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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.193 Lisboa out. 2009

 

O que é que a política tem a ver com a transformação de si? Considerações sobre a acção política a partir da juventude

 

Lucia Rabello de Castro*, Amana Rocha Mattos*

*Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Av. Pasteur 250 – Urca, Rio de Janeiro CEP 22290 902, Brasil. e-mail: lrcastro@infolink.com.br e amanamattos@gmail.com.

 

Neste artigo discutimos como é que as práticas e o campo da acção política podem ser um modo de subjectivação para os jovens na actualidade. Por meio da análise de 19 entrevistas com jovens brasileiros do Rio de Janeiro, em que se investigou a sua militância nas escolas, universidades e partidos políticos, determinámos três aspectos centrais que qualificam o processo de construção de si pela via da política: o enfrentamento do desconhecido, a valorização da acção no presente e a gestão dos conflitos entre o público e o privado, que exigem o trabalho de totalização do campo das identificações.

Palavras-chave: juventude; política; subjectivação; participação.

 

What does politics have to do with self-transformation? Considerations on political action from the standpoint of youth

In this paper we discuss how the practices and the scope of political action can be a mode of subjectivation for young people today. By means of the analysis of 19 interviews with Brazilian youngsters of Rio de Janeiro, where their militancy in schools, colleges, and political parties was investigated, we could determine three central aspects which qualify the process of self construction through political activism: the facing of unknown outcomes, the relevance of action in the present, and the conflicts between public and private spheres, which demand totalizing the field of identifications.

Keywords: youth; politics; subjectivation; participation.

 

Introdução

O campo da política permaneceu distante da experiência juvenil, que, até à idade da maioridade civil, se construiu sobretudo no âmbito dos espaços privados ou pré-políticos, da casa e da escola. Os estudos brasileiros que em momentos anteriores analisaram a acção política dos jovens debruçaram-se sobre a sua actuação como estudante, principalmente universitário, e nesse lugar o jovem foi considerado actor político legítimo nos espaços públicos constituídos (Foracchi, 1965 e 1972; Ianni, 1968). A acção política dos jovens envolvidos em movimentos estudantis, iniciada com a maioridade, posicionou-os como interlocutores válidos no campo das disputas societárias.

A importância dos novos movimentos sociais (Halcli, 2000), assim como a reconfiguração dos espaços públicos com o avivamento de lutas e tensões na esteira das grandes transformações económicas e sociais das últimas décadas, actualizaram as forças e conflitos que configuram o campo da política. No que se refere mais especificamente à juventude, a condição estudantil, importante balizador da identidade jovem, dada a centralidade do mundo do trabalho na definição das posições dos sujeitos na sociedade, viu-se modulada por outros modos de subjectivação juvenil propiciados pela cultura do consumo e pelos valores e crenças por ela propagados (Costa, 2004). Os modos de construção da subjectividade juvenil no mundo contemporâneo sobrepõem à reduzida via oferecida pelo estudo continuado outras possibilidades de identificação e sociabilidades, tais como aquelas encontradas nos grupos de pares que encenam estilos de vida e identidades provisórias. Neste sentido, a condição do jovem, não apenas como estudante, tornou-se visível, carregando consigo diferentes injunções e demandas face aos outros grupos sociais. Nos últimos anos temos visto uma crescente mobilização e organização de grupos juvenis, seja a reboque de uma indução governamental para que esse segmento “levante as suas bandeiras” (Novaes et al., 2006), no intuito de influir e subsidiar as políticas públicas, seja por conta de uma percepção mais aguçada dos jovens a respeito de “direitos específicos” (Ibase/Polis, 2007) a serem conquistados ou preservados no contexto da nova ordenação jurídica estabelecida pela promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.

Podemos então perguntar como é que as novas formas de associação e organização juvenil, assim como as novas percepções dos jovens a respeito da sua posição na sociedade, modificam a maneira de se aproximarem e vislumbrarem o campo da política. Diante de múltiplas possibilidades de construção de si e das suas trajectórias de vida, dadas as incertezas que emolduram o agir no mundo contemporâneo, como será que os jovens constroem hoje o campo da política, entendido como a arena de antagonismos e lutas onde se disputam projectos e valores da vida em comum (Mouffe, 2005)? De que formas o campo da política pode atrair os jovens e convocá-los, configurando-se tanto como uma arena de práticas como também um modo de os jovens se constituírem como sujeitos? As nossas perguntas vão na direcção de inquirir o campo das lutas que são travadas na esfera pública a respeito de que mundo quer construir o campo que se denomina política (Mouffe, 1993). Queremos entender se esse campo pode, em algum momento da trajectória dos jovens, ganhar um sentido especial e interpelá-los quando, então, a construção de si mesmo converge e se sustenta nas práticas do agir político[1]. Nesse sentido, importa examinar de que forma, frente aos reposicionamentos do lugar dos jovens no mundo contemporâneo, se produz um “desejo pela política” quando um campo objectivado de práticas sociais interpela o sujeito como algo que enforma a sua verdade[2]. Assim, neste trabalho pretendemos examinar como é que o campo da política pode oferecer dispositivos de subjectivação para os jovens de hoje, situando-se como um modo, entre outros, de produção da subjectividade juvenil.

Verifica-se, sem dúvida, que os jovens se sentem convocados por uma pluralidade de solicitações: de estudo e profissionalização (CEPAL, 2004), de trabalho (Korman, 2007), de realização de si (Mattos e Castro, 2008), de experimentação de si e do mundo (Pais, 2001; Ronsini, 2007), de participação (Forbrig, 2005; Vulbeau, 2001). Tais demandas organizam-se em práticas e discursos que ampliam os modos pelos quais os jovens constroem as acções e narrativas sobre si mesmos, na busca de se individualizarem e de se produzirem como sujeitos singulares. Neste trabalho analisaremos também a forma como a política se pode constituir como um espaço de práticas e discursos que incide sobre a própria transformação adolescente do jovem, ajudando-o na passagem de uma identificação limitada à família e aos conhecidos para uma identificação geral no social.

Os jovens são considerados aqui como pertencendo a uma categoria social determinada pelas condições históricas e culturais em que vivem; ocupam um lugar específico na estrutura social e geracional que privilegia formas particulares da experiência social (Mannheim, 1967). Neste sentido, entendemos que a construção de uma “identidade juvenil” se estrutura em estreita relação com as condições sociais mais amplas que qualificam a experiência das novas gerações e através da diversidade introduzida por outras variáveis, tais como o género, a raça, a classe social e o local de morada, que diversificam a experiência geracional. Portanto, a experiência de ser jovem hoje resulta, simultaneamente, do cruzamento de uma certa homogeneidade de condições culturais e históricas que organizam o processo de subjectivação dos indivíduos de uma determinada faixa etária e da heterogeneidade dos contextos particulares que pluralizam os modos como tal processo ocorre. Além disso, como nos lembram Rattansi e Phoenix (1997), a identidade juvenil está atravessada por uma pluralidade de discursos com referência às múltiplas posições que os indivíduos ocupam, alguns deles contraditórios entre si. O que parece importante então é o modo como os jovens mesclam elementos de várias posições subjectivas e as integram no processo de construção das suas próprias identidades.

 

Subjectivação Política: desmancho identitário sob a égide da igualdade

O processo de subjectivação política não se inaugura na maioridade civil, quando a lei autoriza, e, no Brasil, obriga, os jovens ao voto. Entendemos este processo como uma construção a partir de deslocamentos subjectivos desencadeados por enfrentamentos ocorridos tanto nos espaços privados da família como na escola, na rua e na cidade. A “operação adolescente” assinala, na juventude inicial, o processo gradual da ancoragem de si num raio mais amplo e diverso de práticas sociais e discursos, evidenciando tanto uma busca de novas identificações como a ressignificação das experiências anteriores que cada jovem carrega consigo. Mas antes mesmo de tal operação assumem relevância no processo de subjectivação política as possibilidades anteriores de participação do indivíduo nas decisões que envolvem tanto a sua vida como, de maneira crescente, a sua em conjunção com a dos outros. São situações que requerem a construção de colectivos em que se visa acordar o que as pessoas querem construir juntas e onde se quer chegar na acção conjunta. Na escola, por exemplo, as crianças têm de enfrentar situações que as colocam diante de colegas bastante diferentes em termos de opiniões, hábitos, valores, como também de aparência física. Nesses momentos, elas têm de aprender a negociar e a dialogar, assim como a viver e a lidar com conflitos e tensões inerentes à convivência social, em prol de tarefas e objectivos comuns. Frequentemente, tais conflitos e tensões são considerados mais como perturbações da ordem vigente e impedimentos ao trabalho escolar do que como experiências de aprendizagem. No entanto, a escola oferece às crianças oportunidades ímpares de subjectivação política. Aqui são confrontadas e provocadas pelas dificuldades que emergem nas relações entre iguais (os seus pares), ao mesmo tempo que têm de lidar com o difícil exercício da participação em colectivos hierarquizados (Xavier, 2008), atendendo à posição subalterna em que se encontram face aos professores e adultos em geral.

