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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.21 Coimbra jun. 2019
https://doi.org/10.12707/RIV18090
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Adaptação e validação para português da Escala de Motivos de Intenção de Abandono do Ensino Superior
Adaptation and validation to European Portuguese of the Reasons for Higher Education Dropout Scale
Adaptación y validación al portugués de la Escala de Motivos de Intención de Abandono de la Enseñanza Superior
Manuela Ferreira*
https://orcid.org/0000-0002-8452-2222
João Duarte**
https://orcid.org/0000-0001-7082-8012
José Luís Abrantes***
https://orcid.org/0000-0003-0565-7207
Lídia Cabral****
https://orcid.org/0000-0001-7306-5049
Raquel Guiné*****
https://orcid.org/0000-0003-0595-6805
Sofia Campos******
https://orcid.org/0000-0002-4696-3537
Ana Paula Cardoso*******
https://orcid.org/0000-0001-5062-4098
* Ph.D., Professora Coordenadora, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, 3500-843, Viseu, Portugal [mmcferreira@gmail.com]. Contribuição no artigo: conceção do projeto; criação e implementação do programa de intervenção formativa; análise e interpretação dos dados; redação do artigo e aprovação final da versão para submissão. Morada para correspondência: Rua D. João Crisóstomo Gomes de Almeida, n.º 102, 3500-843, Viseu, Portugal.
** Ph.D., Professor Coordenador, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, 3500-843, Viseu, Portugal [duarte.johnny@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise e interpretação dos dados; redação do artigo e aprovação final da versão para submissão.
*** Ph.D., Professor Coordenador, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Tecnologia e Gestão, CI&DETS, 3504-510, Viseu, Portugal [jlabrantes1966@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise e interpretação dos dados e redação do artigo.
**** Ph.D., Professora Coordenadora, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, 3500-843, Viseu, Portugal [lcabral@essv.ipv.pt]. Contribuição no artigo: conceção do projeto; criação e implementação do programa de intervenção formativa e redação do artigo.
***** Ph.D., Professora Coordenadora, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior Agrária, CI&DETS, 3500-606, Viseu, Portugal [raquelguine@esav.ipv.pt]. Contribuição no artigo: conceção do projeto; criação e implementação do programa de intervenção formativa e redação do artigo.
****** Ph.D., Professora Convidada, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, CI&DETS, 3500-843, Viseu, Portugal [sofiamargaridacampos@gmail.com]. Contribuição no artigo: conceção do projeto; criação e implementação do programa de intervenção formativa e redação do artigo.
******* Ph.D., Professora Coordenadora, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação, 3500-155, Viseu, Portugal [a.p.cardoso62@gmail.com]. Contribuição no artigo: conceção do projeto; criação e implementação do programa de intervenção formativa e redação do artigo.
RESUMO
Enquadramento: O abandono escolar é um problema com que os sistemas educacionais se debatem, colocando em causa a qualidade da instituição escolar e do próprio sistema de ensino.
Objetivos: Adaptar e avaliar as qualidades psicométricas da Escala de Motivos de Intenção de Abandono do Ensino Superior para os estudantes do ensino superior português.
Metodologia: Estudo quantitativo, transversal, descritivo e correlacional. Foi aplicado um questionário de caracterização sociodemográfica e a Escala de Motivos de Intenção de Abandono do Ensino Superior a uma amostra de 891 estudantes, maioritariamente feminina (68,2%), com uma idade média de 19,68 anos. Recorreu-se à análise fatorial exploratória e confirmatória.
Resultados: A escala composta por 30 itens, organizados em 4 dimensões: Organizacional; Gestão de vida; Profissional e Relacional. Apresenta uma variância explicada de 46,5%, e um alfa de Cronbach de 0,959.
Conclusão: Os resultados apoiam a adequação psicométrica da escala para a população portuguesa, indicando que poderá ser utilizada em ensaios futuros neste âmbito e permitir a implementação de medidas que o contrariem.
