1. Introdução
O envelhecimento do corpo docente é uma realidade que se vem acentuando nos países da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Eco nómico (Organisation for Economic Co-operation and Development, OECD). Itália (58%), Alemanha (43%), Holanda (40%) contam com uma alta percen tagem de professores com mais de 50 anos de idade (OECD, 2018). No caso de Portugal, país onde o estudo apresentado neste artigo foi realizado, são 38% os professores do ensino não superior nesta situação; e, se se considerarem apenas os professores do 3º Ciclo da Educação Básica, esta percentagem é de 46,9 (OECD, 2019).
No caso de Portugal, as políticas de retardamento das possibilida des da reforma por inteiro, que se iniciaram em 2005, resultaram num aumento de cerca de dez anos na idade dos professores no ativo. Criou-se assim uma situação nova a requerer o aprofundamento do conhecimento sobre os professores nesta outra fase do seu ciclo de vida profissional.
Os estudos sobre a carreira dos professores têm-se debruçado mais sobre os professores iniciantes e menos sobre a natureza das tensões e desa fios enfrentados pelos professores que acumulam muitos anos de experiência no ensino (Carrillo & Flores, 2018; Day & Gu, 2009). Há publicações que indi cam que a nova situação de vida gera nos professores atingidos instabilidade, constrangimento e desmotivação (CNE, 2016). Outros, confirmando essa pers petiva, indicam também que muitos professores mais velhos continuam a manifestar uma forte vinculação à sua atividade (Alves et al., 2020), alguns considerando até o exercício docente como um elixir de juven tude (Alves & Lopes, 2016).
O objetivo deste artigo é contribuir para o enriquecimento do corpus de conhecimentos sobre o estudo dos professores nesta nova última fase da carreira, na perspetiva dos estudos sobre os ciclos de vida (Huberman, 1992; Gonçalves, 1995; Day et al., 2006), numa altura em que essa última fase se deslocou para cerca de dez anos depois. Para tanto, foi realizada uma revi são de literatura que permitiu descrever (mapear) a situação atual destes estudos e discutir caminhos futuros. Tiveram-se em conta os diferentes termos utilizados e os sentidos diferenciados ou convergentes que lhes subjazem e a sua possível variação, ou não, no tempo (dimensão temporal) e no espaço (dimensão geográfica). Numa perspetiva analítica, pretendeu-se também iden tificar tendências e lacunas temáticas.
Assim, esta revisão de literatura buscou responder às seguintes questões: Quais são os termos mais utilizados para caracterizar os professores com mais de 50 anos de idade e/ou com pelo menos 20 anos de experiência profissional? De que forma e com que sentidos estes termos são utilizados? Quais as metodologias de investigação usadas para os estudos desses profes sores? Como estão as publicações sobre o tema distribuídas temporalmente entre os anos 2000 e 2019? No contexto internacional, podem ser identificados polos centralizadores de investigação sobre o envelhecimento do corpo do cente? Quais são as temáticas mais e menos mobilizadas e/ou ausentes nos estudos analisados?
2. O estudo dos professores em fim de carreira
A década de 1980 marcou o início dos estudos sobre os ciclos de vida dos pro fessores. Estudos importantes como os de Fessler (1985), Sikes et al. (1985) e Huberman (1989), este último considerado como a principal referência no campo (Lowe et al., 2019), apresentaram modelos que organizam as trajetórias profissionais dos professores em fases ou ciclos. Com algumas diferenças, especialmente no caso de Sikes et al. (1985), que tomam por referência a idade e não o tempo de experiência, estes estudos identificaram e descreveram padrões na forma como os professores são e estão nas suas vidas profissionais, embora estas fases não possam ser vistas de forma linear e estática. Circunstâncias pessoais e organizacionais (Meister & Ahrens, 2011) provocadoras de “dinâmicas de fluxos e refluxos” (Fessler & Christensen, 1992, p. 42) e até as questões de género (Fadigan & Hammrich, 2004) são fatores que podem afetar e/ou alterar as características dos ciclos de vida docente. No contexto português, num estudo sobre a carreira dos professores do ensino primário, Gonçalves (1995), fundamentado em Huberman (1989), postula um “itinerário-tipo” de desenvolvimento onde identifica cinco ciclos da carreira docente.
