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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social vol.181 no.181 Lisboa  2006

 

C. Leccardi e E. Ruspini (eds.), A New Youth? Young People, Generations and Family Life, Ashgate, Aldershot, 2006.

Como referido no prefácio a esta compilação de ensaios, os desenvolvimentos teóricos no estudo da juventude têm ultrapassado frequentemente o ritmo da investigação empírica na mesma área, verificando-se uma relativa desatenção relativamente à diversidade das experiências da juventude em favor de considerações sobre o impacto da pós-modernidade ou da individualização. À laia de compensação, os catorze importantes estudo reunidos no presente volume cobrem aspectos diversos da vida dos jovens, que vão desde as relações familiares intergeracionais até aos variados desafios enfrentados pelos jovens durante a transição para a idade adulta em diferentes contextos nacionais — maioritariamente europeus — e sociais.

O primeiro estudo, de Carmen Leccardi (Universidade de Milão-Bicocca), «Facing uncertainty: temporality and biographies in the new century», proporciona uma avaliação da transição dos jovens para a idade adulta. A autora estabelece um paralelo entre a perda de regularidade temporal no seio da sociedade pós-industrial com a ruptura da narrativa biográfica linear no curso de vida dos jovens, concluindo essencialmente que é hoje necessário mais tempo e engenho para que um jovem se torne adulto. Leccardi ilustra o impacto desta ruptura sobre a juventude italiana e os seus processos de planeamento de vida, descrevendo em pormenor os mecanismos pelos quais esses jovens lidam com a «subjectivização biográfica» e a perda de certezas. Os dados empíricos provêm de um estudo qualitativo longitudinal sobre as experiências temporais de jovens milaneses, as quais, como seria de esperar, variam no que toca à capacidade de traçar planos para uma vida futura; a tendência para planear o futuro pode ser substituída ou minimizada pelo estabelecimento de linhas directrizes provisórias ou praticamente abandonada em favor do acaso.

Leccardi identifica um sentimento generalizado nos relatos destes jovens milaneses, dando particular ênfase às experiências das jovens mulheres, que o tempo acelerou, estimulando uma orientação para o presente, em detrimento do futuro, enquanto as jovens se esforçam por acompanharem o ritmo de vida. Estes relatos constituem um registo inestimável de uma juventude aparentemente instável em termos temporais, se bem que os casos citados pareçam partilhar um elemento de continuidade — nomeadamente a estabilidade geográfica e, em particular, a prolongada permanência dos jovens em casa dos pais.

Andy Biggart e Andreas Walther (Universidade de Tübingen) assinam «Coping with yo-yo-transitions. Young adults’ struggle for support, between family and state in comparative perspective», um estudo centrado naquilo que os autores descrevem como o fenómeno das transições cada vez mais desestandardizadas — algo que se verifica, por exemplo, na passagem do sistema escolar para o mercado de trabalho ou para o pleno estatuto de adulto. Este fenómeno resulta em estados variáveis de semidependência: por exemplo, alguns jovens alcançam a independência económica, mas permanecem dependentes da família em termos de apoio cultural e emocional. O fenómeno é descrito como uma condição «ió-ió», marcada por situações pendentes de duração incerta, com os jovens alternando entre o emprego e o desemprego e entre a residência independente e a casa dos pais. Os dados empíricos procedem de uma série de pesquisas recentes que assinalam as disparidades regionais dentro da Europa de acordo com diferentes «regimes de transição»; esta diversidade está também relacionada com factores como a dependência económica e habitacional e as interacções entre estes factores estruturais e as experiências subjectivas individuais — e, em particular, com a tomada de decisões relativamente à carreira profissional e a outras questões de ordem pessoal.

Em «Individualization and the changing youth life», Sven Mørch e Helle Andersen (Universidade de Copenhaga) abordam a questão da individualização no contexto das mudanças de vida. A individualização é analisada no contexto da educação, sendo o sistema educativo interpretado como a «incubadora» do individual. Contudo, uma vez que o individual é cada vez mais entendido como um assunto independente na sociedade «modernista», o processo de individualização é efectivamente subjectivizado: o desenvolvimento individual é visto no contexto de um novo paradigma de integração social, valorizando-se os papéis da família e da juventude, bem como a importância dos grupos de pares. Assim, no actual processo de individualização, os jovens dispõem de oportunidades mais amplas para moldarem os seus destinos futuros, se bem que as suas hipóteses de individualização possam ser diminuídas por factores como o grau de formação académica ou o nível sócio-económico dos seus pais. Uma outra transformação diz respeito à própria juventude, uma fase da vida que se tornou cada vez mais prolongada sob as condições «modernistas»; de facto, nos nossos actuais modelos de consumo cultural e de orientação de vida tornou-se popular permanecer «jovem», pelo que a fase «juvenil» pode parecer prolongar-se indefinidamente.

