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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.203 Lisboa abr. 2012

 

Ecos da Grande Depressão em Portugal: relatos, diagnósticos e soluções1

 

Echoes of the Great Depression in Portugal: reports, diagnostics, and solutions.

 

José Luís Cardoso*

*ICS, Universidade de Lisboa. E-mail: jcardoso@ics.ul.pt

 

Resumo

Este artigo analisa os efeitos da Grande Depressão em Portugal, destacando o modo como a gestão da crise resultou num instrumento de consolidação do regime político e económico do Estado Novo. É dada especial atenção à ação política e técnica desenvolvida por Salazar, que habilmente usou o seu cargo de ministro das Finanças para impor um conjunto de medidas que, aos olhos da opinião pública, reforça­ram a sua credibilidade e fortaleceram a sua liderança. O noticiário da crise na esfera pública e as soluções preconizadas por agentes económicos e políticos representativos de diversos interesses em presença são aspetos em destaque neste artigo, que procura introduzir alguns elementos de inovação na consolidada tradição historiográfica portuguesa relativa aos efeitos da Grande Depressão.

Palavras-chave: Grande Depressão; Estado Novo; Salazar; política económica; opinião pública; imprensa.

 

Abstract

This article discusses the impact of the Great Depression in Portugal during the crucial period when the foundations of the new authoritarian political regime of the Estado Novo (New State) were being laid out. Special attention is given to the technical and political role played by Salazar, who managed to use his position as Finance Minister to establish an image of trustworthiness and solid leadership. In this article, we focus on the news about the crisis that circulated in the public sphere as well as on the solutions put forward by diverse representatives of political and economic interests, thus attempting to cast a new light on the already well developed historiographic tradition concerning the impact of the Great Depression in Portugal.

Keywords: Great Depression; Estado Novo; Salazar; economic policy; public opinion; press.

 

INTRODUÇÃO

 

O presente ensaio procura analisar e discutir os impactos da Grande Depressão em Portugal, nos anos imediatos ao crash da Bolsa de Nova Iorque (1929-1933). Porque se trata de um período crucial para a criação das bases do regime do Estado Novo, importa questionar se os efeitos da depressão económica e financeira à escala internacional tiveram alguma repercussão na organização política e económica desse regime. Sabe-se que os efeitos diretos da crise internacional não foram em Portugal tão intensos como noutros países europeus. Mas é necessário retomar e prolongar a tradição historiográfica dedicada ao tema e analisar em que medida a crise se transformou, quer pela identificação das razões da sua ocorrência, quer pela definição das soluções para a debelar, num pretexto ou instrumento para a consolidação da estrutura institucional do Estado Novo em Portugal.

A fim de melhor se delimitar o que há de novo nesta abordagem, procede-se na segunda secção a um breve resumo do conhecimento adquirido sobre o tema em análise, procurando-se, a partir desse legado, definir e apontar novas direções de pesquisa. Este balanço historiográfico visa o reconhecimento expresso da valia de contribuições de todos os que nas suas obras dedicaram um espaço de discussão ao tema dos efeitos da Grande Depressão em ­Portugal. Não obstante algumas diferenças na valorização de aspetos que, para uns ou outros autores, são merecedores de maior ou menor destaque, existe um ­razoável consenso interpretativo que favorece a formulação de uma síntese. Ora, é justamente esse legado que permite perceber a oportunidade de se explorarem aspetos adicionais que contribuem para uma melhor compreensão do tema em análise, o que se procura fazer nas secções seguintes do artigo.

Assim, na terceira secção é apresentado um balanço sobre as repercussões da Grande Depressão na esfera pública, tomando como exemplo as notícias publicadas num órgão de comunicação da imprensa diária. A análise das notícias publicadas ao longo de mais de dois anos (outubro de 1929 a dezembro de 1931) no Diário de Notícias é muito importante para se compreender o pulsar quotidiano de um país que não fica imune aos relatos preocupantes de quebras de atividade económica. Este noticiário demonstra o impacto ampliado de um fenómeno gerador de preocupações a que os poderes públicos deveriam estar atentos e que prepara a opinião pública para acatar as orientações governativas então traçadas.

Na quarta secção retomam-se os assuntos que têm estado na agenda da historiografia portuguesa sobre a Grande Depressão, desta vez seguindo de perto os testemunhos que foram dados pelos agentes políticos, económicos, financeiros e empresariais que escreveram sobre os acontecimentos que presenciaram. Ainda nesta secção será dado particular destaque ao modo como Salazar interpretou a crise e procurou controlar os efeitos da Grande Depressão em Portugal, mediante uma apreciação de textos de sua autoria que não têm merecido a atenção que a sua importância justificaria. A avaliação de conjunto das vozes que então ecoaram através da imprensa diária, em brochuras associativas ou em documentos oficiais, permite compreender como o diagnóstico da Grande Depressão e da crise internacional se transformou em pedra basilar do sistema político e económico português, assunto este que será objeto de esclarecimento adicional na conclusão do texto.

Importa ressalvar que esta contribuição não pretende trazer elementos novos para a história política ou para a história económica do período, uma vez que tal desiderato implicaria outro tipo de abordagem, quer ao nível do tratamento de fontes, quer ao nível dos instrumentos de análise utilizados. Ao centrar-se numa perspectiva de história das ideias e das políticas económicas, captando o modo de circulação dessas ideias num território político que lhes deu expressão e consistência, este ensaio procura por tal via adicionar novos elementos à compreensão de um período fundamental na história portuguesa do século XX.

 

A HERANÇA HISTORIOGRÁFICA

 

Entre os autores que se têm dedicado ao estudo do impacto da Grande Depressão em Portugal, assiste-se a uma quase unanimidade na constatação de que esse impacto terá sido “relativamente tardio, rápido e pouco intenso” (Rosas, 1986, pp. 93-94). A síntese de Fernando Rosas foi intuída por Alfredo ­Marques e Nuno Valério nas suas dissertações de doutoramento realizadas respetivamente em 1980 e 1982, mas que só mais tarde viriam a ser publicadas (­Marques, 1988 e Valério, 1994). Através desta fórmula sintética – que tem marcado de forma indelével os trabalhos de interpretação que ao longo dos últimos 25 anos têm sido produzidos sobre a evolução da economia portuguesa na década de 1930 – toma-se por adquirido que as quebras mais significativas de atividade económica apenas ocorreram em 1931, que em 1932 a economia portuguesa já dava sinais de recuperação, e que a retoma foi facilitada pela diminuta extensão dos efeitos negativos da crise.

Com efeito, está perfeitamente documentado que as quebras no mercado externo foram muito menos intensas em Portugal do que noutros ­países, em virtude da sua reduzida abertura ao exterior (entre 1925 e 1930 as exporta­ções representam 10% do PIB e as importações cerca de 20%). Por outro lado, a especialização e especificidade setorial das exportações portuguesas (sobretudo vinho, cortiça, conservas e produtos agrícolas coloniais de re-exportação), com alguma garantia de colocação no exterior sem perdas de competitividade, assim como a diminuição dos preços de importação resultante da quebra internacional, permitiram que durante os anos da Grande Depressão a balança comercial portuguesa se mantivesse sem agravamento do seu deficit.

Também o desemprego registado na primeira metade da década de 1930 apresenta em Portugal valores muito mais baixos (5,5%) do que na generalidade das economias mais desenvolvidas (15%), sobretudo graças ao peso dominante que o setor agrícola detinha na estrutura da economia portuguesa e, por conseguinte, à existência de condições propícias ao autoconsumo e à absorção de desemprego urbano. Com a vantagem adicional de, no caso da indústria, a pequena dimensão, o caráter pulverizado, o fraco nível de desenvolvimento tecnológico e a baixa penetração de investimento estrangeiro terem permitido reconversões setoriais mais rápidas do que as verificadas noutros países (cf. Nunes e Brito, 1990; Mata e Valério, 1994 e Mata, 2002, para além dos já ­referidos Rosas, 1986; Marques, 1988 e Valério, 1994).

Apesar dos efeitos atenuados e amortecidos, registaram-se óbvios sintomas de abrandamento da atividade económica devido à diminuição de procura internacional de produtos portugueses, com particular destaque para os produtos coloniais de re-exportação. Também o setor vitivinícola se ressentiu de forma significativa, não obstante a conjuntura favorável de boas colheitas na década de 1930 (Freire, 2002). E no que se refere à balança de pagamentos, o efeito positivo decorrente do retorno de capitais portugueses saídos durante a guerra, e que não encontravam boa colocação no estrangeiro, foi largamente suplantado pelo efeito negativo da redução das remessas de emigrantes, devido ao controlo e restrições impostas pelos países de destino da emigração portuguesa, com especial destaque para o Brasil (Valério, 1999).