Palavras-chave: evasão escolar; ensino superior; estudos de validação; confiabilidade e validade
ABSTRACT
Background: School dropout is a problem education systems struggle with, which disputes the quality of the educational institution and the education system itself.
Objectives: To adapt and validate the psychometric qualities of the Reasons for Higher Education Dropout Scale for Portuguese higher education students.
Methodology: Quantitative, transversal, descriptive, and correlational study. A sociodemographic characterization questionnaire and the Reasons for Higher Education Dropout Scale were applied to a sample of 891 students, mostly female (68.2%), with a mean age of 19.68 years. Exploratory and confirmatory factor analysis was used.
Results: The scale, consisted of 30 items, is organized into 4 dimensions: Organizational; Life management; Professional; and Relational. It presents an explained variance of 46.5% and a Cronbach’s alpha of 0.959.
Conclusion: The results support the psychometric adequacy of the scale for the Portuguese population and indicate that it can be used in future studies in this area and allow the implementation of measures to prevent dropout.
Keywords: student dropouts; education, higher; validation studies; reliability and validity
RESUMEN
Marco contextual: El abandono escolar es un problema al que los sistemas educativos se enfrentan, y que pone en causa la calidad de la institución escolar y del propio sistema de enseñanza.
Objetivos: Adaptar y evaluar las cualidades psicométricas de la Escala de Motivos de Intención de Abandono de la Enseñanza Superior para los estudiantes de la enseñanza superior portuguesa.
Metodología: Estudio cuantitativo, transversal, descriptivo y correlacional. Se aplicó un cuestionario de caracterización sociodemográfica y la Escala de Motivos de Intención de Abandono de la Enseñanza Superior a una muestra de 891 estudiantes, mayoritariamente femenina (68,2%), con una edad media de 19,68 años. Se recurrió al análisis factorial exploratorio y confirmatorio.
Resultados: La escala estuvo compuesta por 30 ítems, organizados en 4 dimensiones: Organizativa; Gestión de la vida; Profesional y Relacional. Presenta una varianza explicada del 46,5% y un alfa de Cronbach de 0,959.
Conclusión: Los resultados apoyan la adecuación psicométrica de la escala para la población portuguesa, lo que indica que se podrá utilizar en ensayos futuros en este ámbito y permitir la implementación de medidas que lo contraríen.
Palabras clave: abandono escolar; educación superior; estudios de validación; confiabilidad y validez
Introdução
O abandono do ensino superior tem vindo a ganhar maior visibilidade política e social e tem, analogamente, constituído objeto de reflexão por parte da comunidade científica e das instituições (Ferreira & Fernandes, 2015). O acesso de um público heterogéneo ao ensino superior tem colocado às instituições de ensino superior novos desafios e novas responsabilidades, particularmente o de garantir a todos os estudantes condições de igualdade de oportunidades de permanência e de sucesso académico. As razões de abandono são muito diversas. Há áreas em que o abandono se relaciona com a grande procura no mercado de trabalho, ou seja, razões de natureza profissional e de gestão de vida. Noutras áreas, há razões sociais, económicas e pessoais, não se podendo descurar também os estudantes que abandonam por má relação com a instituição que frequentam. A utilização de instrumentos confiáveis é de suma importância na verificação da necessidade de intervenção no âmbito da promoção do sucesso académico. Assim, o objetivo do presente estudo é adaptar e avaliar as qualidades psicométricas da Escala de Motivos de Abandono do Ensino Superior (Ambiel, 2015) para os estudantes do ensino superior português, de acordo com os procedimentos recomendados na literatura científica, disponibilizando à comunidade um instrumento confiável, capaz de medir aquilo a que se propõe.
Enquadramento
A promoção do sucesso escolar no ensino superior tem-se assumido, nos últimos anos, como um objetivo fundamental de políticas públicas e da ação das instituições de ensino superior, não podendo o insucesso e o abandono escolar deixar de ser considerados problemas preocupantes, quer para os estudantes por ele afetados, quer para o sistema de ensino superior e para a sociedade portuguesa no seu todo. Atualmente, verifica-se um conjunto de circunstâncias específicas, designadamente a importância crescente que possuem as qualificações superiores no quadro atual de uma economia cada vez mais alicerçada no conhecimento e na inovação (Costa & Lopes, 2008).
