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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.203 Lisboa abr. 2012

 

Pareto e Gramsci: itinerários de uma ciência política italiana

 

Pareto and Gramsci: Itineraries of an Italian political science.

 

Alvaro Bianchi*; Luciana Aliaga**

*Departamento de Ciência Política, Universidade Estadual de Campinas. E-mail: albianchi@terra.com.br

**Universidade Federal do Tocantins. E-mail: lualiaga@unicamp.br

 

Resumo

Antonio Gramsci e Vilfredo Pareto, a despeito de pertencerem a diferentes campos de interpretação social, fazem parte de uma tradição maquiavelista dos estudos políticos, responsável por notáveis continuidades temáticas e afinidades nas formulações gerais de conceitos políticos. Esta convergência dá-se principalmente em torno de dois temas que serão analisados neste artigo: a metodologia da ciência política e a distinção entre governantes e governados. Pareto reivindica uma ciência livre de ideais fictícios, assente na observação empírica e histórica. Gramsci, por outro lado, entendia que uma ciência da política só poderia ser concebida a partir da perceção de que toda a teoria social estaria inserida no campo das relações de forças sociais implícitas na dialética entre estrutura e super­estrutura.

Palavras-chave: teoria das elites; ciência política italiana; ­Antonio Gramsci; Vilfredo Pareto.

 

Abstract

Although they worked in different fields of social interpretation, Antonio Gramsci and Vilfredo Pareto are both part of a Machiavellian tradition of political studies that carries with itself considerable thematic continuities and affinities in the overall formulation of political concepts. This is especially visible with regard to the two main topics examined in this article: the methodology of political science and the distinction between the governed and those who govern. Pareto proposes a science that is free from fictional ideals, founded on empirical, historical observation. Gramsci, on the other hand, thought that a political science could not but be founded on the understanding that any social theory must necessarily be part of the field of relations constituted by the social forces that are implicit in the dialectic between structure and superstructure.

Keywords: elite theory; Italian political science; Antonio Gramsci; Vilfredo Pareto.

 

Os esforços de Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto no final do século XIX com vista à constituição de um conhecimento sobre a política que se distinguisse da atividade política culminaram na constituição da ciência política na Itália em finais desse século. Frequentemente, a publicação por Mosca dos Elementi di Scienza Politica, em 1898, é apontada como o primeiro passo para a afirmação dessa ciência (Bobbio, 2002, p. 285). Mas a datação não deixa de ser arbitrária, até mesmo se for considerado o caráter pioneiro da obra de Mosca, uma vez que Sulla Teorica dei Governi e Sul Governo Parlamentare é anterior, datando de 1884. Esse pensamento político italiano que tem em Mosca e Pareto os seus expoentes, e que marca a transição para o século XX refere-se principalmente à experiência concreta do Estado liberal e nacional, fruto do processo de unificação italiana (Albertoni, 1985, p. 303).

Construir uma nova ciência da política significava, também, para esses autores, encarar o desafio de pensar o seu tempo e, em simultâneo, a criação dos instrumentos analíticos e conceptuais para tal. Com esse propósito, o acerto de contas com as orientações do pensamento político italiano predominantes à época era premente. Eram três as orientações intelectualmente dominantes e que exigiam uma resposta à altura: o idealismo filosófico – que se referia ao pensamento de G.W. Hegel e que surgiu diversamente combinado no ambiente cultural de Nápoles com a tradição filosófica inaugurada por Giambattista Vico –, a corrente positivista – visão bastante influenciada por Auguste Comte e Herbert Spencer, que em Itália gozavam de grande aceitação – e a tradição jurídica italiana (idem, pp. 303-305).

O idealismo filosófico influenciava de maneira especial as análises sociais que se pautavam por um “ideal de nacionalidade” e enfatizavam as tradições próprias da cultura nacional italiana como fundamentos de uma nova comunidade política. O Estado, nessa perspetiva, era concebido como unidade ética que transcenderia e tornaria possível a vida de indivíduos como partes contratantes na sociedade civil. Para o napolitano Bertrando Spaventa, o Estado precisaria de se concentrar nele próprio, na sua substância universal, os indivíduos dispersos e diversos, unindo em um fim único e comum os espíritos e as vontades de todos (Spaventa, 1904, p. 159). A reelaboração do pensamento hegeliano pelos irmãos Bertrando e Silvio Spaventa, alimentou uma corrente que influenciou fortemente o pensamento italiano da sua época.

Num outro polo, encontramos a corrente positivista. Esta partilhava com os hegelianos o princípio de que a realidade possuiria uma racionalidade interna, a qual serviria de base para o desenvolvimento da consciência civil, unificada com a criação do Estado moderno italiano. Contudo, se a corrente idealista investigava essa racionalidade por meio do autoconhecimento filosófico do desenvolvimento de uma entidade metafísica, Geist ou Espírito, inerente ao indivíduo e à sociedade, os positivistas investigavam “os factos”. Segundo Roberto Ardigò, a ciência atem-se à busca dos factos por meio da observação e experimentação: “A fraqueza dos metafísicos está em acreditar que aquelas noções universalíssimas, que chamam de ideias, precedem a experiência de qualquer facto” (Ardigò, 1882, p, 75). A ideia positivista de que o organismo estatal melhoraria tendencialmente por um “constante e vivíssimo trabalho evolutivo” no qual teria lugar a “sua formação natural, o seu desenvolvimento e o seu progresso” (Ardigò, 1886, p. 246) permitiu a rápida absorção dessas ideias nos círculos socialistas italianos (Albertoni, 1985, p. 305).

Por último, o ambiente intelectual e político da época era influenciado também por uma fortíssima tradição jurídica. Na vida da Itália liberal, a ciência jurídica conseguiu tornar-se hegemónica de modo notável e significativo. Neste contexto, o direito e o Estado formavam um corpo uno ao ponto de parecer inconcebível uma sociedade sem direito assim como uma sociedade sem Estado (Albertoni, 1985, p. 305-306). A ciência do Estado, portanto, consistia propriamente na ciência jurídica, isto é, no estudo da norma necessária para a existência do ente estatal. Um ente que era já unitário e no qual o direito se apresentava como o fundamento comum de uma convivência civil que procurava deitar as suas raízes numa tradição política especificamente italiana (Albertoni, 1985, p. 325).