O quadro 1 mostra a quebra sensível no ritmo de crescimento do PIB que se regista na década de 1930 (especialmente nos anos de 1930 e 1931), após a recuperação na década de 1920 que, por sua vez, se seguiu ao forte abrandamento associado à participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial.

 

Quadro 1 - Taxa de crescimento anual do PIB

 

Os elementos relativos ao comportamento da economia portuguesa ao longo da década de 19302 permitem concluir que, não obstante a travagem no ritmo de crescimento provocada pelas contrariedades da conjuntura internacional, a economia portuguesa conheceu um desempenho satisfatório que lhe permitiu alcançar, entre 1929 e 1934, uma taxa de crescimento do PIB de cerca de 3,6% ao ano (Lopes, 2004, p. 101), o que atesta bem a especificidade e benignidade da situação vivida em Portugal, quando se compara com as repercussões noutros países europeus.3 A partir de 1935 a recuperação da economia portuguesa foi menos intensa, contrastando com o início de retoma na generalidade das economias industrializadas que haviam sido mais penalizadas nos piores anos da crise (1929-1934), o que ficou por certo a dever-se a dificuldades de estímulo da procura interna originadas por fatores de ordem institucional e política.

As razões que explicam a capacidade de neutralização ou minimização dos efeitos imediatos da Grande Depressão em Portugal são unanimemente reconhecidas como decorrentes da política de estabilização financeira desenvolvida sob o comando férreo de António de Oliveira Salazar, que assumiu a direção do Ministério das Finanças em abril de 1928. Salientem-se, em particular, as políticas bem sucedidas de equilíbrio orçamental e de estabilização cambial e monetária, que permitiram pôr fim a um longo ciclo de orçamentos sempre deficitários4 e assegurar a contenção da saída de capitais para o estrangeiro, antes que os sinais da crise internacional se fizessem sentir. O saneamento da dívida pública interna e externa, a reforma fiscal de 1928-1929 que instituiu novos impostos e um controlo apertado do deficit orçamental pelo lado da receita, a vigilância minuciosa das despesas correntes do Estado e a reforma dos regimes e instituições de crédito (Banco de Portugal e Caixa Geral de Depósitos) e de fiscalização financeira (Inspeção Geral de Finanças e Tribunal de Contas), foram também condições importantes para que no início de 1931, quando a chegada da crise deixou de poder ser evitada, os seus efeitos não fossem tão gravosos como poderiam ter sido sem tais mecanismos preventivos (cf. sobretudo Rosas, 1986; Nunes e Brito, 1990; Mata e Valério, 1994; Reis,1995).

Porém, para além das medidas de prevenção, verificou-se também uma resposta decidida e reativa em matéria de política económica, designadamente através de decisões do seguinte tipo: contenção do consumo privado (pela via fiscal) e do consumo público (pela diminuição das despesas públicas), à luz de princípios de equilíbrio orçamental; estímulo às exportações através de uma política cambial competitiva (seguimento do escudo em relação à libra na adesão e posterior abandono do sistema de padrão-ouro e nas suas sucessivas desvalorizações); fomento do investimento privado (através da baixa de taxa de juro, que igualmente aliviava os encargos da dívida pública) e do investimento público (através de um acréscimo de despesas públicas, especialmente nos setores da construção de estradas e portos); e criação de regimes especiais de assistência e previdência social destinados a proteger situações de desemprego e grupos sociais mais carenciados.

Algumas interpretações (Silveira, 1982 e Miranda, 1987) sugerem que os sinais de crise terão sido suficientes para justificar uma intervenção direta do Estado e campanhas específicas de revigoramento do setor agrícola (continuação da “Campanha do Trigo”, iniciada ainda 1928), do setor industrial (regime de “condicionamento industrial” iniciado em 1931) e de intensificação da dependência colonial em matérias comerciais e financeiras (“Ato colonial”, decretado em 1930). Para outros autores, todavia, a dinâmica que essas ações de política económica adquiriram ultrapassa a motivação simples e direta de uma crise que, por si só, e dado o seu fraco impacto na economia portuguesa, não justificaria medidas drásticas e urgentes (Marques, 1988, pp. 49-55).

Independentemente das nuances interpretativas, existe um razoável consenso entre os historiadores do período em relação às condições de ocorrência da Grande Depressão em Portugal, assim como em relação aos seus efeitos mais sensíveis e às respostas políticas que suscitou.5E é interessante notar que grande parte dessas interpretações históricas reproduzem os argumentos que na época foram brandidos pelos protagonistas com maiores responsabilidades nos círculos da governação e da representação de interesses económicos. A diferença entre as explicações da historiografia recente e as explicações coevas reside, naturalmente, no grau de importância e mérito que os políticos, académicos, empresários e publicistas da década de 1930 atribuem aos atos emanados da governação liderada por Salazar. Mas o maior distanciamento que a análise histórica proporciona não deve impedir o reconhecimento dos instrumentos e modos de análise que foram postos em uso pelos autores que viveram diretamente os acontecimentos e problemas em estudo. E, como veremos mais adiante, na penúltima secção deste texto, os testemunhos e depoimentos colhidos através de uma metódica e sistemática leitura dos vestígios escritos disponíveis, permitem enriquecer a análise do alcance que teve a Grande Depressão em Portugal e, salvaguardada a ambição limitada deste empreendimento, assim contribuir para ampliar o leque interpretativo disponível.6

 

REFLEXOS NA ESFERA PÚBLICA

 

A análise aqui efetuada toma com exemplo a série de notícias publicadas pelo Diário de Notícias (DN) entre outubro de 1929 e dezembro de 1931.7 O inventário sistemático deste noticiário da crise oferece um bom testemunho do que foram as perceções construídas na época sobre um fenómeno que deixou marcas indeléveis na organização e funcionamento da economia e finanças portuguesas.

As primeiras notícias sobre sinais de crise vêm do Canadá, de Inglaterra e da Suécia, relatando o DN no início de outubro de 1929 ocorrências de desemprego e dificuldades de escoamento de exportações. Algum dramatismo invade as notícias a partir de 26 de outubro de 1929, durante a semana negra do crash da Bolsa de Nova Iorque. “Grande crise”, “especulação continuada”, “pânico”, são expressões utilizadas que atestam a gravidade da situação, não obstante a vaga mas efémera esperança veiculada por responsáveis políticos americanos de que a crise pudesse ser passageira e afetasse apenas a produção de bens de luxo. O DN dá conta da sucessão de intervenções do presidente Hoover e do presidente da Reserva Federal Americana, na sua tentativa de acalmarem os mercados, mas sem deixarem de prevenir eventuais quebras de confiança dos agentes económicos. Os projetos de obras públicas estatais e municipais nos EUA, noticiadas a 17, 21 e 26 de novembro, diminuem o impacto naturalmente provocado por notícias de encerramentos de empresas (19-11-1929) ou do suicídio de um grande industrial americano (12-11-1929).

No início do ano de 1930 surgem notícias de Espanha e de Inglaterra, relativas à considerável instabilidade cambial da peseta e da libra. De um modo geral, o tom das notícias é motivado pela vontade de persuadir os leitores de que tudo são efeitos passageiros resultantes de oscilações bruscas provocadas por aguerrida especulação nos mercados internacionais, conforme tranquiliza o próprio Primo de Rivera em entrevista concedida ao DN em 14-01-1930. Ainda nesse mês são relatadas quebras das taxas de desconto dos bancos centrais na Áustria e Húngria, e retoma-se o noticiário sobre o panorama internacional com a cobertura feita pela imprensa estrangeira de diagnósticos e propostas para debelar a crise (20-03-1930), matérias que continuam a ser noticiadas ao longo do mês de abril e início de maio.

A primeira notícia sobre os impactos da crise em Portugal ocorre em 10 de maio de 1930 e dá conta das pressões da direção da Associação Comercial de Lisboa com vista à diminuição da taxa de desconto cobrada pelos bancos sobre as letras comerciais, propondo ao Ministério das Finanças a passagem de tal taxa de 8% para 5%. E o argumento evocado é o da dificuldade das “circunstâncias presentes” para as empresas comerciais, a braços com significativa quebra de atividade. Outro sinal da atenção da opinião pública em relação a eventuais acréscimos de desemprego foi dado pela divulgação, em 11 de maio, de um decreto governamental que obrigava as empresas nacionais a contratarem trabalhadores portugueses (ou brasileiros, que merecem tratamento preferencial) limitando drasticamente a contratação de mão-de-obra estrangeira. E o tema do desemprego em países mais afetados pela crise (EUA, Inglaterra, Alemanha) continua a merecer atenção privilegiada da imprensa diária, aqui ilustrada pela consulta do Diário de Notícias.

