Introdução
A contraceção tem como objetivo primordial prevenir ou reduzir a propensão de uma mulher vir a ter uma gravidez indesejada. Atualmente, a contraceção pode ser conseguida através de diversos métodos e a escolha do mesmo é condicionada por distintos fatores que serão abordados no presente estudo.
A contraceção pode ser efetuada através de métodos dependentes do utilizador e por métodos não dependentes do utilizador. O primeiro grupo inclui os contracetivos orais, o contracetivo injetável, o anel vaginal, o adesivo cutâneo, os métodos de barreira e, por fim, os métodos naturais.1-2 A eficácia contracetiva destes depende da adesão, isto é, do uso correto e continuado da mulher.2
O segundo grupo é constituído pelo dispositivo intrauterino e implante subcutâneo e a eficácia contracetiva dos mesmos depende da competência técnica de quem os coloca.1-2 Para além desta divisão, os métodos podem ser divididos em hormonais (combinados ou progestativos) e não hormonais.1
Os não hormonais são os métodos de barreira, os métodos naturais e o dispositivo intrauterino de cobre. Os restantes supracitados são hormonais. O contracetivo oral pode ser combinado (estrogénio e progestativo) ou só ser constituído por progestativo. O anel vaginal e o adesivo cutâneo são constituídos por estrogénio e progestativo e o contracetivo injetável, o implante subcutâneo e o dispositivo intrauterino hormonal são constituídos apenas por progestativo.1-2 O dispositivo intrauterino com conteúdo hormonal (levonorgestrel), para além do seu efeito contracetivo, pode ser muito útil para controlar uma menorragia.2 Existe também o dispositivo intrauterino desprovido de conteúdo hormonal, constituído por cobre, que pode tornar mais abundante e prolongado o fluxo menstrual.2
Relativamente aos métodos de barreira podem ser divididos em mecânicos (como os preservativos masculino e feminino) e químicos (como o espermicida).1-2 Este último deve ser usado como coadjuvante de outros métodos contracetivos.1-2 A eficácia dos métodos de barreira depende, naturalmente, da sua correta e sistemática utilização.1-2
Os métodos naturais, ainda hoje utilizados, incluem os métodos baseados na previsão do período fértil (que incluem os métodos baseados na duração do ciclo menstrual e os baseados na identificação de sinais e sintomas), a amenorreia lactacional e o coito interrompido.1-2
Os métodos baseados na duração do ciclo menstrual implicam que a mulher aprenda a identificar as modificações fisiológicas ao longo do ciclo menstrual e a identificar o seu período fértil.1 Durante o mesmo deve fazer abstinência sexual ou ter relações sexuais utilizando métodos de barreira.1 O método do calendário e o método dos dias padrão são os dois tipos de métodos baseados na duração do ciclo menstrual.1 O primeiro implica que a doente calcule o seu período fértil e o segundo assume que o período fértil é entre o 8.o e o 19.o dia do ciclo (em mulheres com ciclos de 26 a 32 dias).1
Nos métodos baseados na identificação de sinais e sintomas estão incluídos o método da temperatura basal, o do muco cervical, o sintotérmico e o método dos dois dias.1
O método da temperatura basal tem como fundamento o aumento da mesma, pelo menos de meio grau, após a ovulação.1 Define-se o período fértil entre o primeiro dia do ciclo até pelo menos três dias após a elevação da temperatura basal.1 Por outro lado, o método do muco cervical assenta na capacidade de a mulher detetar alterações nas características do mesmo.1 Considera-se que o período fértil se inicia no primeiro dia em que o muco se torna filante e transparente e prolonga-se, pelo menos, até quatro dias após a filância máxima.1 O método sintotérmico permite identificar o período fértil combinando os métodos da temperatura basal e do muco cervical.1
Por último, o método dos dois dias baseia-se na avaliação das secreções vaginais, isto é, se durante dois dias consecutivos não forem observadas secreções, podem ocorrer relações sexuais desprotegidas.1
A amenorreia lactacional, usada como método contracetivo, requer a coexistência de três condições: ocorrência de parto há menos de seis meses; a mulher deve permanecer em amenorreia e a amamentação deverá ser exclusiva, com mamadas diurnas e noturnas, com intervalos inferiores a seis horas.1
Por fim, o coito interrompido baseia-se na remoção do pénis da vagina, sem que haja contacto com os genitais externos antes da ejaculação.1
