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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.207 Lisboa abr. 2013

 

Desigualdades digitais: Acesso e uso da internet, posição socioeconómica e segmentação espacial nas metrópoles brasileiras

Digital inequalities: Internet access and use, social-economic position, and spatial segmentation in the Brazilian metropo­litan areas

 

Luiz césar de Queiroz Ribeiro*, André Salata**, Lygia Costa***, Marcelo Gomes Ribeiro****

*UFRJ e Observatório das Metrópoles (INCT).E-mail: lcqribeiro@gmail.com

**UFRJ. E-mail:andre_salata@yahoo.com.br

***EBAPE/FGV e Observatório das Metrópoles. E-mail: lygiacosta@yahoo.com.br

****UFRJ e Observatório das Metrópoles. E-mail: marceloribeiro@observatoriodasmetropoles.net

 

RESUMO

Muito tem sido escrito e debatido sobre o caráter democratizador das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), que poderiam promover amplo acesso a condições de maior participação social, política e económica. O objetivo central neste trabalho é avaliar se a difusão nas metrópoles brasileiras do acesso à principal dessas tecnologias, a internet, vem sendo condicionada ou não pelas históricas desigualdades sociais do país – em termos de renda e escolaridade – e, também, pela segmentação territorial. Por meio de modelos logit e logit multinomiais analisaremos os dados das pesquisas nacionais por amostra de domicílios (PNAD) dos anos 2001, 2008 e 2009 a fim de fornecer respostas a essas questões.

Palavras-chave: internet; desigualdades; oportunidades; Brasil.

 

ABSTRACT

Much has been written and discussed about the democratizing nature of Information and Communication Technologies (ICT), which might promote a broader social, political, and economic participation. Our goal in this paper is to evaluate if the spread, in the Brazilian metropolitan areas, of access to the opportunities opened by the Internet is con-ditioned by the country’s historical and social inequalities – in terms of income and education – and also by the spatial segmentation. By means of logit and multinomial logit models we analyze data from the years 2001, 2008, and 2009 to provide answers to these questions.

Keywords: internet; inequalities; opportunities; Brazil.

 

INTRODUÇÃO

 

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) estão a produzir transformações na vida económica, social e cultural em diversos países e, como veremos, o Brasil está a ser velozmente inserido nesta dinâmica de mudança societária.1 Muito tem sido escrito e debatido sobre o caráter democratizador destas mudanças, em razão de a disseminação dos equipamentos e meios de uso das TIC promover amplo acesso a condições de maior participação social, política e económica.

O objetivo central neste trabalho é avaliar se a difusão nas metrópoles brasileiras do acesso às oportunidades abertas por meio da principal dessas tecnologias – a internet – vem sendo condicionada ou não pelas nossas históricas desigualdades sociais e também pela segmentação territorial. Buscaremos avaliar em que medida as possibilidades de acesso e as habilidades e condições necessárias ao uso da internet são influenciadas pela posição social dos indivíduos – especialmente em termos de renda e educação, tomadas como proxy de “capital económico” e “capital cultural” (Bourdieu, 2008) – e pela localização da sua residência em áreas de periferia e/ou favelas metropolitanas.

Dessa forma, procuraremos compreender a estratificação do acesso e capacidade de uso da internet, partindo do pressuposto – baseado na literatura especializada e em trabalhos empíricos, sobre os quais teceremos comentários mais aprofundados na próxima secção – de que ter acesso e saber utilizar a internet pode levar ao aproveitamento de diversas oportunidades com efeitos significativos sobre a trajetória dos indivíduos e as suas condições de mobilidade e acesso a recursos materiais e imateriais. Assim, caso se confirme a hipótese de que tais oportunidades estão a ser “monopolizadas” pelas camadas já dominantes da população, poderemos concluir que nas metrópoles brasileiras o desenvolvimento e disseminação da internet, nos atuais moldes, ao invés de combater, tem na verdade encorajado a reprodução das desigualdades sociais.

Nas próximas secções fundamentaremos as questões aqui propostas com base numa sumária revisão da bibliografia. Em seguida analisaremos, por meio de estatísticas descritivas e multivariadas, as condições de acesso ao microcom­putador e à internet nas principais regiões metropolitanas brasileiras. Na secção subsequente trataremos dos diferentes tipos de uso da internet. Por fim, na conclusão discutiremos os resultados mais gerais da nossa análise buscando interpretá-los à luz das referências teóricas sobre esta matéria.

 

IMPACTOS SOCIETÁRIOS DAS TIC: BREVE REVISÃO DA LITERATURA

 

A constante revolução tecnológica dos meios e serviços de produção, difusão e acesso a informações, aliada à vertiginosa diminuição dos seus preços, vem sustentando no mundo a imagem de uma transformação societária na direção da superação das conhecidas desigualdades de renda, educação, oportunidades, e da maior democratização do poder. Os recentes acontecimentos nos países do Médio Oriente parecem consolidar esta perceção da emergência de um mundo social mais horizontalizado nas suas relações económicas, sociais e políticas.

Entretanto, os resultados de pesquisas sobre os impactos societários das TIC têm gerado fundadas dúvidas sobre estas promessas. Os primeiros estudos, que em grande parte analisavam as sociedades economicamente mais “desenvolvidas”, já mostravam a estratificação do acesso às TIC. O volume de pessoas que conseguem ter acesso a essas tecnologias vem aumentando consideravelmente; no entanto, esses trabalhos apontam para a permanência da distância entre conectados e uma massa de não conectados. Além disso, também se evidencia a relação entre possibilidade de acesso às TIC e desigualdades de renda e educação. Ou seja, essa literatura mostra que são justamente os mais abastados e escolarizados aqueles que mais possibilidades têm de aceder às tecnologias como o telemóvel e a internet (Wareham, Levy e Wei, 2004; Horrigan, 2006).

Nesse sentido, o sociólogo Manuel Castells, apesar de reconhecer o surgimento de um novo tipo de organização social – a sociedade em rede –, sem dúvida mais aberta e horizontal do que a sociedade industrial, em diversos trabalhos tem assinalado a emergência de novas modalidades de estratificação em muitos aspetos mais poderosas na constituição de barreiras económicas e sociais. Como balanço de um amplo trabalho de pesquisa realizado em vários países, Castells (2007) menciona a possibilidade do surgimento de uma “infoexclusão” (p. 287) – resultante de “uma nova tecno-exclusão” (p. 297) e da “nova fratura do conhecimento” (p. 299).

O fundamento do seu argumento baseia-se no facto de que o novo paradigma societário em emergência não se refere apenas ao mais amplo acesso aos meios de produção e difusão de informação e conhecimento proporcionado pela revolução eletrónica, mas também – e sobretudo – às diferenças de capacidade que os indivíduos têm em usá-los para ter acesso às novas formas de riqueza e de poder da sociedade em rede, cujo fundamento essencial é a estratificação da capacidade informacional-comunicacional dos indivíduos, comunidades e organizações (Castells, 2006). Tal capacidade dependeria de um conjunto de condições sociais, culturais e institucionais que habilitariam comunidades e indivíduos a exercer um poder de conectividade, isto é, de se conectarem com as redes de circulação e acesso a informações e conhecimentos que podem constituir recursos de poder e proporcionar acesso a diversos recursos e oportunidades.