As trajetórias de Mosca e Pareto – fundamentadas no realismo metodológico de Maquiavel – não deixam de representar uma rutura com essas orientações. Ao analisarem os eventos políticos na sua concretude histórica a despeito do “dever-ser” refutaram tanto as análises normativas do direito, quanto a metafísica idealista, inaugurando uma nova tradição de pensamento que ­permitiu à ciência política autonomizar-se em relação à ciência jurídica e à filosofia. Para Albertoni “com Mosca e Pareto a clássica elaboração do assim dito ‘elitismo’ configura-se, na passagem do século XIX ao século XX, como uma tendencial doutrina de valor geral, que indica uma mudança radical de interesses especulativos e práticos no pensamento político” (Albertoni, 1985, p. 324). Para este autor, Mosca e Pareto fundaram uma nova tradição de pensamento profundamente imbricada com as questões da Itália e que posteriormente se generalizou, de forma que a doutrina “mosquiano-paretiana” alcançou notável difusão noutras culturas, rompendo, assim, “o significado estreitamente italiano que caracteriza a maior parte das elaborações doutrinárias nacionalistas entre o século XIX e XX” (Albertoni, 1985, p. 323).

O ponto de convergência entre Mosca e Pareto encontra-se justamente na teoria das elites, que consiste na afirmação da presença de minorias ativas numa massa passiva e desorganizada, isto é, na separação entre governantes e governados, como um facto inevitável. O comum acordo acerca da teoria da “minoria dirigente” e ao mesmo tempo um núcleo de derivação maquiaveliana está presente na teoria de ambos (Medici, 1990, p. 11; Hughes, 1979, p. 253). Segundo Burnham, a conceção da superioridade dos líderes sobre a massa, aquela imensa necessidade que esta possui de ser guiada, é um tema que Maquiavel já havia tratado (Burnham, 1943, pp. 59-61). O autor ­sustentou que estava presente na obra maquiaveliana uma implícita, mas constante, distinção entre dois tipos de pessoas: o tipo dirigente e o tipo dominado. O primeiro incluiria não simplesmente aquelas que em algum momento ocupam posições de liderança na sociedade, mas, sobretudo indivíduos que aspiram a tais posições e que poderiam ocupá-las se houvesse oportunidade. O segundo tipo constitui a maioria e abrange aquelas que não são líderes nem aspiram ao poder. A característica notável da maioria, portanto, seria a passividade (Burnham, 1943, p. 58). Nesta perspetiva, assim como os seus seguidores, Maquiavel sustenta que esta distinção reflete um facto fundamental da vida política.

A “herança” de Maquiavel é um ponto fundamental para a análise da ciência política em Itália. Nela insere-se mais tarde Antonio Gramsci. Segundo Medici, a ideia de que existe uma relação privilegiada entre certos aspetos do pensamento de Maquiavel e os principais expoentes da ciência política italiana – Mosca, Pareto e Gramsci – tem encontrado abrigo no pensamento da crítica mais recente. Enrico De Mas, por exemplo, afirmou que a ciência política – ciência eminentemente italiana, que tem em Mosca o seu mais notável representante – é a ciência esquecida do génio de Nicolau Maquiavel e o realismo deste a própria base do método com que ela enfrenta o problema político (apudMedici, 1990, p. 7).

Com Antonio Gramsci, à semelhança do que se observa em relação à difusão e generalização do pensamento de Mosca e Pareto, a teoria política do socialismo inseriu-se na problemática geral da ciência política, transcendendo a polémica puramente prática. Neste sentido, o marxista sardo teria superado o estreito âmbito das questões políticas do partido comunista e “estabeleceria um contacto crítico com a ciência política oficial, de Croce a Pareto, de Michels a Mosca” (Cerroni, 1976, p. 157). A reconstrução desse “contacto crítico” entre Gramsci e os seus contemporâneos torna-se, dessa maneira, uma importante chave para a compreensão do seu pensamento político. Neste artigo será destacado o seu diálogo com Vilfredo Pareto a respeito de dois temas: a metodologia da ciência política e a distinção entre governantes e governados.

 

CIÊNCIA DAS UNIFORMIDADES SOCIAIS E FILOSOFIA DA PRÁXIS

 

No último quarto do século XX tomou corpo em Itália um movimento intelectual de orientação antipositivista. Filósofos como o marxista Antonio Labriola e os neoidealistas Benedetto Croce e Giovanni Gentile ocuparam um lugar central nesse movimento. Para Stuart Hughes, a reação contra o positivismo – não apenas às doutrinas de Auguste Comte e à filosofia de Herbert Spencer – e a oposição contra toda a tendência para discutir o comportamento humano em termos análogos ao das ciências naturais foi uma marca dos maiores pensadores da década de 1890: “eles acreditavam que se estavam a desfazer de um jugo espiritual que o quarto de século precedente havia lançado sobre eles” (Hughes, 1979, p. 37).

Richard Bellamy considerou que Mosca e Pareto faziam parte dessa tradição e “rejeitaram as implicações metafísicas do positivismo, apesar do estudo da psicologia humana e da crença num empirismo cru que perduraram na base do seu entendimento das instituições políticas” (Bellamy, 1988, p. 10). Mas o alcance da rebelião antipositivista do pensamento político italiano, ou pelo menos o seu impacto sobre a ciência política, parece ter sido exagerado. Mosca, por exemplo, jamais revogou a sua fé positivista e estava pouco interessado em discutir os seus próprios pressupostos filosóficos. Pareto, por sua vez, partilhou com o positivismo as ideias fundamentais de que o conhecimento estaria fundado apenas na experiência e na perceção sensorial, de que o método das ciências naturais seria aplicável à vida social e de que a ciência era axiologicamente neutra (Femia, 2006, p. 16). A partir dessas ideias desenvolveu um processo de aprofundamento metodológico que o conduziu no Trattato di Sociologia Generale a uma elaborada exposição dos problemas epistemológicos e a uma rutura com os limites da interpretação de Auguste Comte, criando as condições para a afirmação de um positivismo revisitado metodologicamente (Medici, 1990, p. 11).1

Pareto era bastante cioso dos aspetos metodológicos da sua investigação e costumava preceder as suas obras de uma exposição de princípios gerais ou preliminares. Em Les systémes socialistes, livro de 1902, insistiu num estatuto epistemológico para as ciências sociais que fosse capaz de subtraí-las dos sentimentos, das ideologias e do moralismo (Bonetti, 1994, p. 28). O seu livro tratava exclusivamente da ciência, afirmava. E não se ocuparia senão “de constatar as rela­ções das coisas, os fenómenos, e de descobrir as uniformidades que essas relações representam. O estudo daquilo que se chama causas, se com isso se en­tende os factos em certas relações com outros, pertence à ciência e reentra na mencionada categoria de uniformidade” (Pareto, 1974, p. 126). E no Manuel d’économie politique, publicado pelo mesmo autor poucos anos depois, retomava a sua reflexão afirmando que o objetivo da economia política e da sociologia era “pesquisar as uniformidades que apresentam os fenómenos, quer dizer, as suas leis […] sem visar nenhuma utilidade prática direta, sem se preocupar de modo algum em dar receitas ou preceitos, sem mesmo buscar a felicidade, a utilidade ou o bem-estar da humanidade ou de uma de suas partes” (Pareto, 1981, p. 3).