A contraceção cirúrgica pode ser conseguida através da laqueação de trompas, da oclusão tubar ou da vasectomia, métodos para mulheres e homens que tomaram a decisão de não ter (mais) filhos sendo, portanto, permanentes.1-2
Os procedimentos de reversão da esterilização feminina e masculina têm baixa taxa de sucesso e são caros.1 No caso da laqueação de trompas, para além da reversão ser difícil, está também associada a maior risco de gravidez ectópica.1
De forma a serem evitados estes procedimentos de tentativa de reversão de esterilização é crucial que, no momento de decisão da contraceção cirúrgica, o homem e a mulher estejam totalmente esclarecidos das consequências que a mesma origina.1-2
Por fim, existe também a contraceção de emergência, o único método passível de ser utilizado após uma relação sexual desprotegida ou em que haja falha do contracetivo utilizado, cujo intuito é prevenir uma gravidez indesejada.1-2 Serve, portanto, de apoio para uso ocasional e excecional, não devendo ser usado como uma forma regular de contraceção.1 Este método deve estar disponível em locais de fácil acesso, nomeadamente farmácias, centros de saúde e hospitais com serviços de ginecologia/obstetrícia, em particular nos serviços de urgência.2
A eficácia de um método é avaliada pela percentagem de mulheres que têm uma gravidez não planeada, utilizando o método de forma correta, isto é, de forma consistente e continuada durante um ano.1
O método contracetivo mais eficaz é o implante, com apenas 0,05% de percentagem de mulheres a terem uma gravidez não planeada.1 Os métodos menos eficazes são os naturais, nomeadamente o método dos dias padrão, com uma percentagem de 5% de mulheres a terem uma gravidez não planeada, e os métodos dos dois dias e do coito interrompido com uma percentagem de 4%.1
O preservativo masculino permite que 2% das mulheres tenham uma gravidez não planeada no período de um ano, mesmo usando-o de forma correta, tratando-se, por isso, de um método bastante eficaz.1
O contracetivo hormonal oral (combinado ou só com progestativo), o anel vaginal, o adesivo cutâneo e a injeção subcutânea têm todos uma eficácia semelhante.1 Apenas 0,3% das mulheres para os três primeiros e 0,2% para a injeção subcutânea engravidam de forma não planeada.1
No que concerne aos dispositivos intrauterinos, o hormonal é mais eficaz que o de cobre, embora sejam ambos bastante eficazes, com apenas 0,2 e 0,6% de gravidezes não planeadas, respetivamente.1
Obviamente, os métodos contracetivos definitivos, isto é, a esterilização feminina e a masculina são métodos bastante eficazes a evitar gravidezes não planeadas.1
De acordo com um estudo de 2016, no contexto nacional, 94% das mulheres usam algum método contracetivo, o que se traduz num aumento de 18,6% face a outro trabalho datado de 2005.3 O método contracetivo mais utilizado pelas mulheres portuguesas é o contracetivo hormonal oral, embora o seu uso tenha diminuído de 70,4% para 58,1% de 2005 a 2015.3 Verificou-se também um aumento da tendência para utilização de métodos contracetivos menos dependentes da utilizadora e de longa duração, como o dispositivo intrauterino ou o implante subcutâneo.3
O preservativo masculino é o segundo método contracetivo mais utilizado em 14,3% dos casos.3 No que diz respeito à pílula de emergência, 17% das mulheres sexualmente ativas reportaram já o ter utilizado pelo menos uma vez.3
A consulta de planeamento familiar é um momento privilegiado para o médico de medicina geral e familiar apoiar a tomada de decisão da mulher em idade fértil, relativamente à escolha do método contracetivo.1-2 Esta consulta vai além da distribuição de métodos anticoncecionais e é um direito humano básico declarado pela Organização das Nações Unidas, desde 1968,4 sendo em Portugal isenta de taxas moderadoras.2 Esta consulta deve assegurar o aconselhamento sexual, a prevenção e diagnóstico das doenças sexualmente transmissíveis, cancro do colo do útero e da mama, bem como o aconselhamento para a preconceção e puerpério.2 Relativamente ao aconselhamento contracetivo, deve ser dada aos consulentes informação acerca da forma correta de utilização, da eficácia, das vantagens e desvantagens, do risco para a saúde, dos efeitos colaterais comuns, dos benefícios não contracetivos de cada método, nomeadamente o controlo do ciclo menstrual e da dismenorreia, assim como informação quanto ao retorno da fertilidade após suspensão do método.1-2