Com efeito, cada vez mais as competências e a experiência adequadas para lidar com essas novas tecnologias estão a tornar-se condicionadoras do acesso à renda, riqueza e poder, consequentemente afetando a trajetória social dos indivíduos e a reprodução das desigualdades. A maior intimidade com as mesmas pode implicar maior facilidade e liberdade de acesso a fontes de conhecimento, ampliação dos âmbitos de interação e das redes sociais, e acesso facilitado a informações sobre o mercado de trabalho e notícias de emprego. Além disso, o uso e o conhecimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) podem facilitar os vínculos com a administração pública, já que atualmente muitos serviços oferecidos pelo Estado, ou informações sobre os mesmos, podem ser acedidos via internet. Sobre este ponto há uma série de estudos já publicados, como veremos nos próximos parágrafos.

Se num primeiro momento esses estudos se centraram na posse de computador e, posteriormente, da internet, nos últimos anos é o tipo de uso que tem vindo a ganhar relevância. Obviamente que este facto está relacionado com a popularização, ao menos nos países economicamente mais avançados, do ­microcomputador com acesso à internet. No Brasil, onde, como veremos, ainda há uma imensa parcela da população que se encontra “desconectada”, a posse de microcomputador ainda é extremamente relevante para se entender a estratificação do acesso à internet.

No entanto também pode haver muitas desigualdades mesmo entre indivíduos “conectados”. Como mostra a literatura (Hargittai, 2008), o nível de aproveitamento das possibilidades e oportunidades oferecidas pelo acesso a estas tecnologias – no caso, conexão à internet através de um microcomputador no domicílio – está diretamente relacionado com o tipo de uso que se faz delas. É possível utilizar a internet para realizar atividades diversas, como procurar oportunidades de emprego, vender bens, comprar bens, pesquisar preços, pesquisar informação, ler jornais, revistas, estudar, comunicar, assistir a competições desportivas, novelas e etc. Aproveitar mais e melhores oportunidades oferecidas pela rede depende, é claro, do conhecimento e competências do utilizador, o que, por sua vez, é possível que esteja relacionado com a posição social dos indivíduos. Assim, mais uma vez, a crescente importância do uso das TIC poderia vir a contribuir para a reprodução das desigualdades, reforçando-a ou enfraquecendo-a.

Nesse sentido, é imprescindível entender as oportunidades abertas e os recursos proporcionados pelo acesso e uso adequado da rede. Segundo a literatura afirma (Hargittai, 2008, Krueger, 1993 e DiMaggio et al., 2004), parte dela baseada em dados empíricos, o eficiente uso das TIC seria capaz de aumentar o capital humano, económico, cultural, social e político dos indivíduos.

Em relação ao capital humano, trabalhos empíricos recentes mostraram que o uso dessas tecnologias seria capaz de aumentar a renda proveniente do trabalho dos indivíduos (DiMaggio et al., 2004), mesmo mantendo-se constantes outras variáveis. Isso aconteceria porque o acesso às TIC aumentaria a eficiência, efetividade, capacidade e qualidade do trabalho; num mercado em que cada vez mais empregos requerem atualização constante de conhecimentos e dinamismo por parte dos empregados, ter acesso e saber utilizar as TIC de maneira eficaz seria uma grande vantagem, já que facilitaria a acumulação de conhecimento. Através da internet, por exemplo, é possível descarregar tutoriais, ter assistência online e descobrir ou aprimorar competências. Além disso, cada vez mais vagas de empregos têm exigido dos candidatos certos níveis de conhecimento destas tecnologias; portanto, saber utilizá-las constitui muitas vezes uma necessidade no momento de procurar trabalho.

Mas o acesso às TIC também poderia ter efeito direto sobre a renda dos indivíduos. Em primeiro lugar porque através da internet é possível economizar por meio da comparação quase instantânea dos preços de serviços e produtos. Por outro lado, através da internet também é possível vender bens e serviços com grande facilidade e menores custos. A capacidade de fornecer informações instantâneas sobre o mercado, como por exemplo na questão da comparação de preços, aliada ao poder de alcance desse meio a fim de facilitar compras e vendas, torna a rede uma ferramenta eficientíssima. Saber utilizá-la pode, dessa forma, ter efeitos diretos sobre o rendimento dos indivíduos.

Mas o efeito mais evidente dessas tecnologias talvez seja sobre o capital social dos indivíduos. Através delas é possível contactar pessoas e trocar informações. Messengers, redes sociais e e-mail reduzem distâncias e facilitam a comunicação entre pessoas que espacialmente e socialmente podem estar distantes. Na internet há, por exemplo, serviços de procura de emprego que facilitam, por parte das empresas, encontrarem o perfil de empregado desejado e, por parte dos candidatos, conseguirem um emprego. Assim, num curto espaço de tempo o candidato consegue entrar em contacto e enviar o seu currículo para um grande número de empresas. Por outro lado, os empregadores também obtêm vantagens no momento de selecionar os novos empregados.

Também em relação ao capital cultural, as TIC podem trazer grandes benefícios. O grande volume de informações disponíveis em rede permite que o utilizador se familiarize com cidades, países, obras de arte, filmes, restaurantes ou museus, mesmo que nunca tenha ido a esses lugares, visto esses filmes, ou visitado tais museus. Assim, há grandes e amplas oportunidades para aumentar os conhecimentos. Além disso, a posse de computador com acesso à internet nos domicílios tem-se mostrado um importante fator na explicação dos diferenciais de desempenho escolar de crianças, adolescentes e jovens (­Kaztman, 2010). Com efeito, a utilização dessas tecnologias não apenas pressupõe, como estimula e facilita, o acréscimo de conhecimento/capital cultural, e tem sido cada vez mais relevante na educação e vida escolar de crianças e jovens (Castells, 2007; Kaztman, 2010).

Por fim, o acesso a essas tecnologias também pode ser importante no desenvolvimento da cultura cívica (Inglehart, 1988), através de fóruns de discussão, acesso a notícias e informações. Além disso, diversos serviços oferecidos por instituições públicas podem, ou devem, ser acedidos via internet. Atualmente é possível, por exemplo, acompanhar processos na justiça, pagar contas, solicitar documentos ou realizar diversos outros serviços através da internet.

Dessa maneira, o acesso a essas tecnologias pode levar ao aproveitamento de diversas oportunidades. Mas, caso as oportunidade de acesso sejam dominadas pelas parcelas já privilegiadas da população, o desenvolvimento das TIC pode vir a contribuir para a reprodução das desigualdades. Assim, o desenvolvimento e difusão da internet pode não conduzir necessariamente a uma maior democratização social.

Como base nestas referências, podemos agora enunciar melhor os propósitos que orientam este trabalho. Temos como objetivos verificar, em primeiro lugar, as desigualdades de acesso à principal dessas tecnologias – a internet – em relação a fatores como os rendimentos, a escolaridade e, também, o local de moradia. Como o acesso à internet no domicílio depende da posse de microcomputador, e, como veremos a seguir, no Brasil ainda há um grande grupo de domicílios sem esse equipamento, trabalharemos em dois níveis: primeiro tendo como variável dependente a posse de microcomputador e, em seguida, o acesso à internet. Entretanto, como afirma Castells (2007), o acesso à internet é necessário, mas não suficiente, para resolver a questão da “infoexclusão”. A resolução desta depende também da capacidade de uso que se faz dessa tecnologia. Assim, na última secção deste artigo trataremos dos tipo de uso que os utilizadores fazem da internet.

