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Tourism & Management Studies

versão impressa ISSN 2182-8458

TMStudies vol.11 no.2 Faro jul. 2015

https://doi.org/10.18089/tms.2015.11214 

GESTÃO - ARTIGOS CIENTÍFICOS

 

Relacionamentos colaborativos e desempenho: uma análise sob a perspectiva dos clientes

 

Collaborative relationships and performance: an analysis from the customers’ perspective

 

 

Ramon Silva Leite1; Humberto Elias Garcia Lopes2; Roberto Giro Moori3

1Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Administração, Av. Itaú, 525 - Bairro Dom Cabral - Belo Horizonte/MG – 30535-012- Brasil, ramonsl@pucminas.br
2Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Administração, Av. Itaú, 525 - Bairro Dom Cabral - Belo Horizonte/MG – 30535-012- Brasil, heglopes@pucminas.br
3Universidade Presbiteriana Mackenzie, Programa de Pós-Graduação em Administração, Rua da Consolação, 896, São Paulo, SP - 01302-907 – Brasil, roberto.moori@mackenzie.br

 

 


Resumo

Dentro da perspectiva do Marketing de Relacionamento, diversos estudos verificaram os efeitos positivos dos relacionamentos de longo prazo para os fornecedores. No entanto, considerando que essa perspectiva prevê uma relação ganha-ganha, os efeitos desses relacionamentos para os clientes foram pouco estudados. O presente estudo procurou verificar, empiricamente, a existência de uma correlação positiva entre relacionamento colaborativo com os fornecedores e desempenho dos clientes (no caso as indústrias de calçados), assim como os antecedentes desse relacionamento. Para isso, foi realizado um survey junto a uma amostra de duzentos e onze indústrias. Os dados coletados passaram por diversas análises, dentre elas a Modelagem de Equações Estruturais. Os resultados comprovaram que a comunicação e o comprometimento influenciam, de forma positiva e significativa, os relacionamentos colaborativos. Verificou-se ainda que relacionamentos colaborativos contribuem para um melhor desempenho dos clientes. Conclui-se que a forma de relacionamento entre as indústrias e seus fornecedores influencia o desempenho delas.

Palavras-chave: Relacionamentos colaborativos, desempenho, comprometimento, confiança, equações estruturais.


Abstract

From the Relationship Marketing perspective, several studies identified positive effects of long-term relationships on suppliers. However, considering this perspective comprises win-win relationships, the effects of these relationships on customers are poorly  analyzed. This paper empirically tests the existence of a positive correlation between collaborative relationships with suppliers and performance of customers (footwear industries), as well as the antecedents of these relationships. The research considered a sample of two hundred and eleven industries. The data were analysed  with quantitative techniques, including the structural equation modeling. The results indicate that communication and commitment influenced the collaborative relationships in a positive and meaningful way. The same results also indicated that collaborative relationships contributed for better customer performance. Based on these results this paper concluded that the form of relationship between industries and their suppliers influences their performance.

Keywords: Collaborative relationships, performance, commitment, trust, structural equation modeling.


 

 

1.      Introdução

Os relacionamentos colaborativos entre fornecedores e clientes têm sido uma das formas encontradas pelas empresas para atuarem de maneira mais coesa, ao mesmo tempo que procuram obter benefícios mútuos.

Dentro da perspectiva do Marketing de Relacionamento, diversos autores destacam os efeitos positivos dos relacionamentos de longo prazo para as empresas fornecedoras, tais como receitas maiores, custos reduzidos e melhoria da performance financeira da empresa. Graca, Barry e Doney (2015) destacam que há evidências de que comportamentos confiáveis entre parceiros conduzem a parcerias bem sucedidas. No entanto, na perspectiva de uma relação ganha-ganha, onde os benefícios devem ser para todos os envolvidos, os efeitos desses relacionamentos para os clientes foram pouco estudados. Nesse sentido, esse estudo procurou verificar, empiricamente, a existência de uma correlação positiva entre relacionamento colaborativo com os fornecedores e o desempenho das empresas produtoras de calçados, assim como os antecedentes desse relacionamento. De forma mais específica, este trabalho analisou o relacionamento entre indústrias calçadistas e seus fornecedores, tendo como referência os trabalhos do IMP - Industrial Marketing and Purchasing. O IMP é um grupo de pesquisa europeu, formado em 1976 por pesquisadores de cinco países da Europa (Ford, Gadde, Håkansson & Snehota, 2011).

