prescindem dos seus cargos autárquicos quando se tornam deputados, o que aliás é a sua maior aspiração (John, 2010, p. 360).

 

NO PARLAMENTO, EM PROL DA LINHA DE BRAGANÇA

 

A sessão legislativa iniciou-se a 2-1-1896. Os conhecimentos legais, experiência profissional e prestígio acumulado fizeram com que os seus colegas o elegessem para as comissões de Administração Pública, Legislação Criminal, Estatística, Ultramar, Instrução Primária e Secundária e Recrutamento (Pereira, 2014, p. 121).

A sua atuação revelou um deputado alinhado com o governo, mas ­eminentemente preocupado com os interesses dos brigantinos. Por diversas ocasiões procurou obter favores do executivo para os seus conterrâneos (Pereira, 2014, p. 123), um comportamento típico de um cacique, cuja ação se realizava através de favores (Moreno, 1998, p. 446; Almeida e Moreno, 2012, pp. 32-33).

Durante grande parte do século XIX, os caciques eram ricos notáveis que usavam a sua fortuna para estender a sua rede de influência (caciques proprietários, segundo Oliveira Martins). A partir da reforma eleitoral de 1878, o poder destes influentes foi diminuindo em favor do fortalecimento da posição dos caciques burocráticos, que baseavam a sua influência na posição que ocupavam na máquina administrativa do Estado. Com o alargamento do sufrágio então verificado o poder de aliciamento dos ricos notáveis diluiu-se. Arrebanhar eleitores para o voto passou a estar mais ao alcance daqueles caciques que podiam usar o poder público de que gozavam para distribuir favores (Almeida, 1991, pp. 135-136). Era o caso de Beça. A própria sociedade brigantina era propícia a este tipo de comportamentos. A “permanência de uma aristocracia feudal”, a fraqueza da burguesia local e a pobreza e analfabetismo da população explicam “que o povo obedeça ao cacique influente como rebanho, e que humildemente agradeça… o que lhe é devido!” (Sousa, 2013, vol. 1, p. 185).

Outra forma de obter prestígio a nível local era obtendo melhoramentos para a zona de influência do cacique. No debate da reforma administrativa de 1895 Beça mostrou-se mais preocupado com “o fomento da arborisação” do que com detalhes legais. Falava, portanto, o homem de Bragança e não o jurisconsulto. A solução por si preconizada passava por descentralizar a responsabilidade da arborização, o que não se coadunava com o espírito centralizador da proposta do governo (Serra, 1988, pp. 1060-1062). Beça não tinha pois receio em caminhar contra o partido, se isso fosse favorável aos interesses de Bragança.23

Porém, o grande melhoramento solicitado pelos brigantinos era o caminho-de-ferro. Em 1896 Abílio Beça iniciou verdadeiramente a sua campanha para conseguir aquela infraestrutura. Em dois discursos proferidos a 7 de fevereiro de 1896 e a 29 de fevereiro de 1896 começou por “chamar à attenção do governo (…) para a situação em extremo precaria (…) do districto de ­Bragança”. A emigração, a filoxera, a carga fiscal que recaía sobre os brigantinos e “a paralysação das obras particulares e publicas (…) tem ajudado a engrossar a corrente dos que (…) vão procurar fortuna no Brazil”. Beça preferia que a emigração fosse encaminhada para as colónias ou – melhor ainda – evitada à partida. Para tal, era necessário continuar a aposta em obras públicas e em vias de comunicação. A falta de meios de transportes fazia de Trás-os-Montes a província mais desconhecida e pobre do reino, apesar das riquezas que – asseverava – continha. Por isso, Beça solicitava ao ministro das Obras Públicas a retoma da construção de estradas em Bragança e a construção de um caminho-de-ferro entre esta cidade e Mirandela, a qual podia ser realizada de quatro formas: empregar o sistema decauville, teoricamente mais económico que um caminho-de-ferro em leito próprio; contrair um empréstimo de 1000 contos (garantido pela diminuição da garantia de juro na linha do Tua e pelo aumento da receita na do Douro); reembolsar a CNCF das somas necessárias ao assentamento da via; ou usar os operários empregados em Lisboa em “obras de utilidade muito contestável” na construção da linha. Se o governo não atendesse a estes alvitres “é porque realmente não tem boa vontade em attender às fundadas e legitimas reclamações do districto de Bragança” – terminava.

Apesar da crise que afligia o país, Abílio Beça invocava a urgência da construção da ferrovia e o retorno do investimento: com a via férrea aumentava-se o tráfego nas linhas do Tua (à qual o Tesouro pagava uma garantia de juro) e do Douro (propriedade pública), fomentava-se o desenvolvimento económico da região e, consequentemente, a matéria coletável. Era a fórmula matricial da política fontista iniciada em 1851, que fora posta em causa com a bancarrota parcial de 1892 (Alegria, 1988), mas à qual Beça se mantinha fiel.

No entanto, o carácter tecnopolítico do discurso de Beça fica também bem vincado na proposta que fez de usar o sistema decauville para completar a linha do Tua. O decauville era um caminho-de-ferro portátil, com bitola (distância entre carris) de 60 cm, muito menos exigente em termos de infraestrutura (Pereira, 2012a, p. 436) e normalmente usado durante a construção de vias férreas (como, por exemplo, no caminho-de-ferro de Lourenço ­Marques à ­Suazilândia 24). Se este alvitre fosse realizado, imporia uma baldeação em Mirandela (a adicionar à baldeação já existente na estação do Tua, de confluência com a linha de bitola larga do Douro), pois os comboios que circulavam na linha até esta cidade não poderiam circular na via até Bragança. Do ponto de vista logístico seria uma péssima decisão, que limitaria enormemente a capacidade do caminho-de-ferro como elemento de integração económica. Contudo, em termos simbólicos e políticos, satisfaria os objetivos do cacique. Para todos os efeitos ele teria levado o caminho-de-ferro até Bragança, mesmo que fosse um mero decauville.