O processo de subjectivação política não deve ser visto como uma aprendizagem de capacidades sociais e cognitivas que visam o eficiente estabelecimento de acordos e o manejo dos conflitos. Não se trata de uma “capacitação” em que o indivíduo adquire atitudes para viver melhor com os outros. Referimo-nos ao processo em que os sujeitos se dispõem a serem afectados por situações, nem sempre previsíveis, da convivência, dele esperando um sentido para as suas experiências e uma forma de as poderem comunicar aos outros. Concomitantemente, são também relevantes os recursos institucionais de que os indivíduos dispõem para expressar sentimentos, desejos e opiniões frente aos outros (Castro, 2007). Deixar-se afectar gera deslocamentos internos ao eu (tensões) que podem constituir-se como dispositivo de autoconhecimento e de conhecimento dos outros. As identificações colectivas forjadas na construção de causas e objectivos a serem descobertos e compartilhados no entremeio dos conflitos e choques das vontades individuais constituem uma parte fundamental deste processo. É Critchley (2007, p. 119), reflectindo justamente sobre o processo de formação de uma “vontade comum”, quem aponta a importância de um momento metapolítico para a acção política que não depende da astúcia da razão, mas da experiência ética de responsabilidade frente ao outro, fundada na possibilidade de se deixar mobilizar radicalmente pelo outro e que, dividindo e desdobrando o eu, jaz no cerne da subjectividade humana.

Ao pensar o processo de subjectivação política como algo distinto do que se convencionou chamar “comportamento político” (que se expressa no voto, por exemplo), o seu âmbito inflecte-se para os espaços considerados como não convencionalmente políticos, como a escola, abarcando práticas e actores não convencionais, assim como o que não está instituído formalmente. Quem nos ajuda a pensar a política fora do seu enquadramento convencional é Rancière (1996), que distingue o modo próprio da racionalidade política como aquele que estabelece divisões no mundo comum, apontando para outras formas de ser e agir emuladas pelo valor universal da igualdade. Este autor distingue a política da “polícia”, sendo esta última entendida como sinónimo de governança, ou seja, como “o conjunto de processos pelos quais se operam a agregação e o consentimento das colectividades, a organização dos poderes e a gestão das populações, a distribuição dos lugares e das funções e os sistemas de legitimação dessa distribuição” (1996a, p. 372); por sua vez, a política, em sentido estrito, é considerada como a perturbação da ordem vigente pela dissensão, cuja proposta é verificar as condições da suposição de que todos são iguais, questionando a distribuição posta dos espaços privados e públicos, daquilo que convém tratar-se aí, de quem deve estar nesses lugares, quem pode ou não pertencer à comunidade política. Nessa perspectiva, o sujeito político (entendido como “em acto”, e não como uma entidade) é aquele que opera uma desclassificação da realidade, porque introduz um litígio sobre algo que deveria ser tornado visível e levado em conta, mas não o é. A subjectivação política consiste, portanto, “na formação de um eu, não como um si mesmo, mas como uma relação de um si para um outro” (Rancière, 1995, p. 66), em que o que está em jogo é uma disputa sobre a igualdade, produzindo contestações sobre a ordem identitária vigente. A lógica da emancipação conduz inexoravelmente a um desmancho identitário, à criação de um “espaço entre”, em que se articulam identificações que ainda não estão postas e que, sob o ângulo do status quo, pareceriam equivocadas, pois levam à desordem nas classificações identitárias existentes.

Concordando com este autor, mas situando-nos na perspectiva da construção subjectiva, propomo-nos pensar o processo de subjectivação política como o gradual alargamento do campo de identificações, as quais criam disjunções e tensões internas, alterando caminhos identitários previsíveis e dados. A “lógica do outro” (Rancière, 1995) aplicar-se-ia à trajectória individual por meio da abertura a “identificações improváveis”, pois introduziriam articulações não antecipadas, tendo em vista as disputas sobre a questão da igualdade. Tal processo faz implodir as demarcações etárias que determinam que as crianças e os jovens não possam participar politicamente na sociedade antes da maioridade, já que a vigência da política se daria a partir da inserção de qualquer um no mundo da linguagem e do outro. A subjectivação política relaciona-se, portanto, na experiência individual, com as vicissitudes do campo identificatório, ou seja, de como acontecem e são resolvidas, na trajectória de cada um, as questões emergentes da relação entre o “eu” e o “outro” vistas sob a égide da emancipação. No caso das crianças e dos jovens, por exemplo, tal processo estaria em curso nas situações em que lhes é requerido que ajam em conjunto com os outros, vivendo, trabalhando e relacionando-se com os demais na produção de um mundo em comum, ou quando irrompem questões referentes à justiça, à igualdade e ao que vai mal, cuja resolução é feita sem recurso ao poder dos adultos ou à normatividade vigente.

Assim, subjectivar-se politicamente implica romper determinações a respeito de quem está ou quem não está credenciado para ser um sujeito político, pois é na contestação da ordem identitária jurídico-social que o momento de subjectivação política se realiza. Do mesmo modo, a repartição entre o que constitui o mundo público e o mundo privado, o que deve implicar todos e o que deve ser deixado de lado, também é colocada em questão, pois é justamente em torno das disputas acerca dos credenciamentos que se esboçam os novos espaços de negociação e controvérsia. Aquilo que se considera como importante para todos, o mundo público, passa a ser disputado na medida em que outros valores, interesses e questões que não estão colocados se tornam causa e objecto das lutas (Costa, 1997).

Neste sentido, é interessante notar que a visão habermasiana de uma esfera comum, distinta da privada, coincide com a postulação de uma anterioridade da última em relação à primeira no curso da vida individual (Döbert, Habermas e Winkler, 1987). Os indivíduos estariam aptos a ingressar na vida pública após um período preparatório necessário para assumirem esta posição. Ou seja, o espaço público, distinto do privado, estaria aberto à acção dos indivíduos no momento da sua maioridade, a qual determina, assim, um antes e um depois na possibilidade de acção pública. Ao demarcar-se uma fronteira unívoca que separa o mundo comum do privado, estabelecem-se igualmente as prerrogativas distintas de quem detém, ou não, a capacidade do agir político. Defendemos tal posição em conjunto com outros autores que questionam se tal divisão não estaria a excluir do mundo público a pluralidade e a particularidade (Mouffe, 2002; Young, 2000) ou valores alternativos necessários à convivência comum (Boling, 1991; Honig, 1996).

Analisaremos, a seguir, a forma como a política pode contribuir para as transformações dos jovens, na medida em que, para muitos deles, a construção de si mesmos converge para o campo das disputas e lutas acerca da própria transformação societária e dos valores e princípios que deveriam guiar a convivência comum e os seus destinos. Essa busca dos jovens enraíza-se nas situações e práticas em que estão inseridos, seja a escola, para os mais novos, seja outras instituições e associações que passam a frequentar, à medida que se tornam mais velhos.

 

Transformação de si, transformação societária: o que os jovens têm a dizer

Na secção que se segue vamos analisar os depoimentos de 19 jovens[3] de ambos os sexos entre os 16 e os 25 anos, colhidos por meio de entrevistas semiestruturadas, a respeito da sua inserção em movimentos de militância nas escolas, universidades ou em partidos políticos.[4] O objectivo das entrevistas foi inquirir como é que os jovens se colocavam em relação às suas escolhas de participarem em algum movimento, instituição ou associação cujos objectivos se relacionassem com a mudança social. Para chegarmos aos 19 entrevistados procurámos entrar em contacto com grémios de colégios públicos e particulares, associações do movimento estudantil e partidos políticos que tivessem alas voltadas para a militância juvenil. O critério para serem incluídos foi a disponibilidade para uma entrevista sobre a sua militância. Muitas vezes o nosso jovem de primeiro contacto na instituição foi o jovem entrevistado. Outras vezes tivemos de procurar contactos com jovens cujos conhecidos estavam envolvidos em algum movimento ou colectivo. Procurámos misturar participantes cujo envolvimento com a militância fosse recente, com alguns outros em que esta fosse já de mais longa data.

Quatro desses jovens pertenciam a associações estudantis (UBES, AMES, UEE, UJS[5]), quatro pertenciam a directórios estudantis universitários (CAs, DCEs[6]), quatro a grémios estudantis nas escolas e sete a partidos políticos (PT, PSDB, PSOL, PDT[7]). Com excepção de uma, as entrevistas foram individuais; a única que foi realizada com três jovens simultaneamente ocorreu com os jovens de um partido político, porque os três desejaram ser entrevistados, e aconteceu estarem todos no local no momento em que surgiu o convite para a entrevista. Todas as entrevistas foram realizadas nos locais escolhidos pelos próprios jovens, em geral nas escolas (para os gremistas), nas universidades e associações estudantis ou na sede dos partidos políticos. O roteiro das entrevistas incluiu perguntas sobre a forma como os jovens retratavam a sua trajectória de actuação nos grupos a que pertenciam, desde as suas motivações até aos encontros que foram significativos para o ingresso nesses grupos, como descreviam as inflexões da sua vida pessoal, como analisavam a sua actuação nos grupos e as dificuldades e frustrações de aí estarem. Fizeram-se também perguntas sobre as suas ideias acerca da transformação da sociedade, por que projectos e regimes políticos tinham preferência, qual a sua visão sobre a democracia e representatividade política, como viam as possibilidades de actuação política hoje e no futuro e que considerações podiam fazer sobre a juventude como um todo.