O princípio básico do aconselhamento assenta no estabelecimento de uma relação de empatia e confiança que permita à mulher e ao homem sentir-se encorajados a falar e a colocar todas as questões que entendam pertinentes.2 A linguagem utilizada pelo médico deve ser acessível, simples e precisa durante a consulta e deve assegurar-se que a informação fornecida foi compreendida, resumindo os aspetos mais importantes a reter.2,4 Para além disso, a escuta reflexiva é tão importante quanto o fornecimento de informações corretas, pois só desta forma o profissional de saúde conseguirá atender satisfatoriamente às inquietações e particularidades destas mulheres, facilitando a adesão, satisfação e continuidade na utilização do método escolhido.2,5-8
O conhecimento sobre os vários métodos contracetivos disponíveis contribui para que as consulentes escolham de forma autónoma e consciente o método que mais se adequa às suas condições de saúde, às suas necessidades e às suas expectativas e, depois disso, que o utilizem de forma correta.1-2,4,9-10 Esta escolha deve, portanto, ser individualizada, sendo ponderados fatores intrínsecos à consulente como, por exemplo, a idade, o número de filhos e a existência de uma doença crónica, mas também aspetos particulares de cada método (e.g., o número de dias, meses ou anos até à sua substituição, a facilidade na utilização e a eficácia do mesmo).1-2,9
A educação da população acerca dos vários tipos de métodos contracetivos e da sua correta utilização permite prevenir gravidezes indesejadas, interrupções voluntárias da gravidez4 e a descontinuação do método contracetivo escolhido.2,11-14 Uma pesquisa recente da literatura disponível sobre o tema revelou um conjunto alargado de receios, condicionalismos e motivações reportados pelas mulheres em idade fértil, quando têm a necessidade de tomar uma decisão quanto ao método contracetivo da sua eleição.4,9,11,15-21 Destacam-se, entre eles: o preço do método, os efeitos colaterais que o mesmo pode provocar, o facto de proteger ou não contra doenças sexualmente transmissíveis, a facilidade em utilizá-lo/colocá-lo e em obtê-lo, a eficácia e segurança do mesmo e outras vantagens dos métodos, como atenuar a dismenorreia ou diminuir o fluxo menstrual.4,9,11,15-21 São também ponderados outros fatores, como o facto de evitar perdas sanguíneas irregulares, permitir manter uma menstruação mensal, o número de dias/meses ou anos até à substituição do método, a opinião de profissionais de saúde e a publicidade disponível sobre o tema da contraceção, entre outros.4,9,11,15-21
Este estudo tem como objetivo identificar os fatores que condicionam a escolha dos métodos contracetivos utilizados pelas mulheres em idade fértil na região centro de Portugal. Posteriormente foram discutidas, com base nesses resultados e por comparação com a literatura disponível, possíveis estratégias visando o melhor esclarecimento pelo médico de família à consulente, procurando promover uma escolha esclarecida do método contracetivo.
Métodos
Numa primeira fase foi realizada uma pesquisa bibliográfica na base de dados eletrónica PubMed, circunscrita ao período compreendido entre 2010 e 2019, em língua inglesa, espanhola, francesa e portuguesa, utilizando os termos: contraception OR family planning AND selection criteria.
Numa fase posterior foi realizado um estudo observacional, descritivo, no mês de setembro do ano de 2019, em três unidades de cuidados de saúde primários da região centro de Portugal: USF Topázio, USF Mealhada e USF Norton de Matos.
Por se tratar de uma pesquisa em seres humanos e procurando garantir o escrupuloso cumprimento de todos os princípios éticos, o estudo foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde do Centro.
A população alvo foi a das mulheres em idade fértil, com idades compreendidas entre os 19 e 50 anos, com consulta de vigilância de planeamento familiar programada para o seu médico de família no período considerado. A amostragem foi feita de forma aleatória, até se atingir uma amostra de 127 mulheres. Em cada unidade foram selecionadas metade das utentes a inquirir, mediante sorteio realizado previamente, para as que tinham consulta programada. Em caso de falta ou de não anuência, foi aplicado o questionário à utente subsequente, seguindo-se depois a ordem previamente sorteada.