Em todo o caso, maior concorrente à construção do caminho-de-ferro de Bragança era a questão ultramarina, que, tal como noutros países, influenciava o modo como o centro político geria a periferia (Bulpitt, 1983, pp. 59-60). Portugal, por esta altura, procurava vincar mais assertivamente a sua presença nas colónias (Alexandre, 2008, pp. 181-184), mas ao mesmo tempo enfrentava sérios problemas com caminhos-de-ferro ultramarinos: em Moçambique, com a rescisão da concessão da linha de Lourenço Marques (Telo, 1991, pp. 149-153), em Angola com o financiamento da construção do caminho-de-ferro de Ambaca (Navarro, 2012) e em Goa com o fraquíssimo rendimento da linha e porto de Mormugão (Pereira, 2015a, pp. 251-261). Beça, porém, perguntava-se se Portugal deveria investir nas colónias antes de desenvolver as riquezas da metrópole. As colónias, infalivelmente, acabariam por seguir o seu próprio caminho ao passo que tudo quanto se fizesse na metrópole reverteria sempre para seu próprio proveito. Ideologicamente, Beça não estava completamente sozinho, já que alguns deputados propunham também a hipótese de venda de parte do domínio ultramarino, não sendo tão liminarmente rechaçados como em anos anteriores. De qualquer modo, a opinião dominante mantinha-se favorável à manutenção das colónias (Alexandre, 2008, pp. 181-184), opção que podia implicar um ónus de muitos milhares de contos à Fazenda só à conta daqueles caminhos-de-ferro.

Assim, no imediato, o brigantino apenas receberia do ministro as banalidades próprias de um momento em que não se podia decidir nem positiva nem negativamente. A linha de Bragança era um desígnio governamental, mas inexequível a curto prazo.25

Nestas intervenções, Abílio Beça demonstrou uma maturidade e um pragmatismo inéditos na sua carreira parlamentar. É certo que tivera tempo para as preparar e que falava para uma câmara extremamente favorável, praticamente sem chance de contraditório. De qualquer modo, foram discursos bem estruturados, suportados com dados estatísticos, não receando ir contra a corrente geral de uma intervenção mais acutilante nas colónias, procurando apoiantes junto de deputados de outras regiões periféricas do reino e não fechando as portas ao Partido Progressista. Acima de tudo, mostrava aos seus constituintes que lutava pelos interesses da região para conseguir aquilo que Eduardo ­Coelho não havia conseguido.

Segundo o abade de Baçal, a ação do deputado não se limitou ao Parlamento. Beça

 

procura adeptos por toda a parte entre os homens de valor que podem auxiliá-lo; mete-se, insinua-se, teima, importuna, calcula, combina, aplana, reclama, impõe-se numa persistência de fanático regionalista, e mais a mais consegue criar atmosfera propícia [Alves, 2000, vol. 9, p. 227].

 

O deputado tentou mesmo realizar um comício em Bragança para discutir uma representação a enviar ao rei, pedindo a construção do caminho-de-ferro. Contudo, a assembleia acabaria por não se realizar, alegadamente por pressão do governo.26

A sessão legislativa terminou a 9 de maio de 1896 e Beça regressou a ­Bragança, onde reocupou o lugar na câmara e na Comissão Distrital e como alvo preferencial dos progressistas locais, o que é bem demonstrativo da posição que vinha conquistando na política brigantina.27

O Parlamento voltou a abrir portas a 2 de janeiro de 1897 e Beça desenvolveu o seu trabalho até à dissolução de 8 de fevereiro de 1897, desencadeada pela queda do governo. As eleições foram marcadas para o dia 2 de maio de 1897. Na campanha garantia a Hintze que teriam “votos bastantes para vencer”, embora alertasse para o facto de os progressistas estarem “dispostos a empregar as violencias necessarias para nos roubarem e eleição”. Como seria de esperar, o Partido Progressista conquistou uma larga maioria e Beça ficou de fora do Parlamento. Justificando-se perante Hintze Ribeiro, argumentava que

 

desde que o candidato era o Eduardo Coelho era inevitável perde-la [à eleição] (…); as violencias, as ameaças (…), o dinheiro que o Eduardo Coelho mandou (…) produziram um resultado que surprehendeu os proprios governamentaes.28

 

Beça escrevia como se o plebiscito tivesse sido livre. Depois do descalabro, procurava cair nas boas graças do líder regenerador, tendo em vista progressões e pedidos futuros.

O governo progressista aprovou no Parlamento a lei que criava fundos para expandir a rede férrea nacional. A posição de Beça em relação a este assunto é desconhecida, pois não dispomos dos números da Gazeta de Bragança para este período. Este jornal apenas relata que quando Elvino de Brito se dirigiu ao Tua foi recebido por Beça, que lhe agradeceu ter inserido a linha de Bragança nos caminhos-de-ferro prioritários.29Beça nunca negara o apoio dos Progressistas para a consecução deste objetivo, pelo que o mais provável é que tivesse acolhido os planos de Elvino de Brito de braços abertos, supondo-se assim que acima da fidelidade partidária estava o caminho-de-ferro.

A lei dava preferência à construção pelo Estado, mas não afastava a iniciativa privada, prevendo um conjunto de regalias fiscais, que, contudo, não convenceram nenhum capitalista a investir na linha.