Ainda no mesmo mês de maio, publica este jornal um longo artigo que transcreve as partes mais significativas de uma palestra de Veiga Simões na Associação Comercial de Lojistas sobre as orientações da política comercial portuguesa no contexto da crise económica europeia e mundial, a qual viria depois a ser publicada em livro (Simões, 1930).

A série de notícias publicadas pelo DN durante o mês de maio de 1930 ilustra bem a diversidade de tipologias de relatos que a imprensa vai fazendo ao longo do período em que mais se faz sentir a premência de informação e novidades sobre o que se vai passando em Portugal e no mundo. Numa abordagem de conjunto, as notícias publicadas ao longo do período em análise poderão ser classificadas nas seguintes categorias ou tipos:

 

A Notícias avulsas sobre a crise (nacional e internacional), designadamente sobre situações de desemprego, crise no mercado de trabalho, falência e encerramento de empresas, greves e suspensões de atividade laboral, agravamento de preços e perturbações nos mercados.

B Noticiário de caráter monetário e financeiro sobre instabilidade cambial, evolução de taxas de juro e de desconto, quantidade de moeda emitida e em circulação e emissão de títulos de dívida pública.

C Entrevistas, artigos de opinião, editoriais, conferências públicas sobre temas relacionados com a crise internacional e nacional.

D  Notas oficiosas, decretos e diplomas legislativos, relatórios do governo e despachos relativos à crise.

E  Representações, pedidos e petições de associações empresariais ou sindicais, procurando soluções e paliativos setoriais para a crise.

F  Representações, pedidos e petições de autoridades municipais ou governadores civis, em busca de remédios e saídas com maior proximidade local.

 

O quadro 2 resume a distribuição das notícias publicadas entre outubro de 1929 e dezembro de 1931 por estas seis categorias, sobressaindo o peso quantitativo das notícias englobadas na categoria A. Com efeito, para um total de 1164 notícias inventariadas ao longo de 27 meses de publicação do DN, cerca de 63% referem-se a esta categoria de noticiário avulso sobre ­factos e ocorrências que revelam os sinais imediatos da crise. Para o conjunto do período, em que é notória uma atenção acrescida prestada em 1931, os meses de março, agosto e setembro de 1931 são os de maior intensidade noticiosa.8

 

Quadro 2 - Distribuição das Notícias por meses e categorias temáticas

 

Através de uma apreciação de conjunto das notícias avulsas (A) e das notícias envolvendo associações ou entidades profissionais e setoriais (E) e organismos de associação ou autoridade locais (F), resulta com clareza que a região do país mais penalizada pela crise foi o Alentejo, especialmente no distrito de Beja. O quadro 3 permite perceber quais as zonas do país mais frequentemente referidas nas 750 notícias que assinalam a localização de problemas ou sintomas de crise no território nacional. O destaque noticioso dado aos distritos de Lisboa, Santarém, Setúbal e Porto reflete com clareza as áreas de maior concentração de população e de atividade económica, quer industrial, quer agrícola. Por isso mesmo, a grande quantidade de notícias captadas no ­Alentejo – de baixo quantitativo populacional – é reveladora da maior gravidade de situações de emergência que exigiam a atuação firme dos poderes públicos, em relação às quais a imprensa periódica não podia deixar de mostrar alguma inquietação.

 

Quadro 3 - Distribuição das notícias por distrito

 

Os setores da agricultura em regime de latifúndio, a mineração e a cortiça são os setores de atividade económica com maior expressão na região do ­Alentejo; e foram precisamente estes que sofreram as mais pesadas consequências da crise económica, a avaliar pela origem das petições apresentadas ao governo central ou às autoridades locais pelas associações representativas de empresários ou trabalhadores de tais setores. A mobilização de associações e sindicatos através de pedidos, representações, propostas, reclamações, foi um facto indesmentível, servindo-se da imprensa diária como instrumento de ampliação das suas reivindicações. A informação que consta do quadro 4 demonstra bem o envolvimento de uma imensa diversidade de organismos representativos setoriais para os quais a crise implicava medidas de ação por parte da administração local e nacional. O total de 264 notícias registadas durante o período em análise revela uma forte dinâmica de mobilização de instituições representativas de interesses seriamente abalados com a crise, muito especialmente no setor agrícola.

 

Quadro 4 - Distribuição das notícias por distrito

 

Esta leitura agregada das notícias locais e setoriais oferece-nos um panorama de crise económica que a esfera de opinião pública não podia ignorar. A consulta do Diário de Notícias permite, por conseguinte, formar um juízo sobre o impacto efetivo da crise no quotidiano da sociedade portuguesa.9

Nos artigos de opinião ou nas notícias que dão conta de dificuldades ­agravadas, as soluções preconizadas revestem, quase sempre, forte pendor ­protecionista: do lado dos interesses agrários, mediante pedidos de agravamento das pautas de importação, a fim de se permitir melhor escoamento de produtos agrícolas portugueses (21-07-1930); quanto aos interesses industriais, preconiza-se a importação de matérias-primas e maquinaria, livre de direitos e isenções fiscais (12-07-1930). E a matéria é bem acompanhada e discutida à luz dos debates também travados na imprensa internacional, especialmente em Inglaterra (02-09-1930).

Pedidos de “inquérito aos motivos da crise latente que ameaça lançar a classe na maior miséria” (06-07-1930), ou exigências de intervenção dos poderes públicos perante “a perspectiva duma crise económica muito grave que se reflectirá de forma desastrosa não só na riqueza pública, como no bem-estar das classes trabalhadoras” (18-09-1930), são algumas das notícias publicadas no último trimestre de 1930 em que é patente o desconforto crescente com os sinais de uma crise que se agrava.

Alguns meses mais tarde, é a própria Associação Industrial Portuguesa que não hesita em pedir ao governo “que seja tornado obrigatório o consumo dos artigos nacionais nos estabelecimentos e repartições do Estado, a fim de acudir, de pronto, ao desemprego que começa a avolumar-se, mau grado os esforços envidados pelos industriais no sentido de o evitar” (28-02-1931). Voltaremos a esta questão mais adiante, quando discutirmos outros ecos de vozes da AIP que o DN reconhece terem sido atentamente escutados pelo cardeal Cerejeira (30-07-1931).

No mesmo tom de apelo à proteção da produção nacional se faz ouvir um artigo publicitário dos Armazéns do Chiado que incentiva a compra de produtos portugueses, considerando que “esta prática, que reputamos das mais eficazes para a resolução do problema, pode ser empregada por todos, desde o mais pobre ao mais rico” (12-07-1931). As queixas de comerciantes e suas associações em relação à dificuldade de escoamento de produtos são também constantes. Entre as propostas apresentadas para evitar a falência de firmas comerciais refira-se as de venda a prestações, como forma de garantir a manutenção ou mesmo o aumento das transações no setor do comércio a retalho (17-09-1931).

São igualmente assinaladas as perdas de colocação das exportações portuguesas devido a quebras nos mercados internacionais (26-04-1931), assim como os casos de encerramentos de empresas devido à diminuição da procura internacional, o que obrigava a um abaixamento de preços incomportável face aos custos de produção praticados. Por isso se escreve, a propósito da crise do setor corticeiro na região de Monchique que “os produtores de cortiça deste concelho estão muito desolados em virtude da pouca procura e baixo preço deste produto actualmente, do que se tem ressentido bastante o comércio local” (04-09-1930).

As soluções preconizadas pelos mensageiros de notícias apontam quase sempre no sentido de uma re-ocupação da mão-de-obra em trabalhos de construção de estradas adjudicados pelo Estado ou pelos municípios, como bem ilustra a seguinte petição: “Só o Governo, portanto, pode resolver a tremenda crise referida, ordenando o recomeço dos trabalhos da continuação da estrada n.° 101, de Serpa à Mina de S. Domingos. Se isto não se fizer, negra será a situa­ção dos pobres assalariados” (15-09-1930).