Segundo Day e Gu (2009), a vida profissional dos professores, termo mais abrangente e agregador do que “carreira profissional”, é influenci ada por: fatores situados, como os alunos, as lideranças e as relações com os pares; fatores profissionais, como os papéis e responsabilidades dos professo res e as iniciativas governamentais e políticas; e fatores pessoais, como questões de saúde, de necessidades e suporte familiar. A interação entre esses fatores e as tensões entre eles e as identidades profissionais e pessoais produ zem resultados positivos ou negativos na motivação, no comprometimento, na resiliência e na eficácia dos professores. Com base nestas constatações os referidos autores postularam seis fases da vida profissional dos professores e um conjunto de subgrupos.
São relevantes para este estudo, as últimas fases da carreira docente, a quarta e a quinta em Huberman (1989, 1992) e em Gonçalves (1995) e quarta, quinta e sexta em Day e Gu (2007, 2009) e em Day et al. (2006), sistematizadas no Quadro 1. Cabe referir que Huberman estudou professores do ensino secundário, Gonçalves professores do 1º Ciclo (na altura do ensino primário) e Day et al. (2006) estudaram ambos os grupos de professores. Os postulados de Huberman são um modelo frequentemente citado para enqua drar investigações sobre a vida profissional dos professores (Lowe et al., 2019).
Nos estudos de Huberman (1992), as duas últimas fases da vida profissional, assim como as anteriores, representam “tendências centrais” (p. 47) caracterizadas pela “serenidade e distanciamento afetivo” (25-35 anos de carreira) e pelo “desinvestimento” (35-40 anos de carreira). A primeira destas duas fases pode ser marcada pela redução da ambição e do investimento na carreira por parte dos professores ou, em contrapartida, pelo aumento da con fiança e da serenidade. Uma atitude mais rígida e conservadora, marcada por lamentações em relação aos alunos, aos colegas, às políticas, às questões orga nizacionais da escola e por recorrentes evocações nostálgicas do passado o que o autor denomina “conservantismo”. A última fase, fase do desinvestimento, pode ser caracterizada por uma postura mais positiva ou mais amarga, resul tante de marcas negativas da carreira.
Gonçalves (1995), que fala de “itinerários-tipo”, também identifica a penúltima fase como um período de “serenidade” (15 a 22 anos de experiên cia). O autor destaca que nesta fase predomina a satisfação “por saber ‘o que se está a fazer’, na convicção de que ‘se faz bem’” (p. 26), embora se possa evi denciar algum conservadorismo. No caso da última fase (entre os 23 e 31 anos de experiência), duas possibilidades são identificadas - a renovação do inte resse e o desencanto. Esta fase pode caracterizar-se por reinvestimento na profissão, entusiasmo e desejo de aprender coisas novas, mas também por can saço e impaciência na espera pela aposentação.
O projeto VITAE (Variations in Teachers’ Work, Lives and Effectiveness), conduzido por Day et al. (2006), deu origem à definição de seis fases e um conjunto de subgrupos, três das quais caracterizam a fase final do desenvolvimento profissional. Os desafios à motivação e ao comprometimento marcam a vida profissional dos professores entre os 16 e os 23 anos de expe riência. Nesta fase os professores podem apresentar um maior avanço na carreira e bons resultados ou uma motivação e comprometimento sustenta dos. Por outro lado, podem ter a motivação e o comprometimento diminuído. Entre os 24 e os 30 anos de experiência os professores estão mais suscetíveis aos desafios para manter a motivação, podendo ter um forte sentimento de motivação e comprometimento ou então perder a motivação. A última fase do desenvolvimento profissional (31 anos de experiência ou mais) pode ser mar cada por altos índices de motivação e comprometimento ou pelo cansaço.
Há um consenso entre estes autores de que as fases do desenvolvi mento dos professores não são lineares ou estáticas. Huberman (1992) e Gonçalves (1995) falam de “tendências” no desenvolvimento profissional dos professores. Para Day et al. (2006) a experiência profissional e a “expertise” dos professores não explicam totalmente as diferenças identificadas, sendo que a eficácia não cresce necessariamente em relação ao tempo de experiência profissional.
3. Percurso metodológico
Esta revisão de literatura insere-se no âmbito de um projeto de investigação que se situa na interligação das questões do envelhecimento do corpo docente e do uso das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem - o Projeto “Migrações digitais e inovação curricular: ressignificar a experiência e (re)encantar a profissão docente depois dos 50” (REKINDLE+50), que foi de senhado para estudar como contrariar alguns dos efeitos do envelhecimento dos professores, transformando o envelhecimento num potencial de inovação curricular.