Toby Daspit (Universidade de Luisiana), Gunilla Holm e Allison J. Kelaher Young (West Michigan University), num ensaio intitulado «The sky is always falling. (Un)Changing views on youth in the US», analisam a crise da juventude norte-americana aparentemente provocada pelos meios de entretenimento, apresentando para o efeito quatro «instantâneos » emblemáticos; os autores desmontam eficazmente uma série de concepções erróneas relativamente à juventude americana — por exemplo, no que diz respeito à violência e à gravidez adolescente —, defendendo que tal perspectiva constitui, desde há décadas, uma forma de controlar a juventude americana. Para os autores, essa perspectiva não só diagnostica erradamente a condição de jovem, como também ignora a diversidade entre os jovens, que por vezes apresentam múltiplas identidades.

Helena Helve (Universidade de Kuopio) analisa o contexto finlandês em «Social changes and multicultural values of young people». Neste estudo, a autora relaciona os valores dos jovens com as condições económicas e sociais do seu país, revelando que a existência de diferentes atitudes e valores — no que diz respeito, por exemplo, à política e ao meio ambiente — resulta de diferenças ao nível da formação académica dos jovens. Num resultado interessante à luz do contributo de Mørch e Andersen, da vizinha Dinamarca, a autora afirma ainda que esses sistemas de crença individualistas foram valorizados durante a década de 90, talvez como uma resposta cínica aos partidos políticos e às políticas que implementaram no seguimento das dificuldades económicas que marcaram esse período. As diferenças de género são também visíveis, com as jovens do sexo feminino aparentemente mais preocupadas com as questões ambientais, enquanto os jovens do sexo masculino atribuem uma maior importância à ciência e à tecnologia.

Sarah Hillcoat-Nattétamby e Arunachalam Dharmalongam (Universidade de Waikato) contribuem para o volume com «Solidarity in New Zealand. Parental support in a three-generation context», no qual examinam a «solidariedade funcional», isto é, o apoio que os pais e os avós continuam a proporcionar aos jovens após estes terem abandonado a casa familiar. As autoras fazem notar que na Nova Zelândia, tal como parece ocorrer também na Europa, observamos um reforço do apoio familiar aos jovens em resposta à crescente complexidade do processo de transição para a idade adulta, bem como uma permanência mais prolongada na casa familiar. Estudos anteriores revelaram que a idade e o género constituem elementos importantes para a definição destas relações de apoio; as autoras mostram também que os pais tendem a fornecer apoio não apenas aos filhos, depois de estes abandonarem a casa familiar, como também aos próprios pais, se bem que as verdadeiras formas destes dois níveis de apoio variem acentuadamente de acordo com as gerações: os filhos tendem a receber ajuda emocional e financeira, ao passo que os avós recebem mais ajuda em géneros, por exemplo, ao nível da jardinagem e da manutenção da casa. Além disso, os filhos têm mais probabilidades de receberem ajuda, particularmente financeira, se os avós receberem apoio emocional — e, se estes beneficiarem de apoio em géneros, a probabilidade de os filhos receberem apoio emocional é três vezes maior.

O estudo de Monica Santoro (Universidade de Milão), «Living with parents. A research study on Italian young people and their mothers», examina o fenómeno da permanência prolongada na casa familiar, utilizando uma abordagem qualitativa, nomeadamente entrevistas a jovens adultos milaneses entre os 24 e os 35 anos e às respectivas mães. A autora aponta dois tipos de razões para justificar a permanência dos jovens em casa dos pais, nomeadamente, e em primeiro lugar, os factores culturais e sociais associados a um abrandamento do processo de abandono da casa dos pais e, em segundo lugar, a falta de recursos financeiros. No entanto, uma análise mais aprofundada revela que estas razões parecem constituir justificações insuficientes e que, na realidade, estes jovens simplesmente não desejam ser independentes — o abandono da casa dos pais não é por eles entendido como um passo necessário e inevitável para se tornarem pessoas autónomas. Assim, se bem que estes jovens possam referir a existência de uma série de obstáculos, a verdade é que não fazem qualquer tentativa concertada para os ultrapassarem nem para aproveitarem plenamente as oportunidades de independência que lhes são proporcionadas. A permanência prolongada na casa dos pais é racionalizada como parte de uma «lógica comum» na Itália, pelo que a inércia destes jovens não é objecto de crítica social. No entanto, a consequência inevitável é que estes jovens experimentam dificuldades em se desligarem dos pais e em enfrentarem uma eventual separação, o que acentua o receio de estarem sós e a incapacidade de compreenderem um dos mais básicos e inevitáveis elementos da condição humana, nomeadamente a solidão, já para não falar da incapacidade de lidarem com as «tarefas quotidianas comuns» relacionadas com a manutenção de uma casa. Do ponto de vista das mães, verifica-se uma elevada consciência das diferenças da juventude actual relativamente à sua própria juventude — ao nível, por exemplo, da ausência de certezas que caracteriza os dias de hoje. Assim, viver com os pais é entendido como uma «estratégia vencedora», no sentido em que reduz os riscos externos e limita a incerteza.