Após a consulta de planeamento familiar, as mulheres foram abordadas e, às que aceitaram participar no estudo, foi entregue a informação sobre o trabalho. Primeiramente foi obtido o devido consentimento informado e, seguidamente, foi solicitado o preenchimento de um questionário, desenhado e elaborado com base na revisão da literatura e que permitiu recolher informações sobre: idade, setor profissional, estado civil, habilitações literárias, número de gravidezes e de partos e a sua avaliação quantitativa sobre os fatores que podem influenciar a tomada de decisão quanto ao método contracetivo. São eles: o preço, a não perceção de efeitos colaterais (como aumento de peso, náuseas ou vómitos), eficácia, segurança, duração do método (número de dias/meses/anos até à substituição), proteção contra doenças sexualmente transmissíveis, acessibilidade, o facto de não causar perdas de sangue irregulares/intermenstruais, facilidade no uso/aplicação, permitir manter menstruação mensal, apresentar outras vantagens (como atenuar a dismenorreia), opinião do médico, do farmacêutico, do parceiro, da família, de amigos, da comunidade religiosa, de influencers/bloggers/figuras públicas, existência de publicidade/divulgação sobre o método nas USF, nas farmácias, nas redes sociais, em jornais/revistas, na televisão e o facto de pagar ou receber/colocar gratuitamente o método na USF.
Os dados colhidos através dos questionários não foram associados aos dados de identificação das mulheres, respeitando o seu anonimato.
Este estudo não necessitou de nenhum tipo de financiamento.
Para a análise dos dados, as informações obtidas foram armazenadas num ficheiro Excel e analisadas, posteriormente, de forma descritiva no software SPSS, v. 25. Na análise estatística foi considerado para diferença estatisticamente significativa o valor de p<0,01.
Foi feita a análise da distribuição das variáveis numéricas, percebendo-se a sua não normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, com valores de p<0,01 para «idade», «número de gravidezes» e «número de partos».
Aplicando o teste Kruskal-Wallis para as variáveis «idade», «número de gravidezes» e «número de partos» verificou-se que a distribuição das mesmas é igual entre as unidades de saúde familiar, pois p>0,01.
Através do teste do Qui Quadrado concluiu-se que a distribuição das variáveis «estado civil» e «paga o contracetivo» era igual entre USF, assim como para as variáveis «métodos contracetivos» e «habilitações literárias» pelo teste de Kruskal Wallis.
Relativamente ao «setor profissional», pelo teste de Kruskal Wallis verificou-se que a distribuição da variável não era a mesma em todas as USF, pois p=0,001.
Quanto aos fatores que podiam influenciar a escolha do contracetivo constatou-se que a distribuição era igual para todas as USF pelo teste de Kruskal Wallis.
Para ver os níveis de significância de cada variável supracitada devem ser analisadas as Tabelas 1, 2 e 3.
Os resultados estão apresentados sob a forma de tabelas.
Resultados
Participaram neste estudo 127 mulheres, 59 utentes da USF Topázio, 34 utentes da USF Mealhada e 34 utentes da USF Norton de Matos.
A Tabela 1 identifica que as participantes tinham idades compreendidas entre 19 e 50 anos. Em relação ao número de gravidezes, o valor máximo foi de cinco e o mínimo de zero. Quanto ao número de partos, o máximo foi três e o mínimo zero.
A maioria das mulheres que respondeu a este questionário (65,4%) vivia «acompanhada», isto é, era casada ou estava em união de facto, enquanto 34,6% viviam «sós», isto é, eram solteiras, divorciadas ou viúvas (Tabela 2).
Verificou-se também que 42,5% das mulheres compravam o contracetivo e 57,5% recebiam-no ou tinham-no colocado gratuitamente no centro de saúde (Tabela 2).
Quanto ao método contracetivo utilizado verificou-se que o mais frequente era o contracetivo hormonal oral, usado por 57,5% das mulheres. O segundo método mais frequente era o dispositivo intrauterino (15%), seguindo-se o preservativo numa percentagem de 12,6% (Tabela 2).
Os resultados relativamente à percentagem de mulheres por cada nível de escolaridade e setor profissional estão representados na Tabela 2.
