Introdução
A dor mamária é um sintoma frequente, presente em 69% das mulheres em idade fértil, sendo moderada-severa em 11%1, podendo este valor estar subestimado2.
No que concerne à sua classificação, podem distinguir-se dois tipos: a mastalgia cíclica (ou mastodínia), pré-menstrual, tipicamente difusa e bilateral com possível irradiação axilar e para os membros superiores, que alivia com a menstruação, mais frequente na faixa etária entre os 30 e os 40 anos; a mastalgia não cíclica, unilateral, frequentemente localizada a um quadrante mamário, mais frequente em mulheres na perimenopausa. A mastalgia cíclica parece decorrer da estimulação hormonal do parênquima mamário, particularmente no final da fase lútea do ciclo menstrual. Tendo em conta a teoria hormonal, a mastalgia cíclica pode ter origem no aumento da secreção de estrogénios pelos ovários, na produção deficiente de progesterona e na hiperprolactinemia. Não existe ainda consenso quanto às duas primeiras, sendo a hiperprolactinemia aquela que é mais consensual. Inúmeras etiologias poderão estar subjacentes à mastalgia não cíclica, nomeadamente, patologia nodular, mastite periductal, estiramento do ligamento de Cooper, necrose traumática de adipócitos, mastopatia diabética ou neoplasia. A dor mamária requer, por isso, uma avaliação completa para a exclusão de patologia orgânica, particularmente na presença de alterações estruturais, exigindo uma abordagem clínica, imagiológica e histológica 3.
Sabe-se ainda, que o medo de doença oncológica e o impacto na qualidade de vida são os principais motivos que levam as mulheres a procurar cuidados médicos. Em relação ao primeiro, a exclusão dessa hipótese e a tranquilização das utentes poderá ser suficiente para resolver 86% das dores mamárias ligeiras e 52% das dores severas4. Relativamente ao segundo, sabe-se que a dor mamária pode interferir com a atividade sexual (48%), atividade física (37%), atividades sociais (12%) e atividades escolares (8%)5,6 e que após avaliação clínica, cerca de 15% das utentes beneficiam com tratamento médico7.
A Oenothera biennis é uma planta selvagem, nativa da América (mas agora difundida pela Europa e Ásia), com flores de cor amarela que se abrem à noite, extraindo-se das suas sementes o óleo de Onagra que é usado para fins medicinais, no apoio terapêutico de doenças inflamatórias, nomeadamente eczema, asma, artrite reumatóide, síndrome pré-menstrual, sintomas de menopausa e dor mamária8.
Farmacologia
O óleo de Onagra é rico em ácidos gordos essenciais ómega-6, incluindo ácido linoleico e ácido gamalinoleico. O seu efeito terapêutico parece estar relacionado diretamente com a ação dos ácidos gordos essenciais nas células do sistema imune9, e de forma indireta através da síntese de eicosanóides (prostaglandinas, citocinas e seus mediadores)10. Os ácidos gordos ómega-3 e ómega-6 reduzem os efeitos nefastos (inflamatórios e imunológicos) associados aos ácidos gordos insaturados e eicosanóides11.
O óleo de Onagra é geralmente bem tolerado, sendo os efeitos laterais mais frequentes os gastrointestinais e as cefaleias12-14. Pode apresentar interações com vários fármacos, tais como, inibidores da monoamina oxidase, anticonvulsivantes, antipsicóticos, analgésicos15. Porém, não tem efeito inibitório sobre a CYP3A4 (citocromo p450)16.
A suplementação durante a gravidez e lactação não é recomendada. A toma oral de óleo de Onagra durante a gravidez pode estar associada a equimoses e petéquias extensas e transitórias no recém-nascido17, a trabalhos de parto mais prolongados, a aumento do risco de rutura prematura de membranas, a trabalhos de parto estacionários, à necessidade de administração de oxitocina e de parto distócico com necessidade de ventosa18.
Formas de apresentação
O óleo de Onagra está disponível em cápsulas ou formas líquidas. De forma padronizada, uma cápsula de uma formulação comum de 1g, contém 0,62g de ácido linoleico, 0,08g de ácido gamalinoleico, 0,062g de ácido oleico19. Estes produtos devem ser armazenados fora do alcance da luz solar, em recipientes resistentes à luz, dentro de um frigorífico20.
