1. Introdução
O Português tem registado um interesse crescente em todo o mundo, sendo a sua aquisição considerada cada vez mais indispensável para a comunicação com outros países, nomeadamente os de língua oficial portuguesa. Neste contexto, a melhoria do seu ensino a estrangeiros, bem como o incremento do número de professores e de escolas em Portugal constituem vias indispensáveis para a realização do grande desiderato de tornar o Português uma das primeiras línguas francas do Ocidente.
O ensino da língua portuguesa tem vindo a sentir o forte impacto da globalização. Com efeito, desde a década de oitenta do século passado foram tomadas medidas para a revalorização e a promoção da língua portuguesa, por forma a tornar o ensino e a aprendizagem do Português no exterior mais apelativos. Na China, a aprendizagem do Português aumentou de modo relevante e, de acordo com as estatísticas da Embaixada de Portugal em Pequim, até 2019, havia quarenta e três universidades com o curso de língua portuguesa, entre as quais trinta e seis com curso de Licenciatura e seis com curso de Mestrado. Na China continental, uma média de 800 alunos graduam-se na Licenciatura em Língua e Literatura Portuguesas a cada ano e um número idêntico procura aprender a língua em cursos intensivos, ministrados por escolas privadas. A ideia que preside é a de que aprender Português é uma garantia de empregabilidade.
Em termos do corpo docente, e até ao final do ano 2019, na China continental havia 2141 docentes a lecionar Português no ensino superior, sendo 72% (n=155) chineses, 16% (n=35) portugueses, 11% (n=23) brasileiros e 1 oriundo de Cabo Verde. Em comparação com o ano de 2013, em que os professores chineses de Português na China continental eram apenas 66, verifica-se que se deu uma duplicação de docentes num período de seis anos. Esta explosão originou a necessidade de recrutar professores entre jovens recém-mestres, ou seja, a China produziu professores “à pressa” sem a devida formação pedagógica e didática. Finalizado o curso de mestrado, os recém-mestres começavam de imediato a lecionar. Ye (2014) aponta:
A falta de recursos humanos, mais precisamente de professores qualificados de Português é, na verdade, o maior desafio que se encontra durante este processo de expansão do Português na China. Um problema “agudo” praticamente para todas as universidades que iniciaram o ensino de Português nos últimos anos. (p. 46)
Neste contexto, a formação de professores de Português destaca-se como um fator fundamental.
Contudo, quer os professores quer os alunos chineses apresentam caraterísticas particulares que, em grande parte, são definidas pela especificidade desta nação, pelo que podemos dizer que a sabedoria filosófica da China está consubstanciada nesta palavra: "harmonia". Na China, os alunos são agora mais ativos do que antes, mas ainda não estão habituados a um diálogo e a um questionamento com os seus professores e continua a ser impensável desafiar a autoridade dos mesmos. O professor continua a ser o protagonista da sala de aula, o emissor do saber considerado fundamental para a aprendizagem, neste caso do Português. Como consequência, os alunos são normalmente excelentes em gramática, mas fracos no que diz respeito à competência comunicativa. Embora o professor mantenha a posição crucial, a maior parte dos professores de LP são mestres e doutorandos, o seu tempo de serviço docente situa-se entre os 5 e os 10 anos e as experiências de ensino e os modelos de formação que possuem vêm principalmente de Macau, Portugal, Brasil ou de outras experiências de ensino de línguas estrangeiras.
Atualmente, nas práticas de ensino e de formação de professores coexistem dois modelos: i) desenvolvimento de ações pedagógicas com base em metodologias inovadoras e tecnologias de comunicação e informação (TIC); ii) persistência de visões tradicionais do ensino e da aprendizagem das línguas estrangeira (LE), incluído o Português, e de educação. Como consequência, os professores de LE são frequentemente confrontados com essa tensão entre a inovação e a tradição.