Desde 1999 que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior evidencia a importância do problema do abandono escolar, solicitando às instituições de ensino superior, através do Despacho nº 6659/99 de 5 de abril (1999), a produção de estudos que possibilitem caracterizar causas de insucesso/abandono no ensino superior e permitam a efetivação de medidas preventivas. Em 2013, o governo português, através da Resolução da Assembleia da República nº 60/2013 de 18 de abril(2013), solicitou a realização de um relatório anual acerca do abandono no ensino superior e, em 2014, no documento “Linhas de Orientação Estratégica para o Ensino Superior” (Direção-Geral do Ensino Superior, 2014) referencia medidas de ação, nomeadamente a criação do Programa Retomar, direcionado para aumentar o sucesso escolar e para reduzir as taxas de abandono escolar.
O primeiro ano do ensino superior é, como refere Albuquerque (2008), problemático para muitos estudantes. O insucesso académico, as desistências e a aparente desmotivação de muitos estudantes assumem-se como fatores de preocupação para as instituições do ensino superior. Neste sentido, a autora desenvolveu um estudo cuja finalidade consistiu em “compreender como se adaptam ao ensino superior os estudantes que entram num curso que não o de primeira opção e porque optam por não o abandonar” (Albuquerque, 2008, p. 19).
Os resultados indicaram que, através das atividades académicas práticas, realizadas durante o curso, os estudantes começaram a entender a profissão, o tipo de população com que iriam trabalhar e o tipo de trabalho que podem vir a desenvolver. Concluiu que o envolvimento dos estudantes no curso e a relação pedagógica são os fatores mais relevantes nas decisões de permanência destes estudantes. (Albuquerque, 2008, p. 19)
Por outro lado, Baptista (2015), analisando o percurso de todos os estudantes inscritos no 1º ano, pela primeira vez, em 2011/2012, procurou saber qual a sua situação após 1 ano, mais concretamente no ano letivo 2012/2013. Concluiu que nos cursos de licenciatura do ensino público o panorama é semelhante ao ensino universitário e politécnico, com abandono após 1 ano em cerca de 12%.
É neste contexto que se torna importante compreender os fatores que poderão influenciar o sucesso académico no ensino superior, tendo em conta as competências emocionais, a qualidade de vida académica e outras variáveis de caráter sociodemográfico.
Os fatores que influenciam o percurso académico dos estudantes, nomeadamente do ensino superior, podem ser abordados numa perspetiva multidimensional, compreendendo a
dimensão intrínseca ao estudante (percurso escolar, dados socioeconómicos, contactos pessoais e fatores psicológicos), a dimensão pedagógica (relação entre docentes e estudantes e organização do currículo), a dimensão institucional (condições de frequência, grau de integração, serviços e equipamento) e a dimensão ambiental externa (envolvente à universidade, cultural e geográfica). (Sequeira, 2013, p. 14)
Questões de Investigação
Quais as dimensões explicativas da Escala de Motivos de Abandono do Ensino Superior?
O modelo tetra fatorial hipotetizado é confirmado pela análise fatorial confirmatória?
Metodologia
Para a avaliação e refinamento de instrumentos de medida é comum recorrer-se com frequência a procedimentos estatísticos, nomeadamente a estudos de fiabilidade, como por exemplo ao estudo da consistência interna dos itens, e estudos de validade, mais concretamente a análise fatorial exploratória (AFE) e análise fatorial confirmatória. O objetivo consiste em determinar o número e a natureza das variáveis latentes (fatores) que melhor representem um conjunto de variáveis observadas (variáveis manifestas). Para o efeito, delineou-se uma pesquisa do tipo metodológica e psicométrica porquanto para além do desenvolvimento, da validação e da avaliação de ferramentas e métodos de pesquisa, também se procura atribuir valores úteis para subsidiar a seleção de instrumentos válidos e confiáveis em futuras investigações, e assim assegurar a qualidade dos resultados.