Entretanto, o governo convocara novas eleições (26-11-1899) em consequência das quais Beça regressou ao Parlamento. A sua atividade foi bastante reduzida, tendo faltado a mais de metade dos plenários. Nas sessões a que compareceu, preocupou-se sobretudo com questões ligadas a Bragança (Pereira, 2014, pp. 154-157).

A legislatura durou até 24-6-1900 quando o governo de Luciano de ­Castro foi substituído pelo executivo de Hintze Ribeiro (Marques, 1991, p. 681). Como era da praxe, o monarca dissolveu o legislativo e convocou novas eleições (para novembro). Beça não concorreu, pois fora nomeado governador civil de Bragança.

 

A ESTRATÉGIA PELO CAMINHO-DE-FERRO NO GOVERNO CIVIL

 

Abílio Beça chegou ao governo civil a 6-7-1900 (Sousa et al., 2005, pp. 131-134). Segundo o Código Administrativo de 1896, o governador civil era o “superior magistrado administrativo do distrito e imediato representante do govêrno”, a quem competia “regular todo o serviço administrativo na área da sua circunscrição territorial” (Portugal, 1896). Tinha uma extraordinária influência política a nível local, pois de si dependiam a atividade económica, o emprego e o futuro de muita gente, o que fazia dele um enorme trunfo no momento das eleições (Almeida, 1991, pp. 120-121).

Na relação entre centro e periferia, o Governo Civil era um exemplo de indirect rule e de local elite assimilation, pelos quais o centro confiava em “local notables to manage the periphery in the Centre’s interests”, libertando-se para funções mais relevantes, como a política externa (high politics). Do ponto de vista da periferia, o Governo Civil era um meio de cativar o centro para a sua própria agenda, pois as elites locais não se deixavam assimilar completamente pelo centro, esquecendo os interesses da sua área de influência (Bulpitt, 1983, pp. 58-65). Na interligação com o centro a periferia não é necessariamente passiva, podendo procurar capturar recursos centrais e tornar burocratas do centro em defensores de causas locais (Jacob, 2015, p. 8; Savitch e Osgood, 2010, p. 415). Beça teria neste modelo um papel bem ativo.

A nomeação para o Governo Civil é elucidativa do prestígio que Beça atingira dentro do partido a nível nacional, pois só chegava ao cargo quem merecesse a confiança do líder. O seu crédito foi ainda suficiente para ultrapassar figuras importantes da estrutura partidária local. Trindade Coelho, no rescaldo da sua abortada candidatura ao Parlamento, evoca a nomeação de Beça em traços pitorescos, afirmando que a “velha guarda regeneradora do districto” se opôs vigorosamente à escolha de Hintze (Coelho, 1901).

Esta era uma situação que se verificaria noutros distritos, tendo em conta o prestígio associado à função e as rivalidades entre caciques dentro dos próprios partidos. Estas querelas intestinas seriam acicatadas pelas próprias lideranças nacionais, no sentido de impedir que um mandão monopolizasse a influência numa região. Caso o notável se indispusesse contra o partido, este virar-se-ia para o seu rival interno e abandonava o dissidente à sua sorte. Em Bragança, isto acontecia através de um apoio dual a dois influentes: Hintze Ribeiro apadrinhava Beça, mas Teixeira de Sousa tinha como predileto Alberto Charula (Pereira, 2014, p. 165).

Nos meses seguintes, Beça tentou criar consensos entre os regeneradores do distrito, ao mesmo tempo que procurou acudir às necessidades dos brigantinos (indemnizações pela filoxera, combate a epidemias, combate ao jogo, profilaxia contra a emigração clandestina), prover correligionários e familiares seus em cargos públicos e trazer novos melhoramentos para a região (Pereira, 2014, pp. 165-177).

O mais grandioso dos seus objetivos era, porém, o caminho-de-ferro. Segundo a Gazeta de Bragança, o governador civil procurou cativar a rainha D. Amélia e o diretor de Obras Públicas do distrito, Silva Dias, para a causa ferroviária de Bragança.30 Contudo, para realizar aquele desejo, Beça tinha que seduzir o governo. A hipótese para o fazer chegou no dia 25-11-1900, data das eleições (Marques, 1991, p. 681), que, como governador civil, tinha que organizar e vencer. Era esta a contrapartida de qualquer favor que o cacique poderia receber do centro (Moreno, 1998, p. 449). Todavia, Beça tinha também que contar com a oposição interna local, patrocinada desde Lisboa pelo ministro da Marinha, Teixeira de Sousa, que, segundo Trindade Coelho, pretendia a chefatura política de Bragança (Coelho, 1901, p. X). Além disso, como vila-realense (Mónica, 2005-2006, vol. 3), teria todo o interesse em colocar a linha do Corgo à frente da do Tua na lista de prioridades do governo. Assim, no imediato, Beça teve que aceitar a imposição de dois protegidos de Teixeira de Sousa como candidatos ao Parlamento (José Galas e Alberto Charula), que se juntavam aos candidatos do governador civil, Lopes Navarro e o seu próprio irmão mais novo, José Beça.31

No final do voto os regeneradores elegeram os quatro deputados propostos. A partir deste momento Beça jogava em dois campos para obter o ­caminho-de-ferro: usava a sua influência como governador civil em Bragança e Lisboa; e contava com a pressão do seu irmão junto do Parlamento. Era mais um exemplo de capital city bargaining (Bulpitt, 1983, p. 64), pelo qual a periferia penetrava o centro em busca de um objetivo concreto (o caminho-de-ferro), garantindo, em troca, os interesses do centro na periferia.