Partimos da hipótese de que o pleno aproveitamento das oportunidades oferecidas pela rede dependeria de condições materiais (renda, localização geográfica e etc.) e imateriais (disposições culturais, conhecimento, informações), que são desigualmente distribuídas entre a população. Por essa razão, é possível que os setores já dominantes da sociedade sejam justamente aqueles que tiram maior proveito dessas oportunidades, empurrando para a “infoexclusão” parte dos setores populares (Castells, 2007). Além disso, como os utilizadores da internet são ao mesmo tempo recetores e produtores das informações veiculadas na rede, quanto maiores as dificuldades de acesso das camadas inferiores da sociedade, quanto mais tempo elas passarem afastadas dessa tecnologia, mais a internet se moldará ao uso dos setores dominantes, criando barreiras duradouras à sua democratização. E mesmo que as camadas inferiores venham a ter acesso massivo à internet, há uma boa probabilidade de que no futuro, caso a desigualdade de acesso se mantenha presente por muito tempo, tenhamos uma divisão entre utilizadores ativos (não apenas recetores, mas também produtores de informação) e utilizadores passivos (meros recetores).

Testaremos, portanto, a hipótese de que seriam justamente aqueles domicílios com maior nível de capital económico e cultural aqueles com maiores possibilidades de acesso e maior capacidade de uso da internet. Caso tal hipótese seja confirmada, poderemos argumentar que, ao invés de influenciarem no sentido da horizontalização das relações sociais, as oportunidades oferecidas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação – comentadas acima – estariam a ser “monopolizadas” pelos setores já dominantes da população, funcionando assim como mais um mecanismo através do qual as desigualdades sociais se reproduziriam. Portanto, entender como se estruturam as desigualdades de acesso a essas tecnologias torna-se fundamental.

Nas próximas secções procuraremos analisar empiricamente essas desigualdades no Brasil metropolitano. Porém, como a tentativa de capturar os efeitos do território sobre as desigualdades de oportunidades de acesso e uso da internet constitui uma novidade dentro deste debate, considerámos adequado na próxima secção tecer breves comentários sobre a literatura e as hipóteses que nos guiam especificamente a esse respeito.

 

COMENTÁRIOS SOBRE O “EFEITO-TERRITÓRIO”

 

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano de 2009 aproximadamente 8,3% dos domicílios metropolitanos do Brasil encontravam-se em aglomerados subnormais2, e 42,2% em periferias. Uma das novidades trazidas pelo presente trabalho é a de analisar se, e de que maneira, a segmentação territorial expressa por esses números poderia contribuir para as desigualdades de acesso e uso das TIC. Partimos assim da hipótese de que ao mesmo tempo que o território expressa a estrutura social e as suas desigualdades, ele também seria capaz de reproduzi-las (Harvey, 1973), seja pela desigualdade de acesso a recursos materiais (Kowarick, 1979), seja pela conformação de contextos sociais – recursos imateriais (Wacquant, 2001; Wilson, 1987).3

Nas últimas décadas inúmeros estudos (Wilson, 1987, 1996; Massey e Denton, 1993) – na sua maior parte pertencentes à sociologia norte-americana – vêm defendendo a ideia, e tentando demonstrá-la empiricamente, de que não só os fatores ligados aos indivíduos e às famílias de origem dos mesmos – como escolaridade, renda e etc. – influenciariam as suas trajetórias sociais (em relação à escolaridade, emprego, por exemplo). Tal literatura trabalha com a hipótese de que a maneira como os indivíduos se encontram distribuídos no espaço, assim como as características do local de residência e da sua população, ou seja, a vizinhança, também seriam elementos que deveriam ser levados em conta nos estudos sobre reprodução das desigualdades, seja pelas restrições impostas pelo espaço à capacidade de os indivíduos aproveitarem certos serviços/recursos, seja pelo papel da vizinhança sobre a socialização dos mesmos (Jencks e Mayer, 1990; Brooks-Gunn et al., 1997; Sampson e Morenoff, 2002; Small e Newman, 2001).

Ao comentarem os estudos até então publicados sobre o tema – “efeito território” –, Small e Newman (2001) afirmam que os autores costumam seguir por dois caminhos distintos: alguns partem da ideia dos “mecanismos de socialização bairral”, e acreditam que as características da vizinhança condicionariam as ações dos seus moradores através de formação de contextos sociais homogéneos; outros preferem fazer as suas análises através do prisma dos “mecanismos instrumentais”, explorando a maneira como as ações individuais são limitadas pelas condições objetivas e os serviços oferecidos no “bairro”. Desta maneira, o espaço poderia contribuir para a reprodução das desigualdades através de dois mecanismos: o primeiro ligado à relação entre a localização dos grupos sociais no espaço e a distribuição dos bens ou serviços públicos e privados; e o segundo relacionando-se com as desvantagens criadas pela formação de contextos sociais homogéneos, em que os comportamentos “não-virtuosos” poderiam ser encorajados.4

Assim, o local de residência seria importante tanto pela formação de contextos sociais positivos/negativos quanto pela facilidade/dificuldade de acesso a serviços e instituições (Small e Newman, 2001). Em geral essas pesquisas estão mais voltadas para o efeito do território sobre a escolaridade ou o desemprego (Brooks-Gunn et al. 1997; Sampson e Morenoff, 2002), mas aqui lançaremos hipóteses sobre os seus possíveis efeitos em relação ao acesso e capacidade de uso da internet. Em primeiro lugar, perguntamo-nos se a formação de contextos sociais concentradores de famílias em situação de desvantagem (como as favelas localizadas nas metrópoles brasileiras) poderia diminuir as probabilidades de acesso e, principalmente, o aproveitamento dessas tecnologias; em segundo lugar, investigaremos se a localização dos domicílios em áreas periféricas (afastadas do centro) poderia também influenciar o acesso à internet. Assim, tomaremos a localização dos domicílios em área de favela e/ou periferia como indicadores através dos quais buscaremos analisar o “efeito-território”.

Podemos encontrar nas metrópoles brasileiras um modelo de estratificação socioespacial em dupla escala. De um lado, em escala “macro”, temos a ­conformação de núcleos e periferias metropolitanas; de outro, em escala “micro”, temos a conformação de favelas – muitas vezes incrustadas em áreas abastadas. Já sabemos, por exemplo, que os moradores de favelas e periferias metropolitanas sofrem desvantagens educacionais, ocupacionais e de renda (Ribeiro, Koslinski e Lasmar, 2010; Ribeiro, Correa e Rodrigues, 2010), mesmo quando controlamos pelo efeito de diversas outras variáveis. Interessa-nos aqui, em relação ao “efeito-bairro”, verificar se mesmo quando mantemos constantes os efeitos do nível socioeconómico dos indivíduos, o facto de o domicílio se localizar em área de favela ou periferia poderia reduzir as suas oportunidades de acesso e capacidade de uso dessas tecnologias.

 

METODOLOGIA

 

Os dados utilizados na elaboração das análises que fundamentam este artigo são provenientes da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD)5, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que desde 2001 fornece informações a respeito da posse de computadores e conexões de internet. Dessa maneira, foi possível ter à nossa disposição dados que cobrem quase a última década inteira – que, como sabemos, apresentou transformações importantes no mercado de trabalho e distribuição de renda (Barros et al., 2010) –, e mostrar informações a respeito das mudanças na distribuição do acesso à internet entre as diferentes camadas sociais nos últimos anos. Além disso, utilizamos algumas informações do suplemento da PNAD 2008, que contem dados complementares a respeito deste tema, como o tipo de uso que os indivíduos fazem dessas tecnologias, o que contribuirá para aprofundar as nossas análises.