O trabalho buscou ainda identificar as variáveis preponderantes no relacionamento entre as empresas produtoras de calçados e seus fornecedores, assim como refinar as escalas utilizadas, além de validar e operacionalizar os construtos identificados como preponderantes no relacionamento.

 

2.      Referencial teórico

O modelo de pesquisa proposto utiliza, como variáveis que influenciam o relacionamento colaborativo, a confiança, a adaptação, a dependência, a comunicação e o comprometimento, e como consequência o desempenho. Esses construtos são abordados a seguir, iniciando pelo construto dependência.

2.1    Dependência

O nível de dependência de uma parte em relação à outra é uma importante característica dos relacionamentos entre empresas (Anderson & Narus, 1990). Num relacionamento interfirmas os envolvidos normalmente precisam um do outro. O relacionamento os ajuda a obter recursos e habilidades complementares, os quais isoladamente dificilmente seriam obtidos (Heide & John, 1988).

Para Andaleeb (1996), a dependência será maior quando os recursos requeridos não puderem ser encontrados facilmente e quando as metas puderem ser alcançadas somente com o relacionamento. Assim, a dependência tende a aumentar quando os resultados do relacionamento são comparativamente maiores ou melhores do que os disponíveis em outros relacionamentos alternativos. As relações caracterizadas por baixa dependência não garantem nem tempo nem esforço para interações mais próximas. Desse modo, a baixa dependência pode reduzir o desenvolvimento de confiança mútua entre parceiros. De outra forma, relações com alta e mútua dependência normalmente envolvem extensas interações pessoais, troca de informações e integração de recurso. Tais interações proveem da oportunidade para que a colaboração surja e desenvolva (Gao, Sirgy & Bird, 2005).

2.2    Confiança

Nos relacionamentos entre empresas (B2B) o construto confiança tem recebido significativa atenção. Para Day, Fawcett, Fawcett  e Magnan (2013), confiança compreende os atributos intangíveis construídos ao longo do tempo para lidar com as vulnerabilidades comuns em relacionamentos comprador / fornecedor.

Segundo Mondini, Machado e Scarpin (2013) um dos instrumentos mais eficazes no relacionamento é a confiança mútua. Quanto mais aberta e clara a negociação, maiores serão as chances de um bom relacionamento.

Morgan e Hunt (1994) ressaltam que relacionamentos entre empresas caracterizados pela confiança são tão altamente valorizados que as partes envolvidas desejarão comprometer-se com tais relações. Já Claro e Claro (2004) verificaram empiricamente que quando a confiança é alta os relacionamentos tendem a ser mais colaborativos e que a repetição das transações fortalece a confiança.

Leonidou, Palihawadana e Theodosiou (2006) salientam que a confiança encoraja o desejo de continuar e fortalecer a relação, sendo um componente essencial para relações mais próximas e colaborativas. Dessa forma, a confiança é uma condição prévia importante para realçar a cooperação entre vendedores e compradores, pois favorece a crença tanto da habilidade como da intenção dos envolvidos em trabalharem próximos para juntos alcançarem seus objetivos. Quando as partes envolvidas numa relação de negócios confiam entre si, é mais provável que ambas se envolvam em comportamentos que levam a um resultado positivo e/ou previne resultados negativos que, consequentemente, as façam sentir-se mais satisfeitas uma com a outra.

2.3    Comprometimento

Morgan e Hunt (1994, p. 23) definem comprometimento como “a crença que um dos parceiros tem de que o relacionamento existente é tão importante que vale a pena garantir máximos esforços para mantê-lo”. Já para Moorman, Deshpande e Zaltman (1993, p. 84), comprometimento é “o desejo contínuo de manter um relacionamento valioso”. Para esses autores, o comprometimento é capaz de fortalecer a resistência a mudanças e resultar em relacionamentos mais próximos e colaborativos.