Na Tabela 3, por sua vez, estão representados os valores de significância dos fatores que podem influenciar a escolha do método contracetivo na mulher.
A «segurança» e a «eficácia» do método foram apontadas como os fatores mais importantes que influenciaram a escolha do contracetivo nas mulheres da amostra estudada, com uma percentagem de 78,7% e 78% de respondentes a considerarem-nos como muito importantes, respetivamente (Tabela 4).
Os fatores «facilidade no uso/aplicação» e «não causar perdas sanguíneas irregulares/intermenstruais» foram também fatores considerados muito importantes para a maioria das mulheres da amostra, nomeadamente para 59,8% das mulheres no que respeita ao primeiro fator e 55,9% para o segundo.
Em relação à «proteção contra doenças sexualmente transmissíveis» e à «acessibilidade», ou seja, a facilidade com que se obtém o mesmo, mais de metade das mulheres, 54,3% e 53,5% respetivamente, consideraram-nos fatores muito importantes. Foi realizado o coeficiente de correlação de Spearman entre a variável «métodos» e «proteger contra doenças sexualmente transmissíveis» para verificar se havia alguma correlação entre elas. Concluiu-se que eram variáveis independentes, pois p=0,570 (p>0,01).
Quanto ao facto de o método «não provocar efeitos colaterais», 53,5% das mulheres consideraram algo muito importante a ter em conta no momento da decisão, independentemente do método que utilizavam.
Relativamente a «outras vantagens adicionais», como o controlo do ciclo e fluxo menstrual, atenuar a dismenorreia, controlar o acne e o hirsutismo, entre outros, e o fator «permitir manter menstruação mensal» foram considerados muito importantes por 49,6% e 45,7% das mulheres da amostra, respetivamente.
No que diz respeito à «duração do método», ou seja, ao número de dias/meses/anos até à substituição do mesmo, apenas 36,2% das mulheres consideraram-no um fator muito importante.
O «preço» do contracetivo foi considerado um fator nada importante por 41,7% das mulheres, enquanto apenas 17,3% o consideraram como muito importante. Verificou-se que relativamente às mulheres que consideraram o preço nada importante, 47,2% destas pagavam o contracetivo e 52,8% não pagava. Utilizando o teste do Qui Quadrado tentou-se perceber se havia correlação entre as variáveis «pagar o contracetivo» e «preço», tendo-se concluído que não havia relação (p=0,321).
Relativamente à valorização da opinião de terceiros na escolha do contracetivo pelas mulheres, a «opinião do médico» foi considerada por 59,1% das consulentes como muito importante. Por outro lado, verificou-se que as «opiniões da família», «dos amigos», de «bloggers ou influencers ou figuras públicas» e da «comunidade religiosa» não tinham um papel importante na escolha do contracetivo na amostra de mulheres estudada. A percentagem de mulheres que considerou a «opinião da família» nada importante foi de 46,5%, no caso da «opinião dos amigos» foi de 56,7%, em relação à «opinião de bloggers ou influencers ou figuras públicas» foi de 84,3% e no que concerne à «opinião da comunidade religiosa» foi de 85%.
Relativamente à «opinião do farmacêutico» e «opinião do parceiro», as respostas dividiram-se. Isto é, cerca de 59% das mulheres consideraram a «opinião do farmacêutico» um fator nada importante ou ligeiramente importante no processo de decisão; no entanto, cerca de 41% consideraram-na moderadamente importante ou muito importante. Em relação à «opinião do parceiro», cerca de 48% das mulheres consideraram-na nada ou ligeiramente importante e 52% como moderadamente ou muito importante.
Respeitante à «publicidade/divulgação dos métodos» constatou-se que a existência da mesma nas «farmácias», em «revistas ou jornais», na «televisão» e nas «redes sociais» foram considerados fatores nada importantes pela maioria das utentes (48%, 56,7%, 56,7% e 58,3%, respetivamente).
No entanto, no caso da «publicidade/divulgação do método nas USF» as opiniões foram mais divergentes, com cerca de 55% das mulheres a considerarem-na nada ou ligeiramente importante e as restantes 45% moderadamente ou muito importante.
Discussão
Na amostra estudada, o método contracetivo mais utilizado foi o contracetivo hormonal oral, como apresentado anteriormente na literatura, com 57,5% das mulheres a escolherem-no como o método contracetivo. Embora o método mais eficaz seja o implante, apenas é utilizado por 8,7% das mulheres.