Além das estatísticas descritivas trabalharemos com modelos de regressão logit, cujas variáveis dependentes serão: a posse ou não de computadores no domicílio, e a existência ou não de conexões de internet nos mesmos; e como variáveis independente teremos a idade (em anos), género (sendo “feminino” a referência), cor (sendo “não branco” a referência), região (sendo “norte e nordeste” a categoria omitida)6, renda domiciliar de todas as fontes (logaritmo natural), escolaridade (em faixas, sendo “até quatro anos de estudo” a ­categoria de referência), o conjunto de dummies correspondente às categorias ­ sócio-ocupacionais7 (sendo os “profissionais de nível superior” a categoria omitida) e as variáveis indicadoras da localização do domicílio em área de favela (sendo “bairro” a referência) e de núcleo (sendo “periferia” a referência) metropolitano.8 Na última secção construiremos uma tipologia de tipos de uso da internet e rodaremos um modelo logit multinomial a fim de verificar os fatores que influenciam as possibilidades de os indivíduos pertencerem a cada um dos tipos de utilizador.

Como será melhor explicado adiante, os modelos logit, referentes à presença ou não de computador e internet nos domicílios, foram construídos a partir das informações sobre a pessoa de referência no domicílio; já o modelo multinomial, sobre os tipos de uso, foi construído a partir de informações individuais. O recorte adotado em todo o artigo é o Brasil metropolitano, entendido como o conjunto das regiões metropolitanas pesquisadas pela PNAD: Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília (apenas DF).9

 

ACESSO AO MICROCOMPUTADOR E À INTERNET NO BRASIL METROPOLITANO

 

Começaremos por analisar o acesso ao computador e à internet nos domicílios metropolitanos. No entanto, como pode ser argumentado, há outros locais nos quais os indivíduos podem ter acesso a essa tecnologia, como os domicílios de parentes, no trabalho, no estabelecimento de ensino, em centros públicos de acesso pago ou gratuito, por exemplo. O nosso recorte justifica-se pelo peso que o acesso à internet no próprio domicílio possui atualmente. Dados do ano de 2008 (PNAD – IBGE), para as mesmas regiões metropolitanas, mostram que entre as pessoas que acederam à internet nos últimos três meses, mais de 65% o fizeram no próprio domicílio; e essa percentagem sobe para mais de 98% quando tratamos apenas daquelas que possuíam acesso à internet no domicílio. Em segundo lugar vinha o local de trabalho, cujas cifras ficavam, respetivamente, em 33% e 37%. Ou seja, ainda é através do acesso no próprio domicílio que a grande maioria da população se liga à internet, e por essa razão acreditamos que possuir microcomputador e conexão à rede no próprio domicílio deve merecer a nossa atenção, apesar de haver outros locais nos quais os indivíduos possam também conectar-se à internet.10

Segundo os dados da PNAD, entre os anos de 2001 e 2009 houve um aumento substantivo na percentagem de domicílios metropolitanos com computador. Se no ano de 2001 os números rondavam os 19,9%, em 2009 sobem para 46,1%. Ou seja, mais que duplica a percentagem de domicílios com computador nesse período. Em 2001, dos domicílios que tinham computador, 72,9% também tinham acesso à internet; já em 2009 esse percentual sobe para 83%, constituindo um aumento de mais de 10%.

Portanto, nos últimos anos houve um crescimento considerável da proporção de domicílios com microcomputador e internet no Brasil metropolitano. Por outro lado, quase 54% dos domicílios continuavam sem microcomputador em 2009. E dos domicílios que tinham computador, mais de 15% ainda não possuía internet. O mais grave, no entanto, como veremos, é que estas percentagens não se distribuem uniformemente pelas diferentes camadas sociais; há grandes desigualdades nas oportunidades de acesso a essas tecnologias. Analisando em termos da distância entre os setores mais ricos e mais pobres da população, o acesso às TIC ainda é bem maior nos grupos de renda mais alta dos domicílios metropolitanos. Os gráficos n.º 1 e n.º 2 mostram as desigualdades no acesso a computadores e internet segundo os quintis de renda.

 

 

 

Segundo os referidos gráficos, no ano de 2001, por exemplo, 59% dos domicílios no quintil mais rico da população (Q5) possuíam computadores; em 2009 essa percentagem subiu para 86%. Para o quintil mais pobre (Q1) os valores ficaram em 1,6% em 2001 e 13% em 2009.

Em relação ao acesso à internet – dada a posse de computador – ­também é possível notar grandes desigualdades. Em 2001, 81% dos domicílios no quintil mais rico da população que possuíam computador, tinham também acesso à internet (gráfico n.º 2); em 2009 esse valor subiu para 93%. Para o segundo quintil mais pobre as percentagens ficaram em 37% em 2001 e 67% em 2009. Assim, nos últimos anos verificamos, para todos os quintis de renda, um aumento significativo de acesso ao computador e à internet. Além disso, em termos proporcionais foram os quintis mais pobres aqueles que mais aumentaram o seu acesso a essas tecnologias, o que pode estar relacionado com o aumento do montante de renda dessas camadas nos últimos anos (Barros et al., 2010).11

No entanto, vimos também que ainda há grandes desigualdades nas oportunidades de acesso ao computador e à internet entre os setores mais ricos e mais pobres da população. A seguir analisaremos, através de modelos multivariados, quais os principais fatores conformadores dessas desigualdades.

No quadro n.º 1, temos os resultados dos nossos modelos logit, cujas variáveis dependentes são a posse de microcomputador e o acesso à internet no domicílio – dada a existência do microcomputador. Apesar de notarmos que variáveis de controleo como a “cor”, o “género”, a “idade” e a “região geográfica” possuem efeitos significativos sobre as possibilidades de acesso ao computador e/ou à internet, concentraremos a nossa análise nas características socio­económicas e socioespaciais.12

 

 

Em relação à escolaridade observámos que quanto maior a escolaridade do chefe de domicílio, maiores são as probabilidades de ter acesso a um computador.Os domicílios com chefes com 12 anos e mais de escolaridade, quando comparados com os grupos dos que tinham até 4 anos de escolaridade, apresentaram 4,12 vezes mais probabilidade de ter computador no domicílio. Observamos que quanto mais elevado o nível educacional do chefe de domicílio, maiores também são as chances de possuir conexão à internet no domicílio – dado que possui microcomputador. Os domicílios com chefes com 12 anos e mais de escolaridade, comparados com os grupos dos que tinham até 4 anos de ­escolaridade, apresentaram 3,03 vezes mais possibilidades de ter internet no ­domicílio.

O resultado da renda também foi positivo e bastante acentuado, quanto maior a renda maior as probabilidades de posse de computador no domicílio. Cada unidade a mais no logaritmo da renda aumenta em 268% a probabilidade de o domicílio possuir microcomputador. Quanto maior a renda maiores também as chances de posse de conexão à rede no domicílio; cada unidade a mais no logaritmo da renda aumenta em 121% a probabilidade de o domicílio possuir acesso à internet.13

Em relação ao território, o facto de o domicílio se localizar em área de favela reduz a sua probabilidade de ter computador em 37%; por outro lado, o facto de o domicílio se encontrar no núcleo, e não na periferia da metrópole, aumenta essa chance em 24%. Portanto, os moradores da periferia, e principalmente das favelas, têm menos probabilidade de possuír computador. ­Também encontramos a presença do território como uma forma de barreira no acesso à internet. Apesar de a localização na favela não produzir efeitos significativos neste caso, o facto de o domicílio se localizar no núcleo aumenta em mais de 60% as probabilidades de estar conectado à internet – dado que possui ­computador.