Participantes
Uma amostra não probabilística por conveniência constituída por 891 estudantes a frequentarem o 1º ano do ensino superior, sendo 3,6% da área da saúde, 20,9% da educação, 24,7% das ciências agrárias e 40,8% dos estudantes da área das tecnologias. Os participantes apresentavam uma idade mínima de 17 anos e uma máxima de 40 anos (M = 19,68 anos ± 2,34 anos). O sexo masculino apresenta uma representatividade de 31,8% e o feminino de 68,2%.
Instrumento
A escala do abandono escolar foi desenvolvida por Ambiel (2015). Trata-se de um instrumento padronizado, no formato de um inventário, que avalia os motivos potenciais de estudantes ativos para deixarem os respetivos cursos antes da conclusão.
Na sua forma original, esta escala é composta por 53 itens relacionados com os motivos que influenciam a decisão de um aluno a evadir-se do seu curso superior. A chave de resposta é em formato Likert de cinco pontos, variando entre 1 - muito fraco e 5 - muito forte. O instrumento encontra-se subdividido em sete fatores: Motivos institucionais (Fator 1); Motivos pessoais (Fator 2); Motivos relacionados com a falta de suporte (Fator 3); Motivos relacionados com a carreira (Fator 4); Motivos relacionados com o desempenho académico (Fator 5); Motivos interpessoais (Fator 6) e Motivos relacionados com a autonomia (Fator 7).
Para o presente estudo procedeu-se à adaptação linguística e validação para português de Portugal.
Processo de adaptação da escala para português de Portugal
Embora desenvolvida e apresentada em português verificou-se a existência de uma terminologia própria do Brasil, pelo que se optou por efetuar a validação do conteúdo dos itens, usando-se para o efeito dois procedimentos: análise de juízes e análise semântica.
Após a consulta de cinco peritos na área da educação e a obtenção do seu contributo, procedeu-se à análise descritiva dos pareceres emitidos pelos juízes, verificando-se a percentagem de concordância para cada um dos itens. Definiu-se como critério incorporar os itens com concordância entre juízes acima de 75%: os itens com percentagem inferior, quando sugerido, sofreram modificações. Este procedimento levou à modificação de cinco itens. Por fim, procedeu-se a uma análise semântica por forma a analisar a compreensão dos itens, tendo-se para o efeito realizado um pré-teste com 25 estudantes. Todas as modificações e sugestões apresentadas foram incorporadas na versão final da escala.
Procedimentos para a análise de dados
Foi aplicado um questionário de caracterização sociodemográfica e a Escala de Motivos de Abandono do Ensino Superior (Ambiel, 2015). O propósito do estudo consistiu em determinar e testar a estrutura fatorial da Escala de Motivos para Abandono do Ensino Superior para os estudantes do ensino superior português.
Deste modo, o estudo da homogeneidade dos itens, isto é, a consistência interna, foi efetuado com determinação do coeficiente alfa de Cronbach (a), tanto para os itens como para o total da escala. Os estudos de validade compreenderam a análise fatorial exploratória que foi realizada, optando-se pelo método de componentes principais, e com recurso à rotação ortogonal de tipo varimax. Para a retenção dos fatores teve-se em consideração valores próprios (autovalores) superiores a um e o gráfico de declive scree plot. Como critério de saturação dos itens, considerou-se valores iguais ou superiores a 0,20 (Marôco, 2014).
A análise fatorial confirmatória foi efetuada através do software Analysis of Moment Structures (AMOS 24). Considerou-se a matriz de covariâncias e adotou-se o algoritmo da máxima verosimilhança Maximum-Likelihood Estimation (MLE) para estimação dos parâmetros. Na análise dos dados, utilizaram-se como procedimentos estatísticos: (i) a sensibilidade dos itens avaliada pela assimetria (Sk) e achatamento (Ku) cujos valores de referência são = 3 e = 7, respetivamente; (ii) validade do constructo avaliada pelas validades fatorial, convergente e validade discriminante (Marôco, 2014).