A sazonalidade das atividades agrícolas é outro tema frequentemente aflorado, uma vez que agravava as condições precárias do trabalho assalariado em momento de crise. E, novamente, o apelo de lembrança mais assídua é a proposta de trabalhos de construção em obras públicas, aqui exemplificado pelo caso do município de Alcanena:

 

É o início da costumada época da fome e das provações de toda a espécie, para os pobres rurais e até para os operários, pois muitas fábricas estão já dispensando os serviços de alguns destes. Este ano, porém, a crise parece assumir maior gravidade, porque é já maior do que em igual época do ano transacto o número dos sem-trabalho, que dentro em pouco atingirá muitas centenas. Só a abertura de trabalhos públicos (que a câmara não pode mandar executar, porque não tem verba) atenuaria um pouco tão triste e perigosa situação [DN, 28-12-1930].

 

Um pouco por todo o país repetem-se os apelos à disponibilização de recursos para este tipo de iniciativas que, para além de dotarem as regiões mais carenciadas de infraestruturas indispensáveis ao seu desenvolvimento futuro, permitiriam a imediata absorção de mão-de-obra desempregada. É sobretudo no Alentejo que as propostas de construção de novas estradas são ­apresentadas.

As situações de carência mais delicadas ocorrem no setor agrícola (vinhos e cortiça), como bem demonstram as exposições e petições da Associação Central da Agricultura e dos diversos sindicatos e organizações agrícolas à escala local e regional (um resumo dos principais pedidos e medidas sugeridas é publicado em 21-08-1931). Revelam também as notícias que os assalariados agrícolas estariam dispostos a trabalhar a qualquer preço, em demonstração clara de que o desemprego revestia natureza involuntária: “Continua a fazer-se sentir, de uma forma assustadora, a falta de trabalho. Apesar de as jornas serem pequenas, os trabalhadores já se davam por muito felizes se tivessem onde aplicar a sua actividade” (09-11-1930).

A diminuição do horário de trabalho diário e semanal no setor industrial é outro indicador inequívoco de uma quebra progressiva da atividade económica nos primeiros meses de 1931 (13-02-1931; 10-03-1931). E as situações de desemprego eram agravadas pelo regresso de emigrantes acossados pela situação mais grave vivida nos países que os haviam acolhido (24-02-1931), conforme diagnosticado pela Associação Industrial Portuguesa (14-02-1931), e também pelas dificuldades de trabalho permanente ou sazonal de portugueses no sul de Espanha (13-05-1931 e 17-05-1931).

Os relatos da crise são por vezes pungentes e deixam transparecer algum dramatismo perante o agravamento das situações de mendicidade e sinais exteriores de pobreza. Aqui apresentamos alguns exemplos de breves apontamentos de reportagem em que a notícia procura sensibilizar o leitor para casos reais de sofrimento:

 

[Em Santarém] ficaram sem ocupação cerca de 100 homens, na sua maioria chefes de família. E a sua atitude era de súplica. Mendigavam trabalho, alegando que se viam rodeados de filhos sem ter com que lhes mitigar a fome […]. O gravíssimo problema dos desempregados, aqui, exige uma enérgica, providencial solução [DN, 22-09-1930].

 

[Em Setúbal] um dos alvitres mais profícuos para atenuar os efeitos da grave crise de trabalho que esta cidade atravessa, a ideia de as casas particulares fornecerem diariamente refeições às crianças necessitadas, evitando assim o perigo moral que representaria lançar essas crianças na mendicidade [DN, 10-03-1931].

 

[Ainda em Setúbal] já voltaram do Alentejo os trabalhadores que para lá tinham ido fazer as ceifas. Aqui, agora, não há trabalho. Não sabemos onde aqueles desgraçados hão-de empregar a sua actividade para não morrerem de fome [DN, 10-07-1931].

[Em Lisboa] a policia encontrou ontem caída na rua, uma mulher chamada Balbina Maria, de 67 anos, rua 20 de Abril, 127, 5, conduzindo-a prontamente ao hospital de S. José. Um dos facultativos de serviço verificou que a doença da pobre mulher era a fome, pelo que mandou dar-lhe de comer, fornecendo-lhe ainda do seu bolso algum dinheiro [DN, 01-12-1930].

 

Não obstante o uso frequente de uma adjetivação forte em que a crise é definida como sendo “aflitiva”, “assustadora”, “apavorante”, “terrível”, “angustiosa”, “desesperadora”, “dolorosa”, “formidável”, “grave”, enfim, um “verdadeiro flagelo”, o tom assiduamente adotado pelos editorialistas vai no sentido de injetar alguma calma e otimismo:

 

Sendo a situação mundial difícil, e estando por toda a parte a economia combalida, a nossa crise nacional pode atenuar-se opondo um grande espírito de serenidade, uma forte suspeita ao boato financeiro. Em tantas ocasiões o povo português tem sabido com o seu bom senso resistir ao pânico dos assustadiços ou mal intencionados, que nada explica o terror que actualmente alguns espíritos tomou. Confiança e serenidade. Com estas virtudes todas as crises são fáceis de vencer [DN, 18-11-1930].

 

Era esse tom de “confiança e serenidade” o que melhor se ajustava às intenções de busca de soluções apropriadas para a superação da crise. Para além de informar e de captar as atenções para problemas reais que o país vivia, o noticiário veiculado pelo Diário de Notícias incutia atitudes politicamente corretas e contribuía para a construção de uma esfera pública favorável à aceitação das medidas e soluções ditadas pelo governo e pelos representantes de interesses económicos e financeiros.10

 

INTERPRETAÇÕES E RESPOSTAS POLÍTICAS

 

Entre os diversos autores e publicistas que na época se debruçaram sobre a natureza da crise, prevalecia quase sempre a ideia corrente de um fenómeno que integrava diversas dimensões (política, monetária, social, psicológica), com uma insistência especial no problema do desajustamento entre a ­abundância de oferta e a escassez de procura.11 Ou seja, o que estaria essencialmente em causa na revelação sintomática de uma crise seria a adaptação da produção às necessidades expressas nos mercados. Sem a sofisticação analítica presente na obra de João Pinto da Costa Leite (Lumbrales) – que dedicou ao tema das crises importante ensaio de reflexão teórica (Leite, 1933) – as explicações parecem convergir no entendimento da crise como um fenómeno de sub-consumo e de falta de poder aquisitivo das populações.12 Porém, para os autores que procuraram refletir sobre o fenómeno da crise, o mais importante era a compreensão das suas implicações para a análise da realidade política e económica em Portugal.

Um privilegiado observador externo da situação económica portuguesa reconhecia que os anos de 1932 a 1934 tinham reforçado as capacidades de contenção dos efeitos da Grande Depressão e se distinguiam pelo “sucesso com que o Governo consolidou os seus resultados, e manteve a estabilidade atingida diante de muitos factores adversos” (King, 1934, p. 1). Para o secretário comercial da Embaixada Britânica em Lisboa, o governo tinha demonstrado plena capacidade de atuação ao equilibrar o deficit orçamental e a situação caótica das finanças públicas no final da década de 1920, o que dava alguma tranquilidade para enfrentar a crise. O elogio inequívoco das medidas decretadas por um governo de liderança forte não fazia ignorar a enorme vantagem que assistia a Portugal, quando comparado com outras nações economicamente mais desenvolvidas:

 

Ao longo da crise Portugal foi menos vulnerável do que a maior parte das nações à pressão crescente da depressão à escala mundial, devido ao facto de ser um país essencialmente agrícola, e de a sua produção industrial ser inteiramente escoada no mercado interno e colonial, nos quais beneficia largamente de medidas de protecção [King, 1934, p. 1].

 

Desta forma se argumentava e explicava que o êxito português no combate à crise era, afinal, resultado da fragilidade das suas estruturas económicas e do ambiente protegido dos seus mercados interno e colonial.13 Este mesmo ponto de vista é expresso pelo principal artífice da condução da política económica e financeira, logo em 1930:

 

A repercussão da crise no organismo económico português vem fazendo-se com ­lentidão desde meados de 1929, mas ganhou intensidade crescente no decurso de 1930: a nossa estrutura agrícola e o baixo nível de vida da nossa população amorteceram porventura o choque, mas não podiam conservar-nos alheios às dificuldades de todo o mundo […]. O desemprego não atinge nas classes operárias proporções de longe comparáveis ao que se observa noutros países, mas faz os seus estragos, sobretudo nas classes médias, já duramente provadas pelos males da época anterior [Salazar, 1930b, pp. 27-28].