Os dados apresentados acima evidenciam que tanto o nível socioeconómico quanto a localização socioespacial constituem critérios importante de nivelamento no que diz respeito à posse de computador e acesso à internet. São justamente aqueles domicílios com maior aporte de recursos materiais (rendimentos) e imateriais (escolaridade), localizados fora de favelas e nos núcleos metropolitanos, aqueles com maiores probabilidades de acesso às oportu­nidades oferecidas pela internet. No entanto, a fim de expor mais claramente os resultados trazidos pelo modelo, inserimos alguns gráficos com simulações de probabilidades preditas a respeito dos resultados que consideramos mais interessantes, o que nos ajudará na interpretação dos dados trazidos pelo modelo.14

 

 

 

Os gráficos atrás ajudam-nos a entender melhor a dimensão dos efeitos das variáveis socioeconómicas e territoriais, mantendo-se constantes todas as demais variáveis. Através dos gráficos n.º 3 e n.º 4 podemos ter acesso aos efeitos da escolaridade e da renda sobre a posse de computador e acesso à internet. Enquanto o efeito da renda (cujos valores expostos correspondem aos intervalos dos quintis de sua distribuição) deve ser visualmente mensurado pelo grau de inclinação das retas, o “efeito escolaridade” deve ser graficamente identificado pelo espaço entre as diferentes retas. Em primeiro lugar, devemos destacar que tanto a renda como a escolaridade possuem efeitos bastante agudos. É possível perceber, em segundo lugar, que tanto o “efeito renda” quanto o “efeito escolaridade” são mais acentuados em relação à posse de microcomputador do que em relação ao acesso a internet, já que no primeiro gráfico encontramos uma maior inclinação e um maior espaço entre as retas. Ou seja, no Brasil a barreira socioeconómica de acesso à internet no domicílio inclui aspetos materiais (renda) e imateriais (escolaridade), e encontra-se mais presente sobre a posse de microcomputador do que sobre o acesso à internet.

Já os gráficos n.º 5 e n.º 6 traduzem os efeitos do território, cruzando-os com variações de renda. Enquanto no gráfico n.º 5 o espaço entre as linhas expressa graficamente o “efeito-favela” sobre as probabilidades de o domicílio possuir microcomputador, no gráfico n.º 6 podemos ter acesso ao “efeito-periferia” sobre as probabilidades de possuir acesso à internet. Vemos que em ambos os casos, mesmo quando mantemos constantes todos os outros fatores incluídos no nosso modelo, encontramos evidências significativas do “efeito-território” – expresso pelo gap entre as linhas dos dois gráficos em questão.

 

 

 

Em relação ao gráfico n.º 5 acreditamos que reflita o efeito de contexto gerado pela concentração espacial de uma população em desvantagem. É possível que o isolamento social da população moradora em favelas, ao colocar em contacto famílias de nível socioeconómico próximo, crie um meio-social desvantajoso, em que a posse de computador não seja tão valorizada como noutros contextos sociais. Já a vantagem do núcleo sobre a periferia no que diz respeito à conexão de internet – expressa no gráfico n.º 6 –, deve ser explicada por outro efeito do território, mas sem ligação à criação de contextos sociais – ou recursos imateriais –, mas sim à desigualdade de acesso a recursos e serviços materiais. Sabemos que as periferias metropolitanas costumam sofrer com a escassez de serviços coletivos e equipamentos de infraestrutura. É provável que também haja maior dificuldade, nessas áreas, de se encontrar provedores de acesso à internet.

Assim, através das análises realizadas até ao presente momento, vimos que no Brasil ainda há uma grande massa de “não conectados”, e que a principal barreira em relação ao acesso à internet nos domicílios ainda se encontra na questão da aquisição do microcomputador. As camadas mais privilegiadas da população, com maiores níveis de capital económico e cultural, apresentam mais probabilidade de possuírem tal equipamento e, uma vez possuindo-o, de se conectarem à internet. Além disso vimos que a segmentação espacial também contribui para a conformação desse contingente de “não conectados”.

Dessa forma, concluímos que há grandes barreiras sociais em relação ao acesso à internet. Mas, como já tivemos oportunidade de dizer, o pleno aproveitamento das oportunidades oferecidas pelas TIC depende também da competência de uso dos utilizadores. Na secção seguinte verificaremos se além das barreiras de acesso haveria também grandes diferenças na capacidade de uso que se faz da internet, e procuraremos avaliar quais os fatores condicionantes dessas diferenças.

 

TIPOS DE USO DA INTERNET

 

No suplemento de 2008 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, além da existência da variável sobre o acesso ao computador e à internet, foram introduzidas variáveis que diziam respeito ao tipo de uso da internet nos últimos três meses no período de referência da pesquisa. Este suplemento forneceu-nos uma chave para compreender um pouco mais como os diferentes grupos sociais têm lidado com o conhecimento e técnica na utilização da internet.

Os tipos de uso captados por esse suplemento foram: educação ou aprendizagem (pesquisa, educação à distância, etc.); comunicação com outras pessoas – quando a pessoa utilizou a internet para comunicar com outras pessoas (por meio de correio eletrónico, sala de “bate-papo” (chat), página de relacionamento, programa de mensagem instantânea, blog, fotolog, etc.); atividade de lazer – quando a pessoa utilizou a internet para atividades de lazer (ouvir músicas ou programas de rádio, assistir a programas de televisão ou vídeos, jogar, descarregar arquivos de músicas, vídeos ou jogos, etc.); leitura de jornais ou revistas – quando a pessoa utilizou a internet para ler jornais e revistas; interagir com autoridades públicas ou órgãos do governo – quando a pessoa utilizou a internet para interagir com autoridades públicas ou órgãos do governo (requisitar documentos; enviar declaração do imposto de renda ou outros formulários; agendar exames, consultas ou entrevistas etc.); comprar ou encomendar bens ou serviços – quando a pessoa utilizou a internet para comprar ou encomendar algum bem ou serviço; transações bancárias ou financeiras – quando a pessoa utilizou a internet para efetuar transações bancárias ou financeiras (home banking); pesquisar informações e outros serviços – quando a pessoa utilizou a internet para procurar informações ou outros serviços (procurar emprego, enviar currículo, etc.).15

Grande parte dos utilizadores (84%) usou a internet para comunicar com outras pessoas; uma porção razoável fez uso da internet para atividades de lazer (63,%), educação e aprendizagem (59%) e leitura de jornais ou revistas (58%); 36% das pessoas utilizaram a internet para pesquisar informações ou outros serviços; e cerca de 22% das pessoas navegaram na rede para comprar ou encomendar bens ou serviços, 23% para realizar transações bancárias ou financeiras e 23% a fim de interagir com autoridades públicas ou órgãos do governo.

De forma a facilitar a análise criamos uma tipologia de tipos de uso da internet.16 O primeiro tipo, que denominamos “básico”, corresponde a 47% da amostra (7 411 687 casos expandidos); já o segundo tipo, denominado “intermediário”, agrupa 33,1% da amostra (5 222 522 casos expandidos); por fim o terceiro grupo, “avançado”, corresponde a 19,9% da amostra (3 137 509 casos expandidos).

O gráfico n.º 7 descreve a tipologia criada de acordo com os tipos de uso. O gráfico deixa clara a diferença de tipos de uso da internet existentes entre os três grupos por nós criados. Vemos que o primeiro grupo, “básico”, tende a realizar em menor grau as atividades listadas; além disso, nesse grupo predomina a realização de atividades mais simples, já que há pouca frequência de atividades como compras, transações bancárias, interação com órgãos do governo e busca de informações e serviços; o seu uso da internet restringe-se, em especial, à comunicação com outras pessoas (com grande supremacia nesse grupo), educação, leitura e lazer. O grupo “intermediário”, por sua vez, apesar de apresentar um perfil de uso semelhante ao primeiro, possui uma tendência muito maior do que aquele para realizar as atividades listadas, principalmente no que se refere à comunicação, educação, leitura (jornais e revistas) e lazer. Além disso, aumenta também a participação em atividades mais avançadas, como compras online, transações bancárias e interação com órgãos governamentais. No entanto, é o terceiro grupo, “avançado”, que realiza com frequência as atividades mais diversas, inclusive as últimas citadas (transações bancárias, compras e interação com órgãos governamentais), que exigem um conhecimento mais aprofundado dessa tecnologia.