Para a validade fatorial considerou-se a qualidade do ajustamento global do modelo fatorial e a qualidade do ajustamento local.
A qualidade de ajustamento global foi avaliada através dos índices de bondade de ajustamento global, a seguir discriminados com os seguintes valores de referência: razão da estatística do x² e graus de liberdade (x²/df), comparative fit index (CFI) e goodness of fit index (GFI), valores = 0,90; root mean square error of approximation (RMSEA), root mean square residual (RMR) e standardized root mean square residual (SRMR), sendo considerados adequados valores inferiores a 0,08 (Marôco, 2014).
A qualidade do ajustamento local avaliou-se pelos pesos fatoriais (?) e pela fiabilidade individual dos itens (d). São indicativos como valor de referência uma saturação fatorial superior a 0,50 e fiabilidade individual superior a 0,25 respetivamente (Marôco, 2014).
O ajustamento do modelo foi realizado a partir dos índices de modificação (superiores a 11; p ? 0,001) produzidos pelo AMOS, e com base em considerações teóricas.
A fiabilidade compósita (FC) foi avaliada com o alfa de Cronbach estandardizado para cada um dos fatores. Considera-se que a consistência é adequada quando o alfa é superior a 0,7. A validade convergente foi avaliada pela variância extraída média (VEM), sendo que valores superiores a 0,50 são indicativos de boa validade convergente (Marôco, 2014).
A validade discriminante dos fatores foi avaliada comparando a VEM por cada fator com a correlação de Pearson ao quadrado. Considera-se existir validade discriminante quando a correlação ao quadrado entre os fatores for menor do que a VEM, para cada fator.
Procedimentos éticos
A todos os participantes no estudo foram fornecidas as informações necessárias e solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Foi assegurado o seu anonimato e a confidencialidade dos dados e respeitada a sua autonomia.
Foram ainda informados de que a sua participação era totalmente livre, podendo desistir do estudo em qualquer momento e que por essa participação não usufruiriam de qualquer ganho/benefício nem incorreriam em nenhuma perda/malefício. Foi favorável o pedido de parecer submetido à Comissão de Ética da Escola Superior de Saúde de Viseu (Ref. 08/2017).
Resultados
O estudo psicométrico iniciou-se com a determinação das estatísticas de cada um dos itens, procedendo-se posteriormente à análise de consistência interna.
As estatísticas revelaram que os índices médios e os respetivos desvios padrão apresentam-se bem centrados, situando-se na sua totalidade abaixo do ponto médio. Relativamente aos coeficientes de correlação, verificou-se que quase todos os itens apresentam correlações acima de 0,20 (valor de referência; Pestana & Gageiro, 2014), com exceção do primeiro item, que apresenta um valor ligeiramente inferior. Analisando os coeficientes alfa de Cronbach, por item, observa-se que todos se situam em valores iguais ou superiores a 0,958, sendo o alfa global de 0,959.
Determinada a consistência interna, o passo seguinte foi efetuar os estudos de validade recorrendo à análise fatorial exploratória da escala. Avaliou-se a adequação da análise fatorial através do teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), um procedimento estatístico que afere a qualidade das correlações entre as variáveis e que permite determinar se é possível prosseguir com a análise fatorial. Os valores de referência situam-se entre 0,5 e 1. No presente estudo, o resultado obtido foi KMO = 0,958, o que permite classificá-lo como bem adequado. Foi igualmente realizado o teste de esfericidade Bartlett’s, que é baseado na distribuição estatística de chi quadrado, e testa a hipótese de que não há correlação entre as variáveis. Relativamente a este estudo, o resultado obtido (x2 = 25118,096; p = 0,000) permite afirmar que a matriz de correlações não é uma matriz de identidade, e que, portanto, há algumas relações entre as variáveis que se espera incluir na análise.