Hakansson e Snehota (1995) salientam que a construção do relacionamento entre duas empresas está intimamente relacionada ao processo de desenvolvimento de comprometimento mútuo. Como a visão da empresa para com seu parceiro está sempre incompleta e incerta, o desenvolvimento do relacionamento sempre requer certo grau de comprometimento. Assim, o comprometimento demonstra uma tendência de manter o curso das ações, com base em expectativas, sendo, até certo ponto, um "ato de fé" pelo qual os envolvidos lidam com as incertezas e as complexidades das situações. Assim, o comprometimento só faz sentido se o futuro for importante para a relação.

Para Sheth, Mittal e Newman (2008), no relacionamento entre empresas o comprometimento dos envolvidos não se limita a cumprir determinadas obrigações contratuais. Para esses autores, o comprometimento se manifesta em comportamentos cooperativos, referindo-se a uma disposição mental de não fazer nada que possa prejudicar o relacionamento e fazer todo o esforço necessário para fortalecê-lo. Assim, para esses autores, a cooperação é influenciada pelo comprometimento.

2.4    Comunicação

A comunicação é crítica para o sucesso organizacional (Mohr & Spekman, 1994). Para Duncan e Moriarty (1998), tudo que uma empresa faz ou não faz, envia uma mensagem com diferentes impactos. Dessa forma, comunicação, ou troca de informações, é um importante construto nos estudos sobre relacionamento (Mohr & Spekman, 1994), já que não há como estabelecer nem manter um relacionamento se as partes não se comunicarem. Segundo Duncan e Moriarty (1998), a comunicação é o elemento primário de integração no gerenciamento de uma relação, além de ser a plataforma na qual as relações são construídas.

A troca de informações pode ser útil para clientes e fornecedores, pois o maior compartilhamento de informações pode indicar que as partes consideram o relacionamento importante, sem haver exatamente um proprietário da informação. A troca de informações pode incrementar a qualidade e facilitar o desenvolvimento de novos produtos, bem como aumentar o comprometimento nos relacionamentos. Nesse sentido, segundo Brito, Brito e Hashiba (2014), o intercâmbio de informações é amplamente utilizado como uma proxy de cooperação.

Considera-se ainda que um sistema de comunicação pode aumentar a colaboração no relacionamento, porque as partes envolvidas podem colaborar mais eficientemente e discutir com maiores detalhes tópicos importantes de interesse comum (Weitz & Jap, 1995). Uma comunicação efetiva também permite a vendedores e compradores ter um entendimento claro das expectativas, do desempenho e das normas inerentes ao relacionamento. Assim, altos níveis de comunicação irão aumentar a colaboração. Dessa forma, Mohr e Spekman (1994) alegam que para se obter os benefícios da colaboração uma comunicação efetiva entre os parceiros é essencial.

2.5    Adaptação

Adaptação é uma característica central nos relacionamentos entre empresas (Hallén, Johanson & Seyed-Mohamed, 1991). Normalmente, a questão de coordenar atividades de parceiros heterogêneos pode envolver uma adaptação, por alterar processos internos para acomodar a outra parte (Hallén et al., 1991; Hakansson &. Snehota, 1995).

Quando fornecedores e clientes frequentemente estabelecem e desenvolvem relacionamentos entre si e quando os negócios em tais relacionamentos correspondem a consideráveis parcelas das vendas do fornecedor e/ou das necessidades dos clientes, há razões para acreditar que significativas adaptações ocorram. Consequentemente, é de se esperar que o fornecedor se adapte às necessidades específicas de importantes clientes, ao mesmo tempo que clientes se adaptem às capacidades de fornecedores específicos (Hallén et al., 1991).

Para Hakansson e Snehota (1995), duas empresas num relacionamento tendem a modificar e adaptar continuamente os produtos negociados, bem como rotinas e regras de conduta para melhorarem seu desempenho. Assim, tanto adaptações técnicas em características de produto ou no processo de produção, quanto adaptações em atividades administrativas e logísticas são típicas de relacionamento entre organizações. Nesse sentido, nas relações entre empresas, onde a adaptação é grande, tanto compradores como vendedores farão um esforço particular para assegurar a continuidade da relação.

2.6    Relacionamento colaborativo

Metcalf, Frear e Krishnan (1992) sustentam que compradores e vendedores, pressionados a atender à demanda numa competição global, estão, progressivamente, desenvolvendo esforços colaborativos para produzir produtos de qualidade e, ao mesmo tempo, reduzir custos. Esse trabalho é focado em relacionamentos colaborativos com fornecedores, definidos como um reconhecimento mútuo e compreensivo de que o sucesso de cada firma depende em parte da outra firma. Assim, cada firma toma ações para prover um esforço coordenado, focado em satisfazer os requisitos do outro (Claro & Claro, 2004).