A pesquisa concentrou-se em duas bases de dados - SCOPUS e Web of Science, por se considerar que estas bases agregam um número amplo de publicações internacionais submetidas a revisão por pares. Uma primeira pes quisa exploratória e livre sobre as últimas fases da carreira docente permitiu a identificação de um conjunto de palavras-chave que foram utilizadas na busca: "veteran teachers", "experienced teachers", "senior teachers", “elderly teachers", "late career teachers", "long serving teachers", a serem identificadas no título e/ou no resumo e/ou nas palavras-chave. A busca foi restrita às publicações a partir do ano 2000 e aos artigos completos disponíveis, publica dos em português, inglês, espanhol e francês.
Neste processo, inicialmente, foram identificados 1533 artigos que foram enviados para o programa gerenciador de referências EndNote, no qual, por meio dos seus recursos, foram eliminados os artigos duplicados. Deste pro cesso resultaram 789 artigos que, por sua vez, foram enviados para o programa Nvivo 12, onde foi realizada uma primeira leitura, apenas dos resu mos. Foram mantidos os artigos com estudos empíricos e cujos sujeitos do estudo eram professores com mais de 50 anos e/ou com pelo menos 20 anos de experiência profissional, independentemente do nível de ensino de atuação. Foram excluídos os artigos teóricos ou de revisão de literatura e os artigos sem referência direta ou indireta da idade e/ou tempo de experiência dos profes sores participantes do estudo.
Este processo constituiu-se numa etapa exigente e morosa uma vez que, em grande parte dos artigos, foi necessário expandir a leitura para a di mensão metodológica na procura de uma caracterização mais detalhada dos professores participantes dos estudos - ou seja, muitas vezes os critérios para o uso de uma determinada terminologia não são explicitados.
No caso de dúvidas os artigos foram mantidos para uma leitura pos terior. Desta triagem resultaram 111 artigos, que depois foram lidos de forma mais aprofundada. Nesta última leitura foram selecionados os artigos (n = 59) que foram submetidos a dois tipos de análises com o auxílio do software Nvivo 12: uma descritiva, focada nos diferentes termos utilizados para denominar os professores com mais de 50 anos e/ou com 20 anos ou mais de experiência, na metodologia utilizada nos estudos, na sua distribuição temporal e geográfica, na identificação dos temas centrais dos artigos e na relação entre estes ele mentos; outra interpretativa, centrada na identificação dos sentidos subjacentes ao uso dos termos. Deste processo analítico surgiu a necessidade de fazer uma nova pesquisa de artigos a partir do termo “aging teacher”. Nesta segunda procura foram encontrados seis artigos, dos quais apenas dois se inseriam nas preocupações deste estudo e que foram incluídos nos anteriores já selecionados, sendo o corpus textual final desta revisão composto por 61 artigos.
4. O ciclo de vida dos professores e a extensão da idade da reforma: perspetivas de estudo
A revisão de literatura realizada resultou na identificação e no mapeamento relativos às terminologias, metodologias, cronologias e geografias dos estudos publicados de que a seguir se dá conta.
4.1. Fases finais da vida profissional: terminologias
No que se refere às denominações utilizadas na literatura para representar os professores com mais de 50 anos e/ou com mais de 20 anos de experiência, verificou-se a predominância da utilização dos termos “professores experien tes” e “professores veteranos” (cf. Gráfico 1). Estes dois termos são utilizados de forma exclusiva ou intercambiável e, por vezes, como sinónimos o que con firma o que outros autores já tinham constatado (Day & Gu, 2009; McIntyre, 2010).
Os estudos que utilizam como referência apenas a idade para discutir as questões do envelhecimento docente são pouco frequentes e centram-se em aspetos de saúde física e/ou mental, sendo que os termos utilizados são “elderly teachers”, “older teachers” (Freude et al., 2005), “aging teachers” (Vangelova et al., 2018) ou “senior teachers” (Ekler et al., 2013).
A associação das questões de saúde e do desenvolvimento profis sional está representada pelo uso do termo “midlife teachers” (Karpiak, 2000). “Late career teachers” é o termo utilizado por alguns autores para referir os professores com 21 anos de serviço ou mais (Hargreaves, 2005; Louws et al., 2017; van der Want et al., 2018).
O termo “senior teachers” é utilizado para referir professores com mais de 20 anos de experiência numa mesma escola (Lassila & Uitto, 2016; Williams & Grudnoff, 2011) e “long serving teachers”, segundo McIntyre (2010), refere-se aos que foram professores mais de 20 anos num mesmo con texto profissional.