Segundo os jornais de Bragança, Beça reencetou rapidamente contactos com os “altos poderes do Estado”, tendo sido várias vezes recebidos pelos reis, a quem solicitou a imediata construção da linha-férrea.32 Manteve-se também fiel a Hintze Ribeiro durante a dissidência franquista, uma corrente relativamente recente, sem condições para disputar o poder a curto prazo. O caminho-de-ferro estava tão perto, de modo que enfrentar Hintze seria um ato insano (Pereira, 2014, pp. 181-182).

Quanto a José Beça, teve uma ação bastante discreta no Parlamento em 1901. Mas fora de São Bento, iniciou uma campanha a favor da linha de Bragança em jornais, centros de discussão e meios de negócio33.A Gazeta dos Caminhos de Ferro confirma que José Beça negociava com a Zagury & C.ª desde março de 1901, tendo apresentado ao governo uma proposta daquela firma, requerendo uma garantia de juro de 4,5%.34Abílio Beça estava em Lisboa desde finais de maio 35, não sendo de todo improvável que tenha auxiliado o seu irmão no lobbying junto do governo e procurado impedir que a influência de Teixeira de Sousa colocasse a linha de Vila Real à frente da linha de Bragança. O ministro das Obras Públicas, Francisco Vargas, aceitou a proposta apresentada por Zagury na condição de ser submetida a concurso público (Sousa, 1903, p. 66; Sousa, 1905).

Em Bragança, a Gazeta exultava:

 

Hoje, que para nós começa a despontar a aurora do progresso e que brevemente veremos as nossas aspirações realisadas, não vemos momento mais opportuno para victoriar os nomes sympathicos e queridos dos leaes campeões e propugnadores das regalias brigantinas, os srs. dr. Abilio Beça e José Ferro de Beça e para dizer que a elles cabe a victoria.36

 

Este pequeno trecho é um claro exemplo de tecnopolítica, de como a tecnologia (ou a simples esperança de a obter) foi usada como instrumento para fazer política, neste caso política local de afirmação de Abílio Beça entre os notáveis brigantinos, quer Progressistas, quer Regeneradores.

A promessa de abertura de praça, a outorga da carta de conselho, a vitória nas eleições camarárias e várias medidas aprovadas no Parlamento em favor de Bragança cimentaram a posição de Abílio Beça como cacique local (Alves, 2000, vol. 3, pp. 417-420). Os progressistas brigantinos tinham dificuldades em fazer oposição, pelo que recorriam ao insulto e à ridicularização de Beça no sentido de menosprezar o trabalho do… conselheiro Acácio, numa alusão à personagem queirosiana d’O Primo Bazilio.37

Dentro do centro regenerador local Abílio Beça não conseguiu igualmente gerar consensos. Alguns correligionários, nomeadamente Alberto Charula, não se reviam no seu líder e para o combater fundaram na cidade, em 1902, o Districto de Bragança (Sousa, 2013, vol. 2, p. 509). Anos mais tarde, Beça queixar-se-ia a Hintze da “attitude muitas vezes abertamente hostil do jornal que o Charula aqui veio fundar”.38

Tal como os progressistas brigantinos, Charula defendia o caminho-de-ferro, contudo, podia retirar dividendos políticos se Beça não o conseguisse levar para Bragança, daí a oposição ao então governador civil e o apoio a Teixeira de Sousa, mesmo sabendo que este tinha clara preferência pela linha do Corgo. Uma vez mais, a tecnologia imiscuía-se no jogo político transmontano: quem a implementasse ganhava.

Apesar do otimismo dos regeneradores brigantinos, ainda faltava percorrer um longo caminho até à adjudicação do caminho-de-ferro. Zagury não ficara agradado com a ideia de ter que se submeter a um procedimento concursal (Sousa, 1903, p. 66; Sousa, 1905), pelo que os Beças continuaram à procura de mais interessados.

Em junho, o engenheiro Afonso de Espregueira dirigiu-se a Bragança para fiscalizar as obras da estrada da fronteira, sendo acompanhado pelo governador civil. Espregueira era um ilustre engenheiro, ex-ministro da Fazenda e ex-diretor da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses (Salgueiro, 2008, p. 50). Era um homem com prestígio suficiente para influenciar a decisão de investir na linha de Bragança, pelo que Beça assistiu-o na sua tarefa e ao mesmo tempo usou a Gazeta de Bragança para publicitar o potencial do alto distrito. Durante a estadia de Espregueira em Bragança era possível ler no jornal dessa semana que a principal riqueza de Trás-os-Montes estava a norte de Mirandela, pelo que o caminho-de-ferro haveria de rapidamente atingir um alto rendimento.39

José Beça, por seu turno, reuniu-se com a CNCF para aferir da sua disponibilidade para o construir. Tentou ainda auxiliar a companhia no sentido de angariar os capitais necessários, contactando várias entidades bancárias, mas em vão (Pereira, 2014, p. 199). Todas exigiam um juro muito elevado pelas obrigações da companhia, que, aliás, passava também por um processo de reestruturação financeira (Santos, 2014, p. 70).