Estudos têm comprovado que relacionamentos de longo prazo com fornecedores baseados na colaboração levam a desempenhos superiores (Chen, Paulraj & Lado, 2004; Metcalf et al., 1992; Mondini et al., 2013).

Para Cao e Zhang (2011), relacionamentos colaborativos podem ajudar as empresas a compartilhar riscos, acessar recursos complementares, reduzir os custos de transação, aumentar a produtividade, melhorar a lucratividade e obter vantagem competitiva de longo prazo. Em mercados que a oferta de insumos é restrita, a manutenção desses relacionamentos com fornecedores torna-se um importante fator de competitividade.

Relacionamentos dessa forma devem estar embasados na cooperação mútua, entendido que eles fazem parte de um sistema maior, em que as partes estão inter-relacionadas, ou seja, as ações de um interferem na atuação do outro. Assim, conforme afirmam Claro e Claro (2004), relacionamento colaborativo entre fornecedor e comprador representa um ativo importante da empresa e deve ser tratado com lógica similar àquela aplicada a qualquer outro tipo de investimento.

2.7    Desempenho

A complexidade e a multidimensionalidade do desempenho empresarial trazem uma dificuldade inerentemente difícil para a seleção de um esquema conceitual para definir desempenho e na identificação de medidas disponíveis e acuradas para operacionalizá-la (Venkatraman & Ramanujam, 1987; Perin & Sampaio, 1999).

Muitos dos trabalhos que avaliam desempenho utilizam dados secundários provenientes de bases de pesquisa. Porém esses dados nem sempre estão disponíveis. Segundo Perin e Sampaio (1999), os pesquisadores da área de Administração encontram dificuldades em obter dados objetivos válidos para a mensuração do desempenho empresarial. Quando se trata de pequenas empresas, os problemas são ainda maiores, pois muitas vezes esses dados não são facilmente obtidos, principalmente de forma secundária.

Outra alternativa, também muito usual, seria obter esses dados de forma subjetiva. Diversos trabalhos (Venkatraman & Ramanujam, 1987; Perin & Sampaio, 1999) já demonstraram as relações positivas e significativas entre medidas objetivas e medidas subjetivas de desempenho. É certo que as medidas objetivas, quando corretas e disponíveis, devem ter prioridades, no entanto as medidas subjetivas de desempenho vêm sendo usadas com grande frequência por pesquisadores da área de Administração.

 

3.      Modelo de pesquisa

Com base nos construtos vistos anteriormente, chegou-se ao modelo de pesquisa mostrado na Figura 1, por meio do qual buscou-se mapear as variáveis relevantes do relacionamento colaborativo entre as empresas produtoras de calçados e seus fornecedores.

 

 

A Figura 1 representa o modelo conceitual pesquisado, o qual assume que dependência, confiança, comprometimento, comunicação e adaptação são antecedentes de relacionamento colaborativo e o influenciam positivamente. Além disso, considera-se que relacionamento colaborativo influencia positivamente o desempenho. Tais hipóteses foram propostas com base nos trabalhos de Mohr e Spekman (1994) {H1}, Leonidou et al. (2006) {H2, H3, H4}, Su, Song, Li e Dang (2008) {H5} e Cao e Zhang (2011) {H6}.

Tal modelo foi desenvolvido especificamente para este trabalho, porém foi baseado em outros já existentes, desenvolvidos por estudos similares, como os de Claro e Claro (2004), Metcalf et al. (1992), Mohr e Spekaman (1994), Anderson e Narus (1990) e Leonidou et al. (2006).

A seguir é apresentada a metodologia utilizada na pesquisa.

 

4.      Metodologia

Esta pesquisa consistiu num estudo descritivo quantitativo, no qual se buscou verificar relações entre determinadas variáveis. Para isso, optou-se por realizar um levantamento do tipo survey, com base num corte transversal.