De um modo geral, os jovens entrevistados são provenientes das classes médias (média e baixa), ainda que este aspecto não tenha sido particularmente tematizado na entrevista. No entanto, julgando pelas oportunidades educacionais que tiveram, a sua origem social, local de morada e nível educacional dos pais, os jovens entrevistados podem ser considerados como tendo podido usufruir, em maior ou menor grau, de um tempo longo de estudos (até, pelo menos, ao nível secundário) sem que a pressão pela sobrevivência os tenha forçado a assumir precocemente o lugar de trabalhadores. Considerar esse aspecto é importante para a nossa análise, pois a participação política pode ser particularmente difícil para aqueles que estão pressionados pela demanda de ganharem a sua sobrevivência ou contribuírem para a da família. No entanto, algumas pesquisas têm mostrado (Ibase/Polis, 2007, p. 38) que desde a década de 70 mudou significativamente a composição dos actores sociais juvenis no âmbito dos movimentos juvenis, de jovens da classe média para a dos sectores populares. Neste sentido, parece possível afirmar que a participação social e política dos jovens — nos diversos âmbitos e modalidades — se tem constituído como outro momento e oportunidade, assim como o trabalho e a escola, para que o jovem possa aprender, conhecer-se, afirmar o que quer e ampliar os seus horizontes sociais e culturais.

Cabe ressaltar também que a opção de reunirmos, neste mesmo universo de análise, membros de grémios, do movimento estudantil e dos partidos políticos enfatiza o carácter de participação em organizações claramente institucionalizadas, que convivem com hierarquias na sua estrutura e possuem uma forte ligação com projectos políticos mais amplos. Mesmo que a participação em grémios estudantis possa parecer mais próxima do quotidiano de um jovem do que a pertença a um partido político, a opção de se ser gremista não pareceu ser uma escolha mais fácil, como nos foi mostrado pelos entrevistados. Sobretudo, as trajectórias de muitos jovens activistas em partidos políticos, neste e noutros trabalhos (Souza, 1984; Martins Filho, 1987), iniciam-se nos grémios estudantis das escolas, havendo, portanto, uma certa solução de continuidade em tais escolhas. Essas características distinguem esses grupos de militantes de outros, também entrevistados neste projecto, cuja aposta os conduziu ao envolvimento em ONGs, movimentos sociais ou associações locais, organismos muito menos institucionalizados, com vínculos mais horizontalizados e que não possuem uma clara vinculação com o tema da política institucional.

Três dimensões analíticas significativas puderam ser extraídas das entrevistas, tendo em vista a questão colocada anteriormente, a saber: de que forma a compreensão de si próprio e do seu lugar no mundo atravessa hoje o campo da construção de uma acção política em determinados colectivos, tais como grémios, associações estudantis ou partidos políticos, ou ainda como é que a construção de si no encalço das identificações extrafamiliares encontra sentido nas práticas do agir político, que se enreda em crenças e projectos de transformação societária.

 

“Flartando com o desconhecido”: identificações tortuosas com o campo da política

Discutimos neste tópico o modo como a aproximação dos jovens ao mundo da política se processa de modo hesitante, e mesmo ambivalente, dando origem a uma construção narrativa retrospectiva que tendeu a realçar estes movimentos de aproximação e distanciamento em relação à política até culminarem na adesão a um tipo de acção. Portanto, mais do que a tentativa de identificar factores pontuais que teriam causado essa escolha, interessou-nos a construção do entrelaçamento entre o subjectivo e as condições objectivas da vida de cada jovem, quando, então, o que era percebido como “exterior” passa a ser considerado como parte da própria vida do jovem. É importante ressaltar também que a natureza da metodologia do presente trabalho favoreceu a investigação das noções de “política”, “participação” e “motivação”. Tanto nas perguntas das entrevistas semiestruturadas como nas respostas dadas pelos jovens, esses sentidos puderam ser trabalhados, repensados e ressignificados sem a rigidez usual dos questionários de perguntas fechadas. Na análise das narrativas pudemos constatar como os sentidos para as perguntas são parte de um processo de elaboração dos próprios entrevistados, que utilizaram a situação da entrevista como mecanismo de autoconhecimento. Por outro lado, a análise que fizemos das suas narrativas não tem a pretensão de delimitar factores determinantes, ou comportamentos que correspondam a um padrão nas trajectórias juvenis, mas de assinalar como acontecem os caminhos da acção política na vida de cada jovem e a tensão resultante das escolhas identificatórias que lançam os jovens num campo que ainda é para eles desconhecido. Neste sentido, a presente pesquisa lança luz sobre aspectos biográficos, debruçando-se sobre as transformações subjectivas relacionadas com a adesão à acção política, ao contrário do que têm feito outras pesquisas brasileiras orientadas para análises amplas, através do recurso a bases de dados quantitativas sobre a participação social e política de jovens, como as de Venturi e Bokany (2004), Castro e Vasconcelos (2009) e Krischke (2005).

Os entrevistados trouxeram histórias de vida bem diferentes, assim como variados foram também os seus caminhos até chegarem aos grupos a que pertencem. Nessas trajectórias individuais algumas pessoas surgem como figuras significativas no envolvimento político dos entrevistados, favorecendo a ampliação das identificações do jovem com grupos sociais mais amplos, além do seu círculo familiar. Esse “outro”, que assume o papel de mediador, apareceu em muitas entrevistas na figura de um amigo ou de um professor que indicava caminhos quando estavam em questão diferentes pontos de vista e opiniões. Assim, a aproximação do jovem ao campo das lutas mais colectivas, mais amplas, fora de seu círculo familiar, pode ser facilitada pela sua identificação com alguém que assuma características que transitam entre o familiar e o extrafamiliar (como amigos, colegas, professores, etc.):

Eu estudava em outro colégio, eu era representante de turma desde a quinta série [...] e nesta turma eu conheci um rapaz que fazia movimento de oposição [...] eu entrei pró movimento e conseguimos reactivar o grémio [Luciana, presidente de um grémio e militante do PT].

A aproximação de Luciana a esse rapaz não foi meramente ideológica. Apesar de a jovem não nos dar muitos detalhes, ao falar posteriormente da sua entrada no Partido dos Trabalhadores, afirma que o seu envolvimento se deu através dos seus conhecidos, amigos, e só a partir dessa aproximação afectiva ela pôde “encantar-se” com a ideologia do PT. Outro entrevistado, Leonardo, ao contar o seu longo processo de entrada no movimento estudantil, deixa-nos entrever a importância de identificações mediadoras na sua história que lhe despertaram o desejo pela política. Ele também sinaliza como a aproximação ao mundo da política estudantil se deu de maneira fortuita e experimental. Não se tratou de uma adesão planeada, linear e racional, mas de um somatório de contingências que o levaram, enfim, a tomar a decisão de uma escolha por um movimento organizado:

Quando eu morava em Petrópolis ainda, eu conheci um professor que era de um partido político... Aí ele me chamou para uma reunião. Aí eu fui para a reunião... Achei legal... Me filiei àquele partido, na época, quer dizer, quase me filiei, mas não tinha ficha. Aí, depois o partido não se reuniu mais... Aí eu mudei de colégio, né, aí esqueci o professor e o professor esqueceu de mim [...] Aí conheci um cara da minha sala que queria montar o grémio, que era da UJS e dessa coisa da chapa para montar o grémio, e tal. Aí eu topei, eu entrei na chapa do grêmio e aí ganhamos a eleição do grémio, fiz parte do grémio. Aí, depois, isso em Petrópolis, né, aí eu mudei de colégio de novo. Aí, no ano seguinte eu estava no 2.º ano do ensino médio, aí montei uma chapa de grémio, aí eu e o pessoal ganhamos a eleição do grémio. Aí eu fui para uma entidade... a Associação Petropolitana de Estudantes [Leonardo, integrante da UJS e da UEE, itálicos nossos].

O convite do professor e a “quase filiação” num partido são citados pelo entrevistado como o início do seu percurso político. No entanto, a ficha de inscrição não estava disponível, o partido não se voltou a reunir e houve mudanças de colégio e encontros fortuitos: tudo isso torna este percurso errático, como se as contingências pudessem levar o jovem a outros destinos. A expressão de que houve esquecimentos tanto da parte do jovem como do professor ressalta o desmentido paradoxal que a trajectória do jovem fornece. Ou seja, na verdade, o aluno não se esqueceu totalmente do professor, que reaparece na narrativa como presença importante na sua história, como ponto de inflexão para o que aconteceu depois, e para a sua entrada para a associação de estudantes; mas, por outro lado, o esquecimento foi “real”, na medida em que não determinou o curso dos acontecimentos, que poderia ter sido outro caso não houvesse outras contingências favoráveis.