Apenas a existência dessas uniformidades permitiria aplicar um tratamento científico a esses campos do conhecimento. O objetivo da ciência seria, pois, o estudo das leis que regeriam os fenómenos sociais. O conceito de lei científica utilizado por Pareto, entretanto, distinguia-se, claramente, da abordagem comteana. Embora para o autor do Manuel d’économie politique, não pudessem haver exceções para as leis económicas ou sociológicas, na medida em que uma uniformidade não-uniforme não faria sentido, “as leis científicas não têm uma existência objetiva” (Pareto, 1981, p. 7). A imperfeição do conhecimento levaria o senso comum a falar de “exceções”. Mas tais “exceções” não seriam senão lacunas do intelecto, ou seja, resultado do desconhecimento de outros fenómenos sobrepostos àquele estudado. Pareto concluía afirmando a impossibilidade de saber todos os aspetos de um fenómeno concreto e o consequente caráter aproximativo das teorias com uma formulação que lembra os tipos ideais weberianos: “Já que não conhecemos inteiramente nenhum fenómeno concreto, as nossas teorias sobre esses fenómenos são somente aproximativas. Conhecemos apenas fenómenos ideais, que se aproximam mais ou menos dos fenómenos concretos” (Pareto, 1981, p. 11).

Já nas primeiras páginas do Trattato di Sociologia Generale – a sua última e mais completa obra, cuja primeira edição data de 1916 – o autor expôs à crítica aquilo que julgava ser dogmático no positivismo de Comte. Postulou que o seu método, diferente dos anteriores, se orientava não pela enunciação de princípios aceites como verdades demonstradas, aos quais nada se podia opor, mas pela formulação de hipóteses das quais era possível extrair consequências lógicas. Se estas hipóteses “estiverem de acordo com os factos concretos, serão aceites, e refutadas se não estiverem de acordo com eles” (T, v. 1, § 4, p. 2-3).2 Nesse sentido, afirmava que a comprovação empírica, isto é, os resultados – e não os princípios – deveriam nortear as descobertas científicas, pois “todas as ciências progrediram quando os homens discutiram os resultados em vez de debater os princípios” (idem).

Dois conceitos eram fulcrais para o seu método: as ações lógicas e as ações não lógicas. As ações lógicas eram classificadas como aquelas que possuíam correspondência entre meios e fins concebidos e meios e fins tal como ocorreriam objetivamente na realidade, isto é, “ações que têm, subjetiva e objetivamente, o sentido acima explicado [lógico]” (T, v. 1, § 150, p. 65). As demais eram classificadas como não-lógicas, o que não significava que elas fossem ilógicas. Classificar uma ação como não-lógica significava reconhecer uma discordância entre aquilo que se planeava atingir por meio de determinados procedimentos e o resultado efetivo da empreitada.3 É necessário esclarecer que, para o autor, “todo o fenómeno social pode ser considerado sob dois aspetos, isto é, como é na realidade e como se apresenta ao espírito de certos homens. O primeiro aspeto será objetivo, e o segundo, subjetivo” (T, v. 1, § 149, p. 64). Advertia ainda que, mesmo que as ações dos indivíduos não fossem de todo lógicas, “os homens têm tendência muito grande para dar um verniz lógico às suas ações”. Pareto, devido a isso, sublinhou que era imprescindível levar em conta, na análise social, os sentimentos, assim como os costumes, que consistem em “interferências” subjetivas nas ações (T, v. 1, § 157, p. 70). Por esta razão, interessavam ao estudioso aquelas ações que não teriam objetivamente um fim lógico, mas o teriam subjetivamente, na consciência do agente. Neste sentido, Pareto propunha um estudo lógico das condutas não-lógicas dos indivíduos.

A tarefa da ciência lógico-experimental seria definir o objetivo e o subjetivo de toda a conceção ou teoria.4 Todos os conceitos deveriam ser definidos com relação a realidades constatadas diretamente ou suscetíveis de serem criadas pela experimentação, e todos os conceitos filosóficos ou essencialistas deveriam ser excluídos rigorosamente. Com esse propósito, Pareto sistematizou um conjunto de regras metodológicas pautadas pela observação empírica, que deveriam guiar a investigação sociológica pela senda das ciências naturais.5 O campo da vida, da experiência humana era concebido, portanto, como um conjunto de factos passíveis de conhecimento em si mesmos, “medidos” como realidades ou verdades objetivas, sem interferências subjetivas do observador. Pareto somente concebia uma ciência do social balizada pela objetividade, caso contrário esse conhecimento seria qualquer outra coisa, isto é, um dogma, uma crença ou uma religião, mas não efetivamente uma ciência. Pela via indutiva, sem preconceitos e sem “nenhuma noção a priori” o autor do Trattato propunha-se descrever os factos, classificá-los, estudar a sua índole e descobrir as uniformidades (leis) nas suas relações (T, v. 1, § 145, p. 63).

A crítica antimetafísica que se fez presente nos fundadores da nova ciência política italiana era partilhada por Gramsci, o qual recusou nos seus Quaderni não apenas a metafísica idealista, como também a “metafísica da matéria”, indo além deles. Esta posição antimetafísica era complementada por uma atitude franca e explicitamente antipositivista, construída a partir da reelaboração da crítica que Benedetto Croce havia levado a cabo de modo insistente na sua obra. Foi por alimentar essa atitude que Gramsci se colocou num campo da interpretação social diferente daquele em que se posicionaram Pareto e Mosca.