Em «Work and care in the lifecourse of young adults in the Netherlands», Manuela du Bois-Reymond (Universidade de Leiden) e Yolanda te Poel (Instituto para o Ensino Superior, Eindhoven) lidam com os processos de negociação entre jovens do sexo masculino e do sexo feminino com e sem filhos. Desenvolvendo uma abordagem longitudinal, as autoras analisam a evolução da divisão do trabalho e a prestação de cuidados aos filhos por parte dos jovens pais, bem como o adiamento da maternidade e da paternidade no contexto dos paradoxos da modernização, concentrando-se sobretudo no «modelo um e meio» (o elemento masculino trabalha a tempo inteiro, enquanto o elemento feminino trabalha a tempo parcial) da vida familiar. No caso dos jovens casais com filhos, as autoras ilustram as diversas tensões que decorrem da «negociação» entre os dois elementos do casal, ao passo que para aqueles que adiam a maternidade/paternidade o trabalho e a independência económica constituem claramente factores de importância capital. É também apresentada uma série de diferentes respostas, sobretudo por parte das jovens mulheres, incluindo variações em torno dos modelos biográficos «normais» (isto é, o papel de «mãe») e opções mais orientadas para a carreira profissional.

No seu breve estudo «Daughters of the women’s movement. Generation conflicts and social change», Ute Gerhard (Universidade de Frankfurt/ Main) utiliza o conceito de geração demográfico ou não biológico de Mannheim, aplicando-o ao contexto da Alemanha. Perante a diminuição do interesse pela política evidenciado em estudos como a pesquisa «Shell» sobre as orientações dos jovens, Gerhard interroga-se se tal fenómeno deverá ser entendido como uma consequência do declínio do movimento de emancipação das mulheres ou se, pelo contrário, deverá ser atribuído aos seus sucessos passados.

Em «Young people and family life in Eastern Europe», Ken Roberts (Universidade de Liverpool) analisa a problemática da juventude e da vida familiar na Europa de Leste, onde, após a queda do comunismo e o estabelecimento das economias de mercado e dos sistemas políticos multipartidários, muita coisa mudou — mas não tudo — em termos da transição dos jovens para a idade adulta. Dados provenientes de quatro ex-repúblicas soviéticas mostram que foram os jovens a suportar o grosso do impacto destas mudanças e transformações e que actualmente muitos deles não conseguem encontrar um emprego estável, ao mesmo tempo que deixaram de poder contar com os anteriores apoios da segurança social. A situação parece ser particularmente desencorajadora para aqueles que desejam participar na nova cultura de consumo, bem como para as jovens mulheres, que assistiram a um declínio no seu nível de vida. Entre as outras tendências observadas conta-se o aumento líquido da idade para o casamento e para a maternidade e a paternidade, além de uma diminuição dos níveis de fertilidade. Se bem que a explicação mais comum para estes fenómenos seja de cariz económico, Roberts defende, em alternativa, que estes jovens, ao valorizarem os amigos e a família acima de tudo o resto, se revelaram simplesmente incapazes de se tornarem os consumistas desenfreados que poderiam ter sido.

A par do estudo de Roberts, Nana Sumbadze e George Tarkhan-Mouravi (Universidade Estatal de Tbilissi/Instituto de Estudos Políticos) proporcionam-nos uma interessante leitura em «Transition to adulthood in Georgia. Dynamics of generational and gender roles in post-totalitarian society». Os autores recorrem a dados estatísticos para ilustrarem a mudança de pontos de vista dos jovens da Geórgia num contexto de instabilidade política e económica, caracterizado também por um sistema educativo em declínio e pela corrupção galopante. Os jovens adultos são agora incentivados pelas famílias a contribuírem com o seu trabalho para uma mais ampla estratégia de sobrevivência da família, bem como a progredirem nas suas próprias carreiras. Os resultados de uma sondagem de pequena escala levada a cabo pelos autores em Tbilissi ilustra muitos destes «desenvolvimentos», tais como a persistência de «um bem estabelecido padrão tradicional de predomínio masculino» no seio da família e o «doloroso processo» da transição para a idade adulta quando se continua a viver em casa dos pais. Se bem que, apesar de residirem com os seus familiares, estes jovens usufruam normalmente de um elevado nível de liberdade pessoal, os autores assinalam a existência de uma série de típicos e comuns duplos padrões relacionados com a diferença de sexos, particularmente no que diz respeito a questões como levar companheiros para casa e a liberdade de viver numa casa independente; a duplicidade de padrões ligada aos géneros é também evidente no que concerne aos valores sociais, tais como as atitudes para com o sexo pré-marital ou o adultério, que são melhor aceites quando praticados pelos jovens do sexo masculino.