 

 

Assim, a nossa tipologia baseia-se na intensidade e diversidade da realização de diversas atividades – algumas mais simples (como comunicação e lazer), algumas intermediárias (como educação, leitura e informações) e outras avançadas (como compras online, transações bancárias e interações com órgãos governamentais). A partir desses eixos conseguimos, portanto, fazer uma diferenciação entre utilizadores “básicos”, “intermediários” e “avançados”.

Como já tivemos a oportunidade de dizer no início deste artigo, quanto maior a competência do utilizador para fazer uso dessas tecnologias, mais oportunidades ele poderá extrair delas. No entanto, caso esta se concentre nos grupos do topo de nossa escala social, maior será a influência das TIC sobre a reprodução das desigualdades. Interessa-nos saber, portanto, quais os fatores que influenciam as probabilidades de o indivíduo pertencer a cada um dos três grupos, a fim de verificar uma possível estratificação das ­capacidades de uso da internet mesmo entre ­indivíduos ­“conectados”. Seguindo Castell (2007), a nossa hipótese aqui é a de que o pleno aproveitamento das oportunidades oferecidas pela rede dependeria de condições materiais e não materiais desigualmente distribuídas entre a população.

Por forma a fazer essa análise, testámos um modelo logit multinomial17 cuja variável dependente é o tipo de uso, sendo a categoria “básico” a referência. As variáveis independentes utilizadas foram basicamente as mesmas do modelo apresentado na secção anterior – sobre a posse de microcomputador e o acesso à internet.18 O quadro n.º 2 exprime os resultados do modelo testado.

 

 

O quadro n.º 2 traz os coeficientes, testes de significância e dados sobre o ajuste do modelo. No entanto, para facilitar a interpretação dos resultados, e assim como fizemos na secção anterior, selecionámos alguns dados gerados pelo modelo – que consideramos os mais “interessantes” – e inserimos abaixo alguns gráficos (n.º 8, n.º 9, n.º 10 e n.º 11) com simulações de probabilidades preditas. Tal exercício mais uma vez ajudar-nos-á na análise dos efeitos de algumas das variáveis independentes sobre o tipo de uso da internet.19

 

 

 

 

 

Vemos, no gráfico n.º 8, que quanto maior a renda20 dos indivíduos maiores as suas probabilidades de se encontrarem na categoria “avançado”, e menores as de fazerem um uso “intermediário” e, principalmente, “básico”, da internet. O gráfico expõe um “efeito renda” bastante acentuado, de maneira que, se por um lado quando fixamos os rendimentos por volta de R$500,00 as probabilidades de uso “básico” são muito maiores que as demais, quando alcançamos mais ou menos R$2800,00 as probabilidades de uso “avançado” ultrapassam as do tipo “intermediário” e “básico”. Trata-se, assim, de um efeito bastante considerável.

O mesmo pode ser dito em relação à escolaridade (gráfico n.º 9), que também exerce grande influência, aumentando consideravelmente as probabilidades de o indivíduo se encontrar na categoria “intermediário” e, principalmente, “avançado” – diminuindo, portanto, as probabilidades do tipo “básico” –, conforme caminhamos em direção aos níveis mais elevados de escolaridade. Diferentemente do “efeito renda”, no entanto, o “efeito escolaridade” está positivamente relacionado com a categoria “intermediário”. Tal resultado pode ser explicado pelo facto de a categoria “intermediário” ser caracterizada por um tipo de uso que mais pressupõe certos níveis de “capital cultural”, como educação e/ou aprendizado e leitura de jornais e revistas.21

Em relação ao território, no gráfico n.º 10 notamos que morar em favelas diminui as probabilidades de se estar na categoria “avançado” e aumenta as probabilidades de o indivíduo se encontrar na categoria “básico”, mesmo quando mantemos constantes todas as demais variáveis incluídas no nosso modelo. Aqui também a interpretação desses efeitos deve passar pela ideia da formação de contextos sociais. Saber utilizar a internet depende, muitas vezes, da troca de experiência entre utilizadores; morar num local onde há uma concentração de pessoas com pouco acesso a essas tecnologias, e com carência de aporte dos recursos materiais e imateriais necessários para se fazer um uso mais completo das mesmas, pode dificultar essa troca de informações. Mais uma vez encontramos evidências do “efeito-território” que, apesar de tímidas quando comparadas com fatores como a “renda” ou a “escolaridade”, são significativas.

Por fim, não poderíamos deixar passar em branco o acentuado efeito ­exercido pela idade sobre os tipos de uso da internet. O gráfico n.º 11, com as probabilidades preditas para os diferentes tipos de uso da internet de acordo com a idade do indivíduo, ajuda-nos a compreender a dimensão e o sentido deste efeito. Vemos que quanto mais anos de idade têm os indivíduos, muito maiores são as probabilidades de fazerem um uso “básico” da internet; em contrapartida, quanto menos anos de idade, muito maiores são as probabilidades de os indivíduos fazerem um uso “intermediário” ou “avançado” da internet. Ou seja, pessoas mais jovens têm vantagens sobre pessoas mais velhas em relação à sua capacidade de aproveitamento das inúmeras oportunidades oferecidas pela rede – mesmo quando controlados os efeitos de diversas variáveis, como a renda e a educação.

Portanto, os dados apresentados acima evidenciam que tanto o nível ­socioeconómico quanto a localização socioespacial – e também a idade – constituem critérios importante de nivelamento no que diz respeito ao tipo e competência de uso da internet. São justamente indivíduos jovens, com maior nível de recursos materiais (rendimentos) e imateriais (escolaridade), localizados fora de favelas, aqueles com maiores probabilidades de melhor aproveitarem o leque de oportunidades oferecido pela internet. Assim, as camadas dominantes da população possuem vantagens não somente em relação ao acesso, mas também em relação à capacidade de uso da internet, confirmando a hipótese levantada por Castells (2007) a respeito do processo de “infoexclusão”.

 

CONCLUSÕES

 

No início deste trabalho afirmámos que a nossa hipótese era a de que a ­crescente importância das TIC – no caso, a internet –, poderia vir a contribuir para a reprodução das desigualdades sociais. Para tanto, seria necessário que houvesse uma má distribuição do acesso e da capacidade de uso da mesma, concentrando-se esses fatores nos grupos já privilegiados em termos de “capital económico” e “capital cultural” (Bourdieu, 2008). Assim, baseando-nos na literatura internacional e em alguns trabalhos de cunho empírico, argumentámos que o desenvolvimento dessas tecnologias traria oportunidades (financeiras e culturais) aos indivíduos, o que poderia atuar no sentido de combater as desigualdades sociais. No entanto, caso tais oportunidades fossem “monopolizadas” pelos setores socialmente e economicamente dominantes da população, essas tecnologias reforçariam as desigualdades já existentes. Propusemo-nos, assim, investigar a estratificação do acesso e competência de uso da principal dessas tecnologias – a internet – nas metrópoles brasileiras.