Nesta amostra, contrariamente a um estudo de 2016 anteriormente mencionado,3 15% das mulheres utiliza o dispositivo intrauterino e apenas 12,6% usa o preservativo masculino como método de contraceção.
Nesta amostra, a segurança e a eficácia foram os dois fatores mais importantes para as mulheres no que concerne à decisão do método contracetivo a utilizar. Este resultado demonstra a preocupação das mulheres sobre se o contracetivo escolhido cumpre, sem falhas, o principal propósito pelo qual é utilizado, ou seja, na maioria dos casos o de evitar gravidezes indesejadas. Para além disso, demonstra que as mulheres estão conscientes da importância de um método contracetivo não aumentar a morbilidade à utilizadora, não potenciar agravamento de uma condição médica existente e que a condição médica existente não interfira na eficácia do método elegível.1
Quanto à influência/importância dada à opinião de terceiros na escolha do método, a opinião do médico é a mais importante para as mulheres que vão iniciar ou continuar um contracetivo.
Torna-se, portanto, óbvia a importância das consultas de planeamento familiar e da comunicação com as consulentes relativamente à transmissão de informação sobre cada método e à capacitação das mulheres, para que de forma livre e esclarecida possam selecionar o método que melhor se lhes adequa.
Em estudos anteriormente publicados verificou-se que a eficácia e a segurança foram também classificadas como os atributos primordiais na escolha do contracetivo.11,19 Num deles, o preço, a duração, a opinião de profissionais de saúde, o facto de não causar perdas de sangue irregulares/intermenstruais, de proteger contra doenças sexualmente transmissíveis e não causar efeitos colaterais foram igualmente considerados atributos importantes, não sendo, porém, os mais importantes.11 Em relação à opinião de parceiros, familiares, amigos e da comunidade religiosa, as mulheres deste estudo classificaram-na como pouco importante no processo de decisão contracetiva.11
Já o preço foi considerado por cerca de metade das mulheres deste estudo a maior barreira à contraceção,11 como num outro realizado no Canadá.22 Por sua vez, num trabalho realizado por uma universidade privada de São Paulo constatou-se que os fatores que mais influenciavam a decisão do método contracetivo na mulher eram o de não provocar efeitos colaterais e, seguidamente, a acessibilidade ao método.9 O fator preço não foi um fator de grande influência na escolha contracetiva destas mulheres.9
Uma outra investigação realizada numa Unidade Básica de Saúde no Rio de Janeiro concluiu que cerca de metade das mulheres estudadas escolheram o seu método devido à facilidade no seu uso/aplicação e por ser seguro, enquanto apenas 20% das mulheres foram influenciadas pela opinião do médico e cerca de 7% escolheram-no por indicação de amigos.4
Os resultados obtidos neste estudo permitem-nos alertar os médicos de família, que realizam consultas de planeamento familiar, para os fatores mais valorizados pelas mulheres e que não poderão ser esquecidos quando se procura auxiliá-las a escolher o seu método contracetivo. Como se verificou anteriormente, a eficácia e a segurança dos métodos, assim como a facilidade em aplicá-los/utilizá-los, são considerados de grande importância e deverão merecer detalhada abordagem pelo médico assistente. Deve-se procurar também neste esforço de esclarecimento, fazê-lo com tempo e abertura para que a mulher possa refletir sobre essa escolha, evitando que escolha precipitadamente um método apenas porque ele é mais conhecido/familiar e que poderá até nem ser o mais adequado às suas necessidades.
Igualmente importante pareceu ser o conhecimento sobre o impacto a nível da menstruação mensal e o impacto ou controlo das irregularidades menstruais. Assim, deverá o médico de família, para além dos pontos anteriormente discutidos, abordar estas questões de forma clara para auxiliar à tomada de decisão.
Verificou-se que as mulheres também reconhecem a importância do método contracetivo proteger contra doenças sexualmente transmissíveis. Aliás, algumas mulheres, após o preenchimento do questionário, acrescentaram que embora tivessem consciência que o método que utilizavam não as protegia das doenças sexualmente transmissíveis achavam que essa proteção era algo muito importante a ter em consideração. Esta informação foi obtida verbalmente e não foi quantificada.