Para Gramsci, o conhecimento das realidades políticas somente seria possível por meio da análise da totalidade e da complexidade das relações sociais no seu movimento histórico. Sendo assim, tratar da ciência política seria “estabelecer a posição dialética da atividade política (e da ciência correspondente)” (Q13, § 10, p. 1568).6 Coube a Maquiavel ser o fundador da “questão da política como ciência autónoma”, o que teria permitido investigar o lugar da política numa “conceção sistemática (coerente e consequente) do mundo – em uma filosofia da práxis” (idem). Gramsci chamou a atenção para a necessidade de compreensão da génese dos fenómenos que aparecem na superfície do tecido social enquanto factos sociais “naturalizados” (Sgambati, 1977, p. 609) e para a necessidade de compreensão das implicações teórico-políticas de toda a ciência social que se paute pela visão estática da realidade.

A filosofia da práxis era definida pelo marxista sardo como “ciência da dialética ou gnosiologia, na qual os conceitos gerais de história, de política, de economia, se relacionam numa unidade orgânica” (Q11, § 33, p. 1448). Nesta definição está subjacente o pressuposto da totalidade como fundamento para a apreensão da complexidade da realidade social no seu movimento histórico. Refutava, portanto, a tentativa de isolar elementos da totalidade sem consideração do conjunto de relações em que se inserem. Isto porque – de acordo com sua conceção dialética – a apreensão da realidade ocorre no movimento interno dos fenómenos e não na “dissecação” de suas partes isoladas.

Segundo Giuseppe Prestipino (2004, p. 55), é possível diferenciar na obra de Gramsci dois usos da dialética: como método, ou técnica formal do pensar filosófico, e como saber filosófico que alcança a compreensão do seu conteúdo que é a história real. No primeiro sentido, utilizando-se da crítica ao Ensaio Popular de Nikolai Bukharin, indicou aquilo que acreditava ser o equívoco das ciências positivistas da análise social: a ação de separar, classificar e generalizar os dados, tal qual se faz nas ciências naturais.7 Quando transplantado de forma mecânica para o âmbito das ciências humanas, o método científico das ciências da natureza amputava a relação dialética dos elementos responsáveis pelo movimento do processo histórico. Essa forma de conceber os factos não era capaz de captar a complexa dinâmica das forças históricas, o que incluía as suas contradições, redundando numa conceção linear e evolucionista da história.8 Neste sentido, o empirismo que supostamente deveria perceber os fenómenos na sua realidade concreta, tornava-se uma metafísica na medida em que recortava essa realidade. O fracionamento impedia-o de compreender o fenómeno além da sua aparência exterior e superficial. Sob o olhar de Gramsci, o positivismo assumia uma aparente proximidade com o idealismo.9

O método positivista – segundo Gramsci – concebia a ciência como uma “pesquisa de leis, de linhas constantes, regulares, uniformes”, tal qual aparecia em autores como Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, como uma maneira “ingénua e pueril” de resolver o problema prático da previsibilidade histórica. Isto assemelhava-se a uma “estranha inversão” de perspetivas, ou seja, parecia estranho que a metodologia histórica necessitasse de adotar o paradigma das ciências da natureza e a sua capacidade de previsão para se afirmar como ciência. A “deformação” da perspetiva científica obrigava a ciência a prever o futuro da sociedade, daí a sua necessidade de buscar a “causa primeira” ou a “causa das causas” (Q11, § 15, pp. 1403-1404). Para Gramsci, entretanto, “na realidade é possível prever ‘cientificamente’ apenas a luta, mas não os seus momentos concretos” (idem). O autor procurou mostrar, assim, que o método científico poderia prever o conflito na medida em que o antagonismo social estaria presente no complexo de relações sociais, mas definitivamente não poderia antever o seu resultado.

As forças antagónicas em contínuo movimento na história seriam sempre irredutíveis a quantidades fixas, uma vez que no terreno da ação humana a quantidade transformar-se-ia continuamente em qualidade (idem). Aqui residiria a diferença fundamental entre os dados das ciências naturais (que são quantificáveis e matematizáveis, isto é, podem ser apresentados sob a forma de leis estatísticas) e os dados das ciências humanas, cujo caráter é contingente, qualitativo, em suma, pertencem ao reino da liberdade humana. Neste sentido, a única possibilidade de previsão histórica seria o “próprio esforço voluntário” a partir do qual “se contribui concretamente para criar o resultado previsto”. Noutras palavras, “a previsão revela-se, portanto, não como ato científico de conhecimento, mas como expressão abstrata do esforço que se faz, o modo prático de criar a vontade coletiva” (idem). Este era precisamente o segundo aspeto da dialética de Gramsci, ou seja, a dialética real, como devir histórico da unidade teoria e prática.

Para o autor, o grande equívoco do positivismo e, consequentemente, de Bukharin, era não perceber que as ciências humanas e, particularmente a ciência política, necessitavam de um método próprio de investigação. Tomar “emprestado” o método de investigação das ciências naturais redundava em prejuízo para o conhecimento das realidades sociais, pois o método e a ciência que produz formam um todo único, inseparável (idem). Isto equivale a dizer que não existe um “tipo ideal” de método.10 Uma ciência da política só poderia ser concebida a partir da perceção de que toda a teoria social estaria inserida no campo das relações de forças sociais (Q11, § 15, pp. 1405-1406). Esta relação de forças sociais estaria implícita na dialética entre estrutura (condições necessárias e suficientes/relações de produção) e superestrutura (ideologias/filosofias).11

Existe aqui uma relação de dupla implicação entre a estrutura e a superestrutura. Isto é, na mesma medida em que determinada forma de vida (estrutura) geraria um sistema filosófico (superestrutura) correspondente, esse sistema atuaria sobre ela, renovando-a. Considerando que a política faz parte das superestruturas, a sua ação, perante condições objetivas favoráveis, seria potencialmente o motor das transformações históricas. Por outras palavras, as condições objetivas para a superação de uma formação social não gerariam automaticamente a transformação da antiga ordem numa nova civilização, mas isso seria possível por meio da política. Sendo assim, a organização política dos grupos subalternos seria um elemento necessário para que as condições materiais favoráveis encontrassem ação suficiente para a deflagração do processo de transformação social. Neste processo articulavam-se, num nexo orgânico, a filosofia, a política e a história (Q10, § 2, p. 1241).

Os sistemas filosóficos estariam necessariamente ligados a um momento histórico, pois são “manifestações íntimas das contradições que dilaceram a sociedade” (Q11, § 62, p. 1487). Eles seriam concebidos na história e por meio dela encontrariam elementos para vigorar ou ser superados. Noutros termos: não existe conceção de mundo que seja extra-histórica. A filosofia, como conceção de mundo, uma vez em movimento na história e em relação dialética com a realidade material, reflete-se na ação dos homens, que é precisamente a sua política. Isto é, toda a política, entendida como ação concreta na história, orientar-se-ia pelos limites impostos pela estrutura e por conceções do mundo. Contudo, a filosofia da práxis estaria mutilada se não chegasse à identidade também entre história e política. Nesse sentido, dizia Gramsci: “o político é um historiador, o historiador é um político […] a história é sempre história contemporânea, isto é, política”. É preciso advertir, contudo, sobre o risco de reduzir a teoria política de Gramsci à historiografia. Apesar da identificação entre filosofia, política e história, não se deve reduzir os termos a nenhum deles separadamente” (Pizzorno, 1967, p. 114).