Tal questão, sobre a importância da democratização das oportunidades oferecidas pela internet tem sido, inclusive, reconhecida pelo governo brasileiro, que nos últimos anos tem procurado lançar novas políticas – como o chamado “Plano Nacional da Banda Larga” – incentivando a expansão e universalização do acesso à chamada conexão de “banda larga”, procurando assim promover a “inclusão digital”.22 Tais programas traduzem-se, em geral, em políticas de implementação de redes de comunicação e incentivos financeiros – ou subsídios – no sentido de levar a conexão de “banda larga” aos setores menos privilegiados da população. No entanto, a análise desenvolvida no presente trabalho mostrou que no Brasil metropolitano o acesso à internet para os grupos menos privilegiados ainda é, em grande parte, impossibilitado pela não existência de um microcomputador no domicílio. Ou seja, mais do que a conexão à internet em si, a posse do computador ainda constitui uma grande barreira, de maneira que domicílios com menor aporte de “capital cultural” e, principalmente, “capital económico”(Bourdieu, 2008), possuem muito menos oportunidade de possuir um microcomputador.

Mas os nossos dados também evidenciaram que não basta ter acesso à internet, pois encontramos grandes diferenças quanto à competência de uso da mesma entre indivíduos “conectados”. Mais do que isso, vimos que há enormes diferenças sociais quanto à capacidade de aproveitamento das oportunidades oferecidas pela rede, pelo que indivíduos com maior renda e escolaridade possuem muito mais probabilidade de fazerem um uso mais avançado dessa tecnologia. Além disso, percebemos que também há uma grande diferença geracional nessa capacidade de uso, já que indivíduos com mais anos de idade apresentam uma probabilidade muito maior de fazerem uso apenas básico da internet. Ou seja, além de se promover a necessária expansão e barateamento do acesso à internet, seria ainda mais importante garantir o acesso aos dispositivos de uso da rede – o microcomputador, no caso estudado – e, principalmente, estimular as condições e capacidades necessárias ao pleno aproveitamento das oportunidades oferecidas pela mesma, com enfoque na população menos abastada, menos escolarizada, e com idade mais avançada.

Assim, o presente trabalho desenvolve a discussão sobre um tema cada vez mais importante, mas ainda relativamente pouco explorado na literatura brasileira e latino-americana, a respeito da relação entre as oportunidades abertas pelas internet e as desigualdades sociais. Os resultados apresentados mostram que não basta incentivar apenas a expansão da conexão à internet. Por um lado porque no Brasil ainda há grandes barreiras económico-sociais em torno da aquisição dos equipamentos necessários à conexão (no caso, o microcomputador), por outro lado porque mesmo entre os indivíduos “conectados” encontramos grandes diferenças em relação à capacidade de aproveitamento das oportunidades oferecidas pela rede. Tais resultados confirmam a tese da “infoexclusão” levantada por Castells (2007), de que não basta promover o acesso a estas tecnologias, pois a capacidade de uso das mesmas depende de condições materiais e, principalmente, imateriais (conhecimento), que são desigualmente distribuídas entre a população de uma maneira geral.

Castells (2007) já havia identificado uma tendência geral, global, de desaparecimento das diferenças de acesso à internet, sendo justamente os países menos desenvolvidos – ou em desenvolvimento, como o Brasil –, aqueles onde proporcionalmente mais tem crescido o uso dessa tecnologia. No entanto, esta tendência positiva estaria a ser acompanhada por grandes desigualdades internas nesses países, onde os grupos que se aproveitariam desse crescimento seriam justamente os setores dominantes. Isto porque o aproveitamento ­dessas condições pressuporia condições materiais e culturais propícias. Os nossos dados corroboram esse argumento, já que as probabilidades de aceder e fazer um uso mais aprofundado da internet estão relacionadas com o perfil ­socioeconómico (e etário) dos indivíduos.

A literatura nacional já há décadas vem gerando robustas evidências empíricas, e construindo um sofisticado quadro analítico explicativo sobre os efeitos da segmentação socioespacial criados pelos processos de estratificação socioespacial na constituição e reprodução de desvantagens. Nesta literatura têm presença fundamental as análises das divisões socioespaciais favela/não favela e de núcleo/periferia metropolitana na explicação das desigualdades sociais (Ribeiro, Alves e Junior, 2008; Kowarick, 1979). Às problemáticas condições habitacionais, de provisão de serviços públicos, desigualdade de oportunidades escolares (Ribeiro, Koslinski e Lasmar, 2010) e no mercado de trabalho (Ribeiro, Correa e Rodrigues, 2010), somam-se, então, as desvantagens de acesso e capacidade de uso dessas tecnologias sofridas por moradores das favelas e periferias metropolitanas.

Por um lado, os resultados como a menor oportunidade de acesso à internet para os moradores de periferias podem ser interpretados pela escassez de oferta desses serviços em localidades mais distantes dos núcleos metropolitanos. Por outro lado, a tendência para um uso mais básico dessa tecnologia nessas áreas pode estar relacionada com a própria concentração espacial de indivíduos desprovidos destas competências e conhecimentos. Saber utilizar a internet, conhecer as suas ferramentas, sites e etc., muitas vezes depende da ajuda ou dicas de pessoas próximas, como amigos e vizinhos. Dada a importância desse conhecimento compartilhado, a segmentação espacial, ao concentrar uma população com uma situação socioeconómica próxima, pode produzir efeitos (contextuais) para além daqueles ligados a características individuais e domiciliares/familiares. Assim verificamos evidências consistentes da influência do território através dos mecanismos descritos pela literatura (Jencks e Mayer, 1990; Small e Newman, 2001), sobre a capacidade de acesso e aproveitamento da internet, contribuindo para o processo de “infoexclusão”.

Como afirma Castells (2007), a “infoexclusão” de uma grande parcela da população prende-se com a questão da oferta de acesso e do conteúdo encontrado na rede, ambos – acesso e conteúdo – mais acessíveis aos setores abastados da sociedade. Isto porque dependem de condições materiais (renda, localização geográfica e etc.) e imateriais (disposições culturais, conhecimento, informações), que são desigualmente distribuídas entre a população. As análises apresentadas nesse artigo trazem, pela primeira vez, dados consistentes que corroboram a aplicabilidade da tese da “infoexclusão” para o caso das metrópoles brasileiras, assim como evidenciam as suas peculiaridades – como a da importante barreira de acesso ao microcomputador e o papel exercido pelo território. Dessa forma concluímos que no Brasil, caso se mantenha o atual padrão, a difusão da internet funcionará mais como reprodutora das desigualdades do que como democratizadora das relações sociais.

Por fim, gostaríamos de concluir este trabalho afirmando que o acesso a essas tecnologias, ou melhor, a exclusão ao acesso e as assimetrias nas capacidades de utilização dessas tecnologias, devem ser seriamente encaradas, pois os seus efeitos vão muito além da simples desigualdade de acesso a um determinado bem. O desenvolvimento destas tecnologias vem acarretando mudanças importantes na forma das interações sociais (Simmel, 2006), de maneira que não ter acesso às mesmas implicaria a impossibilidade de aproveitar cada vez mais oportunidades sociais. Desta forma, os efeitos da “infoexclusão” não se medem apenas pelo número de acessos à internet, mas também pelas consequências que a conexão e a falta da mesma comportam. A internet não é apenas uma tecnologia, mas também um instrumento tecnológico e uma forma organizativa que distribui o poder da informação, a produção de conhecimento e a capacidade de os indivíduos se ligarem em rede a qualquer âmbito da atividade humana (Castells, 2007).

 

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Recebido a 03-01-2012. Aceite para publicação a 08-08-2012.

 

NOTAS

1 Para uma descrição e análise aprofundadas do surgimento e das consequências do desenvolvimento destas tecnologias, ver Castells (1999 e 2007).

2 Conjunto constituído por um mínimo de 51 unidades habitacionais, na sua maioria carentes de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até um período recente, um terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa. Tal como Ribeiro, Alves e Junior (2008), utilizaremos os “aglomerados subnormais” como proxy de “favelas”.