Metodologia
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica em abril de 2020, utilizando os termos MeSH (mammalgia OR mastalgia OR mastodynia OR “breast pain”) AND ("Oenothera biennis" OR "evening primrose oil" OR onagraceae). Pesquisaram-se meta-análises (MA), revisões sistemáticas (RS), ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECAC) e normas de orientação clínica (NOC) nas principais bases de dados da PubMed, Cochrane Library, National Guideline Clearinghouse, DARE, TRIP Database, Bandolier, Canadian Guidelines, Index Revistas Médicas Portuguesas, publicadas entre janeiro de 2010 e março de 2020, em inglês e português. Foi utilizada a Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Family Physician, para atribuição dos níveis de evidência (NE) e forças de recomendação (FR).
A questão da revisão teve como base a estrutura PICO. A população em estudo foram as mulheres adultas (≥18 anos) com mastodínia cíclica. A intervenção avaliada consistiu na terapêutica com óleo de onagra, comparando com toma de placebo ou ausência de intervenção. Como resultado definiu-se a melhoria da mastodinia. Foram excluídas as mulheres com outras patologias mamárias que não mastodinia, mulheres com mastodinia secundária a cirurgia ou neoplasia da mama, usuárias regulares de AINE (Anti-inflamatório não esteróide), danazol, bromocriptina ou tamoxifeno recente (<3 meses), grávidas e lactantes.
Resultados
Da pesquisa bibliográfica realizada, resultaram 11 artigos. Excluíram-se 2 artigos por se encontrarem duplicados, 4 pela leitura do abstract e 1 após a sua leitura integral, tendo sido incluídos 4 artigos na revisão (Figura 1). Os artigos incluídos são revisões sistemáticas e artigos originais, encontrando-se resumidos na Quadro I.
A revisão sistemática de Goyal et al (2010)21visava encontrar, na evidência clínica disponível à data, a resposta à questão “Quais os efeitos dos tratamentos para a dor mamária?”. Foram encontrados 24 artigos, entre revisões sistemáticas, ensaios clínicos aleatorizados e artigos originais que cumpriam os critérios de inclusão definidos, dos quais 3 ensaios compararam a eficácia do Óleo de Onagra face ao placebo. Das conclusões obtidas, objetivou-se que dor mamária cíclica (mastodínia) poderá resolver espontaneamente em 20-30% das mulheres, mas tende a recorrer em 60%. A aplicação tópica de anti-inflamatórios não esteroides (AINE) é efetiva no alívio da dor mamária, devendo ser considerada primeira linha, uma vez que os seus benefícios superam os riscos. Contudo, foi possível concluir que o Óleo de Onagra não demonstra eficácia na melhoria da mastodínia, referindo-se mesmo que a licença para a sua utilização com esta finalidade, no Reino Unido, havia sido retirada por ausência de eficácia (Nível de evidência (NE) 2).
A revisão sistemática de Kataria et al (2013)3 tinha como objetivo a revisão da evidência, à data da sua publicação, sobre o conhecimento e abordagem da mastalgia. Concluiu-se que a dor mamária requer uma abordagem extensa, para a exclusão de uma causa orgânica subjacente, nomeadamente de etiologia neoplásica. Uma vez excluída causa orgânica, a abordagem centra-se numa tranquilização segura da paciente, aliada a um seguimento regular. Defendem que um adequado suporte mamário é fundamental, e que a aplicação tópica de AINEs como Diclofenac gel poderá ser eficaz. Contudo, assumem que, embora o Óleo de Onagra possa ter sido usado em ensaios com algum sucesso, uma meta-análise 22concluiu que o seu benefício na redução da dor é semelhante ao do placebo, o mesmo é assumido para o uso do ácido gama linoleico (um ácido gordo polinsaturado presente em elevada concentração no óleo de Onagra) isolado, concluindo-se globalmente que o seu uso é obsoleto e não eficaz (NE 2).