Entretanto o concurso foi oficialmente aberto por decretos de 10-10-1901 e 14-11-1901 (Fino, 1903, pp. 748-781), mas as perspetivas de aparecerem candidatos não eram animadoras. Foi então que surgiu a licitar (26,88 contos/km) um desconhecido chamado João Lopes da Cruz, um brasileiro que tinha acumulado fortuna à custa da sua estada no Brasil e de empréstimos a juros, empreitadas de obras públicas e produção de vinho em Carrazeda de Ansiães e Bragança (Morais, 2014, pp. 294-295), mas que não tinha nem capacidade financeira, nem técnica, para construir e operar um caminho-de-ferro. A sua entrada em cena fez-se por intermédio dos Beças. Relembremos que Miguel Beça, tio do governador civil, era condutor de obras públicas quando João da Cruz arrebatou contratos de empreitadas para estradas no distrito. Por outro lado, Abílio Beça era seu advogado desde pelo menos 1889.40 É provável que este relacionamento se tenha aprofundado nos anos seguintes, já que em 1903 a Gazeta de Bragança refere que foi José Beça quem recomendou Cruz para assumir a empreitada, depois de falhadas as diligências com a CNCF.41

A oferta de João da Cruz esbarrou num protesto infundado de Zagury, que, contudo, poderia adiar a assinatura do contrato provisório. De imediato Abílio Beça se pôs a caminho de Lisboa para pedir explicações ao ministro das Obras Públicas.42 Este, por portaria de 24 de março de 1902, resolveu anular o primeiro concurso e abrir outro (Fino, 1903, pp. 816-817). Na nova praça, o brasileiro levava de novo de vencida Zagury com um lanço de 25,99 contos/km (Paçô-Vieira, 1905, p. 217).

O contrato provisório foi assinado a 19 de abril de 1902 (Fino, 1903, pp. 823-836), contudo, o ministro tardava em apresentar ao Parlamento o projeto de lei. A sessão legislativa estava prestes a terminar e coube a José Beça pressionar o governo, apresentando representações de concelhos brigantinos e pedindo para interpelar o governo sobre o assunto (Pereira, 2014, p. 224). ­Simultaneamente, Emídio Navarro, um burocrata do centro convertido à defesa dos interesses periféricos (Savitch e Osgood, 2010, p. 415), publicava no Novidades um editorial insinuando que o atraso se devia aos “que a todo o transe querem ligar a sorte d’este caminho de ferro ao do valle do Corgo”, ou seja, Teixeira de Sousa.43 O artigo foi transcrito pela Gazeta de Bragança e, alegadamente, deixou a cidade em polvorosa.44 Até O Nordeste se colocava ao lado dos Beças, vendo no processo uma manobra de Teixeira de Sousa. O Districto de Bragança negava, mas admitia que “o sr. Teixeira de Sousa, dados os seus compromissos em relação ao caminho de ferro de Vila Real, não possa quebrar muitas lanças em favor do nosso”.45

Esta parte do processo é reveladora de dois aspetos importantes na questão da territorial politics. Em primeiro lugar a existência de várias periferias em torno de um centro, que se digladiavam entre si pelos recursos disponíveis (neste caso para construir um caminho-de-ferro). E em segundo lugar a ação de representantes não-eleitos e não escolhidos pelo centro na defesa dos interesses da periferia nesse mesmo centro, neste caso o ex-ministro das Obras Públicas e ex-governador civil de Bragança, Emídio Navarro (Bulpitt, 1983, pp. 49-63).

Voltando ao impasse na concessão da linha, Abílio Beça de imediato fez pressão sobre o governo, enviando um telegrama cifrado a Hintze, onde prevenia que

 

“se a 3348grande 42771esperança principalmente 33224fundada nas 85116promessas de 92897Vossa Exc.ª soffressem 64152mallogro 78195agora, 35681seria 92593enorme 12114desastre para a 94936politica 85350regeneradora”46

 

Dirigiu-se também à capital, segundo a Gazeta, “resolvido a conseguir o caminho de ferro ou a deixar alli o seu diploma de chefe do districto”.47De Bragança seguiram igualmente muitos telegramas pedindo ao governo e ao rei a aprovação do contrato (Pereira, 2014, p. 227).

No Parlamento José Beça e Alberto Charula (que demonstrava assim inequivocamente que a sua lealdade estava em primeiro lugar com Bragança) interpelavam novamente o ministro das Obras Públicas, que respondia cabalmente com a apresentação do projeto de lei.48 pela câmara dos deputados antes de subir aos pares 49 e se transformar na lei de 14 de maio de 1902 (Fino, 1903, pp. 820-836). O contrato definitivo foi assinado em 24 de outubro de 1902.50 No final, “tudo acabou bem, como nos romances” – escrevia O Seculo.51

A vitória dos Beças e da periferia é relevante não só por ter ultrapassado um político do centro (Teixeira de Sousa), mas sobretudo por ter conseguido uma garantia de juro para um caminho-de-ferro nacional e periférico quando a prioridade era o investimento direto do Estado no ultramar (tanto nas linhas existentes como em linhas a construir). No entanto, a concessão do caminho-de-ferro de Benguela ao britânico Robert Williams e o interesse do australiano “Karri” Davies na via-férrea de Lourenço Marques à Suazilândia (ambos sem exigências financeiras ao Tesouro) permitiram ao erário distribuir os recursos por outras obras públicas, como a linha de Bragança.52

O sucesso dos Beças foi diferentemente interpretado pelos jornais de ­Bragança, conforme a sua inclinação partidária, mas um jornal mais afastado das lutas políticas locais – O Seculo – confirmava Abílio Beça como

 

o principal motor, a verdadeira alma (…), o elemento mais activo, o verdadeiro iniciador e o mais devotado propugnador do prolongamento do caminho de ferro de Mirandela a Bragança,

 

embora não negasse méritos aos outros intervenientes no processo, como Emídio Navarro, Eduardo Coelho, Francisco Vargas e José Beça.53

Apesar da aprovação da lei, ainda muito faltava para tornar o caminho-de-ferro realidade. João da Cruz nunca teve real interesse em assumir a concessão, agindo apenas como testa-de-ferro dos Beças para impedir que a praça encerrasse deserta. Em 1902, no seu relatório anual, a CNCF confirmava que após conseguir a adjudicação João da Cruz procurou-a para obter um acordo para o trespasse. A companhia acedeu, desde que o concessionário conseguisse em primeiro lugar os capitais necessários.54

Foi então que com a ajuda de José Beça, João da Cruz procurou ­investidores para a obra nos mercados de Londres e Paris, enquanto Abílio Beça obtinha do governo prorrogações do prazo para início das obras, sem os quais a concessão caducava (Pereira, 2012b, p. XLIII). Contudo, o acordo não se realizaria e, pior, pouco depois de regressar a Portugal José Beça faleceria em dezembro de 1902 (Pereira, 2014, p. 240).