Segundo Pareto, não há uma solução científica para o problema da ação, da conduta individual e da organização social (Aron, 2000, p. 379). Na sua conceção, ciência e política pertencem a campos separados da vida humana. Assim não compete à ciência responder a problemas políticos. Qualquer “interferência” política sobre a ciência lhe furta a objetividade e distorce-a. Gramsci, por outro lado, entende que há uma ligação orgânica entre filosofia, política e história. É impossível separá-las, pois o campo das realidades sociais dá-se a conhecer somente na sua totalidade e complexidade. Neste sentido, isolar elementos da realidade e estudá-los tal qual o método das ciências naturais não produziria mais do que uma ideologia liberal.12 Para ele “não é possível cortar a racionalidade com um cutelo, separando a norma positiva e concreta da realidade de uma outra irracional e infundada porque ideal, isto é, ideológica” (Zarone, 1990, p. 268).

 

GOVERNANTES E GOVERNADOS

 

Em 1901, Vilfredo Pareto publicou Les systémes socialistes, obra na qual apresentou uma teoria científica das elites políticas. A sua pesquisa tomou como ponto de partida certos princípios de “fisiologia social”, dentre os quais a curva de distribuição de riqueza já apresentada no seu Courséconomie politique. Segundo afirmava, a forma dessa curva não era casual e relacionava-se com a distribuição de características fisiológicas e psicológicas dos homens, por um lado, e, por outro, com as escolhas feitas pelos homens com base nessas características e com os obstáculos que encontrariam para a produção, temas estudados pela economia política. Curvas similares representariam a distribuição de outras características como a inteligência, o talento musical, o caráter moral, etc., mas os mesmos indivíduos não ocupariam as mesmas posições nas diferentes figuras. As posições ocupadas nas curvas de distribuição de riqueza e de distribuição de poder político ou social seriam, entretanto, as mesmas ou muito próximas: “As classes ditas superiores são, geralmente, também as mais ricas. Essas classes constituem uma elite, uma aristocracia” (Pareto, 1974, p. 131).

Como visto, a ciência social era possível para Pareto na medida em que os factos sociais apresentavam uma uniformidade: “A constatação da existência dessas uniformidades constitui a doutrina do determinismo científico” (Pareto, 1974, p. 184). Por este método, o sociólogo de Lausanne chegava à constatação de um facto real e passível de comprovação histórica: as diferenças humanas refletir-se-iam na divisão social, em todos os tempos, entre um estrato superior onde estão comumente os governantes, e um estrato inferior onde se encontram os governados (T, v. 3, § 2047, p. 260). A distinção entre aqueles que estão num estrato superior, as elites, e aqueles que se encontram num nível inferior era feita com base nas capacidades individuais, levando-se em conta a valorização desta ou daquela capacidade pelo grupo social (Busino, 19--, p. 21).

Embora afirmasse no Trattato pretender “dar uma definição teórica do fenómeno, tão precisa quanto possível” (T, v. 3, § 2028, p. 256), falta nesta obra, assim como na precedente, justamente um conceito claro e preciso de elite. Chama a atenção que o ponto de partida de Pareto seja uma suposição: “Suponhamos, então, que em todo ramo da atividade humana se atribua a cada indivíduo um índice que indique a sua capacidade, mais ou menos como são dados os pontos nos exames de várias matérias numa escola” (T, v. 3, § 2027, p. 256). E, a seguir, partindo de uma observação do senso comum de que indivíduos diferentes receberiam “notas” diferentes para as suas habilidades, afirmava que aqueles que obteriam os índices mais elevados nos ramos da sua atividade receberiam o nome de “classe eleita (elite)” (T, v. 3, § 2031).

O objetivo de Pareto no Trattato não era uma análise de toda a elite. Embora em seu argumento fizesse referências à élite dos poetas e xadrezistas, não foi à análise destas que se dedicou de modo mais intenso. O tema central dessa obra é o equilíbrio social. Desse modo, Pareto julgava necessário para seu estudo subdividir a élite em duas partes, “por um lado aqueles que, direta ou indiretamente, têm parte notável no governo e constituem a classe eleita de governo, o restante será a classe eleita de não-governo.” (T, v. 3, § 2032, p. 257.) Foi sobre a classe eleita de governo que sua atenção recaiu e particularmente sobre o fenómeno de circulação da classe eleita (circulation des élites), ou seja, sobre as alterações que ocorrem no grupo dos governantes.

O fenómeno da circulação das elites descrito por Pareto revela a sua conceção ondulatória da história (cf. p. ex. Pareto, 1974, p. 149 e T, v. 3, §§ 2329- -2341, pp. 467-475). O facto de que a distinção entre governantes e governados fosse concebida como uma característica uniforme em todos os tempos não implicava afirmar o caráter imutável ou a-histórico desses grupos sociais. “As aristocracias não duram”, escreveu Pareto em Les systémes socialistes e, também, no Trattato (Pareto 1974, p. 131 e T, v. 3, § 2053, p. 262). A decadência dessas aristocracias seria mais ou menos rápida, também ela seria um facto que bastaria afirmar. Em Les systémes socialistes a guerra era apontada como uma das causas dessa decadência, mas também na paz ela teria lugar: “Não se trata apenas da extinção da aristocracia pelo excesso do número de mortes sobre os nascimentos, mas também da degeneração dos elementos que a compõem, e as aristocracias não podem então existir senão com a eliminação destes elementos e a chegada de novos” (Pareto, 1974, p. 132).

A teoria da circulação das elites fundamenta-se na capacidade do grupo dirigente em renovar-se, isto é, na sua capacidade de incorporar uma percentagem de novos elementos. “A circulação entre o estrato inferior e o superior – a mobilidade – terá de ser, sobretudo, vertical, ascendente e também descendente” (Busino, 19--, p. 21). A elevação de elementos dos estratos inferiores – da massa de governados – segundo esta conceção, era um fator de estabilidade e continuidade social, pois este seria o processo regular de funcionamento do sistema. Um retardo na circulação das elites esvaziaria a capacidade governativa do grupo que detém o poder devido ao aumento simultâneo dos “elementos degenerados” no seu interior e dos “elementos de qualidade superior” nas classes subordinadas (Pareto, 1974, p. 133. Cf. tb. T, v. 3, § 2055, p. 263).