Admiraal et al. (2019) entendem a necessidade de combinar anos de ensino (mais de 24 anos) e idade (mais de 50 anos) para que um professor possa ser denominado como “professor veterano”. Em sentido idêntico, Lowe et al. (2019) estabelecem uma relação entre mais de 20 anos de experiência e mais de 40 anos de idade e Veldman et al. (2016) relacionam 25 anos de ensino com 54 anos de idade. Outros estudos que mobilizam exclusivamente o tempo de experiência, embora concordem que se trate de um tempo estendido, diver gem subtilmente na duração deste tempo, que varia entre mais de 20 anos e mais de 25 anos (Day & Gu, 2009; Orlando, 2014; Thorburn, 2011, 2014). Predominam, entretanto, os estudos que concordam no tempo mínimo de 20 anos de experiência (Alhashem & Al-Jafar, 2015; Andrei et al., 2019; Arnau et al., 2004; Bartolini et al., 2014; Lowe et al., 2019; Woolley, 2019).
Os estudos que se restringem ao uso do termo “professores experientes”, no conjunto de artigos analisados, convergem para a definição de mais de 20 anos de experiência (Asikainen & Hirvonen, 2010; Baker et al., 2018; Bennett et al., 2013; Christodoulou & Osborne, 2014; de Paula, 2013; Meristo et al., 2013; Tuul et al., 2011). Estes termos, quando não submetido aos critérios deste estudo (mais de 20 anos de experiência e/ou mais de 50 anos de idade) apresentam uma grande divergência no que se refere à duração da experiência. Professores experientes e/ou veteranos podem ter entre cinco e mais de 30 anos de experiência (J. M. Allen, 2009; W. T. Allen, Jr., 2017; Amador & Lamberg, 2013; Bauml, 2016; Losser et al., 2018; Oh et al., 2013; Zhang et al., 2019). Este uso indistinto do termo, gerando em muitos casos uma falsa homogeneidade, acaba por ser contraproducente para a compreensão das especificidades do trabalho docente e da vida dos professores (Day & Gu, 2009) em fases avançadas da carreira e até agora muito pouco ou nada estudadas.
Em síntese, a análise dos 61 artigos evidenciou a predominância do uso dos termos professores experientes e/ou veteranos, embora seja verificada alguma divergência na duração da experiência, e a existência de estudos que associam tempo de experiência e idade. Apesar das pequenas variações, a ênfase está no tempo de experiência e não no tipo de experiência. Poucos artigos mobilizam, para além do tempo de experiência, o que alguns autores chamam de “expertise”, ou seja, habilidades e competências que atribuem especificidade à experiência (Andrei et al., 2019; Lakkala & Ilomäki, 2015). Estas especificidades precisam de ser identificadas e compreendidas (Fumoto, 2011), uma vez que professores veteranos podem ter um tempo de experiência alargado sem terem a tal expertise (Day & Gu, 2009).
4.2. Outros caminhos do mapa: metodologias, cronologias e geografias
Em termos metodológicos predominam os estudos de natureza qualitativa (cf. Gráfico 2) onde o uso das entrevistas como meio de recolha de dados se destaca, em grande parte complementadas com outros instrumentos como questionários e observações (Ben-Peretz et al., 2018; Veldman et al., 2016). A abordagem narrativa e as histórias de vida são utilizadas para o aprofundamento de questões específicas da vida profissional de grupos reduzidos de professores (Cohen, 2009; Kitchen, 2009; Melville & Hardy, 2018; Thorburn, 2014).
A distribuição temporal das publicações permite identificar uma concentração maior entre os anos 2011 e 2015 (cf. Gráfico 3).
A distribuição geográfica dos artigos tomou como critério o país da instituição associada ao primeiro autor. Pouco mais de metade das publicações concentra-se em quatro países: Estados Unidos, Holanda, Austrália e Reino Unido. Para além de possuir um maior número de investigadores (dada a extensão), os EUA, de 1996 a 2005, viram o número de professores com mais de 50 anos crescer de 24% para 42% (Feistritzer, 2011) - o que pode explicar uma maior concentração de estudos sobre o tema. Na Holanda, em 2010, órgãos oficiais alertavam para o facto de que quase 70% dos professores do ensino médio poderiam deixar a profissão dentro de 10 anos devido à idade (Veldman et al., 2013). Para além das questões do grande número de professores na iminência da reforma, a preocupação com o desgaste e a possibilidade de reter professores (McIntyre, 2010) está presente de forma transversal e marcante neste conjunto de países.