Em Bragança o protelamento da questão fazia recrudescer a animosidade dos progressistas e dos charuláceos contra Abílio Beça, uma vez que o fracasso do concessionário era o fracasso do governador civil.55

Finalmente, João da Cruz chegou a acordo com as casas Burnay e Fonseca, Santos & Viana para obter os capitais necessários à obra e trespassar a concessão à CNCF, ficando como empreiteiro-geral da construção56, que se iniciou em maio (Cruz, 1906, p. 5). Ao longo dos três anos seguintes, João da Cruz enfrentou sérias dificuldades financeiras para levar a cabo a empreitada, uma vez que a companhia só pagava por quilómetro completo, o que obrigava o empreiteiro a um empate substancial de capital próprio (Cruz, 1906). Neste esforço contou com o auxílio de Abílio Beça que

 

dispôs de parte dos seus haveres, ao mesmo tempo que solicitava dos seus amigos que concorressem tambem com dinheiro para as empreitadas, visto que as obras eram dispendiosas, e os orçamentos inferiores ao que ellas custavam57

 

De facto, registos da agência de Bragança do Banco de Portugal confirmam que Abílio Beça emprestou capital a Cruz para a obra (pelo menos 20,5 contos em 1904-1905).58 Os registos não permitem esclarecer os motivos que levaram a Beça a investir no negócio, que poderão ter sido de índole meramente comercial (o retorno do investimento era garantido uma vez que Cruz tinha bastantes propriedades na região), mas que foram certamente de cariz político: o caminho-de-ferro era a grande obra de Abílio Beça, que estaria disposto a tudo para a realizar, mesmo a empatar dinheiro do seu próprio bolso.

A 1 de dezembro de 1906 a linha era inaugurada, já sem João da Cruz à frente dos trabalhos, por ter falido entretanto após a rescisão do seu contrato pela CNCF. Abílio Beça manteve a relação com o empreiteiro após a conclusão da obra, passando-lhe letras num valor agregado superior a 50 contos.59

Quando da inauguração, Beça já não estava no Governo Civil, de onde tinha pedido exoneração a 13 de julho de 1904 (Sousa et al., 2005, pp. 144 e 583), depois de Hintze lhe fazer ver “a conveniência de trocar o lugar de governador civil por uma cadeira da maioria em S. Bento”.60

Beça tornou-se novamente deputado nas eleições de 26 de junho de 1904, mas em novembro o Parlamento foi dissolvido. Tentou retomar a sua carreira como autarca local, mas não conseguiu conquistar a câmara de Bragança e foi inclusivamente ultrapassado por Alberto Charula como candidato pela minoria ao Parlamento nas eleições de 12 de fevereiro de 1905 (Pereira, 2014, pp. 308-319). A desilusão abalou Beça, que não se coibiu de confessar a Hintze Ribeiro a sua “decepção (…) no sentimento de justiça que nutria confiado na rectidão do supremo chefe do partido que V. Ex.ª é”. Apesar disto, mantinha a sua fidelidade a Hintze Ribeiro, pois

 

V. Ex.ª é o chefe respeitado e radicado no animo de todo o partido regenerador do districto (…) e não seria empreza facil para quem quer que fosse uma rebellião contra a sua determinação.61

 

Fugindo ao modelo de Bulpitt, no qual as elites periféricas, ao acumularem algum prestígio a nível local, acabam por desafiar as elites centrais (John, 2010, p. 349), Beça preferiu não afrontar a autoridade de Hintze e manteve-se ligado aos regeneradores, continuando a usar a Gazeta de Bragança para a propaganda do partido e para defesa dos interesses brigantinos. A sua fidelidade seria recompensada com a nomeação para a reitoria do liceu de Bragança62, com um lugar em São Bento em 1906, 1908 e 1909 (Alves, 2000, vol. 3, pp. 417-420) e com a cadeira de presidente da Câmara da cidade (Sousa, 2013, vol. 1, pp. 223-224). Na corrida à autarquia (1908) incorporou republicanos na sua lista, numa provável tentativa de se precaver contra a queda da monarquia. A participação de Beça nas lides parlamentares foi bastante reduzida, uma vez que o grande objetivo – o caminho-de-ferro – estava conseguido (Pereira, 2014, pp. 347-352).

 

NOTAS FINAIS

 

A 27 de abril de 1910 Abílio Beça dirigia-se a Bragança pela linha do Tua. Na estação de Salsas, pelas 18h30 horas, o deputado aproveitou uma paragem para descer e cumprimentar alguns conhecidos. Quando o comboio retomou a marcha, Beça começou a correr para a linha, alcançando a composição quando esta estava já em grande andamento. Ao subir, escorregou e caiu no espaço entre a carruagem e um vagão de mercadorias, sendo colhido. De imediato foi conduzido a um furgão, que o transportou com urgência para Bragança, onde o chefe da estação confirmou o pior.63

A sua morte provocou enormes ondas de choque em Bragança e na capital. Na cidade e na província as manifestações de pesar sucederam-se. Câmara, Governo Civil, Comissão Distrital, Seminário, diversas cooperativas civis, familiares e particulares exararam votos de sentimento pelo triste acontecimento. No Parlamento vários deputados mostraram a sua consternação pelo falecimento, alguns com meras demonstrações de cortesia, outros, de todas as cores políticas, inclusive republicanos, mais emotivos, denotando um maior conhecimento pessoal do falecido (Pereira, 2014, pp. 357-368).