A ideia de uma consciencialização prévia à adesão a um movimento organizado, resultante de uma clareza ideológica em relação a um projecto político definido, não parece encontrar respaldo nos depoimentos dos entrevistados. As identificações com os amigos, colegas ou professores falam-nos da importância da identificação com o outro que pertence a um mundo diferente e que acena para o jovem como portador de algo que merece ser conhecido.

O que queremos evidenciar é que nas narrativas dos jovens, expresso com maior ou menor clareza, o ingresso no movimento organizado dá-se por meio de uma experimentação e de um exercício incerto na busca de algo (uma nova experiência, a participação num outro grupo, o conhecimento de pessoas diferentes que fazem coisas diferentes) e também no desejo de algo que seja transformador na sua vida, ainda que os jovens não consigam antecipar como pode essa ser modificada. Neste sentido, os seus actos são experimentais e, como diria Arendt (1995), assaltam o indivíduo, tomam-no sem uma antecipação clara da finalidade da sua acção. O agir na direcção do desconhecido significa a aposta em descobrir o sentido e a eficácia da sua acção no depois, a acção a precipitar, “aos poucos”, os acontecimentos.

Para o jovem Francisco, a entrada no grémio estudantil aconteceu “de vez”, efectivamente, após a brincadeira de uma amiga que precipitou os seus movimentos de lenta aproximação à agremiação:

Eu meio que era da galera do grémio antes de me... de entrar de vez. É que eu sempre falei com todo mundo e sempre tive muita facilidade de conhecer as pessoas e fazer amigos: conhecia o pessoal da gestão antiga, conhecia o pessoal da gestão nova. Aí uma amiga me zoou: “por que você não entra pra chapa logo e faz parte do grémio de vez?” e eu já tava pensando nisso mesmo, então decidi entrar. É porque eu já ajudava sempre, já participava, mas não podia votar na questão dos gastos, por exemplo. Essas coisas mais importantes eu acabava não participando porque isso é responsabilidade das pessoas do grêmio mesmo. Aí eu resolvi entrar e o pessoal me deu a maior força porque eles sabiam que eu ia ajudar de verdade [Francisco, integrante de um grémio].

Francisco hesita, pondera, participa sem se comprometer de facto, até “decidir entrar de vez” num grupo que, apesar de não lhe ser totalmente desconhecido, tinha uma prática diferente. A sua hesitação inicial perante a sugestão da amiga, bem como as suas ponderações, sinalizam a ambivalência com que se aproxima desta experiência, desejada, mas talvez temida, e, finalmente, a sua decisão de entrar no grémio exterioriza o desejo que é incitado.

Assim, o resgate das trajectórias cujos desenlaces se realizam na adesão a uma “causa” mostra o momento ambivalente e incerto, no âmbito do contexto ampliado das identificações a um outro que lhe acena com um mundo ao qual o jovem ainda não pertence, ainda que flarte com ele. Notamos na ambivalência das identificações com esse outro — em geral um amigo, colega ou professor — as aproximações e as distâncias, o desejo e o não-desejo de ir além do que se conhece e poder experimentar situações inéditas. Daí o carácter tentativo da acção, que procura experimentar antes de um comprometimento mais formalizado.

Nesta linha de argumentação, analisamos como a família, nas múltiplas referências que os jovens lhe fazem, pode aparecer com um possível, mas não necessário, elemento favorecedor das escolhas pela actuação política. Ao analisarmos cuidadosamente as respostas, percebemos que os caminhos narrativos construídos para falarem dessas experiências são múltiplos e trazem conteúdos e significados muito diversos. Os relatos dos jovens em relação às histórias dos pais são muitas vezes ambivalentes, mostrando quer a figura do pai ou da mãe imaginariamente marcada pela actuação política, quer uma imagem em que o envolvimento político dos pais é visto como negativo, inadequado ou obsoleto, o que não favorece o jovem para encontrar o seu próprio caminho na política:

Eu tenho um lado emotivo muito forte. Eu acho que eu lido com política de forma muito emotiva, choro muito, aí eu tenho que sair para conversar com meus amigos, tomar um sorvete... sabe? A situação é muito complicada, porque meu pai, que eu falei anteriormente, é muito frustrado com política e tudo mais, e hoje em dia não faz mais nada. Eu tento não ficar frustrada [Luciana, presidente de um grémio e militante do PT, itálicos nossos].

No seu depoimento, Luciana associa imediatamente a sua escolha à figura do pai, ex-militante, mas faz também questão de dizer que tenta ser diferente do pai, como se tivesse de se distanciar da sua trajectória para evitar um destino semelhante.

Num outro exemplo, João conta como o pai lutou contra a ditadura no movimento estudantil na sua juventude para relacionar esse facto com a sua própria trajectória, em que só foi levado a participar nas lutas estudantis quando foi expulso por um coronel do colégio onde estudava. Neste instante, João deixa-nos perceber como tal situação disruptiva promoveu a ressignificação na sua vida das lutas políticas do pai, mobilizando a sua emoção frente ao acontecimento (a expulsão do colégio) na direcção de um envolvimento político:

Antes eu já participava do movimento estudantil na escola, no 2.º grau. Foi bem legal quando eu entrei, foi curioso. Meu pai já fez parte do movimento estudantil na década de 60 contra a ditadura. Ele foi presidente do DCE. Eu fui expulso da escola por causa de trote no 2.º grau e nunca tive muita participação política, era novo. Fiz até campanha para o Lula antigamente, mas muito naquela coisa do oba-oba, na graça, do que propriamente algum tipo de engajamento. Só que aí quando eu fui expulso, na época, a direcção da escola era um coronel. Aí resolvi me engajar, participar e daí foi [João, integrante da UBES, itálicos nossos].

Ao relatarem a sua própria história, os jovens avaliam as escolhas que fizeram e podem ver mais criticamente o que os une e o que os separa das experiências dos pais. A família, como espaço das identificações primárias, pode tornar mais próximo o campo da política para alguns, uma vez que esse é um campo distante das práticas culturais em que as crianças e os jovens estão usualmente inseridos. Se a família tornar mais próximo, acessível e inteligível esse campo, é provável que a aproximação à política se torne mais fácil (no sentido de menos árdua, menos alheia). No entanto, isso não quer dizer que os pais que actuaram politicamente favoreçam necessariamente a actuação política dos filhos, pois a experiência dos pais pode continuar a ser considerada como sendo deles, e não a do próprio jovem. Nesse sentido, a experiência dos pais, para se tornar algo passível de ser tomado como uma identificação positiva para o “aqui e agora” dos jovens, tem de ser ressignificada, sinalizando algo significativo à situação actual do jovem, para dessa maneira poder mediar o passado dos pais com a actualidade das circunstâncias em que o jovem vive.

Por outro lado, a família é muitas vezes referida como não tendo interesse algum pelo campo da política e até mesmo como uma entidade bastante crítica em relação à actuação política que os jovens empreendem. Nesses casos, os jovens precisam de afirmar a escolha pela militância como uma postura válida, que é importante para eles, ainda que a família insista em que esse tipo de acção “não leva a nada”, ou significa perda de tempo importante, como é o caso dos dois jovens abaixo:

A princípio eu não tive [apoio da família], minha mãe era uma das pessoas que dizia que não ia levar a nada, que grémio estudantil era só baderna, entre outras coisas que aquele senso comum que a sociedade impõe. Só que ao longo do tempo eu fui conseguindo provar pra minha família que não é dessa forma, que eu tenho um ideal de transformação [...] até porque sou um aluno que estudo, vou cursar um curso académico e viso também a minha emancipação [Davi, membro da AMES, itálicos nossos].

Não, minha família não tem nada a ver com política. Minha mãe não gosta, meu pai não gosta. Minha mãe não gosta que eu faça movimento estudantil, tá sempre reclamando, porque geralmente eu perco algumas aulas, às vezes não me alimento direito, passo o dia todo correndo. Então é meio complicado [Rafaela, membro de um grémio, itálicos nossos].