Essa perda da capacidade governativa por parte das elites teria como resultado uma sublevação violenta de grupos e indivíduos pertencentes a seus estratos inferiores (cf. T, v. 3, §§ 2055-2059, p. 263; Aron, 2000, p. 418). A decadência da classe eleita faria com que nela se acumulassem elementos que não possuiriam a capacidade de inovação necessária para mantê-la no poder, ou que refutariam o uso da força, enquanto nos estratos inferiores cresceriam os elementos que possuiriam essa capacidade ou que estariam dispostos a ­operar com a força (T, v. 3, § 2057, p. 263). Mas uma revolução não implica uma superação das diferenças entre governantes e governados ou a extinção das elites governantes. O conflito existente seria sempre um conflito entre oligarquias e não entre oligarquia e povo (Bonetti, 1994, p. 30). Segundo o autor do Trattato: “geralmente nas revoluções os indivíduos dos estratos inferiores são capitaneados pelos indivíduos dos estratos superiores, porque nestes estão as qualidades intelectuais úteis para preparar a batalha” (T, v. 3, § 2058, p. 263).

Era, portanto, uma teoria da conservação social aquela com a qual ­Gramsci estabeleceu um frutífero debate. Ele conhecia a teoria das elites de Pareto, bem como a teoria da “classe política” apresentada por Mosca nos seus Elementi di Scienza Politica.13 Assim como muitos, o marxista sardo aproximou de modo forçado as conceções de Mosca e Pareto, embora lhes reconhecesse certas diferenças. O uso das expressões elite e classe política nos Quaderni ocorre de modo indistinto. Cabe, entretanto, verificar em que sentido utiliza esses termos. A inserção explícita dessa temática no projeto gramsciano de pesquisa sobre a história dos intelectuais é importante para compreender a forma de apropriação gramsciana desses conceitos. Para o marxista sardo, a “assim chamada ‘classe política’ de Mosca não é senão a categoria intelectual do grupo social dominante”. O conceito de elite de Pareto, por sua vez, seria “outra tentativa [semelhante] de interpretar o fenómeno histórico dos intelectuais e da função na vida estatal e social” (Q8, § 24, p. 956).

Ao aproximar os conceitos de elite e de classe política do conceito de intelectual, Gramsci promoveu uma importante torção nas formulações de Mosca e Pareto. Ao primeiro repreendia por não abordar o complexo problema do “partido político”, o que impediria o autor dos Elementi de definir de modo mais preciso o conceito de “classe política” (Q8, § 52, p. 972). Mas a mesma crítica poderia ser dirigida a Pareto, embora não fosse extensível a outro elitista, Robert Michels, o qual fazia do conceito de elite a chave para o seu estudo sobre os partidos políticos. A ausência de uma reflexão sobre os partidos políticos faria Mosca oscilar entre um conceito que restringiria a classe política ao “pessoal político” de um Estado, e outro no qual estariam incluídos aqueles que operariam no sistema representativo. Pareto, por sua vez, embora estabelecesse a distinção entre elite governante e elite não governante e afirmasse em Les systémes socialistes colocar o seu foco nesta última, ficava em clara contradição uma vez que essa distinção excluía do seu foco as elites políticas que não se encontravam no governo, colocando-as novamente ao lado de poetas e xadrezistas.

Era por meio do partido político que poderia ter lugar, para Gramsci, a criação de uma “nova classe política” que expressasse uma nova forma de civilização. Era o problema da formação das elites, dos intelectuais das classes subalternas, que o marxista sardo tinha em mente. Esse não era um problema para Pareto, que considerava as elites como portadoras de características fisiológicas e psicológicas que permitiriam distingui-las do restante da humanidade. Um argumento como este não poderia ser aceite por Gramsci, que rejeitava de modo veemente tanto a ideia de natureza humana presente em Maquiavel, como aquela divulgada pelas diversas versões do darwinismo social em Itália, dentre elas a de Pareto. Caberia ao partido, ao “moderno Príncipe”, a criação de um novo “homem coletivo”, isto é, a criação histórica de “um novo nível de civilização, educando uma ‘classe política’ que já em ideia encarne esse nível” (idem).

Era nessa aceção histórico-política que Gramsci se contrapunha à teoria mosquiano-paretiana das elites, embora não discordasse que a divisão entre governantes e governados fosse uma realidade política. Essa divisão era por ele concebida, até mesmo, como o ponto a partir do qual se tornaria possível pensar uma ciência da política. Sob o sugestivo título “Machiavelli. Elementi di politica” escreveu Gramsci: O elemento fundamenal é que “existem efetivamente governados e governantes, dirigentes e dirigidos. Toda ciência e a arte políticas se baseiam neste facto primordial, irredutível (em certas condições gerais)”. A origem dessa distinção deveria ser estudada pela historiografia, mas a questão fundamental seria outra: a da atenuação ou desaparecimento desse facto.

Não havia em Pareto uma questão pedagógica propriamente dita, referente à educação e à formação das elites. Mas a questão pedagógica retornava com força em Gramsci. Formar novos e melhores dirigentes era um dos objetivos da ciência e arte da política. Mas formar com que objetivo? Responder a essa pergunta era uma premissa fundamental para Gramsci:

 

Na formação dos dirigentes, é fundamental a premissa: pretende-se que sempre existam governados e governantes ou pretende-se criar as condições nas quais a necessidade dessa divisão desapareça? Isto é, parte-se da premissa da divisão perpétua do género humano ou crê-se que ela é apenas um facto histórico, correspondente a certas condições? [Q15, § 4, p. 1752].

 

Tem-se aqui a chave para a radical divergência entre Gramsci e os elitistas. Para o autor dos Quaderni, essa divisão não era uma realidade imutável, fruto da natureza humana e sim produto de situações concretas, que se desenvolveram na história no meio de relações de forças entre grupos antagónicos na sociedade. Esta impostação histórica e política do problema conduziu Gramsci a uma apreciação da questão da circulação das elites de modo também diverso. Como visto acima, para Pareto este era um problema relacionado com aquele do equilíbrio social. A circulação das elites, caracterizada por uma depuração de elementos degenerados do grupo governante e uma absorção dos elementos ativos dos grupos não governantes daria ao sistema uma estabilidade sempre renovada, evitando revoluções e convulsões sociais. A leitura que o sociólogo de Lausanne fazia desse fenómeno social era, portanto, francamente positiva e não deixava de ser prescritiva. A circulação das elites não seria apenas um facto. Seria um facto desejável.