O questionário utilizado, desenvolvido com base nos trabalhos de Leonidou et al. (2006), Mohr e Spekman (1994), Heide e John (1988) e Claro (2004), continha cinco partes. A primeira abordou as características do entrevistado. A segunda parte do questionário abordou as características do relacionamento entre os fabricantes de calçados e seus fornecedores. A terceira parte procurou caracterizar o principal fornecedor da empresa. A quarta e maior parte do questionário continha os 42 itens referentes aos construtos do modelo. A quinta e última parte do questionário abordou as características da empresa pesquisada.

A coleta de dados foi conduzida ao longo de dois meses. A população da pesquisa foram as indústrias de calçados associadas ao SINDINOVA que estavam instaladas em Nova Serrana. Optou-se por esse critério de seleção para se ter uma amostra mais homogênea. Dessa forma, o questionário foi distribuído a 293 empresas, sendo que destes 211 foram respondidos, constituindo-se na amostra final.

Após a coleta, os dados foram tabulados e conferidos, corrigindo-se todas as falhas encontradas. A partir de então, os dados passaram por diversos tratamentos, a fim de atender aos objetivos do estudo.

Inicialmente, os dados passaram por uma análise preliminar, que incluiu a análise de dados ausentes e valores extremos. Posteriormente, foram verificados os pressupostos de normalidade, linearidade e multicolineariedade, importantes para a análise multivariada. Na sequência foram tratadas as questões inerentes ao teste do modelo de pesquisa, fazendo uso dos aplicativos AMOS 5.0, LISREL 8.3, SPSS 16 e SMARTPLS.

 

5.      Análise dos dados e apresentação dos resultados

5.1    Características da amostra

Constatou-se que os respondentes, em sua maioria, ocupam cargos de decisão, possuem ensino médio completo e têm até 40 anos de idade. Já com relação ao perfil das empresas pesquisadas, verificou-se que grande parte delas estava no mercado há mais de 12 anos, com a maioria fabricando de 300 a 1200 pares de calçados diariamente, principalmente tênis e sandálias femininas adultas. A maior parte delas era de micro ou de pequeno porte, considerando tanto o número de funcionários como o seu faturamento.

Finalizando a caracterização da amostra, procurou-se compreender melhor a relação das empresas fabricantes de calçados com seus principais fornecedores. De forma geral, constatou-se que os fabricantes acreditam que são menores que os fornecedores. Além disso, a maioria das empresas afirmou que compra tanto das revendas localizadas na cidade como diretamente do fabricante da matéria-prima. O fornecedor considerado mais importante fornece principalmente materiais sintéticos ou couro. Normalmente, as empresas concentram de 30% a 70% das compras desse produto em seu principal fornecedor.

5.2    Análise preliminar dos dados

Em relação aos dados ausentes, constatou-se a existência de 67 perguntas em branco, representando 0,59% da matriz de dados. Considerando que a quantidade de dados ausentes foi bastante reduzida e dispersa, e que a mera exclusão poderia trazer um viés nos resultados (Hair, Anderson & Tatham, 2007), propôs-se uma reposição dos dados ausentes com base nos valores observados das variáveis presentes no estudo. Utilizando um procedimento Stepwise os dados ausentes foram repostos por meio do procedimento de regressão. Dessa forma, eliminaram-se os problemas de dados ausentes na base de dados.

Com relação aos valores extremos, usando um limite moderado segundo o intervalo interquartil (IQ), 129 respostas foram consideradas extremas. Usando as sugestões correntes (Tabachnick & Fidell, 2001), tais respostas foram substituídas por valores menos ofensivos, tendo como limites os valores Q1 - 1,5 x IQ e Q3 + 1,5 x IQ. Assim, não permaneceram casos extremos no estudo.

Quanto à avaliação da normalidade, o teste de Jarque-Bera foi significativo para 68% das variáveis (p < 0,01), demonstrando desvios expressivos da normalidade. Buscando reduzir tais problemas, tentaram-se várias transformações de variáveis. Escolhendo a alternativa que implica menor desvio global da normalidade, obteve-se uma matriz cujos vetores ainda discrepavam significativamente da normalidade. Considerando a inaptidão do procedimento, decidiu-se manter as variáveis em seu formato original e proceder a análises aceitando que os dados do estudo não seguem uma distribuição normal.