O exercício das actividades políticas, ao ser visto negativamente pelos familiares, exige por parte dos jovens a justificação do seu envolvimento (em relação aos pais e a si mesmos) e a defesa das suas ideias e dos seus posicionamentos num momento das suas vidas marcado ainda por tantas indefinições. Assim, compreendemos a abordagem aqui desenvolvida como distinta da oferecida pelas teorias de socialização política. Para autores como Flanagan (Watts e Flanagan, 2007; Flanagan e Gally, 1995; Flanagan et al., 2003), por exemplo, que sustentam a ideia de uma socialização política da criança e do jovem através da formação escolar, os comportamentos, opiniões e valores políticos assumidos correspondem às etapas do desenvolvimento psicológico da criança e do jovem. Os valores compartilhados pela família, a maneira como a escola estimula discussões e actividades colectivas relacionadas com a prática democrática, são considerados essenciais para a formação de um sujeito político. Contrariamente a esse processo linear, as entrevistas mostraram que é necessário um distanciamento em relação aos familiares, no que concerne a assuntos políticos, para que o jovem tome como sua a tarefa de uma definição dos seus próprios caminhos e escolhas. Mais: a identificação com os professores, como mediação com o campo da política, é marcada pela contingência, ou seja, ela não determina de antemão a probabilidade ou uma propensão do jovem para se aproximar da política, mas pode apenas, retrospectivamente, ganhar sentido e valor na construção narrativa da sua adesão a esse campo. Assim, a experiência com o campo da política pode dar-se em situações em que a escola não cumpre esse papel ou a família não parece interessar-se por essa temática. Assumindo hoje os pares uma “função fraterna” (Kehl, 2000), no sentido de apoiarem e orientarem escolhas identificatórias, a aproximação ao campo da política ganha outras mediações, como as dos amigos e colegas, que representam para os jovens o lugar do igual com quem podem identificar-se pelo facto de estabelecerem uma horizontalidade nas relações, ao contrário das identificações verticais, como aquelas relacionadas com um adulto, um ídolo ou um líder (Kehl, 2000).

Assim, na reconstrução das diversas tramas narrativas sobre a adesão ao campo político dos jovens entrevistados ressalta mais a indeterminação desse movimento, gerado pelo desejo de experimentar o novo, ainda que isso provoque angústias em relação àquilo com que se irá deparar. A experiência do outro, principalmente de alguém de fora do circuito familiar, pode favorecer a acção concreta da adesão ao campo político, o qual, inicialmente, parece ocorrer de modo tentativo e precário.

 

A acção no presente, ou buscando a consistência de ser

A busca de outros vínculos fora do ambiente familiar, ampliando os circuitos sociais e a inserção dos jovens em grupos de movimentos explicitamente políticos, aponta para uma dimensão de extraordinária importância que é o sentido da acção no tempo presente, no momento actual das suas vidas. A identificação com o campo da política ancora-se na possibilidade de agir no presente; a sensação de ser útil e de poder ser um agente transformador da sociedade relaciona-se com as possibilidades de acção que os jovens vislumbram nos movimentos políticos organizados. A política permite a reversão do tempo de “agir depois”, tão omnipresente na vida dos jovens, que adiam para o futuro uma série de decisões e realizações, para o “agir agora”. Se a busca de outras identificações move os jovens na direcção da transformação social, tais identificações encontram lugar na acção política, que lhes permite, ao mesmo tempo, trabalhar pela transformação do mundo e também conhecerem-se a si mesmos, agindo. Essa seria uma das principais potências identificatórias geradas no campo da acção política: agir e transformar(-se).

Muitos jovens relacionaram o seu desejo de mudarem a realidade e o mundo que os cerca com o seu envolvimento na política. Para que essas mudanças ocorram, a acção é valorizada: acção como prática, no presente. É a política que oferece aos jovens possibilidades de acção, conferindo-lhes a posição de actores sociais, responsáveis pelo mundo comum. Mais do que discutirem ideias, os entrevistados falaram do desejo de contribuírem para uma mudança e de que as suas acções tivessem uma repercussão e uma eficácia. É o que resume Davi, um dos membros da AMES, quando afirma: “Quero transformar como protagonista.”

O mundo da política traz a possibilidade de um fazer prático: planear e realizar reuniões, campeonatos, manifestações, ir a congressos, convencer pessoas, viajar, gritar palavras de ordem, acções directamente ligadas ao objectivo recorrentemente trazido por esses jovens de “transformarem a realidade”.

Os entrevistados falam também dos estudos e da escola, ou da universidade, como algo importante nas suas vidas actuais. Tais actividades estão relacionadas, principalmente, com uma perspectiva futura, para dar conta das suas responsabilidades enquanto “adultos”. A entrada no mercado de trabalho, a constituição de uma família, a independência económica, são passos ainda não dados ou, ao menos, não consolidados. Estes investimentos que certamente os ocupam não trazem, no entanto, a vibração que as suas narrativas contêm ao relatarem a possibilidade de agirem “agora”, a qual os posiciona como interlocutores “reais” no mundo em que vivem, podendo, com isso, fazer alguma diferença na sociedade. Neste sentido, esta possibilidade de “agirem no agora” adquire uma enorme relevância na vida dos jovens, o que nos remete para a questão dos valores professados e dos ideais da juventude brasileira.

Ainda são escassos os estudos sobre os valores dos jovens brasileiros, e um deles, realizado recentemente através da pesquisa Perfis da Juventude Brasileira (Abramo e Branco, 2005), aponta que 57% dos jovens entrevistados, numa amostra nacional de 3501 jovens, responderam que os jovens acreditam que podem mudar muito o mundo. Mesmo que seja difícil avaliar com precisão o significado de tal expressão para estes jovens, outro dado obtido pode elucidar-nos: de uma subamostra de 1150 jovens, 55% respondem que um dos valores mais importantes numa sociedade ideal seria a solidariedade. Portanto, o desejo de mudar o mundo, a cidade, ou a escola, e de criar uma sociedade solidária parece estar no horizonte de valores dos jovens brasileiros, assumindo estes então um papel de actuação concreta.

Davi, no depoimento acima citado, fala-nos dessa vontade de participar como um actor principal, efectivamente responsável pelas modificações que surgirem da sua intervenção. Francisco, por sua vez, ressalta o prazer da acção prática:

Comigo é assim, se é pra fazer, vamos fazer logo, não tem muito o que discutir, não. O que tiver de ser feito a gente combina, assim, combina enquanto está fazendo mesmo. Durante, não antes. Antes é perda de tempo, eu fico louco pra fazer logo, botar logo a mão na massa! [Francisco, membro de um grémio].

Muitos foram os exemplos dados pelos jovens que se envolvem na organização de torneios, competições e festas nas escolas, de como uma actividade trivial como a mobilização para uma competição desportiva pode adquirir fortes contornos políticos, relacionando-se com o colectivo mais amplo, as hierarquias escolares (relações entre direcção, professores, grémio, alunos) e as mudanças no status quo. O agir para produzir transformações no status quo, seja na escola, seja na sociedade, alia-se à possibilidade de introduzir um ponto de vista singular — o do jovem na produção da sociedade.

A jovem Mariana, ao falar da sua participação política, manifesta a emoção de se ver envolvida numa luta colectiva que abarca um grupo grande da sociedade, como o dos alunos da escola pública:

Tem certos tipos de coisas que te fazem, “pô legal eu estar aqui porque participei de um processo da história”. Por exemplo, a questão do passe livre em 1999 foi uma parada e assim que... Pô a gente colocou 5000 alunos nas ruas e a gente luta até hoje pelo passe-livre [Mariana, militante do PT, itálicos nossos].

O “processo da história” de que fala Mariana tem o sabor de um movimento importante no qual ela se sente participante. Importância que é considerada não somente do ponto de vista da quantidade de pessoas envolvidas (5000 alunos na manifestação), mas também da força histórica que faz valer novas ideias, novos valores e, portanto, novos destinos para a sociedade.

Para Alexandre, assim como para vários dos nossos entrevistados, o interesse pela política emerge no dia a dia da escola, como se ali, naquele ambiente, despertasse neles o desejo de mudar alguma coisa. A escola é citada por quase todos os entrevistados como um ambiente propício à descoberta do imperativo de agir em prol de mudanças sociais. Para Alexandre, por exemplo, a experiência nas aulas com os seus professores estimulou aquilo a que ele chama um “olhar mais crítico”, de modo que olhar o mundo à sua volta assume um sentido performativo, pois o olhar crítico equivale à própria acção de transformação tanto de si mesmo como do mundo, que passa a ser percebido de forma diferente:

Eu comecei a ter um olhar mais crítico pra estar debatendo, né, saber mais a fundo o que realmente está acontecendo em muitos casos e [a escola] me ajudou bastante, então foi assim que eu fui pro Movimento Estudantil [Alexandre, militante do PSOL].

Ao contar-nos a sua experiência inicial no grémio da escola, Mariana também nos fala da vontade de “fazer alguma coisa” com os amigos, que surge por estarem reunidos no espaço escolar:

[...] surgiu um sentimento entre eu e os meus amigos de que já que a gente passava o dia inteiro na escola, a gente podia aproveitar e fazer alguma coisa. E aí o grupo procurou se informar melhor e decidimos montar o grémio na escola [...] foi uma fase muito boa, porque eu saí do meu mundo, assim. Saí de Nova Iguaçu, sabe? [Mariana, militante do PT, itálicos nossos.]

A jovem revela algumas motivações significativas para a sua entrada na política. Remete para a possibilidade de concretizar algo colectivamente no grémio por meio de uma acção no presente. Interessante também é a alusão da jovem ao facto de poder “sair de seu mundo” por meio da acção política: o mundo que considerava o seu era aquele já conhecido, o do seu bairro, o da sua cidade. O “mundo da política” era o mundo do “outro”, desconhecido, que não lhe pertencia, mas que foi tornado seu por força da sua acção.