Gramsci tratou desse fenómeno social na sua análise do transformismo. O transformismo difundiu-se na cultura política italiana durante o governo da sinistra storica de Agostino Depretis, e a incorporação à gestão estatal dos elementos ativos e progressistas da sestra storica no ano de 1882, formando um bloco moderadamente reformador que impediu a ação política dos grupos mais radicais no Parlamento.14 A primeira vez que Gramsci utilizou as expressões “classe dirigente” e “elites” nos seus Quaderni foi, justamente, para discutir o fenómeno do transformismo do Partito d’Azione:

 

Os moderados continuaram a dirigir o Partito d’Azione mesmo depois de [18]70 e o “transformismo” é a expressão política dessa ação de direção; toda a política italiana de [18]70 até hoje é caracterizada pelo “transformismo”, isto é, pela elaboração de uma classe dirigente nos quadros fixados pelos moderados depois de 1848, com a absorção dos elementos ativos, tanto das classes aliadas como das inimigas. A direção política torna-se um aspecto de domínio, enquanto a absorção das elites das classes inimigas produz a decapitação destas e a própria impotência. Pode-se e deve-se ser uma “hegemonia política” mesmo antes de ir ao Governo e não se precisa de contar somente com o poder e a força material que este poder dá para exercer a direção ou hegemonia política. Da política dos moderados aparece clara esta verdade e é a solução desse problema que tornou possível o Risorgimento na forma e nos limites nos quais ele ocorreu, de revolução sem revolução [ou de revolução passiva segundo a expressão de v. Cuoco] [Q1, § 44, p. 41. Itálicos nossos].

 

O transformismo, sem dúvida, deu estabilidade às elites governantes da península. Mas essa foi, para Gramsci, uma estabilidade conservadora, na medida em que consolidou os quadros políticos nos quais se processou a unificação italiana, ou seja, na medida em que deixou irresolutas a questão agrária, a questão meridional e a questão vaticana, três problemas profundamente interligados. A forma que assumiu a hegemonia política dessas elites governantes, a revolução passiva, por outro lado, valorizou os meios de dominação em detrimento daqueles de direção.15 A absorção de dirigentes das classes subalternas ao grupo dominante, a paretiana circulação das elites, teve como consequência o passivismo dessas classes subalternas.

Romper com o passivismo destas classes era um problema que o próprio partido deveria resolver. Segundo Gramsci, uma vez que “existem dirigentes e dirigidos, governantes e governados, é verdade que os partidos são até ao momento o modo mais adequado para elaborar os dirigentes e a capacidade de direção.” (Q15, § 4, p. 1753). Mas no próprio partido esta distinção reproduzir-se-ia como um “facto técnico”. Como, então, criar condições para o desaparecimento desta situação? A questão não era apenas meramente técnica e dizia respeito aos fins do partido e aos meios mobilizados para a realização dos objetivos últimos. Para superar a distinção entre governantes e governados, dirigentes e dirigidos não faria sentido reforçar essas mesmas distinções no interior do partido. Criar as condições políticas para a superação destas significava, também, recusar o princípio da obediência automática aos chefes.

Gramsci parece, neste ponto, avançar uma crítica ao estalinismo. A crença pelos chefes de que as coisas deveriam ser feitas simplesmente porque eles as julgam justas e racionais era denominada por Gramsci de “cadornismo” e este implicava um “hábito criminoso de negligenciar os meios de evitar os sacrifícios inúteis” (idem).16Tratava-se de um hábito criminoso porque produzira a maior parte dos desastres coletivos do último século. Que expressão poderia sintetizar melhor o advento do estalinismo do que a de “desastre coletivo”? Como era hábito, Gramsci tratava o tema da União Soviética de modo cauteloso e metafórico. Mas esse modo não abafava o eco daquela carta que escreveu ao Comité Central do Partido Comunista da União Soviética, em 1926, na qual exigia que a sua maioria não procurasse vencer a oposição de “modo esmagador” nem utilizasse “medidas excessivas” (Gramsci, 1992, pp. 461-462).

 

CONCLUSÃO

 

A relação de Gramsci com as ideias de Pareto foi marcada por permanências e ruturas no interior de uma tradição realista maquiaveliana. A herança comum deste realismo foi responsável por algumas extraordinárias continuidades temáticas e afinidades conceptuais.17Entretanto, a despeito destas, o realismo maquiavelista abrigou profundas desigualdades. Pareto era um liberal conservador, Gramsci um comunista revolucionário. Contudo, segundo Zarone, não é necessário ser reacionário para ser realista em política, nem é necessário ser conservador para admitir o problema histórico da ordem. A necessidade da ordem representa sempre um limite às realizações políticas de liberdade, igualdade e emancipação social (Zarone, 1990, p. 250). Por esta razão, este é o campo de confronto em que as diversas e opostas teorias se encontram. Foi neste sentido que se afirmou aqui que Gramsci e Pareto, igualmente apoiados no realismo de Maquiavel, estavam empenhados na (re)formulação de uma ciência política. A natureza das suas explicações para o problema histórico da ordem, cerne da teoria das elites, era o que lhes emprestava o caráter polémico.

Embora ambos os autores enfatizassem a realidade da divisão entre governantes e governados, as consequências teóricas e políticas dessa ênfase eram muito diferentes e em alguns casos opostas. Como se apontou acima, Pareto pretendeu produzir uma teoria científica da estabilidade e do equilíbrio social. Gramsci, por outro lado, procurou desenvolver uma análise histórica das transformações políticas. O confronto analítico entre essas duas vertentes expõe o conflito entre as versões positivista e antipositivista do realismo maquiavelista, as quais marcaram o pensamento político e social italiano no final do século XIX e início do XX. Enquanto a primeira versão produziu um método lógico-experimental com forte viés cientificista, a segunda revalorizou uma longa tradição historicista italiana inaugurada pela cultura renascentista.