As demais publicações são distribuídas por um conjunto de dezoito outros países (cf. Gráfico 4). Portanto, se, por um lado, há uma concentração da metade das publicações analisadas em um pequeno conjunto de países, por outro lado, um número muito aproximado de artigos está distribuído entre muitos países.
4.3. Temáticas mobilizadas
A leitura mais aprofundada dos artigos permitiu a sua organização em quatro conjuntos segundo seus temas centrais: Desenvolvimento Profissional, Saberes Profissionais, Satisfação Profissional e Saúde (cf. Gráfico 5).
O desenvolvimento profissional concentra a maioria dos artigos (n = 29). São estudos acerca das identidades profissionais (Legrottaglie & Ligorio, 2017; McIntyre, 2010), dos ciclos de vida profissional (Marušić & Bodroža, 2015; van der Want et al., 2018), sobre histórias de vida de professores (Cohen & Yarden, 2009; Ke, 2008; Thorburn, 2014), sobre a reflexão na prática profissional (Williams & Grudnoff, 2011), e sobre aprendizagem profissional (Ben-Peretz et al., 2018; Dixon et al., 2001; Leshem, 2008; Louws et al., 2018).
Os saberes profissionais docentes são mobilizados em 22 artigos, com foco em questões do currículo (Bartolini et al., 2014; Woolley, 2019), das tecnologias (Englund et al., 2017; Lakkala & Ilomäki, 2015; Orlando, 2014) e do ensino nas diferentes áreas disciplinares (Asikainen & Hirvonen, 2010; Christodoulou & Osborne, 2014; Drechsler & Van Driel, 2008; Freitas, Jiménez & Mellado, 2004; Wang & Cai, 2007).
Os fatores com impacto na satisfação profissional (Admiraal et al, 2019; Veldman et al., 2016) e que influenciam a permanência dos professores na profissão (Bennett et al., 2013), assim como as dificuldades pelas quais os professores passam no final das suas carreiras (Cau-Bareille, 2014) estão presentes nos estudos centrados na satisfação profissional (cinco artigos).
Com um número pequeno de artigos (também cinco), o tema da saúde física e/ou emocional aborda questões como o stress profissional (Agai-Demjaha et al., 2015; Vangelova et al., 2018) e a diminuição da capacidade física dos professores (Freude et al., 2005; Lüdorf & Ortega, 2013).
5. Nas interseções dos caminhos
Quando relacionamos a cronologia e a geografia dos artigos verifica-se que nos Estados Unidos a produção foi mais intensa no início dos anos 2000. Entre 2006 e 2015, embora os quatro países (EUA; UK; Holanda; Austrália) que concentram grande parte das publicações estejam presentes, outro tanto de publicações tem origem em outros (dezoito) países. No último conjunto de anos destacam-se as publicações que se originam em instituições da Holanda, período em que os dados da OECD (2010) indicavam e previam um aumento do envelhecimento docente naquele país.
No que se refere à relação entre terminologias e cronologias não se verificam diferenças marcantes. Já na relação entre terminologias e geografias verifica-se que o uso do termo “professores experientes” predomina nos 18 países pelos quais a publicação se distribui. Nos estudos situados nos Estados Unidos e Reino Unido e na Austrália predomina o uso do termo “professores veteranos”. Neste caso a semelhança pode ser explicada pela existência de redes de investigadores desses países, mesmo que informais, que parece ser confirmada pela circularidade das citações entre os autores. Com efeito os autores dos Estados Unidos e do Reino Unido são citados na maior parte dos artigos dos quatro países.
Quando relacionadas as terminologias e respetivas temáticas verifica-se que o termo “professores veteranos” e “professores experientes” são utilizados de forma quase que indistinta nos estudos sobre o desenvolvimento profissional e o conhecimento profissional. Nos estudos sobre a satisfação profissional sobressai o uso do termo “professores veteranos” e no caso dos estudos no âmbito da saúde é o termo “professores experientes” o mais utilizado.