 

Todavia, se o atraso da economia portuguesa era a melhor garantia de que os efeitos da Grande Depressão não seriam muito intensos, atenuando-se substancialmente as consequências de uma situação internacional particularmente adversa, as intervenções públicas feitas por Salazar nesses anos cruciais de 1930 e 1931 tendem a valorizar o êxito da política seguida pelo governo sob a sua direta liderança. Tal política foi encetada a partir de abril de 1928 com a entrada de Salazar para a pasta das finanças, após um falhanço de dois anos do governo da ditadura saído do golpe militar de 28 de maio de 1926, que viu fracassada a tentativa de obtenção de um empréstimo externo junto da Sociedade das Nações. O saneamento financeiro desencadeado por Salazar implicava um conjunto de medidas nos domínios concretos da consolidação orçamental, da reforma tributária e pautal, da reorganização do sistema de crédito, dos incentivos ou regimes económicos especiais aplicados a alguns setores de atividade, da consolidação do crédito público e da normalização da dívida pública. E pressupunha um rígido e estrito controlo do ministro das Finanças sobre o conjunto da ação governativa, designadamente através da prerrogativa de fixar a dotação máxima de despesas dos serviços de cada ministério, do direito de exame prévio de todas as iniciativas governamentais com repercussão direta nas receitas ou despesas, e da capacidade especial de intervir na elaboração de todas as medidas relativas à arrecadação de receitas e à redução de despesas.14

O elogio vibrante dos êxitos alcançados através destes expedientes administrativos adquiriu grande visibilidade num país que deixava de viver na corda bamba do deficit orçamental e na iminência de bancarrota e derrocada. Os panegíricos e ações de propaganda transformaram-se em instrumentos de persuasão e de criação de uma opinião pública favorável ao reconhecimento dos méritos de uma liderança forte. Multiplicaram-se as peças retóricas de legitimação e justificação da bondade da orientação traçada por Salazar,15 através das quais se explicava que, se os efeitos da Grande Depressão eram escassos, apesar de visíveis, se Portugal conseguia escapar quase incólume a uma crise internacional de gravidade sem precedentes, tal ficava a dever-se às reformas prévias que tinham possibilitado amortecer e neutralizar os seus efeitos:

 

É de toda a evidência, apesar das vantagens alcançadas, que a crise do mundo nos impediu de colher os resultados com que, em qualquer outra ocorrência, seríamos fartamente favorecidos. Sem a crise, sobretudo, a curva de melhoria económica teria pronunciado, com muito mais rapidez, o seu sentido ascensional. […] Mas onde estaríamos nós, com efeito, se o saneamento financeiro não houvesse precedido a crise mundial? [Silva, 1934, pp. 68-69].

 

Salazar foi durante este período um protagonista incansável, conforme testemunham os relatórios das contas públicas que ele próprio redigiu, as entrevistas que concedeu à imprensa diária, os discursos em cerimónias públicas, os balanços regulares que efetuou sobre o estado da economia e das finanças públicas. Insistiu sempre nos méritos da contenção de despesas correntes e na execução rigorosa de um programa de fomento e desenvolvimento de obras e serviços públicos que contribuíam decisivamente para atenuar as quebras motivadas pela situação internacional, situação essa que em grande parte tinha sido provocada pela modificação do equilíbrio dos mercados a uma escala global.

Em entrevista concedida ao Diário de Notícias a 17 de outubro de 1930, o próprio conduziu as perguntas de modo a permitir a explicação pausada das 3 fases da política financeira por si liderada: a primeira fase centrada na obtenção de equilíbrio orçamental, sem o qual a recuperação financeira seria ­inviável; a segunda fase caracterizada pelo aumento da capacidade financeira do Estado (sobretudo através da reforma da Caixa Geral de Depósitos e do Banco de ­Portugal), disponibilizando-se capitais a juros mais baixos, de modo a estimular o investimento no conjunto da atividade económica; e a terceira fase, que Salazar considerava estar então no momento de arranque, que consistia no fortalecimento e garantia de estabilidade cambial do escudo (DN, 17-10-1930).

Ao apontar os sinais mais visíveis da crise internacional (falta de escoamento de produtos, quebras ou paragens de atividade das empresas, desemprego, diminuição de poder de compra, falências e liquidações), Salazar não tinha dificuldade em reconhecer que a gravidade da crise em Portugal não era comparável ao que se passava noutros países. Mas tal constatação não o impedia de exortar os portugueses com capacidade de investir:

 

Que os portugueses escolham o Banco da sua simpatia ou confiança, os estabelecimentos do Estado, se quiserem, os papéis do Estado, se lhes convierem; mas que não tenham improdutivo, aferrolhado, nos cofres, o dinheiro que é necessário a alimentar a economia nacional [Nota oficiosa do ministro das Finanças, DN, 11-12-1930].

 

Nas notas oficiosas publicadas pela imprensa, Salazar não esquecia os efeitos da depressão nas finanças públicas, obrigando por isso o governo a cuidados especiais na condução dos processos de recuperação económica. Mantendo sempre presentes os princípios do equilíbrio orçamental e da estabilidade cambial, Salazar procurava alertar para os riscos de uma política expansionista de abuso de circulação e de crédito, ao memo tempo que prevenia sobre os perigos de uma intervenção direta do Estado na esfera económica:

 

É forçoso pôr de lado a ideia de haver uma intervenção directa do Estado nas situações da agricultura, do comércio e da indústria, com disponibilidades suas, o que arriscaria o orçamento e a tesouraria, e seria perigoso para o Banco de Portugal, a estabilidade monetária e o futuro do País. A intervenção do Estado em acidentes particulares só é justificável quando neles estejam envolvidos interesses colectivos importantes. Fora disso, tem o Estado de manter a ordem pública, jurídica e social, auxiliar e fiscalizar o movimento geral do crédito e fomentar a produção e a riqueza [Nota oficiosa do ministro das Finanças, DN, 11-12-1930].

 

Ao Estado caberia, assim, regular e promover as condições de acesso ao crédito, possibilitando às empresas privadas resolver o sério problema da insuficiência de capitais. E garantir a ordem, serenidade e confiança, sem as quais a recuperação económica seria uma miragem.

Numa outra nota oficiosa do ministro das Finanças sobre “As repercussões financeiras da crise económica e os meios de assegurar o equilíbrio das contas”, Salazar lembrava que, apesar da sua política de rigor na execução financeira, a previsão orçamental para 1931 apontava para uma insuficiência das receitas em relação ao volume de despesas justificadas pela situação da crise. Recusando a solução de agravamento de impostos, nomeadamente a reativação do “imposto de salvação pública” pago pelos funcionários públicos em 1928/29 e 1929/30, Salazar considerava essencial que “para não sacrificar os contribuintes nem mesmo os funcionários, ao menos por ora, buscar-se-á o necessário equilíbrio na redução das despesas públicas”; o que deveria ser feito de forma seletiva, preservando os investimentos públicos em construções e obras e sacrificando as despesas correntes da administração. E terminava com uma advertência:

 

Sabe-se quanto no geral os serviços são hostis a fazer economias, a zelar a aplicação das suas dotações, e nota-se mesmo na vida privada que nem toda a gente tem a qualidade de bem administrar. Diante, porém, do problema que temos de resolver e dos termos em que é posta a sua natural solução, cabe aos chefes de serviços trabalhar de modo que possam evitar-se ao país, a eles próprios e aos funcionários seus subordinados mais pesados encargos e mais duros sacrifícios [DN, 28-01-1931].

 

Em tom ainda mais político, na nota oficiosa do ministro das Finanças sobre “A situação financeira e económica e a ordem pública” (DN, 07-05-1931), Salazar lamentava a ocorrência de distúrbios na Madeira e Açores e referia que as despesas incorridas pelo Estado poderiam ter servido para dar emprego a trabalhadores rurais no continente. O episódio servia-lhe ainda como pretexto para se referir longamente às condições adversas da crise mundial e à adequada resposta do governo português em medidas de reestruturação no setor bancário.

O apelo à calma e a injeção de confiança foram preocupações expressas por Salazar nos seus textos programáticos e propagandísticos, alternando o regozijo perante a verificação de que a ordem orçamental estava a ser compreendida e acatada pelos agentes económicos e políticos, com o receio de que “o industrial e o comerciante esqueçam a baixíssima capacidade de consumo da população, e reduzam ainda a venda, pelo erro de querer exagerar o preço” (Salazar, 1931, p. 25). Ou seja, não se limitava a observar e não hesitava em prescrever os comportamentos que julgava mais adequados para enfrentar a crise.