Já a linearidade dos relacionamentos dos indicadores foi testada por meio do coeficiente de Pearson e de diagramas de dispersão, mas nenhum desvio preocupante foi identificado. Assim, as variáveis podem ser vistas como se comportando dentro do padrão de linearidade. Já o grau de redundância avaliado pelos procedimentos de multicolinearidade entre as variáveis não indicou correlações maiores que 0,90 em módulo.

5.3    Validação das Escalas

Considerando a necessidade de avaliar se houve congruência entre as medidas efetuadas e a teoria subjacente, procedeu-se à avaliação da confiabilidade e da validade das medidas, descritos nos tópicos a seguir.

5.3.1       Análise da dimensionalidade

A avaliação da dimensionalidade foi obtida por meio da análise fatorial exploratória. O objetivo de se usar o critério de Kaiser foi verificar se, segundo o critério mais tradicional de extração de fatores, ocorreria a extração de somente um componente. Usando tal procedimento, obtiveram-se valores unidimensionais para cinco das variáveis analisadas, com boas medidas de ajuste em grande parte delas. Os resultados podem ser observados na Tabela 1.

 

 

Para o construto confiança, todos os indicadores entraram corretamente numa solução de uma dimensão. Salienta-se que as condições para aplicação da AFE foram consideradas satisfatórias, em especial devido ao elevado valor da medida KMO, maior que 0,800. Já o construto comunicação é unidimensional e o fator extraído explica 64% da variação observada. Além disso, a medida KMO, de 0,861, pode ser considerada “ótima” (Hair et al., 2007). Assim, este construto também teve atendido o pressuposto de unidimensionalidade.

Constatou-se que o construto adaptação apresentou dois fatores: um se refere a modificações estruturais e o outro à flexibilidade, sendo que a condição amostral não foi favorável à aplicação da AFE para este construto. Tais condições desfavoráveis denotam que, possivelmente, o construto apresenta resultados incoerentes, que podem determinar a eliminação de uma de suas dimensões, ou ambas, nas etapas posteriores do estudo. O construto comprometimento mostrou-se estável, com variação explicada de 58%. Além disso, as medidas KMO se mostraram satisfatórias.

Já o construto relacionamento colaborativo só obteve uma solução unidimensional após exclusão de três indicadores. O indicador unidimensional remanescente demonstra variância explicada de 54% e medida KMO de 0,832.

Por fim, a análise do construto desempenho mostra que este é unidimensional, com variância explicada de 51%.

Desse modo, pode-se dizer que os pressupostos de unidimensionalidade foram atendidos ou que, nos casos de violação, encontrou-se uma dimensionalidade correta dos construtos por meio da AFE.

5.3.2       Análise da confiabilidade

A próxima etapa do estudo foi avaliar a confiabilidade das medidas usando o coeficiente alfa de Cronbach. A literatura cita que valores superiores a 0,80 são considerados adequados, mas um limite de 0,60 poderia ser aceitável sob condições exploratórias (Malhotra, 2012). A Tabela 2 mostra a confiabilidade das escalas deste estudo.

 

 

Considerando os limites de 0,60 para a adequação das medidas de confiabilidade e usando o procedimento de correlação, pode-se dizer que as medidas de adaptação e dependência (dimensão 2) apresentaram medidas de validade abaixo dos limites aceitos. Considerando tais condições, preferiu-se excluir os indicadores do construto dependência 2 das análises subsequentes de validade, bem como se buscou na etapa seguinte identificar qual das duas dimensões de adaptação apresenta melhores propriedades de mensuração.

5.3.3 Validade de construto: convergente, discriminante e nomológica

Considerando que parte significativa das escalas apresentou resultados aceitáveis em termos de validade das suas medidas, foi feita a avaliação da validade das medições. Para isso, aplicou-se o método de estimação por Mínimos Quadrados Parciais (Partial Least Squares - PLS) para avaliar a primeira componente da “validade de construto” (validade convergente).  A despeito de a amostra alcançar um patamar genérico aceitável de 200 casos (Hair Jr. et al., 2007), usando o número de parâmetros na matriz de correlação seria necessária uma amostra maior. Desse modo, para além de malogrado o uso de uma estimativa por meios tradicionais, devido ao tamanho da amostra, tais condições veem ainda deterioradas em razão do desvio da normalidade. Assim, uma opção plausível foi o PLS, que não faz suposição sobre a distribuição das variáveis e têm exigências bem inferiores em termos do tamanho da amostra.