As homenagens foram merecidas, tendo em conta o ativo papel desempenhado por Beça para levar o caminho-de-ferro até Bragança e assim diminuir a sua condição de região periférica do reino.

O brigantino, aproveitando a relação especial que tinha com o centro, de onde aliás emanava o seu poder político (Shils, 1975, p. 8), mais do que manobrar leis, engendrou táticas “to arrange things in such a way that, through a certain number of means, such and such ends may be achieved” (Foucault, 1991, p. 95). Seguindo ainda a linha de Foucault (1991, p. 96), Beça demonstrou as três qualidades que lhe permitiram ser bem sucedido: paciência, sabedoria e diligência. Soube esperar por condições favoráveis, soube gerir a rivalidade com outras periferias e com outros agentes periféricos e agiu assertivamente quando elas se reuniram. Da sua relação com o centro do poder, dotou Lisboa do mais eficaz instrumento de controlo do território à época – o caminho-de-ferro (Rabinow, 1986, pp. 243-252) – e, em termos de technopolitics, cimentou a sua influência na região, a qual aproximou também do centro, graças à nova tecnologia que conseguiu implementar.

A sua morte extemporânea pôs termo a uma carreira de notável local, que decerto se prolongaria mesmo após a implantação da República – Charula, por exemplo, tornou-se um eminente membro do Partido Democrático em ­Bragança (Mónica, 2005-2006, vol. 3, p. 247) –, mas ao ceifá-lo praticamente no auge da sua carreira imortalizou a sua imagem na cidade, na memória coletiva e em bronze fundido. Basta referir que quando em 1968 se inaugurou uma nova variante da linha de Bragança, o edil local lembrou o “brigantino notável (…) o ilustre Conselheiro Abílio Beça”, a quem se devia o “empreendimento de extraordinária repercussão” que ainda então era o caminho-de-ferro, cuja extensão até Espanha era a solução para pôr termo “ao abandono e o ­consequente desconhecimento” a que por “falta de comunicações rápidas e eficientes” estava votada Bragança.64

As palavras sobre o estado económico de Bragança não eram exageradas. O caminho-de-ferro foi sem dúvida um importante meio de transporte de mercadorias e pessoas do alto distrito (Beira, 2015); um relatório da agência do Banco de Portugal de Bragança de 1907 dá também conta do fim dos “perigos e incommodos que havia na transferencia de grandes remessas de metal” propiciada pela abertura do caminho-de-ferro.65 No entanto, os seus contributos para o desenvolvimento agrícola foram limitados (Sousa, 2013, vol. 1, pp. 128-131). Em termos industriais a única fábrica digna desse nome no alto distrito – a fábrica de cortiça de Clemente Menéres – foi transferida para o Porto pouco depois da abertura da linha e ironicamente as suas máquinas foram transferidas pelo mesmo caminho-de-ferro que prometia trazer o desenvolvimento a Trás-os-Montes (Viseu, 2013b, p. 103). Por fim, em termos demográficos notou-se uma forte vaga emigratória após a abertura da secção de Bragança, ou seja, os brigantinos usaram o caminho-de-ferro mais para emigrar do que para desenvolver a sua terra (Silveira et al., 2011, p. 34; Sousa, 2013, vol. 1, pp. 61-62).

Assim, mesmo após a abertura da linha, Bragança continuou a ser o interior do interior. Apesar da rápida ligação com o centro, a região continuou a ser parte da periferia económica do país, muito embora se tenha aproximado do centro político e tecnológico, graças ao caminho-de-ferro .

O exemplo de Abílio Beça e do caminho-de-ferro de Bragança como caso periférico é único e dificilmente generalizável (Bulpitt, 1983, p. 57). No entanto, pode servir de termo de comparação com outros paradigmas semelhantes de aliança entre caciquismo, periferia e tecnologia, como os de Vaz Preto e a linha da Beira Baixa, Eugénio de Almeida e a linha do Barreiro, ou José Estêvão e a passagem da linha do Norte por Aveiro, entre outros.

 

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Recebido a 15-12-2014. Aceite para publicação a 28-09-2016

 

NOTAS

1 Artigo desenvolvido no âmbito da bolsa de pós-doutoramento SFRH/BPD/95212/2013.

2 Ver também: Projeto Biografias do CIUHCT http://www.ciuhct.com/index.php/pt/biografias.html

3 Diario da Camara dos Deputados, 23-2-1880, p. 542.

4 Arquivo da Universidade de Coimbra, Universidade de Coimbra (AUC-UC), certidões de idade (1834-1900), vol. 45, fl. 79-79v.

5ADB, Cúria Diocesana de Miranda e Bragança, Câmara Eclesiástica, Habilitações de genere, (RGMDL), liv. 10, fl. 145.

6 Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, processos individuais, Miguel Augusto Ferro de Beça.

7 AUC-UC, cartas de curso, Direito (1880), 3.ª série, cx. 76.

8 ANTT, RGMDL, liv. 43, fls. 258v-259v.

9 AMB, atas das sessões da câmara, sessão de 6-5-1910, fl. 5v.

10 ADB, Governo Civil, Junta Geral do Distrito, registo de alvarás e precatórias, cx. 206, liv. 836, fls. 19-21, 25v-26, 29v-30v.