Prosseguiu-se, então, com os 53 itens à análise fatorial exploratória através do método de componentes principais, com rotação ortogonal de tipo varimax e raízes latentes superiores a 1 (Marôco, 2014). A solução inicial permitiu a seleção de 8 fatores, que explicavam, no total, 58,12% da variabilidade. Todavia, o gráfico de declive, também designado de scree plot, atesta a retenção dos quatro fatores, conforme ponto de inflexão da curva. Forçada a quatro fatores, após sucessivas análises fatoriais resultantes da eliminação de itens por saturações inferiores a 0,40, ou por saturarem em dois ou mais fatores com diferenças inferiores ao valor recomendado (0,15), a solução fatorial final permitiu a seleção de 30 itens distribuídos pelos quatro fatores que, no seu conjunto, explicam 2% da variância total.
O fator 1 foi designado de Dimensão Organizacional e ficou constituído por 8 itens (35, 37, 43, 45, 46, 48, 50 e 51), o que explica 14,53%, após rotação. O fator 2 comporta os itens 11, 18, 19, 21, 22, 49 e 52, foi designado de Dimensão Gestão de Vida e explica 11,58%. O fator 3, Dimensão Profissão/Carreira é constituído por 8 itens (5, 14, 20, 23, 26, 31, 34 e 36) e explica 11,43%. O fator 4 foi designado por Dimensão Relacional e, no seu constructo, entram os itens (12, 15, 27, 28, 29, 39 e 41) e apresenta uma percentagem de variância explicada de 10,84%.
A solução tetra fatorial desta escala foi testada através da análise fatorial confirmatória. Foram analisados, entre outros aspetos, os pormenores relativos à multicolinariedade e valores univariados e multivariados que pudessem influenciar a análise fatorial. Regista-se que as trajetórias dos itens com os fatores a que lhe correspondem são estatisticamente significativos com pesos fatoriais elevados (? = 0,50) e fiabilidade superior a 0,25. Foram exceção o item 33 do fator 1, o item 6 do fator 3 e o item 2 do fator 4, que numa análise posterior foram eliminados.
Procedeu-se ao refinamento do modelo inicial com base nos índices de modificação propostos pelo AMOS, correlacionando alguns erros, e à eliminação dos itens que apresentavam saturações inferiores a 0,50. Com este procedimento, regista-se que o ajustamento na sua globalidade passou a ser muito adequado para os índices de ajustamento global: ?2/gl = 4,494; RMSEA = 0,063; RMR = 0,074; SRMR = 0,057 e adequados para o GFI = 0,878 e CFI = 0,887, apesar de ligeiramente inferiores aos recomendados por Marôco (2014).
Nesta conformidade, apurou-se que no fator 1 ficaram eliminados os itens 44, 47, 38, 42, 53, 40 e 33, no fator 2 os itens 1, 17 e 24, no fator 3 os itens 3, 25, 16, 32, 30 e 6 e no fator 4 os itens 10, 7, 4, 2, 8 e 9.
A Tabela 1 apresenta os índices de bondade de ajustamento global. É de notar que apenas no modelo inicial se encontram índices sofríveis, mas que após o refinamento do modelo se tornaram adequados, à exceção do GFI e do CFI, que apresentaram uma melhoria, mas continuam com índices ligeiramente inferiores aos valores de referência.
A FC é em todos os fatores superior ao valor de referência (0,70), mas a VEM indica-nos que todos os fatores têm um valor inferior ao recomendado (0,50), concluindo-se assim que existe validade divergente em todos os fatores. Acresce referir que o coeficiente estratificado é elevado (0,957), com uma VEM de 0,431. Nesse sentido, o instrumento parece revelar-se adequado nesta amostra, pelo que poderá constituir-se como um recurso valioso para o estudo da intenção de abandono académico.
Procedeu-se de seguida ao estudo da consistência por subescala (Tabela 2). No Fator 1 (Dimensão Organizacional) verifica-se, pelos valores médios, homogeneidade nas respostas dadas aos diferentes itens, dado que se obteve uma pontuação que oscila entre os 2,30 ± 1,220 no item 37 e 2,65 ± 1,051 no item 48. Os coeficientes de alfa de Cronbach por item revelam, se o item for eliminado, uma consistência interna que varia entre boa e razoável, sendo o menor valor o do item 46 com a = 0,849 e o maior valor a = 0,867 no item 37.