Por outro lado, o desacordo teórico-político entre Gramsci e Pareto torna-se patente na esfera de análise das minorias governantes e da permanência destas ao longo da história. A teoria das elites, deste modo, configurava-se como campo de confronto e prova dos métodos de Gramsci e Pareto. Para o professor de Lausanne, a realidade da divisão entre governantes e governados em toda a história por si só constituiria prova cabal da sua hipótese da divisão do género humano entre aqueles que possuem capacidades de governo e aqueles que possuem a necessidade de serem governados. Enquanto para Gramsci, a existência histórica das elites governantes era prova incontestável da existência do conflito social e da efetividade da ação política dos homens na história.18

Para os estudiosos do pensamento político contemporâneo, acostumados a identificar a ciência política com a forma que esta assumiu predominantemente nos Estados Unidos, Pareto e Gramsci podem servir como contrapontos. Paralelamente à institucionalização dessa ciência no continente americano, desenvolvia-se, em Itália, uma tradição diversa. As origens dessa tradição são as mais nobres possíveis: o realismo maquiavelista. Um pensamento político que não recusava o conflito como seu objeto caracterizava essa tradição. Resgatá-lo pode ajudar a superar os impasses da ciência política contemporânea.

 

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Recebido a 22-12-2010. Aceite para publicação a 22-04-2012.

Notas

1 Além disto, Pareto é considerado pelos economistas um liberal clássico que fez importantes contribuições para a teoria da escolha racional, cuja aplicação na análise política de mecanismos subjacentes ao mercado alcança grande importância na ciência política norte-americana (Bellamy, 1988, p. 12).

2 Para simplificação do texto citaremos Pareto no Trattato di Sociologia Generale utilizando a letra “T”, seguida do volume de referência, do parágrafo e da página.

3 Pareto expõe essa ideia com o seguinte exemplo, “para os marinheiros gregos, os ­sacrifícios a Posseidon e a ação de remar eram meios igualmente lógicos para navegar” (T, v. 1, § 150, p. 65). Esta ação possui uma lógica segundo a crença, mas objetivamente não tem relação com o fim que propõe.

4 Lógico significa que é legítimo deduzir consequências de definições enunciadas, ou relações observadas. O adjetivo “experimental” dirige-se tanto à observação no sentido estrito do termo, como à experimentação. “A ciência é experimental porque se aplica ao real e se refere a ele como origem e critério de todas as proposições. Uma proposição que não comporta demonstração ou refutação pela experiência não é científica” (Aron, 2000, p. 375).

5 Sobre os princípios metodológicos de Pareto consultar § 69 do Trattato (T, v. 1, pp. 26-29).

6 Para simplificação do texto citaremos Gramsci nos Quaderni del Cárcere utilizando a letra “Q”, seguida do parágrafo e da página de referência.

7 No Quaderni 11, Gramsci expôs uma profunda crítica ao manual publicado pelo dirigente bolchevique em 1921 (v. também Bukharin, 1977).

8 “A filosofia do Ensaio popular (que lhe é implícita) pode ser chamada de um aristotelismo positivista, de uma adaptação da lógica formal dos métodos das ciências físicas e naturais. A lei da causalidade, a pesquisa da regularidade, da normalidade, da uniformidade, substituem a dialética histórica” (Q11, § 14, p. 1403).

9 Se o “idealismo especulativo” é a ciência das categorias e da síntese a priori do espírito, isto é, uma forma de abstração anti-historicista, a filosofia implícita no Ensaio popular é um idealismo invertido, no sentido de que os conceitos e classificações empíricas substituem as categorias especulativas, tão abstratas e anti-históricas quanto estas (Q11, § 14, p. 1403).

10 “Deve-se deixar estabelecido que toda a investigação tem o seu método determinado e constrói uma ciência determinada, e que o método se desenvolveu e foi elaborado conjuntamente com o desenvolvimento e a elaboração daquela investigação e ciência, formando com ela um todo único. Acreditar que se pode fazer progredir uma investigação científica aplicando-lhe um método tipo, escolhido porque deu bons resultados noutra investigação com a qual estava relacionado, é um equívoco estranho que nada tem em comum com a ciência” (Q11, § 15, p. 1404).

11 Gramsci elabora a análise da relação de forças nos Quaderni a partir do Prefácio à contribuição à crítica da economia política de 1859, de Marx. Diz o autor: “É necessário mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se põe tarefas para cuja solução ainda não existam as condições necessárias e suficientes, ou que pelo menos não estejam em vias de aparecer e de se desenvolver; 2) e o de que nenhuma sociedade se dissolve e pode ser substituída antes que se tenham desenvolvido todas as formas de vida implícitas nas suas relações […])” (Q13, § 17, p. 1579).

12 Para este tema consultar Q19 § 5. Nele, Gramsci analisa a produção teórica acerca do ­Risorgimento, entre as quais está a obra de Gaetano Mosca: Sulla Teorica dei Governi e Sul Governo Parlamentare, de 1884. O autor dos Quaderni executa uma espécie de classificação, procurando esclarecer que aqueles autores liberais e nacionalistas, a despeito de reivindicarem neutralidade teórica, estavam bastante comprometidos com a política. Por esta razão, expressões como: “os livros dos direitistas” ou “a literatura reacionária” são bastante comuns.

13  Segundo Valentino Gerratana, embora a obra de Mosca não tenha sido conservada entre os livros de Gramsci é certo que ele teve acesso a ela e que a consultou durante a sua prisão em Turim (Q, p. 2782). De Pareto, Gramsci possuía uma cópia de Fatti e Teorie (Firenze, Vallecchi, 1920).

14 Nos posteriores governos de Francesco Crespi e Giovanni Giolitti essa prática teria passado a ser corriqueira. Para a história do transformismo italiano v. Rogari (1998), Sabbatucci (2003) e Vander (2004).

15 Sobre o conceito gramsciano de revolução passiva v. Bianchi (2006).

16 Referência ao general Luigi Cadorna, marechal de Itália e comandante supremo do exército de 1914 a 1917. Conhecido pela sua insensibilidade perante os sofrimentos de seus subordinados comandou as tropas italianas, em 1917, na humilhante derrota em Caporetto perante os austro-alemães (cf. tb. a nota de Gramsci a respeito de Cadorna em Q, p. 259).

17 Finocchiaro (1999, p. 16) vai mais além ao considerar que Gramsci e os elitistas partilhavam uma mesma conceção, que consistiria no “elitismo democrático”, tese que não encontra amparo no argumento aqui exposto. V. também Galli (1967, p. 201).

18 Afastando-se da ideia de natureza humana, o marxista italiano distanciava-se do pensamento maquiaveliano, mas foi justamente esse distanciamento o que lhe permitiu explorar radicalmente esse pensamento e reconstruí-lo sob a forma de uma filosofia da práxis.

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