Poder agir no agora faz com que os jovens se percebam como actores na construção do mundo, e não apenas como espectadores, posicionando-os numa situação de paridade em relação aos adultos. A experiência subjectiva deixa de ser etérea e percebida tão-só “interiormente” para ganhar peso e densidade pela acção. Tal como explicitam os entrevistados, pela acção “eles são”: influem nas decisões, participam em momentos históricos decisivos, contribuem para que a história possa ter outros rumos, e assim por diante. Tal dinâmica de construção de si também pode ser encontrada nos diversos modos de participação social de jovens brasileiros que encontram na música e nas actividades artísticas um meio de evidenciar e tornar públicas as expressões colectivas, como demonstraram os estudos de Morgado e Sanches (2007), Lodi e Souza (2004) e Vianna 2003).

Se os jovens abraçam a acção política, é porque encontram no agir a potência de transformar o mundo, assim como de alcançar a sua condição de actor (e, portanto, operar uma transformação que os envolve simultaneamente a si e à realidade). Um ponto importante reside na maneira como constroem os imperativos do agir, ou o que os convoca e os torna enredados na acção. As desigualdades sociais encontradas no país parecem interpelar os jovens à participação, despertando o sentimento de responsabilidade pelo mundo que os cerca, intimando-os a fazer algo de concreto, a “botar a mão na massa”, como disse um entrevistado. Para Luciana, por exemplo, esse sentimento de responsabilização foi definitivo quando ela pensou em sair do Movimento Estudantil por causa das dificuldades encontradas:

É... eu ia passar na rua, olhar um mendigo e pensar: ‘É responsabilidade minha!’. [...] Você viver com uma culpa é muito complicado. Então, não é mais fácil, mas é muito melhor você transformar aquilo, né? [Luciana, presidente de um grémio e militante do PT, itálicos nossos].

Neste fragmento de entrevista, a visão da pobreza é ressignificada, inserindo-se no registo da injustiça que invoca a responsabilidade da jovem e que a interpela como agente de mudança. Essa percepção alia-se ao facto de poder reposicionar a sua existência e a sua acção, relacionando-a com o sistema mais amplo no qual está inserida, ao mesmo tempo que a sua biografia individual se imbrica, inexoravelmente, na história colectiva. Neste ponto, a nossa análise distancia-se da proposta por Ianni (1968) num texto clássico sobre a participação política da juventude brasileira quando afirma que os jovens adquirem a consciência (revolucionária) da opressão quando relacionam a situação de alienação (a sua ou a de qualquer jovem) como sujeitos potencialmente produtivos, embora excluídos, como resultado das contradições do sistema capitalista. Neste sentido, ao totalizarem a sua experiência de alienação como determinação de estruturas económicas mais amplas, ganham consciência da opressão. Na análise que apresentamos defendemos que é a experiência de alienação do outro que é decisiva para a interpelação e consciencialização do jovem. Neste sentido, seguimos novamente Critchley (2007, p. 87), que defende que a consciência emerge no processo de dilaceramento do sujeito frente às demandas do outro, das quais ele não pode dar conta plenamente. É, pois, frente ao outro — “infinitamente demandante” —, cuja resposta se organiza como uma responsabilidade diante da injustiça, que se pode construir uma acção política.

 A responsabilização e a culpa frente às injustiças sociais parecem mobilizar o jovem em direcções que até então aparentavam estar afastadas dos seus pensamentos, como aquela de agir para modificar o mundo ao seu redor, deslocando-o da posição de espectador. A acção política aparece aqui como auto-realização, fornecendo ao jovem uma consistência singular à condição de jovem, em geral pouco afeita às questões que atingem a vida em comum. Desta forma, ele pode perceber o mundo não como algo externo, imposto às suas acções, mas como o produto do que faz, do que deixa de fazer e do que não pode fazer (Castro, 2008).

No entanto, nem sempre a acção dos jovens leva aos resultados pretendidos. A maioria dos entrevistados fala das frustrações a respeito do que não conseguem alcançar, mesmo com todo o investimento psíquico que realizam nas actividades do campo da política. Ressaltamos que para os jovens a acção assume uma dimensão supervalorizada, já que é ela, justamente, que lhes confere expressão singular como sujeitos no mundo comum. Agir significa não apenas fazer, mas também ser. Assim, a acção política é vista pelos jovens como uma via para se sentirem “reais” (Winnicott, 1961), como uma forma de contrariarem o sentimento recorrente de que as suas vidas carecem de consistência, uma vez que tudo nelas remete ou para o passado, quando eram ainda crianças, ou para um futuro incerto, para um tempo em que se tornarão adultos. O sentimento de frustração torna mais agudos os conflitos entre a vida pessoal, cujos projectos são muitas vezes adiados, e as escolhas da acção política. A opção pela política não lhes parece fácil, uma vez que nem sempre as suas acções geram resultados à altura das suas expectativas.

 

Entre o privado e o público: totalizando o campo das identificações

A dimensão analítica que se segue ocupa-se da forma como os jovens lidam com as múltiplas solicitações que incidem sobre as suas vidas: as decorrentes da sua identificação com o campo da política, assim como aquelas relacionadas com a vida familiar, profissional e social.

Os jovens entrevistados relatam que acabam por dedicar grande parte do seu dia às actividades militantes da política, o que lhes “custa caro”, por tal opção significar perdas em relação à vida pessoal. Frente aos dilemas apresentados recorrentemente pelos jovens, pareceu-nos importante averiguar de que forma resolvem tais conflitos, que soluções encontram frente a visões concorrentes e, até mesmo contraditórias, de si mesmos e da realidade social. Noutras palavras, pareceu-nos importante saber como é que os investimentos psíquicos na vida pública e nos projectos colectivos podem encontrar sustentação, a despeito das perdas e dos conflitos engendrados por tais escolhas.

Os entrevistados falaram, sobretudo, das críticas que sofrem por parte dos familiares, de amigos e de namorado/as, as quais incidem sobre a repartição do tempo entre a vida privada e a acção militante, muitas vezes em detrimento da primeira. As críticas referem-se ao dispêndio de tempo e energia em actividades militantes, visto como muito superior ao que “deveria ser” a ocupação natural e legítima de um jovem. Em comparação com o investimento na militância, as relações pessoais de amizade ou afecto, o estudo ou o trabalho deixam de constituir a questão central da vida do jovem. Assim, na visão desses outros, o jovem militante estaria a perder o seu tempo, a gastar as suas forças com algo que “não vai dar em nada”. A ilegitimidade da opção pela política é muitas vezes também sentida pelo próprio jovem, que expressa os seus conflitos internos ao fazer tais escolhas:

E o grémio, o grémio ocupa tempo... Então às vezes eu tenho que faltar à aula para ir ao grémio, resolver coisas para o grémio [...] Eu consigo conciliar. Mas é uma coisa que pesa... [Caio, membro de um grémio].

Caio fala claramente do tempo que as actividades ligadas à militância ocupam na sua rotina. Deslocamentos e reuniões são encargos que ele tem de conciliar. Conciliar com o quê? Com outros interesses individuais que também parecem importantes, por isso mesmo o desabafo, “mas é uma coisa que pesa...”, que expressa a tensão e o conflito a serem administrados pela sua opção pela política e que lhe são cobrados não apenas pelos amigos, mas por ele mesmo. Num outro exemplo, Leonardo queixa-se de ser “sugado” pelo movimento estudantil:

A coisa mais terrível é ter que perder aula... No semestre passado, na época do Congresso da UNE, foi... terrível! [...] Muita gente reclama também que não tem tempo para a vida pessoal. O Movimento Estudantil suga o tempo demais [...] Desde quando você entra no Movimento Estudantil, você entra com muito gás, mas depois dessa euforia toda, você vai se organizando [Leonardo, integrante da UJS e da UEE].

Neste depoimento é introduzido um aspecto importante: a ideia de que com o tempo se vai aprendendo a lidar melhor com os conflitos decorrentes de demandas múltiplas e, às vezes, antitéticas. No entanto, não é apenas o tempo que pode ser aliado dos jovens, mas é fundamental a abertura para poder ressignificar os valores e modos de vida. A resolução de tais conflitos vai depender de como cada um vai articular a sua opção pela militância com o seu projecto de vida pessoal. Assim, a militância deixa de ser algo “a mais” que toma o tempo e pesa, para ser encarada como parte essencial do que o jovem faz. É o que mostra o depoimento de João:

Eu praticamente abdiquei de uma vida normal [devido ao Movimento Estudantil], de uma vida que se espera de uma pessoa da minha idade, de classe média: que estude, que faça o 2.º grau, que depois vá para a faculdade, que termine cedo e comece a trabalhar. Então, [o Movimento] se confunde muito com minha vida, mas não reclamo não, eu gosto [João, membro da UBES].