11 Gazeta de Bragança, 14-10-1906, n.º 751. Norte Transmontano, 8-10-1896, n.º 82, p. 1.

12 Gazeta de Bragança, 14-10-1906, n.º 751. O Nordeste, 18-9-1901, n.º 745; 25-9-1901, n.º 746; 16-11-1904, n.º 910.

13 Gazeta de Bragança, 11-5-1902, n.º 521.

14 ANTT-RGMDL, liv. 43, fls. 258v-259v.

15 O Brigantino, 29-3-1889, n.º 158, p. 2; número de Dezembro de 1889, p. 1.

16 O Brigantino, 28-2-1889, n.º 152, p. 1. 14-3-1889, n.º 156; 29-3-1889, n.º 158; 20-6-1889, n.º 170.

17Norte Transmontano, 8-10-1896, n.º 82, p. 1.

18O Nordeste, 17-8-1893, n.º 242, p. 2; 19-7-1894, n.º 279, p. 3; 30-3-1895, n.º 305.

19 O Nordeste, 8-5-1901, n.º 726, p. 2.

20 O Nordeste, 14-10-1894, n.º 290, p. 2.

21 Correio da Noite, 2-11-1894, n.º 4577, p. 1.

22 Gazeta de Bragança, 25-8-1895, n.º 175.

23Diario da Câmara dos Deputados, 24-3-1896, pp. 881-882.

24 Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 1576 1L. Caminho de Ferro da Swazilandia. Relatórios de construção.

25 Para o discurso de Beça, ver: Diario da Camara dos Deputados, 7-2-1896, pp. 220-224; 29-2-1896, pp. 381-385.

26 O Nordeste, 21-4-1896, n.º 358. Norte Transmontano, 9-4-1896, n.º 56, p. 2; 14-5-1896, n.º 61, p. 2.

27O Nordeste, 2-6-1896, n.º 364; 23-6-1896, n.º 367. Norte Transmontano, 7-5-1896, n.º 60, p. 1.

28ARPD, fundo Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro (FERHR), eleições de 1897, cartas 11.1.57.9 e 11.1.57.91.

29Gazeta de Bragança, 15-1-1905, n.º 661.

30 Gazeta de Bragança, 29-7-1900, n.º 430; 12-8-1900, n.º 432; 16-9-1900, n.º 436; 14-10-1900, n.º 440.

31 O Nordeste, 31-10-1900, n.º 699, pp. 1-2; 7-11-1900, n.º 700; 14-11-1900, n.º 701.

32 Gazeta de Bragança, 8-4-1900, n.º 414; 18-11-1900, n.º 445, p. 1. O Nordeste, 25-7-1900, n.º 685.

33 Gazeta de Bragança, 27-12-1903, n.º 606, p. 1.

34Gazeta dos Caminhos de Ferro, 16-3-1901, n.º 318, p. 91; 16-5-1901, n.º 322, p. 156; 16-6-1901, n.º 324, pp. 179-180; 16-10-1901, n.º 332, p. 342.

35 Gazeta de Bragança, 26-5-1901, n.º 471.

36 Gazeta de Bragança, 16-6-1901, n.º 474, p. 1 e 3; 28-7-1901, n.º 480, p. 1.

37O Nordeste, 8.5.1901. n.º 726, p. 2; 23.10.1901, n.º 750, p. 2; 20.11.1901, n.º 754, p. 1.

38 ARPD, FERHR, eleição de deputados (Bragança), carta 10.4.5.8, f. 3v.

39 Gazeta de Bragança, 30.6.1901, n.º 476.

40 ADB, Juízo de Direito da Comarca de Bragança, auto de embargo que contra João Lopes da Cruz movem vários proprietários de Bragança.

41 Gazeta de Bragança, 29-3-1903, n.º 567; 19-4-1903, n.º 570.

42 Gazeta de Bragança, 16-3-1902, n.º 513.

43 Novidades, 21-4-1902, n.º 5536, p. 1.

44 Gazeta de Bragança, 27-4-1902, n.º 519.

45 Districto de Bragança, 14-3-1902, n.º 1, p. 2.

46 ARPD, FERHR, caminhos-de-ferro, Bragança. Chaves, telegrama 11.4.17.29, p. 1.

47 Gazeta de Bragança, 11-5-1902, n.º 521, p. 1.

48 Diario da Camara dos Deputados, 24-4-1902, p. 2.

49 Diario da Camara dos Deputados, 28-4-1902, pp. 7-21. Diario da Camara dos Dignos Pares do Reino, 2-5-1902, pp. 548-551.

50 Gazeta dos Caminhos de Ferro, 16-5-1902, n.º 346, p. 154.

51O Seculo, 7-5-1902, n.º 7308, p. 1.

52 The National Archives, Foreign Office, FO 63/1444; FO 63/1445.

53O Seculo, 7-5-1902, n.º 7308, p. 1.

54 Relatorio do conselho de administração e parecer do conselho fiscal da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro em 1903, p. 4.

55Districto de Bragança, 20-3-1903, n.º 54, p. 1. O Nordeste, 14-1-1903, n.º 814.

56Arquivo distrital de Lisboa, 9.º cartório notarial de Lisboa, liv. 359, cx. 72, fs. 2-4v.

57 Diario da Camara dos Deputados, 6-6-1910, p. 5.

58 Arquivo Histórico do Banco de Portugal (AHBP). Relatórios anuais, BP-CG 14.

59AHBP, Relatórios anuais, BP-CG 14.

60 ARPD, FERHR, eleição de deputados (Bragança), carta 10.4.5.19, f. 1v.

61 ARPD, FERHR, eleição de deputados (Bragança), carta 10.4.5.8, fs. 1-4.

62Gazeta de Bragança, 1-4-1906, n.º 723.

63ADB, processo da morte do conselheiro Abílio Beça.

64Boletim da CP, Outubro de 1968, n.º 472, pp. 5-9.

65 AHBP, relatório de 1907, fs.1-1v.

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