Para Salazar, as falhas de coordenação internacional eram um dos mais graves sinais de que a superação da crise não podia ser encarada com otimismo. Em sua opinião, os trabalhos teóricos de compreensão dos fatores e soluções da crise eram demasiado permeáveis às agendas políticas e aos ambientes governamentais, sendo as decisões ditadas, acima de tudo, por interesses nacionais. Nesse sentido, Portugal não deveria limitar-se a esperar, mas deveria seguir uma via própria:

 

Abrir novos campos de actividade, fazer produzir mais aos que exploramos, criar soma maior de riqueza do que aquela de que actualmente dispomos, fazer que trabalhe muita gente que não trabalha e levar a actividade colectiva a um maior rendimento [Salazar, 1932, p. 27].

 

Assim, a compreensão e acompanhamento da crise exigiam o desenho e execução de políticas destinadas a aliviar e combater os males delas ­decorrentes que eram vividos por cada país de forma específica. E as políticas preconizadas e aplicadas resultavam de pressões de grupos de interesses que se sentiam fragilizados pelos efeitos da crise. Salazar foi exímio condutor e gestor desses interesses, na ânsia de obtenção de um apoio económico e social alargado, com vista à sua ascensão na esfera política. Essa acabaria por ser uma das características mais marcantes da sua intervenção no terreno económico, sacrificando, se necessário, a pureza de alguns princípios, mas sem ceder na intermediação pragmática dos apoios manifestados.16 Quanto aos efeitos da depressão económica internacional na economia portuguesa, vejamos como se expressaram os principais interesses em presença e como perante eles reagiu Salazar.

Em matéria de representação e defesa dos interesses do setor industrial, foi nítida a preocupação dos delegados e relatores ao 1.° Congresso da Indústria Portuguesa, realizado em 1933, em reforçar instrumentos de política económica visando o acréscimo de exportações e a regulação de importações, designadamente através do aumento das capacidades produtivas nacionais em setores mais competitivos (vinho, cortiça, conservas) e da negociação de novos acordos bilaterais com os principais parceiros comerciais, introduzindo flexibilidade nas pautas mas sem prejuízo de medidas protecionistas à produção nacional (Simões, 1933). A organização do setor exportador e as medidas e instrumentos de fomento e do comércio externo foram especialmente atendidas (Fonseca, 1933). Apesar do tom moderadamente protecionista, reconhecia-se que o protecionismo não era um fim em si mesmo e que as relações comerciais baseadas na reciprocidade e vantagens mútuas obrigavam a aceitar a concorrência como princípio motor e a proteção como instrumento temporário e provisório.

Note-se, no entanto, que a Associação Industrial Portuguesa imprimiu ao noticiário da crise, nos anos de 1930 e 1931, uma retórica amplificadora de preocupações protecionistas, nomeadamente quando fazia chegar à imprensa diária o seu descontentamento pelo facto de os estabelecimentos e serviços do Estado aceitarem fornecimentos da indústria estrangeira, em detrimento da produção nacional equivalente (DN, 07-08-1931; 30-08-1931). Este empenho persistente em influenciar a opinião pública acerca da necessidade de consumo de bens produzidos internamente foi especialmente sentido por ocasião da preparação da “Semana do Trabalho Nacional” (de 9 a 14 de novembro de 1931). Destinado a demonstrar a todos os consumidores portugueses a excelência da indústria nacional e, por isso, a justificar a preferência que tais produtos deveriam merecer, este certame promocional viria a possibilitar a cooperação de diversas associações representativas dos diferentes setores de atividade económica, numa demonstração da convergência de interesses para debelar a crise (DN, 29-10-1931 até 04-11-1931). E as ações de propaganda assentavam em mensagens diretas e chamamentos de forte subtileza política:

 

As Direcções das Associações Económicas interessadas na realização da Semana do Trabalho Nacional lançam ao público o seguinte apelo: Portugueses! Durante a Semana do Trabalho Nacional, isto é, de 9 a 14 do corrente mês, pelo menos não compreis um único artigo, um só objecto por mais insignificante que seja, e quer importe a satisfação de uma necessidade ou a satisfação de um prazer, que não seja português, inegavelmente nacional. Nisso vai empenhado o vosso orgulho e garantida a vossa utilidade [DN, 08-11-1931].

 

É muito belo pensar e dizer – “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!» Mas é mais belo ainda, mais oportuno e mais prático, pensarmos e dizermos nós, os portugueses que vivemos sob a dura lei do trabalho manual ou intelectual: - ‘trabalhadores portugueses, unamo-nos! Auxiliemo-nos uns aos outros! Criemo-nos mutuamente as condições necessárias para que todos tenhamos trabalho e pão! [DN, 09-11-1931].

 

No que se refere à defesa de um programa de desenvolvimento industrial para Portugal, registe-se o maior fôlego e alcance doutrinal, superando o mero efeito propagandístico, das propostas de Albano de Sousa. Numa série de artigos publicados na imprensa diária no final de 1929 e início de 1930, ou seja, em plena fase de eclosão da crise internacional, argumentou a favor de medidas de apoio estatal à concentração e cartelização da indústria e reivindicou uma política de incentivo e preferência pelo consumo de produtos portugueses (Sousa, 1930, p. 72). Na comunicação que proferiu no já referido 1.° Congresso da Indústria, apresentou um ambicioso programa de aproveitamento dos recursos naturais no pressuposto de que “a reorganização da indústria é a base do ressurgimento económico do país” (Sousa, 1933, 16). Em seu entender, havia razões fortes que ditavam a necessidade absoluta de medidas de nacionalismo e protecionismo económicos (apoio à produção, divulgação da produção industrial inovadora e estímulo ao consumo de produtos nacionais), como resposta ao abrandamento verificado no ano de 1931.17 Mas os valores registados em 1932 vieram rapidamente afastar o espectro de uma crise prolongada, de novo atingindo ou mesmo até superando os dados obtidos antes de 1931, o que permitia a Albano de Sousa a conclusão otimista de que:

 

Não se tendo notado em 1930 diminuição visível na marcha do trabalho industrial, podemos dizer que a acuidade da crise manufactureira que nos premiu em 1931 acha-se já debelada, observada a actividade industrial no seu conjunto, embora determinados ramos sofram ainda grande depressão [Sousa, 1933, p. 12].

 

Com efeito, a própria imprensa diária veiculava e reconhecia, através da transcrição de notas oficiosas, que em setembro de 1931 o desemprego tivera uma redução de 40% em relação a dezembro do ano anterior, pelo que pareciam ter tido efeito os esforços de recuperação da mão-de-obra disponível mediante emprego em trabalhos públicos (DN, 27-09-1931).

Diferente foi a visão protagonizada pelos defensores dos interesses comerciais que advogaram cautelas na adoção de medidas protecionistas e no acréscimo de impostos e de tarifas aduaneiras. Consideravam que, se havia um excesso de produtos no mercado, dever-se-ia esperar que os setores produtivos se adaptassem à capacidade de escoamento dos mercados, sem artifícios de protecionismo pautal que apenas provocavam o acréscimo artificial do preço dos produtos (Simões, 1930). A fiscalização, a regulamentação excessiva, as restrições ao livre comércio, eram vistas como sinais preocupantes de um nacionalismo económico contraproducente, uma vez que prolongava a crise em vez de a debelar:

 

O grave erro dos governos tem sido empregar o seu esforço na restrição das importações, por meio de medidas que a lógica económica condena, favorecendo, ao mesmo tempo, unicamente os produtores que trabalham para o mercado interno, salvaguardando os interesses de uma classe restrita em detrimento da colectividade [Basto, 1934, pp. 72-73].

 

Acossado entre pressões distintas, o governo comandado por Salazar, na sua qualidade de ministro das Finanças, prosseguia uma orientação que tendia a aumentar a intervenção do Estado e a reforçar o enquadramento institucional e político da atividade económica. Um dos domínios de atuação privilegiados foi, conforme temos vindo a salientar, a promoção de obras de fomento e melhoramentos públicos (sobretudo estradas), como resposta às pressões exercidas pelos organismos locais e setoriais e com o intuito de permitir a absorção de mão-de-obra disponível e, assim, contribuir para a atenuação do desemprego industrial e agrícola.

Tal programa exigia um reforço dos sistemas de crédito e uma renovada credibilidade das instituições bancárias, que eram apresentadas na esfera pública como “catedrais de crédito e baluartes de confiança” (DN, 21-03-1931). Esta é a matéria central da entrevista dada ao Diário de Notícias por Araújo Correia, na altura administrador da Caixa Nacional de Crédito e já então inequívoco defensor de um processo de desenvolvimento da economia portuguesa com alicerces no setor industrial:

 

Desde que haja orientação conveniente na administração pública e privada, educação técnica e económica feita em bases práticas, honestidade no aproveitamento dos recursos potenciais, não vejo falta de elementos naturais que impeçam o desenvolvimento moderado da indústria nacional [DN, 24-11-1930].