3 Segundo Bourdieu (1997) a estrutura social manifestar-se-ia sob a forma de oposições espaciais. Assim, a estratificação social retraduzir-se-ia no espaço físico por meio de uma relação entre a estrutura espacial da distribuição dos agentes e a estrutura espacial da distribuição dos bens ou serviços privados ou públicos. Além disso, como a estrutura social está expressa no espaço, a expressão espacial desta também contribuiria para formar o habitus dos indivíduos, fazendo com que “parte da inércia das estruturas do espaço social resulte do fato de que elas estão inscritas no espaço físico” (Bourdieu, 1997, p. 160). Assim, a reunião num mesmo lugar de uma população homogénea na despossessão teria como efeito – resultante da criação de contextos sociais – redobrar essa despossessão, principalmente em matéria de cultura e de práticas culturais.

4 Sobre os mecanismos de “efeito-bairro”, consultar Jencks e Mayer (1990).

5 As pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) são aplicadas anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com exceção dos anos em que os censos nacionais são realizados (exemplo: 1991, 2000). As PNAD constituem amostras representativas da população brasileira de uma maneira geral, podendo também ser trabalhadas em regiões geográficas, estados e regiões metropolitanas (como no caso deste artigo).

6 O Distrito Federal foi agregado à região Sudeste.

7  Consideramos importante incluir as categorias ocupacionais, como variáveis de controle nos nossos modelos, a fim de isolar os possíveis efeitos que a ocupação pode diretamente exercer – por questões mais técnicas do que sociais – sobre o acesso e uso de computador e/ou internet. A tipologia sócio-ocupacional utilizada foi construída a partir de informações sobre a ocupação dos indivíduos, e respeitando os princípios da divisão entre proprietários e não proprietários, oposição entre posição de comando e de subordinação, trabalho não manual e trabalho manual, considerando trabalho público e privado, e os setores de atividade económica (Ribeiro e Lago, 2000). Com base nesses princípios foram construídos oito grandes grupos sócio-ocupacionais: dirigentes, profissionais de nível superior, pequenos empregadores, ocupações médias, trabalhadores do secundário, trabalhadores do terciário especializado, trabalhadores do terciário não especializado, e agricultores (como trataremos apenas das regiões metropolitanas, a categoria “agricultores” não foi incluída nas nossas análises).

8 O “núcleo” corresponde ao município principal, que dá o nome à metrópole; enquanto a “periferia” corresponde ao conjunto dos outros municípios que compõem a região metropolitana. A separação entre núcleos e periferias é feita identificando-se o núcleo de cada metrópole através das informações sobre o número de moradores.

9 Sabemos porém que hoje o Brasil conta com um sistema urbano muito mais complexo, em que há outras regiões metropolitanas que possuem o papel de metrópoles regionais, já que exercem influência para além do seu território propriamente dito.

10 Até então, nas PNAD, a questão a respeito da existência de internet no domicílio só é considerada caso haja microcomputador. Sabemos, no entanto, que o acesso à internet por outros meios (principalmente celulares e tablets) vem crescendo substancialmente, e mereceria uma análise particular no futuro.

11 O facto de em 2001 o primeiro quintil apresentar uma percentagem de domicílios com internet maior do que os dois quintis subsequentes deve ser explicado pela variação decorrente do pequeno número de domicílios que possuíam computador neste grupo em 2001 (1,6%), e que, portanto, estavam sujeitos a possuir internet.

12 É importante salientar que para rodar todos os modelos multivariados deste trabalho utilizamos os pesos inerentes à PNAD multiplicados pela fração da amostra. Dessa maneira, os parâmetros que obtivemos serão exatamente iguais àqueles que seriam obtidos caso utilizássemos os pesos originais, mas as estimativas dos erros padrão refletirão o tamanho real da amostra (Silva, 2003, p. 122). Destarte, os testes de significância dos parâmetros serão mais “rigorosos”, permitindo uma melhor avaliação dos efeitos das variáveis independentes sobre a nossa variável dependente.

13 É interessante observarmos que o impacto das diferenças ocupacionais sobre a posse de computadores também foi significativo, apesar de estarmos a controlar os seus efeitos através de variáveis como a escolaridade e a renda. Observamos que os domicílios metropolitanos com chefes na posição de dirigentes, exercendo ocupações médias, pequenos empregadores, trabalhadores do terciário, do secundário, e do terciário não especializado tinham menos probabilidade de acesso ao computador que os domicílios com profissionais de nível superior.

14 Tais simulações foram realizadas fixando todas as variáveis – com exceção daquelas explicitamente colocadas nos gráficos, cujos efeitos pretendemos verificar – nos seus valores médios ou modais (dependendo da natureza da variável). Em termos práticos isso quer dizer que, quando não presentes nos gráficos, as variáveis assumirão os seguintes valores: branco (cor), masculino (género), 48 anos (idade), “não-favela” (território 01), núcleo (território 02), sudeste/DF (região geográfica), 9 a 11 anos de estudo (escolaridade), ocupações médias (categoria sócio- -ocupacional).

15 A pessoa que utilizou a internet para mais de uma finalidade foi classificada em todas aquelas às quais acedeu no período de referência dos últimos três meses.

16 Na construção desta tipologia utilizamos os seguintes procedimentos: primeiramente foi feita uma análise de correspondência múltipla com o conjunto de oito dummies descritas acima, referentes aos tipos de uso da internet. Extraímos os dois primeiros eixos dessa análise, os quais possuíam um poder explicativo de 40% da variação. A partir das coordenadas dos dois eixos extraídos realizámos uma análise de cluster hierárquica que resultou em três grupos com variação intra-grupos de 38,3% e variação entre-grupos de 61,7%.

17 Poderia ser argumentado que neste caso seria melhor realizar a analise através de um modelo ordinal. No entanto, de acordo com a bibliografia especializada (Powers e Yu, 2008), a escolha entre um modelo multinomial ou ordinal é arbitrária, e depende dos objetivos da ­análise. Como aqui temos a intenção de verificar as influências das variáveis independentes sobre as probabilidades de os indivíduos se encontrarem em cada uma das categorias da nossa variável dependente, e não sobre sua posição numa escala conceitual, decidimos adotar o modelo multinomial.

18 Não obstante, enquanto na secção anterior trabalhámos apenas com variáveis domiciliares (algumas extraídas de informações sobre os chefes de domicílio, como género, cor, idade, escolaridade e ocupação), aqui trabalharemos com as informações dos próprios indivíduos.

19 Tais simulações foram realizadas fixando todas as variáveis – com exceção daquelas explicitamente colocadas nos gráficos, cujos efeitos pretendemos verificar – nos seus valores médios ou modais (dependendo da natureza da variável). Em termos práticos isso quer dizer que, quando não presentes nos gráficos, as variáveis assumirão os seguintes valores: branco (cor), masculino (género), 35 anos (idade), “não-favela” (território 01), núcleo (território 02), sudeste/DF (região geográfica), 9 a 11 anos de estudo (escolaridade), ocupações médias (categoria sócio- -ocupacional), R$1265,000 (renda individual total).

20 Renda individual mensal de todas as fontes.

21 É interessante notarmos que também há diferenças no tipo de uso segundo as categorias ocupacionais, sendo os profissionais de nível superior, pequenos empregadores e empregados em ocupações médias aqueles com maiores chances de fazerem um uso de tipo “intermediário” e/ou “avançado” da internet.

22 Ver, por exemplo, reportagem publicada no dia 05-05-2010, no “Portal G1”, das Organizações Globo, intitulado: “Governo Lança Plano Nacional da Banda Larga”, disponível no seguinte endereço eletrónico: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2010/05/governo-lanca-plano-nacional -da-banda-larga.html. [Consultado a 12-05-2013].

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