A reforma da formação de professores deve ser entendida no plano estrutural e conjuntural da sociedade. Nessa perspetiva, é importante compreender que o processo de globalização é parte do caminho de construção, consolidação e reestruturação da própria sociedade. O grande desafio que se impõe hoje aos professores de Português na China situa-se na compreensão das transformações que o mundo globalizado traz para o conhecimento, alterando de forma significativa as políticas, as estruturas e as práticas educativas. Com o advento das TIC, é essencial os cidadãos terminarem a sua escolaridade preparados para exercer a sua cidadania na sociedade globalizada. Assim, a formação de professores deve ser redirecionada não apenas para os aspetos tradicionais de ensino da língua, mas também para as novas necessidades do uso da língua que circula nos meios sociais.
2. Formação de professores de língua portuguesa na China
2.1 Sistema de formação
O Relatório de Avaliação e Previsão de Tendências do Mercado Chinês de Formação de Professores para 2018-2024 aponta que, na China, os principais sistemas de formação se agrupam do seguinte modo: formação unificada, formação integrada, formação alternada e formação em serviço.
Segundo o relatório acima mencionado, a estratégia é tomada como a organização de meios visando a realização operacional dos objetivos definidos no modelo, tendo em consideração o aproveitamento de recursos e a superação de limitações. As principais estratégias são: (i) articulação dialética entre a teoria e a prática; (ii) introdução gradual no mercado de trabalho; (iii) preparação em equipa; (iv) investigação; e (v) processos de feedback de atitudes e comportamentos.
Nem sempre é possível fazer corresponder sistemas e estratégias, pois num mesmo sistema podem-se utilizar estratégias diferentes. Paralelamente, convém acentuar que a grande transformação que se vem operando na formação se realiza mais ao nível das estratégias do que propriamente no plano formal dos sistemas. É mesmo possível encontrarmos sistemas tradicionais quanto à forma, aplicando estratégias vinculadas a objetivos e modelos de formação atuais (Gao, 2016; Edleise & Gilvan, 2019). Esta situação constitui, aliás, um processo normal de transformação dos sistemas, processo geralmente lento pelo peso institucional a que o sistema se encontra sujeito. Tanto assim é que, na maior parte dos países ocidentais e na China, ainda coexistem diversos tipos de sistemas.
2.2 Paradigmas de formação de professores de línguas e conceções que os sustentam
O paradigma determina a forma, as conceções de conhecimento e a atuação profissional aplicadas ao campo educacional. Segundo Kuhn (1991), o movimento paradigmático influencia o processo de formação de professores, bem como o respetivo modelo pedagógico adotado nos diferentes períodos históricos e científicos.
Zeichner (1983, 1996), Vieira-Abrahão (2002) e outros autores partilham a ideia de que os cursos de formação inicial ou contínua se fundamentam a partir de paradigmas diferentes. Com o objetivo de explicar as tendências que marcam a formação de professores, Zeichner (1983) identifica quatro paradigmas e classifica-os em: a) comportamentalista; b) personalista; c) tradicional-artesanal; e d) baseado na pesquisa.
Vinculado à discussão acerca dos modelos de formação de professores de LE, Wallace (1991) estabelece três tipos de modelos: artístico, tecnicista e reflexivo.
Atualmente, o paradigma de formação inicial presente na maioria dos cursos de formação (Wallace, 1991) está orientado pelo princípio da formação do profissional reflexivo. Schön (2000) propõe os conceitos de conhecer-na-ação, reflexão-na-ação, reflexão sobre-a-ação e reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação como ações que promovem desenvolvimento profissional.
Quanto à formação de professores de LE, o objetivo da reflexão é formar professores capazes de questionar o seu contexto, analisar as origens e consequências das suas ações e confrontar a teoria com a realidade da prática, contribuindo assim para o avanço de conhecimento sobre o processo de ensino e de aprendizagem por meio da teorização das situações vividas (Paquay & Wagner, 2001).