 

Araújo Correia procura esclarecer, na peugada de Salazar, a necessidade de a recuperação económica, no contexto dos efeitos da crise, não ser feita através de uma intervenção direta do Estado mas sim através de instituições financeiras públicas capacitadas para um exercício competente de tal função:

 

A Caixa Nacional de Crédito substitui, portanto, a acção directa do Estado, com a vantagem, entre outras, de contribuir poderosamente para o aumento da produção e de tantas fontes de actividade nacional. Insuflaram-se, assim, novos métodos de crédito, estabelecendo processos de fiscalização, sobretudo na Industria, tendentes a melhorar as condições de produção [DN, 24-11-1930].

 

Apesar deste tipo de cautelas e prevenções, o avolumar de relatos e noticiário sobre o alastramento de situações de desemprego e dificuldades na satisfação de condições mínimas de subsistência levaram o governo a tomar medidas de exceção e a autorizar a execução de obras públicas sem o preenchimento de formalidades legais ou regulamentares, a fim de intensificar e acelerar a colocação de operários desempregados. E aprovou também a colaboração do Estado, através da distribuição de subsídios às câmaras, no desenvolvimento da rede de estradas e caminhos rurais, de escolas e outros melhoramentos de utilidade pública, o que viria a ser regulado por decreto publicado em 23-03-1931.18

Salazar acompanhou de perto a execução deste tipo de medidas de promoção direta da atividade económica. Porém, o principal mérito da sua atua­ção consistiu na determinação estratégica, servida por inegável competência técnica, na condução das políticas orçamental e monetária. No caso da política orçamental, pelo já referido rigor na aplicação de princípios ortodoxos de racionalidade e equilíbrio na gestão das finanças públicas. Quanto à política monetária, pela estabilidade do escudo em relação à libra, mediante o acompanhamento da moeda inglesa na adesão ao sistema de padrão-ouro em julho de 1931 e seu abandono 3 meses depois.19 A articulação cambial do escudo com a libra esterlina, acompanhando as suas sucessivas desvalorizações, era uma inevitabilidade decorrente da circunstância de as reservas do Banco de ­Portugal serem constituídas por títulos pagáveis em libras, de a Inglaterra representar 25% do comércio externo português e de o conjunto das exportações portuguesas serem referenciadas em libras esterlinas. A estabilidade desta relação escudo-libra foi na época julgada como uma política adequada (­Caetano, 1932) e posteriormente confirmada como sábia medida de atenuação dos efeitos da conjuntura internacional:

 

Os factos vieram mostrar que fora de bom aviso o abandono do padrão-ouro: Portugal conseguiu defender, assim, o seu comércio de exportação, tanto com a Inglaterra e zona do esterlino, acompanhando a libra, como com os restantes países, desvalorizando o escudo; e nem por isso as importações encareceram, pois a alta dos câmbios foi neutralizada pela baixa dos preços internacionais durante a crise de 1929-33 [Ribeiro, 1949, p. 187].

 

CONCLUSÃO

 

O diagnóstico feito na época é revelador de capacidade de captação e compreensão de um fenómeno que, pela sua dimensão e impacto, obrigava a cuidadosa ponderação e suscitava adjetivação eloquente: “sobressalto”, “perturbação”, “cataclismo”, “ciclone”, “situação dolorosa”, são expressões com frequência utilizadas para retratar uma situação cujas consequências nem sempre se conseguiam captar de forma rigorosa. Percebia-se, no entanto, que a situação era suficientemente grave para exigir reforçada capacidade de sacrifício e medidas de exceção.

Os relatos que surgem diariamente na imprensa portuguesa (sobretudo a partir de meados de 1930) sobre situações de desemprego, de falta de escoamento de produtos agrícolas e industriais, os apelos de organismos associativos e de órgãos de poder local para que o governo central tomasse precauções e medidas enérgicas, dão conta de um estado de dificuldade económica e financeira. Refletem um quotidiano pontuado por situações de sofrimento que não pode ser ignoradas quando se olha para o comportamento global da economia e sociedade portuguesas durante esses anos difíceis. Quer isto dizer que os efeitos da Grande Depressão em Portugal – apesar de brandos, quando comparados com o que se verificou noutros países – deixaram marcas vincadas num tecido económico e social muito vulnerável e com uma capacidade de criação e distribuição de riqueza muito abaixo das economias capitalistas que mais sofreram, mas que melhores condições tinham para recuperar.

Qualquer que seja a visão construída sobre a dimensão efetiva da crise, não restam dúvidas de que serviu como pretexto para justificar e legitimar a suposta superioridade política e moral dos que souberam gerir recursos escassos, criar ondas de confiança, aproveitar capacidades adormecidas. E, acima de tudo, serviu como pretexto para se reivindicar que a única forma de sair da desordem e evitar o caos residia no reforço da autoridade e autoritarismo do Estado:

 

Para sair da desordem económica espontânea ou metodizada que reduz as nações à penúria quando não as sepulta na anarquia e na falência ninguém dirá que estejam aconselhadas as extravagâncias ou os absurdos administrativos. […] O Estado autoritário nacional realiza o máximo de organização e equilíbrio financeiro, sem detrimento, antes com vantagem para a economia da nação. O seu governo forte e estável não reconhece supremacia a nenhum grupo social, partido ou classe, pautando por isso apenas a sua actividade financeira pela mais recta e escrupulosa justiça [Oliveira, 1935, pp. 14-15].

 

Este poderoso apelo a um Estado forte não caiu em saco roto. António de Oliveira Salazar, ministro das Finanças que geriu a crise para dela triunfar, podia reivindicar os louros de uma gestão eficaz e ascender à presidência de um governo despótico.

Contra a corrente de vozes de aplauso à política de equilíbrio orçamental de Salazar, contra a visão otimista sobre a capacidade de gestão da crise revelada pelo ministro das Finanças, algumas raras vozes dissonantes se ergueram, acentuando a gravidade das quebras na atividade produtiva, do acréscimo do desemprego, das situações de liquidação, insolvência e falência de inúmeras empresas em todos os setores de atividade:

 

Uma vaga de desespero, prenúncio seguro de um dilúvio de revolta, invade o mundo. Foi a força do Estado que a gerou; é a insuficiência dos homens de Estado que a alimenta […]. Concentrar a força nas mãos do Estado à moda russa ou à moda italiana, é regressar à barbárie; é cair na miséria moral e na ruína material [Cruz, 1931, pp. 28-29].

 

Para além da recusa de soluções autoritárias, este mesmo autor preconizou uma ação interveniente do Estado que não era compatível com o elogio das virtudes do equilíbrio orçamental:

 

Afirmar, perante a derrocada iminente que é preciso manter a todo o transe o equilíbrio orçamental, é brincar com o fogo. Não satisfaz a legítima ansiedade da nação, nem sequer torna menos sombrias as preocupações do funcionalismo civil e militar. […] Falem, pois, os homens de Estado, mas não nos venham reeditar a estafada ária de que a crise está a findar, quando todos os sintomas nos mostram que ela tende a agravar-se [Cruz, 1931, p. 34].

 

Em sintonia com esta mensagem, uma outra voz que na época ainda conseguia fazer ouvir a sua discordância com Salazar foi a de Francisco Cunha Leal que, apesar de não aceitar os pressupostos de intervenção mínima de um Estado liberal, considerava essencial reservar ao Estado uma missão superior de “excitar o progresso e garantir o equilíbrio social” (Leal, 1933, p. 103; e Leal, 1934-1935). Neste sentido, considerava que a gravidade da crise era justificada pelo clima de descrédito e desconfiança que provocava grande instabilidade no comportamento dos mercados e que só poderia ser evitada com uma intervenção reguladora do Estado. E, sem o saber, revelava assim uma curiosa aproximação a teses pouco mais tarde advogadas por J.M. Keynes:

 

Importa, pois, que o Estado se torne apto para orientar e disciplinar a actividade fecunda, mas por vezes caótica do capitalismo e para determinar uma socialização crescente dos investimentos e meios de produção. Só uma nova concepção do Estado e uma nova orientação social, conjugadas com uma fiscalização metódica dos procedimentos capitalistas, poderão libertar a comunidade das garras de uma crise que ameaça subverter a civilização [Leal, 1933, p. 105].