O traçado de uma “vida normal” foi deixado para trás por este jovem, como algo típico da vida dos jovens da sua idade. Mas é interessante observar, justamente, que a solução para o impasse reside no facto de a militância passar a “se confundir muito com a vida” e, portanto, a separação entre lutar pela sobrevivência individual e lutar pela transformação social pode “misturar-se”. A “mistura” de que fala João é possível porque tais demandas assumem valores equivalentes do ponto de vista subjectivo e uma não é nem anterior nem mais importante do que a outra. As identificações com o campo da política, assim como as relativas ao trabalho e ao amor, encontram todas lugar no conjunto de movimentos identificatórios do jovem.

Para outro jovem, a solução passou por se deixar levar pelos efeitos da acção política:

[Dedico] bastante tempo, é uma coisa que eu gosto, desfiz até meu namoro por causa disso, seis anos [...] Minha ex-namorada nunca gostou de política. Mas é uma cachaça difícil de largar, vicia mesmo [Paulo, militante da Juventude do PSDB].

Aqui Paulo relata como o rompimento com a namorada preserva a relação com a política, como se a última fosse aquilo mesmo de que ele não pode prescindir. Conciliar as múltiplas solicitações, organizar-se para dar conta de tudo, abdicar da “vida normal” e, sobretudo, totalizar o campo das identificações recontextualizando-as na singularidade da sua trajectória são algumas das estratégias para que o jovem possa sustentar a opção pela acção política. Tudo isso se opera não sem conflitos, dilemas e autocrítica. Em alguns momentos, os jovens questionam-se sobre a validade da militância, tamanhas são as dificuldades por eles encontradas. É o que aparece num outro momento da entrevista de Leonardo:

Então, em alguns momentos, você sente, “pô, será que eu poderia fazer mais, será que eu faço o suficiente...”. E isso remete a outra discussão, tipo “se eu faço isso será que vai ter alguma implicação no futuro, ou eu só perco tempo da minha vida, será que eu estaria mais feliz se eu estivesse em outro lugar?” [Leonardo, membro da UJS e da UEE].

Para o entrevistado, no entanto, o resultado desses questionamentos é positivo, pois, segundo as suas próprias palavras, “eu acabo me convencendo da importância de participar do Movimento.” Esse exercício de questionamento parece fundamental para sustentar a convicção das escolhas dos jovens pela acção política.

Outro jovem, Francisco, dá-nos a nítida percepção de como esses domínios da vida privada e da acção política estão imbricados, ainda que não sem uma certa ambiguidade. Perguntado sobre qual seria a importância do grémio na sua vida, ele responde:

Ah, a minha família vem primeiro. Eu venho primeiro... eu não deixo de viver minha vida pelo grémio, ta ligado? Só que o grémio faz parte da minha vida também né? Se eu me esforço e deixo de fazer coisas para trabalhar no grémio, não é só por ele em si, mas também porque tem meus amigos, que estão lá comigo e com eles eu não posso faltar, não gosto de dar furo, sabe? [Francisco, membro de um grémio, itálicos nossos.]

Francisco afirma que a sua vida vem em primeiro lugar; entretanto, durante toda a entrevista, ao falar do grémio no qual participa, exalta a alegria de estar nesse espaço juntamente com os seus amigos, pondo em prática ideias do grupo e dos estudantes da escola. É nesse momento que o grémio e a sua própria vida se confundem, pois, se a sua vida vem primeiro, e o grémio é a sua vida, então grémio, vida, família, amigos, estão todos no mesmo grau de importância. No entanto, o grémio é a sua vida porque é lá que estão os amigos. Assim, os espaços de sociabilidade e prazer fundem-se com os espaços de discussão colectiva e de luta. Outra entrevistada, Luciana, transmite uma opinião mais incisiva a respeito da prioridade da militância na sua vida, afirmando que na sua trajectória ela foi “naturalmente” dando prioridade à militância:

Eu gosto muito, sempre me diverti muito, eu fiz muitos amigos, fiz a parte partidária com a parte divertida, sabe? Acho que isto é importante [...] E normalmente a sociedade põe prioridade na sua vida particular. Eu naturalmente botei minha prioridade na política, e não foi um dia que eu cheguei e falei “hoje eu vou priorizar política”. Não, eu naturalmente faço a política uma prioridade mesmo... [Luciana, presidente de um grémio e militante do PT, itálicos nossos].

Para ela existe a clareza, que não é compartilhada por outros militantes, de uma prioridade que deve ser dada num certo momento à escolha da acção política. Mesmo assim, tal prioridade não é resultado de uma escolha racional e planeada, mas algo que “aconteceu na sua vida”, opção que traduz a sua própria forma de ser, pelo facto de a política se ter tornado a sua própria identidade. Por outro lado, tal opção resulta também em prazer e diversão.

O prazer aliado à política é evidenciado por muitos entrevistados:

Me dá mais prazer estar no Movimento Estudantil do que fazer várias outras coisas. É lógico que é difícil conciliar às vezes com namorada, muitas coisas... E, além disso, tem que conciliar com a própria faculdade, com os próprios estudos; tem que conciliar isso com o trabalho, mas o que me dá mais prazer, assim, é o Movimento Estudantil [Vicente, membro de Directório Académico e de Directório Central dos Estudantes, itálicos nossos].

Tanto Luciana como Vicente falam claramente da realização pessoal obtida no Movimento Estudantil. Usando termos como “divertir-se” e “ter prazer”, os jovens caracterizam a sua actuação política com qualificações que, usualmente, estão circunscritas à vida privada ou ao convívio social descomprometido. O que estes depoimentos nos fazem pensar é que o exercício da política não é sentido como uma obrigação assumida apenas intelectualmente, mas como uma actividade que permite aliar o compromisso e o envolvimento com a alegria e a diversão. Aqui invocamos o trabalho de Ruby (1996) sobre o entusiasmo, como a emoção fundamental que articula as ressonâncias subjectivas dos acontecimentos com a vida social. O entusiasmo, segundo esse autor, é necessário ao campo da acção política, pois “dá sustentação à impulsividade decisiva na direção de uma aspiração à totalidade” (Ruby, 1996, p. 10). Assim, o entusiasmo e o prazer da convivência representam, na economia psíquica, a argamassa que ampara a acção militante.

Ao identificar a política com algo que lhes dá prazer, muitos jovens falam de como a sua militância ganha outro significado ao aproximá-la de vivências como a amizade, o divertimento e a fruição. Tal solução busca sintetizar e integrar o trabalho e o compromisso com a diversão e o prazer. A política, para esses jovens, é vivida como espaço de convivência, sociabilidade, descoberta de si e do outro. Esses têm sido também alguns resultados que têm aparecido em pesquisas sobre a participação política de jovens em estudos internacionais (Pleyers, 2005; Müxel, 1994; Ion e Ravon, 1998), o que aponta também para modos distintos de viver e de fazer política no mundo contemporâneo. O que os entrevistados aqui, e os jovens de outras pesquisas têm mostrado, é que, ao aproximarem-se do campo da política, esse será “reinventado” na esteira de valores como a sociabilidade, a festa e a experimentação. Num país como o Brasil, a participação dos jovens na acção política enreda-se certamente nos valores expressivos tão presentes nessa cultura (Barboza Filho, 2003), mas indica também um modo de tornar equivalente, em termos de investimento e gratificação psíquicos, o campo da vida pessoal e o dos projectos colectivos.

Numa entrevista, José e Beatriz falam sobre o seu envolvimento nas actividades políticas[8]. Falam de uma dedicação intensa, “por amor”, uma vez que não é remunerada, que “pulsa” nas veias de ambos:

José — Lá [em outra actividade] eu trabalho, aqui é uma actividade que não tem remuneração, aqui a gente faz por amor mesmo.

Beatriz — Põe amor nisso [...] Porque a gente se dedica. É de amor mesmo, de coração. Tem gente até que brinca, “vocês dormem no partido?” [...] é tudo com amor, com o pulsar, tá aqui dentro, tá na veia [José e Beatriz, militantes da Juventude do PSDB].

Este trecho da entrevista faz-nos pensar nas motivações que trouxeram esses dois jovens para a política e que os fazem manter-se nela. Vemos uma grande entrega às actividades realizadas, num envolvimento que só se justifica se o que está a ser feito assume um sentido maior. A oposição marcada pelos entrevistados entre “trabalho remunerado” e “militância” diz-nos muito a respeito da tensão que se estabelece na vida desses jovens. Envolver-se na política significa, para eles, dedicar-se a uma actividade que lhes toma muito tempo e não contribui para aspectos fundamentais da vida privada, como a remuneração. Beatriz fala dessa escolha como algo que estaria pulsando: “tá aqui dentro, tá na veia”.

Apesar das frustrações, todos os entrevistados pareciam seguros em relação à sua opção pela militância:

[O Movimento] foi uma coisa com que eu me identifiquei. Foi muita identificação, sabe? Então, não me prejudica em nada... Hum, claro que me prejudica em algumas coisas, tipo: fico doente, fico rouca... são consequências, né? [Luciana, presidente de um grémio e militante do PT.]