Excluindo os indicadores que não atingiram o critério da significância das cargas fatoriais, chegou-se a um modelo reduzido de validade aceitável, demonstrando a aceitação da qualidade de mensuração. No entanto, uma dimensão do construto dependência foi excluída, pois seus indicadores não passaram no patamar mínimo de validade convergente. A dimensão 1 de adaptação também foi excluída, devido a problemas de validade.

Com o objetivo de apresentar um resumo do quadro de mensuração, demonstrando as medidas de confiabilidade composta e variância média extraída, tal como sugerem Fornell e Larcker (1981), foi desenvolvida a Tabela 3.

 

 

As medidas de adequação da medição ficaram acima dos patamares aceitos de 0,70 para confiabilidade composta (Hair Jr. et al., 2007) e 0,40 para variância extraída (Fornell & Larcker, 1981), indicando uma adequada operacionalização conceitual dos construtos que suportam seu uso subsequente. Na sequência, foi avaliada a validade discriminante das escalas. Empregou-se o método sugerido por Fornell e Larcker (1981), averiguando se a variância média extraída dos indicadores é maior que a variância compartilhada entre os construtos teóricos (R2 é obtido por meio da correlação dos escores estimados no SMARTPLS). Esses resultados encontram-se na Tabela 4.

 

 

Observa-se que houve uma ligeira violação da validade discriminante quando se observam as variáveis relacionamento colaborativo e comprometimento. Atenta-se que tal violação foi somente marginal, pois o percentual de variância compartilhada é somente 3% superior à variância explicada dos indicadores de relacionamento colaborativo. Para este caso, foi feito o teste de avaliação do grau de correlação desatenuada, conforme sugerem Netemeyer, Bearden e Sharma (2003). Neste caso, a correlação desatenuada foi de 0,867, demonstrando que mesmo que os indicadores dos construtos fossem perfeitamente confiáveis a correlação esperada entre as medidas seria menor que 1, apresentando evidências da validade discriminante dos construtos comprometimento e relacionamento colaborativo.

Como última etapa da validade de construto, procedeu-se ao teste do grau em que os relacionamentos teoricamente previstos foram suportados pelos dados empíricos. Os resultados encontram dispostos na Figura 2.

 

 

Pela Figura 2 constata-se que os principais antecedentes do relacionamento colaborativo são comunicação e comprometimento. Além disso, relacionamento colaborativo apresentou um R2 de 0,61. Ou seja, 61% da variação do relacionamento colaborativo pode ser explicada pelas variáveis independentes do modelo.

Constatou-se ainda uma relação significativa entre relacionamento colaborativo e desempenho. Outrossim mostrasse um baixo percentual de variância explicada do construto desempenho. Um resumo destes resultados pode ser visto na Tabela 5.

 

 

A Tabela 5 revela que foram encontradas correlações positivas entre comprometimento e relacionamento colaborativo, entre comunicação e relacionamento colaborativo e entre relacionamento colaborativo e desempenho, ao nível de significância de 5% ou menor. No entanto, não foram encontradas correlações positivas significativas entre confiança e relacionamento colaborativo, entre dependência e relacionamento colaborativo e entre adaptação e relacionamento colaborativo.

Esses resultados demonstram que, das seis hipóteses levantadas anteriormente, três foram rejeitadas e três não foram rejeitadas. Dessa forma, pode-se afirmar que houve validade nomológica parcial do modelo testado.

 

6. Conclusão

Quando se observa que o estudo foi realizado num setor produtivo constituído principalmente de empresas de menor porte, onde a proximidade geográfica e os laços sociais entre as pessoas envolvidas facilitam a disseminação de inovações de produto e de práticas gerenciais, foi possível obter uma melhor compreensão dos antecedentes e das consequências dos relacionamentos colaborativos verticais das empresas de menor porte. Assim, a verificação de que relacionamentos colaborativos contribuem para um melhor desempenho é um importante resultado desse estudo e confirma o que já havia sido observado por Mondini et al. (2013), Brito et al. (2014) e Cao e Zhang (2011).