 

Eram vozes minoritárias e pouco audíveis, estas últimas que se opunham às orientações seguidas pelo todo-poderoso ministro das Finanças. Salazar prosseguia o trajeto traçado em 1928 e era aclamado pelo êxito da sua política. A Grande Depressão deu-lhe oportunidade de criar o seu momentum, e Salazar soube usá-la como pretexto e instrumento do seu triunfo político.

 

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Recebido a 21-12-2010. Aceite para publicação a 04-04-2012.

 

Notas

1 Texto elaborado no âmbito do projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecno­logia, PTDC/HIS-HIS/10544/2008, “Corporativismo, instituições políticas e desempenho económico: estudos em história europeia contemporânea”. O autor agradece a Pedro Lains e a dois consultores anónimos da Análise Social os comentários críticos que permitiram esclarecer melhor o âmbito e objetivos do presente artigo.

2 Para uma descrição sintética dos principais indicadores neste período, cf. Lopes (2004, pp. 97-104).

3 A este propósito cf. os quadros comparativos reunidos em Aldcroft (1997, pp. 140-144), que atestam que ao longo do período 1929-1933 apenas Portugal, a Grécia e a Dinamarca registaram evolução positiva do PIB. No que se refere aos índices de produção industrial, a evolução positiva, para o mesmo período, regista-se apenas em Portugal, Grécia e na Bulgária.

4 A longa série de contas públicas deficitárias, com registos fidedignos de execução orçamental desde o início da década de 1860, apenas conhecera 2 anos de superavit na primeira fase do regime republicano, nos anos de 1913 e 1914, como resultado da liderança imposta por Afonso Costa (Valério, 2005, pp. 233-277). A capacidade de vencer a situação de deficit crónico ficaria para sempre associada à mitologia salvífica do “génio financeiro” de Salazar, apesar de se reconhecer o esforço que vinha a ser feito desde os anos finais da República.

5 Não se pretende extrapolar esse consenso para a apreciação mais global dos fatores e obstáculos à evolução da economia portuguesa durante todo o período do Estado Novo. Insista-se, por isso, no caráter focalizado deste ensaio, que se restringe aos ecos e consequências da Grande Depressão. Por esta razão, as remissões bibliográficas feitas nesta secção obedecem ao critério da prevalência desse tópico nas reflexões dedicadas a este período e não pretendem constituir um roteiro integral da vasta literatura disponível sobre Salazar, o salazarismo e o Estado Novo.

6 Um dos aspetos relativamente ignorados desse alcance, que aqui não será discutido, é o que se refere aos impactos no plano teórico, à nova dimensão analítica que a Grande Depressão suscitava e à qual foram sensíveis alguns autores frequentadores de meios académicos. Sobre esta temática cf. Cardoso (no prelo).

7 Após triagem inicial de diversos jornais diários, a escolha fixou-se no Diário de Notícias por parecer ser este o jornal com noticiário mais completo e menos vinculado a posições de mera correia de transmissão da ação do governo. Atendendo aos propósitos deste artigo, a repetição da análise para outros jornais resultaria perfeitamente desnecessária. Ressalve-se que não se pretende efetuar uma análise exaustiva da imprensa da época, mas apenas utilizar um exemplo representativo que sirva como ilustração do que foi a opinião pública formada sobre os acontecimentos associados à crise económica e suas repercussões em Portugal.

8 Importa salientar que nem todas as notícias têm o mesmo peso quantitativo, medido por linhas de jornal. De um modo geral, e para a contabilização que se regista nos quadros 2 a 4, as notícias de tipo A, E e F têm uma dimensão curta, de semelhante registo informativo, que torna possível a sua utilização com objetivos de comparação quantitativa. Para os tipos C e D, a dimensão em número de linhas é, naturalmente, muito maior.

9 Justifica-se uma breve chamada de atenção para a relativa escassez de notícias sobre os efeitos da crise nas colónias. As primeiras notícias, referentes a situações de desemprego e falta de colocação dos géneros coloniais, só são publicadas nos últimos meses de 1930 (DN, 31-10-1930; 01-11-1930; 06-11-1930; 08-11-1930; 16-11-1930). O tema da crise nas colónias viria a ser objeto de uma conferência de Armando Cortesão em 20-03-1931, amplamente noticiada pelo DN. Só a partir desta data a matéria começa a ter alguma relevância nas páginas do jornal, cumprindo ainda destacar o artigo de Bento Carqueja apelando a uma intensificação do comércio colonial (DN, 13-05-1931).

10 Apesar desse papel de “correia de transmissão”, o DN revelava alguma independência quando comparado com outros jornais que se limitavam a servir de porta-vozes das ações do governo, como era manifestamente o caso do Diário da Manhã no qual é patente, para o mesmo período, um número consideravelmente menor de notícias sobre a crise, e um elevado número de entrevistas e artigos de enaltecimento das virtudes do ministro das ­Finanças.

11 Para o enquadramento global das fontes primárias impressas da década de 1930 referidas ao longo desta secção, cf. o legado bibliográfico discutido na secção 2 deste artigo, com especial destaque para Rosas (1986).

12 Cf. entre outros Correia (1932), Monteiro (1933) e Loureiro (1936).

13 Este tipo de justificação é o mesmo que encontramos na historiografia mais recente, como já se referiu, o qual foi recorrentemente recordado por outros intérpretes da evolução da economia portuguesa, de que é exemplo o testemunho seguinte: “A Grande Depressão batia à nossa porta com um atraso de dois anos, sinal de que o esforço da autoridade e o reajustamento financeiro haviam alargado a capacidade de resistência interior. Verdade seja também que a crise se limitara porque não vivíamos exclusivamente de colocação no mercado mundial como os grandes países industriais e pelo complexo predominante da nossa estrutura agrária que se mostrava renitente em acompanhar a marcha geral da conjuntura” (Oliveira, 1947, p. 31).

14 Sobre a importância destas medidas para a consolidação do prestígio político de Salazar e para a sua projeção para papéis de maior ambição e alcance políticos, cf. Telo (1994).

15 Entre os múltiplos produtos de propaganda e de aclamação ou auto-proclamação da bondade e superioridade do “génio de cifras” (Correia, 1938b), cf. Salazar (1930a, 1938 e 1940); Sousa (1933); Caetano (1934); Oliveira (1934 e 1935); Lavagne (1936) e Silva (1938). Para uma análise objetiva dos resultados apresentados por Salazar nas Contas Gerais do Estado, com informação minuciosa sobre a evolução das receitas, despesas e dívida pública e sobre as principais reformas económicas e financeiras desenvolvidas, cf. Correia (1938a).

16 Para uma visão de conjunto sobre o pensamento de Salazar em matérias económicas e financeiras, com relevância para o período em análise, cf. Brito (1989) e Rosas (2000). O tema merece enquadramento mais amplo à luz da vasta bibliografia disponível sobre Salazar e o Estado Novo que não cabe aqui problematizar. A demonstração da paixão e controvérsia que o assunto continua a merecer na historiografia portuguesa está bem patente nas recentes obras de Meneses (2009) e Torgal (2009).

17 Note-se que, de acordo com os dados pioneiramente divulgados pelo próprio Albano de Sousa, de 1930 para 1931 registaram-se quebras de 28,7% no consumo de ferro, de 10,4% de carvão importado e de 17,7% de importação de algodão para a indústria têxtil. A produção mineira (pirites) decaiu cerca de 28 %. O valor global das exportações diminuiu cerca de 14% nesse mesmo ano. Saliente-se ainda que a cotação de mercado dos principais produtos coloniais (café, borracha, algodão) conheceu uma quebra de 50% entre os anos de 1929 e 1931 (Sousa, 1933, pp. 10-12).

18 A resposta das partes interessadas não se fez esperar e nos dias seguintes chegavam ao Ministério do Comércio diversos pedidos de subsídio para comparticipação em obras públicas: “Ontem, receberam-se telegramas nesse sentido de Gondomar, Covilhã, S. João da Madeira, Caldas da Rainha, Póvoa do Varzim, Figueira da Foz, Serpa, Mértola, Funchal, Castelo Branco e Grândola, pedindo a reparação de estradas, a realização de obras nos portos e estabelecimentos públicos” (DN, 14-03-1931).

19 As matérias da estabilização monetária e política cambial foram objeto de diversas notas oficiosas do ministro das Finanças publicadas pela imprensa (DN, 10-05-1931, 23-05-1931 e 06-12-1931). A reorganização do Banco de Portugal (02-06-1931) também proporcionou diversos artigos de elogio ao papel desempenhado pelo ministro das Finanças, publicados no DN ao longo do mês de junho de 1931.

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