Regressando ao contexto italiano, em «Going against the tide. Young lone mothers in Italy», Elisabetta Ruspini (Universidade de Milão-Bicocca) concentra-se sobretudo na relação entre a pobreza e a exclusão social e o curso de vida de jovens mães com idades entre os 13 e os 24 anos. Se bem que não exista uma relação causal entre a pobreza e o facto de se ser uma jovem mãe solteira, Ruspini sublinha a desproporcional vulnerabilidade das jovens mães à pobreza e à exclusão social no mercado de trabalho, na família e nos sistemas de segurança social; adicionalmente, verifica-se nestes casos uma maior probabilidade de abandono escolar numa idade relativamente precoce. No entanto, as ligações à família de origem mantêm-se fortes, com as mães e as avós fornecendo uma ajuda substancial a estes núcleos familiares monoparentais.

«The transitions to adulthood of young people with multiple disadvantages», de Jane Parry (Policy Studies Institute, Leeds), analisa as experiências de 49 jovens participantes no programa «welfare-to-work» do Reino Unido. As raízes destas desvantagens tendem a residir não apenas no insucesso escolar, mas também em circunstâncias pessoais adversas, como problemas familiares, dificuldades com os sistemas de apoio estatal ou a incapacidade de tirarem proveito das oportunidades ao seu alcance, o que torna difícil a manutenção de um emprego. No entanto, estes jovens mantêm ideias relativamente lineares quanto àquilo que entendem como transições «normativas» ou desejáveis, além de defenderem veementemente perspectivas convencionais sobre aquilo que desejam para o futuro. Na realidade, o sucesso das suas transições para o mercado de trabalho e a vida independente tende a ser muito variável — muitos deles revelam-se incapazes de sobreviverem sem apoio, enquanto outros conseguem ultrapassar problemas como o abuso de drogas com a ajuda de alguém que decidiu dar-lhes uma oportunidade. Assim, a tensão entre as aspirações pessoais e a experiência real resulta num de dois efeitos típicos: ou gera sentimentos negativos de raiva e frustração, mascarando desse modo os efeitos das desigualdades estruturais, ou, alternativamente, permite transições normativas em termos de aspirações, tomadas como ponto de referência para as ambições.

Transições de um tipo diferente são avaliadas por Surya Monro (Policy Research Institute, Leeds) no estudo «Growing up transgendered. Stories of an excluded population». Neste capítulo, Monro analisa em pormenor o modo como os jovens transgénero do Reino Unido são afectados pelas mudanças ao nível dos regimes de apoio social e da vida familiar, bem como por outros obstáculos que tendem a enfrentar nas suas vidas. A autora concentra-se nas estruturas que excluem estes indivíduos, desde a própria terminologia — por exemplo, «travesti», «transexual», «andrógino» e «intersexos» — até às complicações inerentes aos sistemas burocrático e médico. Uma série de estudos de caso proporciona instantâneos das variadas questões enfrentadas por estes jovens, tais como a má gestão médica, os maus tratos e a hostilidade por parte de feministas.

O principal ponto forte que emerge da apreciação deste volume é a própria diversidade das experiências dos jovens estudadas nestas páginas; somos também favoravelmente impressionados, em particular, pelos pontos em comum entre as experiências observadas em diferentes países: independentemente do país onde vivem, os jovens parecem ter dificuldades em efectuarem a transição para o mercado de trabalho e para a idade adulta, bem como em estabelecerem uma residência independente da família. Tendo em conta a variedade dos tópicos explorados pelos diversos autores, é surpreendente que o capítulo introdutório não seja mais abrangente, de modo a dar coesão aos diferentes temas apresentados, particularmente os dos capítulos baseados em pesquisas quantitativas de dimensão mais ampla. Quanto a este aspecto, os contributos qualitativos são menos problemáticos, além de proporcionarem uma leitura esclarecedora relativamente a experiências específicas relacionadas com as diferenças entre géneros.

DAVID CAIRNS

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