Na relação entre as temáticas e as geografias não se verificam grandes disparidades. Destaca-se apenas o facto de os cinco estudos que incidem sobre as questões de saúde não se originarem nos quatro países que concentram a maior parte das publicações. Destes estudos, dois centram-se nas habilidades físicas dos professores (Ekler et al., 2013; Vangelova et al., 2018) e originam-se no campo do desporto e da medicina. Os demais associam questões físicas e psicológicas e discutem estas dimensões na sua interseção com as funções do ensino, embora apenas um dos estudos se origine no campo da educação (Lüdorf & Ortega, 2013). Ainda que alguns estudos no âmbito dos outros temas abordados refiram de forma periférica as implicações da dimensão física e psicológica no trabalho dos professores com mais de 50 anos de idade e/ou com 20 anos ou mais de experiência (Arnau et al., 2004; Day & Gu, 2009; Lowe et al., 2019), não se trata de uma dimensão que é articulada com os temas centrais como o desenvolvimento profissional e os saberes profissionais.
Na relação entre as temáticas e as cronologias, embora se possa verificar algum equilíbrio, é possível constatar que só entre 2006-2010 surge o tema da satisfação profissional. Por outro lado, três dos quatro artigos do tema da saúde foram publicados recentemente, entre 2013 e 2015. No conjunto dos anos seguintes, no âmbito dos saberes profissionais, destacam-se os estudos que relacionam o envelhecimento e o uso das tecnologias, de forma predominante na Austrália - o que, provavelmente, decorre do impacto de iniciativas políticas de disseminação do uso das tecnologias no ensino (Orlando, 2013; Baker et al., 2018) (cf. Gráfico 10).
Os temas da satisfação profissional e da saúde parecem aparecer como temas recentes no contexto dos estudos sobre a carreira dos professores.
6. Considerações finais
Os estudos analisados foram categorizados em quatro temas centrais: Desenvolvimento Profissional, Saberes Profissionais, Satisfação Profissional e Saúde. As principais lacunas que podem ser indicadas e que devem ser constituídos em temas de investigações futuros são as identidades profissionais, as questões geracionais, o impacto das políticas, das áreas disciplinares e dos níveis de ensino nas questões do envelhecimento docente.
Não obstante a necessidade de reconhecer que os estudos centrados nos professores com mais de 50 anos e/ou com 20 anos ou mais de experiência são poucos, este estudo permitiu identificar tendências e lacunas. Embora os estudos sobre o desenvolvimento profissional docente se destaquem, no seu interior alguns enfoques carecem de ampliação, como é o caso dos estudos sobre as identidades profissionais - estes podem fornecer informações valiosas sobre as razões pelas quais alguns professores persistem na profissão e por que, com o passar do tempo, alguns deles ainda estão comprometidos e realizados com seu trabalho (Carrillo & Flores, 2018). Os crescentes desafios do uso das tecnologias digitais e seus respetivos dilemas culturais, pedagógicos, políticos e concetuais (Orlando, 2014), por sua vez, também apelam a uma ampliação e a um aprofundamento dos estudos através das questões da formação e do currículo (Thomas Dotta et al., 2019). Um outro tema ausente nas bases de dados consultadas é o impacto das políticas sobre o trabalho dos professores nas últimas fases da vida profissional. Relacionada a esta última questão, especialmente no que se refere às políticas de retardamento das possibilidades da reforma por inteiro que resultaram num aumento substancial da idade dos professores no ativo - cerca de 10 anos - a investigação que usa termos associados à saúde e ao envelhecimento merece uma atenção específica, por si mesma e por relação com o desenvolvimento profissional e a expertise.
Para além da identificação de temas ausentes, algumas perguntas emergiram a partir da análise realizada e que podem ser abordadas segundo diferentes perspetivas: como continua a trabalhar um/a professor/a que tem de trabalhar mais anos do que previra? Que estratégias de adaptação desenvolve um professor em final de carreira perante sucessivas reformas curriculares? Como ultrapassam os professores os dilemas geracionais, dado o seu cada vez maior afastamento da idade dos seus alunos? Ser um professor de educação física, um professor de artes, um professor de história ou de matemática com mais de 50 anos terá as mesmas implicações? Ser um professor com mais de 50 anos na educação de infância e no ensino secundário terá as mesmas implicações? Existem diferenças entre ser um professor com 50, 55 ou 60 anos, ou basta falar em mais de 50 anos?
A resposta a estas perguntas envolverá investigação que relacione alguns dos temas identificados que, até agora, têm surgido como pertencendo a diferentes campos e comunidades investigativas - o profissionalismo dos professores e o envelhecimento e saúde. O cerne da questão está nos critérios de profissionalismo (relevante e satisfatório) para os /as professo res/professoras numa fase da vida até agora considerada de desinvestimen to, ainda que sereno.