Essa constatação pode ser atribuída, em parte, ao fato de que as empresas que se baseiam num relacionamento mais colaborativo com seus parceiros acabam reduzindo tanto os custos ex-ante de obtenção de informações, redação e negociação de contratos, por concentrar suas compras num grupo restrito de fornecedores, como os custos ex-post de coordenação das atividades e resolução de problemas, assim como os custos de desenvolvimento de novos produtos.

Outra conclusão do estudo foi que relações comumente encontradas em outras pesquisas não se mostraram significativas para o setor estudado. Isso mostra que nem sempre as constatações obtidas em outros estudos, em contextos diferentes, podem ser consideradas para a realidade brasileira. Isso, porém, não diminui a importância do estudo, já que a não aderência, no Brasil, de uma teoria construída em outra realidade também traz contribuições para os estudos acadêmicos brasileiros na área de Marketing. Assim, o modelo precisa ser mais bem adequado à realidade brasileira - mais especificamente, ao setor calçadista, que possui características distintas.

Outro objetivo do estudo foi refinar as escalas. É importante considerar que as escalas utilizadas foram traduzidas, adaptadas e testadas para a realidade brasileira. No entanto, foi necessária ainda a exclusão de alguns indicadores ao longo das análises de dimensionalidade e validade de construto. Após esses ajustes, observou-se que as escalas que compuserem o modelo final atingiram valores aceitáveis de validade e confiabilidade. Assim, o desenvolvimento de uma escala de mensuração do relacionamento colaborativo foi outro importante subproduto deste trabalho.

Embora diversos fatores possam influenciar as trajetórias das empresas, conclui-se que a forma de relacionamento entre as indústrias de calçados e seus fornecedores influencia o desempenho delas.

Diante dessas considerações, conclui-se que para os fabricantes de calçados é interessante que desenvolvam relacionamentos colaborativos com seus fornecedores mais importantes. Verificou-se que mesmo num setor caracterizado por empresas de pequeno e de médio porte a prática de relacionamentos colaborativos tem se tornado mais comum. Essa pode ser uma importante alternativa para o aumento da competitividade do setor, de forma a enfrentar a concorrência internacional em melhores condições. Normalmente, os estudos relacionados a esse tema têm como foco empresas de grande porte. Nesse sentido, essas evidências contribuem para um melhor entendimento das relações entre empresas de menor porte.

Cabe destacar ainda que a aplicação de um estudo como este constitui uma oportunidade única para a avaliação da generalidade de um modelo teórico, bem como para a certificação da validade do instrumento de pesquisa utilizado. O estudo mostrou que o modelo proposto precisa ser mais bem refinado. Porém, conforme frisam Gosling e Gonçalves (2003), “os modelos são uma tentativa de se explicar como a realidade se comporta”. Assim, cabe verificar se realmente o que se imagina (o modelo esboçado) traduz a realidade. Dessa forma, uma verificação de outros construtos que tenham impacto maior no relacionamento colaborativo e no desempenho talvez fosse interessante.

Os resultados obtidos são importantes ainda para comprovar que as variáveis preponderantes no relacionamento entre as indústrias calçadistas e seus fornecedores são comunicação e comprometimento e que as mesmas influenciam de forma positiva e significativa no relacionamento colaborativo.

Apesar da importância das conclusões e das contribuições deste estudo, é necessário reconhecer suas limitações e a necessidade de pesquisas adicionais.

A primeira limitação a ser ressaltada é que o modelo testado não apresentou um ajuste adequado. Nem todas as relações propostas se mostraram significativas. No entanto, como não se optou por partir de um modelo já testado, e sim por testar um novo modelo, acredita-se que seja aceitável que ele não tenha apresentado um ajuste adequado. Além disso, é importante reconhecer que o modelo talvez não tenha contemplado todas as dimensões e variáveis que influenciam o relacionamento colaborativo das empresas. Devido a isso, uma sugestão para futuros trabalhos seria a inclusão de outras variáveis no modelo. Outra limitação se deve à ausência de normalidade dos dados e ao tamanho da amostra. Com os pressupostos de normalidade atendidos e amostras maiores, seria possível utilizar o método de Estimação por Máxima Verossimilhança (MME), que permitirá verificar melhor a adequação do modelo. Essa seria uma sugestão para estudos futuros.

 

Referências

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Submetido: 10.06.2014
Aceite: 12.12.2014

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