Em relação ao Fator 2 (Dimensão Gestão de Vida), verifica-se, através dos valores médios, homogeneidade nas respostas dadas aos diferentes itens, dado em que se obteve uma pontuação que oscila entre os 2,41 ± 1,104 no item 21 e 3,06 ± 1,200 no item 19. Os coeficientes de alfa de Cronbach revelam uma consistência interna que varia entre boa a razoável, sendo o menor valor a = 0,815, correspondente ao item 21 e o maior valor a = 0,828, correspondente ao item 49.
Ao analisar os resultados do Fator 3 (Dimensão Profissão/Carreira), constata-se que os índices médios oscilam entre os 2,51 ± 1,014 no item 31 e 2,83 ± 1,162 no item 5. Os coeficientes de alfa de Cronbach dão indicações de uma consistência interna questionável, sendo o menor valor a = 0,826, no item 26, e o maior a = 0,850, no item 5.
Relativamente ao Factor 4 (Dimensão Relacional) constata-se que os índices médios oscilam entre os 1,87 ± 1,037 no item 15 e 2,23 ± 1,163 no item 12. Os coeficientes de alfa de Cronbach dão indicações de consistência interna entre razoável e questionável, sendo o menor valor a = 0,788, correspondente ao item 41, e o maior valor a = 0,814, correspondente ao item 12.
A matriz de correlação entre os quatro fatores e o global da escala indicam que as correlações são positivas e significativas (Tabela 3), o que permite afirmar que o aumento ou diminuição dos índices de uma variável corresponde ao aumento ou diminuição da variável com a qual se correlaciona. Verifica-se que entre as subescalas, o menor valor correlacional ocorre entre o fator 4 e o fator 2 (r = 0,474), com uma percentagem de variância explicada de 22,46% e a maior correlação entre os fatores 3 e fator 1 (r = 0,689), com uma variabilidade de 47,47%. Entre as diferentes subescalas e o fator global, as correlações são mais elevadas o que explica o score acima de 61,0%.
Discussão
Este estudo teve como principal objetivo adaptar e validar a Escala de Intenção de Abandono do Ensino Superior para uso na população portuguesa. Não se realizou a tradução, uma vez que o instrumento original foi escrito em português do Brasil, mas necessitou de correções semânticas, especialmente na construção das frases e substituição de alguns termos que não são utilizados no português de Portugal.
Os resultados apurados foram obtidos numa amostra constituída por 891 estudantes do ensino superior, na sua maioria do sexo feminino (68,2%), com uma idade mínima de 17 anos e uma máxima de 40 anos (M = 19,68 anos ± 2,34 anos), para a amostra total.
A literatura refere que a validade de um instrumento não pode considerar-se como uma característica intrínseca, mas sim uma característica do próprio instrumento quando aplicado a uma amostra. Infere-se, assim, que as características da população de estudo podem influenciar diretamente a estrutura de uma escala. Com efeito, a análise exploratória da Escala de Motivos de Intenção de Abandono do Ensino Superior apontou para existência de um constructo tetra fatorial, sendo que os quatro fatores retidos explicaram 49,02% da variância total. Recorde-se que, na sua estrutura original, o instrumento se encontrava subdividido em sete factores. Desconhece-se a existência de outros estudos que procedessem à validação do instrumento, o que limita a comparabilidade dos resultados.
A realização dos estudos de fiabilidade e de validade através da análise fatorial exploratória e confirmatória levam a afirmar que a Escala de Motivos de Intenção de Abandono do Ensino Superior se constitui um instrumento válido e fiável, adaptado para o estudo da intenção de abandono dos estudantes portugueses do ensino superior.