Compreendemos que as soluções encontradas pelos jovens entrevistados põem em questão a dicotomia entre vida privada e a vida pública, que postula que a actuação na vida pública requer uma “segunda natureza”, racional e argumentativa (Habermas, 1984), própria de uma subjectividade pública. Assim, modalidades subjectivas distintas deveriam reger a convivência da vida em comum, por um lado, e a convivialidade da vida privada, por outro. Parece que tal gestão da experiência de si e dos outros é posta em questão ao longo da nossa análise. A construção de si parece colocar-se como o fulcro de acções privadas e públicas, pelo que os dispositivos da vida colectiva — por exemplo, as acções políticas em partidos, associações estudantis, etc. — constituem-se como recursos de auto-realização e autoconhecimento. Por outro lado, as questões públicas são inflectidas pelo modo como os indivíduos hoje as assumem no enquadramento específico das suas trajectórias de vida. Um dos aspectos importantes que ressaltam na participação política dos jovens é que os afectos, as emoções e as amizades, longe de serem elementos secundários ou sem importância, são centrais na acção política, uma vez que não se percebe a adesão às causas colectivas como um “sacrifício” ou uma “renúncia” (à vida privada e aos prazeres), mas como um lugar onde essa acção pode e deve combinar emoção e prazer com trabalho e compromisso. Para os jovens, as causas e os projectos colectivos devem ser “pessoais”, no sentido de que devem sensibilizá-los, mais do que convencê-los. Neste sentido, os ideais de uma vida pública e dos investimentos nos projectos colectivos devem representar o apelo de uma “vida boa”, mais do que o de uma “vida correcta”. A política privatiza-se quando desvela para o indivíduo uma série de questões e problemas que até então não faziam parte do seu repertório de acções e escolhas, criando um horizonte novo que enlaça a sua história com a do seu grupo social; é pública porque evidencia um campo de acção colectivo em que têm de ser discutidas e resolvidas as matérias que merecem o interesse de todos. A acção política sustenta-se, apesar das frustrações e custos pessoais, porque pode competir com outros investimentos psíquicos ao longo de um processo em que se totaliza o campo das identificações, permitindo a confluência entre o que é de todos e o que é próprio de cada um.

 

Conclusão

O campo da política constrói-se pela acção dos sujeitos humanos. É a partir das escolhas dos indivíduos que o campo da política se organiza e se consolida, sinalizando a relevância de se tomar a subjectividade como aspecto crucial para se compreender a acção militante no mundo público em favor de causas comuns. Por que motivo uns, e não outros, se envolvem na acção política, por que razão alguns jovens, e não todos eles, se mobilizam em prol da transformação da sociedade, é algo que concerne aos estudos situados na confluência das várias disciplinas que se ocupam da subjectividade, da cultura e da sociedade. Neste trabalho procuramos perceber como é que o processo de transformação de si, pelo qual os indivíduos buscam construir outros vínculos no campo social, pode operar em favor da mobilização subjectiva pela transformação societária e da construção de vínculos identificativos com o campo do agir político.

Pelo que analisámos nas aproximações dos jovens com o campo da política não parece prevalecer um desdobramento linear da acção, favorecido por uma preparação anterior para este tipo de acção. As identificações com a política são construídas tentativamente, precipitando “aos poucos” os jovens neste tipo de acção. Há sempre pontos de retorno, inflexão e de avanço, que sugerem múltiplos destinos até que se consolide uma adesão mais formalizada. A tensão que emerge do enfrentamento do que não se conhece articula-se com a figura fantasmática de um “outro” relativo ao próprio jovem, representando o que ele ainda não é e o que ele ainda não sabe de si.

Pensar a identificação do jovem com a política é uma questão que pode ser trilhada por diferentes caminhos teóricos. Numa leitura mais convencional, para compartilhar o universo da política, seja ele institucionalizado ou não, o jovem precisaria de passar por uma socialização política, isto é, por um processo sequencial no qual alguns elementos seriam determinantes para o sucesso (ou para o fracasso) da identificação com o campo da política. Esse argumento pressupõe um grupo de factores que poderia explicar, e mesmo prever, determinados comportamentos políticos dos jovens, tornando possível, inclusive, uma “pedagogia” para a formação política dos sujeitos. Neste trabalho apresentamos outra leitura possível, discutindo, inicialmente, o conceito de subjectivação política. Esse considera que o político pode acontecer fora dos dispositivos convencionais da acção política e pode incluir outros actores, além dos que estariam legitimamente reconhecidos para tal. Além disso, a militância da acção política sustenta-se pela fidelidade à experiência de descoberta de uma “verdade”, e não pela perspectiva de cumprimento de realização de um objectivo claramente definido e realizável. Coloca-se como aquilo que Badiou (2007, p. 102) qualifica como “esperança”, que se constitui na fidelidade vivenciada, “fidelidade à fidelidade”, que rompe com a expectativa de um resultado a alcançar.

O campo da acção política, ao contrário de outros, como o do estudo, por exemplo, oferece aos jovens possibilidades ímpares para a construção de uma inteligibilidade da sua própria acção no mundo. A construção de si pode realizar-se de facto, e não apenas como uma promessa etérea ou uma expectativa remota a realizar-se num tempo ulterior. Aqui o que fica claro é o esforço que os jovens fazem para sustentar a acção política, uma vez que essa desvia o jovem de um script identitário normalizado. Ao afastarem-se das expectativas do que deveriam fazer “normalmente”, os jovens militantes enfrentam não apenas a hostilidade, mas também a desconfiança e a dúvida em relação às suas escolhas, como se essas os estivessem a conduzir para um destino inalcançável ou absurdo frente às exigências a que deveriam atender. Novamente, vemos como a opção pela acção política lança o jovem no “abismo” ao afastá-lo da trajectória de vida institucionalizada, circunscrita a parâmetros previsíveis dos movimentos identificatórios. Por outro lado, a escolha desse caminho não poupa os jovens aos conflitos que têm de ser enfrentados quotidianamente e para os quais são encontradas soluções diversas, todas elas, sem dúvida, com consideráveis custos psíquicos.

Vimos que a militância política não deve abdicar do prazer e dos valores, como a camaradagem, os afectos e as emoções. Mais do que isso: ela torna-se tão importante quanto as demais actividades e, de maneira geral, os jovens transitam entre as posições públicas e privadas sem precisarem de se “despir” daquilo que cada uma delas contém de específico. O espaço público, então, não se sustenta, do ponto de vista psíquico, como espaço de “troca racional” e de “legitimação de actuações e papéis”, mas como espaço de conhecimento de si, do outro e de auto-realização. Assim, do ponto de vista subjectivo, vivências públicas e privadas misturam-se, alimentando-se reciprocamente, o que nos faz questionar se os valores da vida pública não deveriam deixar-se afectar por aqueles constitutivos da vida privada, como, por exemplo, o cuidado com o outro, os afectos, a humildade (Boling, 1991), de modo que a vida pública possa ser revitalizada e transformada nas suas práticas. Nesse sentido, a divisão entre a persona pública e a vida privada, se é que algum dia produziu alguma forma de subjectivação favorável à acção política, já não parece dar hoje conta das questões actuais, uma vez que a escolha da acção política tem de ser sustentada psiquicamente frente às perdas, frustrações e conflitos que ela engendra e motivar o escrutínio da vida pessoal à luz das questões colectivas.

 

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Notas

[1] Aqui queremos sinalizar a importância da “passagem adolescente”, ou seja, do processo de ressignificação dos vínculos primários que se dá na adolescência, posicionando o jovem frente às múltiplas demandas de pertença do mundo de hoje, de cuja elaboração psíquica, modulada pelos contextos culturais e históricos nos quais o jovem se encontra, depende a formação dos novos vínculos sociais fora da família (Rassial, 1997).

[2] Quando falamos da “verdade do sujeito” referimo-nos ao aspecto estruturante que determinados acontecimentos podem ocasionar na vida dos sujeitos, possibilitando uma adesão incondicional. Nesta linha, Alain Badiou (2007, p. 93) resgata o tema da verdade como a “convicção declarada ao evento” que põe em movimento a subjectivação. Ao afirmar que “a verdade é militante, ou não é”, Badiou assinala que a fidelidade ao acontecimento instaura a sua verdade na medida em que o seu endereçamento é “para”, e “a todos”, ou seja, universal.

[3] Todos os nomes neste trabalho são fictícios.

[4] O projecto de pesquisa que deu origem ao presente trabalho, “Subjectivação política na infância e juventude: participação, reconhecimento e contextos institucionais” (apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), incluiu também nesta etapa entrevistas a jovens militantes que trabalhavam em ONGs e instituições ligadas a acções sociais com jovens, num total de 32 entrevistas.

[5] UBES: União Brasileira dos Estudantes Secundaristas; AMES: Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas; UEE: União Estadual dos Estudantes; UJS: União da Juventude Socialista.

[6] CA: Centro Académico; DCE: Directório Central dos Estudantes.

[7] PT: Partido dos Trabalhadores; PSDB: Partido da Social-Democracia Brasileira; PSOL: Partido Socialismo e Liberdade; PDT: Partido Democrático Trabalhista.

[8] Excepcionalmente, esta entrevista foi realizada em simultâneo com três militantes jovens do partido.

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