Eventuais efeitos adversos da contraceção, por exemplo, náuseas, vómitos e aumento de peso, devem ser também discutidos na consulta, pela preocupação referida por parte das mulheres sobre este tópico.
Verificou-se que a acessibilidade dos métodos, ou seja, a facilidade com que as mulheres os obtêm, foi bastante importante no momento da decisão do contracetivo, assim como outras vantagens adicionais dos métodos contracetivos, como atenuar a dismenorreia e o acne, bem como diminuir o fluxo menstrual. Estes são tópicos que devem ser abordados numa consulta.
Por outro lado, verificou-se que o preço do método não parece ser algo que influencie particularmente a escolha destas mulheres. Ao averiguar se o facto de receberem/colocarem o método de forma gratuita na USF, ou não, influenciaria essa opinião, os dados obtidos não confirmam essa tese. Com efeito, independentemente de se comprar ou receber/colocar gratuitamente o contracetivo, o preço do método não parece determinante/relevante na escolha das mulheres.
A duração do método, ou seja, o número de dias/meses ou anos até à substituição do mesmo também não configurou ser das variáveis consideradas mais importantes.
Quanto à divulgação do método e ao seu impacto na decisão da mulher verifica-se que apenas a publicidade/divulgação nas USF poderá ter alguma influência na escolha de algumas mulheres. Será, assim, interessante disponibilizar panfletos/informação nas salas de espera das USF, uma vez que poderão revelar-se instrumentos auxiliares no esclarecimento das mulheres, algo que as mesmas parecem valorizar.
Apesar de este ser um trabalho inovador para a população estudada, uma vez que não dispomos de literatura relativamente aos fatores que motivam a opção por métodos contracetivos nas mulheres da região centro, devem ser reportadas algumas limitações. A primeira, referente à dimensão da amostra, é o facto de ser constituída apenas por 127 mulheres. Procurou-se, no entanto, limitar o enviesamento daqui resultante com a aleatoriedade da amostra. Outra potencial limitação foi o facto das participantes não terem a opção de escrever outros fatores para além dos que estavam incluídos no questionário, ou seja, não foi disponibilizada a opção «outros motivos». No entanto, esta foi uma opção deliberada para facilitar a análise dos dados obtidos. Por fim, apesar de multicêntrico, uma vez que foi realizado em três unidades funcionais distintas, é importante referir que todas as participantes eram residentes em apenas dois concelhos.
Conclusão
A escolha do método contracetivo é uma escolha individual que deverá ser livre e esclarecida, beneficiando de um aconselhamento por parte do médico de medicina geral e familiar. O conhecimento, por parte deste, dos fatores que a mulher considera mais importantes na escolha do método contracetivo são fundamentais para que o médico de família se possa capacitar e contribuir para uma escolha esclarecida da mulher. Neste estudo verificou-se que os fatores que as mulheres consideram mais importantes no momento da decisão são a segurança (78,7% das mulheres) e a eficácia do método (78%). A opinião do médico, reforçando a importância das consultas de planeamento familiar e o papel do mesmo no processo de decisão do método contracetivo, foi igualmente bastante valorizada, com 59,1% das mulheres a considerarem-na muito importante.
Contribuição dos autores
Dra. Rebeca Cunha - Responsável pela conceptualização do artigo, pelo desenvolvimento e desenho da metodologia, pela aquisição de dados, pela análise formal do artigo, pelo processo de pesquisa e investigação, pela validação da reprodutibilidade geral dos resultados, pela redação do rascunho inicial, pela revisão e edição do trabalho publicado e pela apresentação e tratamento de dados.
Dr. António Ferreira - Responsável pela conceptualização do artigo, pelo desenho da metodologia, pelo processo de pesquisa e investigação, pela validação da reprodutibilidade dos resultados, pelo fornecimento de recursos, pela revisão e edição do trabalho publicado, pela supervisão e gestão do planeamento e execução da atividade de pesquisa e pela apresentação de dados.
Dr. Luiz Santiago - Responsável pela conceptualização do artigo, pela análise formal, pela validação da reprodutibilidade dos resultados, pelo fornecimento de recursos, pela revisão e edição do trabalho publicado, pela apresentação e tratamento de dados e pela programação e desenvolvimento de software.
Não foi pedido apoio financeiro para este projeto.