Efetivamente, considera-se que a análise de confiabilidade e validade da Escala de Motivos de Intenção de Abandono do Ensino Superior é um aspeto fundamental pois, tendo sido este instrumento utilizado para operacionalizar a variável central e dependente do estudo, o valor dos resultados obtidos, assim como das conclusões deles retiradas, dependem naturalmente das suas qualidades concetuais e psicométricas.
A Escala de Motivos de Intenção de Abandono do Ensino Superior (M-ES; Ambiel, 2015) ficou composta por 30 itens relacionados com os motivos que influenciam a decisão de abandono do ensino superior, ao invés dos 53 itens da escala original. A favor da validade conceptual do constructo, pode salientar-se o facto de a estrutura fatorial ir ao encontro dos fundamentos teóricos que sustentam a intenção de abandono, apesar de ser notória a existência de itens que, com base numa análise de conteúdo, se situariam numa mesma categoria, mas que através da análise fatorial são integrados em fatores distintos. Alguns dos itens foram eliminados por apresentarem saturações inferiores aos valores de referência no trajeto do estudo de consistência interna e análise fatorial exploratória e outros itens no decurso da análise fatorial confirmatória, por se mostrarem redundantes, não definindo claramente os aspetos que estavam a ser avaliados.
Outro argumento a favor da validade da M-ES prende-se com o facto de apresentar correlações elevadas e estatisticamente significativas entre as dimensões, não sendo por isso redundantes, o que leva a considerar que avaliam aspetos diferentes do mesmo constructo.
A análise fatorial exploratória e confirmatória demonstra a validade da sua estrutura em quatro dimensões: Organizacional (F1), constituída por oito itens; Gestão de vida (F2), constituída por sete itens; Profissional/carreira (F3), constituída por oito itens e Relacional (F4), constituída por sete itens.
Na proposta original da escala (Ambiel, 2015), recomendava-se a avaliação da intenção de abandono através do score global em cada fator obtido pelo somatório da pontuação atribuída a cada item desse mesmo fator. No presente trabalho, sugere-se que o score final se realize com base no fator hierárquico de segunda ordem (Marôco, 2014) que considere o peso de cada item e de cada fator para a amostra. Este procedimento parece-nos ser mais adequado porquanto como refere o autor citado, pela teoria clássica dos itens, um instrumento por si só não pode ser considerado válido.
Conclusão
Nos últimos anos, verificou-se um crescente interesse em avaliar os potenciais motivos que levam os estudantes ativos ao abandono precoce dos cursos para os quais se matricularam antes da sua conclusão. Para que tal se tornasse possível, houve a necessidade da criação e/ou adaptação de instrumentos específicos para essa população.
Como conclusão permite afirmar que se trata de um instrumento com boa fiabilidade e com bons índices de consistência interna.
Dada a limitação de tempo, não foi realizado o estudo da estabilidade temporal, ficando a sua consecução para estudos posteriores.
De igual modo, não foi possível realizar estudos relativos à validade convergente devido à ausência de estudos anteriores com instrumentos análogos. Tal considera-se tratar-se de um fator limitador deste estudo, visto que dificulta a sua comparação com outros instrumentos que tivessem sido construídos com base nos mesmos constructos teóricos. Ressalta-se, também, como limitação do estudo, o fato de a escala ter sido aplicada em estudantes do ensino superior provindos duma unidade de ensino politécnico sediado no interior do país. Considerando a existência de diversos contextos no país e a influência que os mesmos podem acarretar, pesquisas futuras que realizem a aplicação da escala, podem tornar mais evidente o seu funcionamento em estudantes de outras unidades de ensino.
Concluiu-se, porém, que a adequação psicométrica da Escala de Motivos para Abandono do Ensino Superior para a população portuguesa indica que poderá ser utilizada em ensaios futuros com o intuito de dar a conhecer a intenção de abandono e permitir a implementação de medidas que o contrariem.
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Agradecimentos
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UID / Multi / 04016/2016. Além disso, gostaríamos de agradecer ao Instituto Politécnico de Viseu, à Escola Superior de Saúde e ao CI&DETS pelo seu apoio.
Recebido para publicação em: 13.12.18
Aceite para publicação em: 15.04.19