No artigo original de Jaarfarnejad et al (2017)23, foi desenvolvido um ensaio clínico quase-aleatorizado, que procurava abordar o efeito de diferentes terapêuticas no tratamento da mastodínia cíclica, tendo o Óleo de Onagra sido considerado num dos grupos deste estudo. Foi selecionada uma amostra de 90 mulheres com queixas de mastodínia cíclica, por pelo menos 5 dias consecutivos, em dois ciclos menstruais prévios, tendo sido excluída patologia orgânica subjacente. Esta amostra foi dividida em 3 grupos semelhantes, para avaliar o efeito de diferentes intervenções face à ausência de intervenção. A intervenção iniciava-se no início de um ciclo menstrual, o grupo do óleo de onagra consumia 2 cápsulas de 1000 mg deste composto, diariamente, tendo a intervenção decorrido durante dois ciclos menstruais consecutivos. A mastodínia era avaliada no início e fim de cada intervenção pelo preenchimento diário de um questionário sobre a dor e sua duração. No que concerne aos resultados obtidos, no grupo do óleo de onagra, embora a duração da mastodínia tenha diminuído, estes resultados não foram significativos. Pelo que se concluiu que o uso de óleo de onagra, pode reduzir a mastodínia cíclica, mas não existe evidência de uma redução significativa (NE 2).
O artigo original de Pruthi et al (2010)24 avaliou, também, o efeito do Óleo de Onagra no tratamento da mastodinia cíclica. Para esse efeito, desenvolveu-se um ensaio clínico randomizado, na qual uma amostra de 22 mulheres com mastodinia cíclica foi distribuída, durante 6 meses, por diferentes grupos, tendo-se comparado a intervenção com EPO (cápsula 1000mg de Óleo de Onagra e cápsula de placebo tid) versus Placebo (duas cápsulas de placebo tid). A avaliação da mastodinia foi feita no início e final da intervenção recorrendo-se ao questionário de dor modificado de McGill. No que diz respeito aos resultados, estes evidenciaram uma diminuição significativa das queixas álgicas com o tratamento EPO, contudo, não se verificou significância estatística na diminuição da mastalgia cíclica nesta comparação versus placebo (NE 2).
Discussão
Os estudos incluídos nesta revisão não demonstram uma eficácia significativa do Óleo de Onagra sobre o placebo, no tratamento da mastodínia cíclica, nas mulheres adultas sem patologia mamária subjacente.
Contudo, esta conclusão deve ser considerada com parcimónia, considerando as limitações desta revisão, destacando-se o número reduzido de estudos encontrados sobre o tema e a variabilidade na avaliação dos outcomes, uma vez que cada artigo inclui diferentes questionários e diferentes scores de avaliação de dor. Por outro lado, existem algumas limitações metodológicas nos estudos encontrados, nomeadamente heterogeneidade na dose de Óleo de Onagra usada, bem como no tempo de intervenção e o número reduzido de indivíduos incluídos nos grupos de comparação do Óleo de Onagra com o placebo. Além disso, destaca-se o facto do processo de seleção dos participantes ter sido quase-aleatório num dos estudos encontrados, no qual estava prevista a autoadministração da intervenção (placebo ou óleo de Onagra), o que pode ter constituído um fator de confundimento. Adicionalmente, nos estudos incluídos não foi objetivado o potencial de confundimento causado por outras variáveis como antecedentes pessoais e a terapêutica farmacológica em curso no período de intervenção. A tipologia dos artigos selecionados é ampla, o que torna difícil a extrapolação de conclusões que permitam definir níveis de evidência e de recomendação.
Como pontos fortes desta revisão aponta-se a atualidade e pertinência do tema, tendo em conta o potencial terapêutico que esta intervenção poderia ter, bem como a escassez de revisões deste tema na literatura. Apesar de não se ter verificado uma significância estatística desta terapêutica na melhoria da mastodinia cíclica, o seu benefício foi objetivado em alguns estudos.
Concluindo, não parece existir evidência sobre uma eficácia estatisticamente significativa do Óleo de Onagra em relação ao placebo no tratamento da mastodínia cíclica, com uma FR B. Não obstante, esta revisão evidencia a necessidade de se realizarem mais estudos nesta área, metodologicamente bem desenhados, de maiores dimensões e duração, com elevada qualidade.