A formação de professores de LE não pode ser separada da formação profissional (técnica) e da formação intelectual (cultural), incontestavelmente necessárias aos professores de hoje. Os professores de LE do séc. XXI devem, além de dominar o conteúdo (linguístico e literário-cultural) da língua que ensinam, também aprender teorias e conceitos provenientes de estudos interdisciplinares e transdisciplinares das Ciências Sociais.
Acompanhando a mudança do papel da China no mundo, surgiram novas necessidades para os professores de LE. Conforme o documento Pareceres de Implementação do Ministério da Educação sobre o Fortalecimento da Formação de Talentos Linguísticos não Universais em Idiomas Estrangeiros, lançado pelo Ministério da Educação da China em 2015, os alunos de LE devem: (i) ser aplicados e multidisciplinares; (ii) ter perspetiva internacional e bom conhecimento das regulamentações internacionais; e (iii) participar em assuntos e concorrências internacionais. A Comissão de Orientação do Ensino de Línguas Não Comuns da China ressalta que não se deve somente formar talentos de língua, mas também talentos de alto nível, com sentimento chinês, perspetiva mundial e capacidades de comunicação intercultural. Esses talentos serão: tradutores, intérpretes, mensageiros, padroeiros e grupos de reflexão do país.
Por esse motivo, os cursos de línguas não comuns2 começaram a concentrar-se num novo modelo de formação sob a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, com um programa constituído por um curso de Línguas Estrangeiras e por outro curso de Ciências Sociais e Educação Geral. Para um docente de LE, é necessário dar atenção a estes novos fenómenos, compreender o contexto da interação da China de hoje e aproveitar estes conhecimentos para criar melhores estratégias no ensino e tornar a aprendizagem de LE mais efetiva.
Neste sentido, a formação dos professores de LE deve ser cada vez menos focada na acumulação do conhecimento e cada vez mais centrada no seu desenvolvimento ativo e reflexivo, na construção da sua autonomia, que leve os professores a procurar os melhores caminhos e as melhores soluções na sua prática quotidiana. Como Nóvoa (2007) afirma:
A formação do professor é, por vezes, excessivamente teórica, outras vezes excessivamente metodológica, mas há um déficit de práticas, de refletir sobre as práticas, de trabalhar sobre as práticas, de saber como fazer. É desesperante ver certos professores que têm genuinamente uma enorme vontade de fazer de outro modo e não sabem como. Têm o corpo e a cabeça cheios de teoria, de livros, de teses, de autores, mas não sabem como aquilo tudo se transforma em prática, como aquilo tudo se organiza numa prática coerente. Por isso, tenho defendido, há muitos anos, a necessidade de uma formação centrada nas práticas e na análise dessas práticas. [...] Não é a prática que é formadora, mas sim a reflexão sobre a prática. É a capacidade de refletirmos e analisarmos. [...] Este é um enorme desafio para a profissão, se quisermos aprender a fazer de outro modo. (p. 14)
Pelo exposto cremos ser possível concluir que há necessidade de elaborar cuidadosamente modelos de formação profissional dirigidos a professores de línguas/culturas estrangeiras que respondam ao desafio de formar professores ativos e reflexivos. No entanto, tem de haver também a consciência de que nenhum modelo é perfeito, pelo que adotar um paradigma de formação a priori ou baseado apenas em “modismo” (Lopes, 2005) pode tornar-se muitas vezes inadequado. Daí a necessidade da investigação e da exploração de novos paradigmas.
3. Investigação realizada: metodologia
Na pesquisa, utilizámos uma metodologia quantitativa com base num inquérito por questionário aplicado a 190 alunos e a 20 professores de oito universidades da cidade de Tianjin e de Pequim3. Os questionários foram distribuídos em novembro de 2016 e a coleta dos mesmos concluída em julho de 2017. Após uma análise prévia, realizada entre novembro de 2017 e junho de 2018 fizemos verificações e aprimoramentos necessários em relação aos dados obtidos.
O questionário é um instrumento de investigação para recolha e avaliação de informação, garante o anonimato e pode conter questões para atender a finalidades específicas de uma pesquisa. A aplicação do questionário a alunos e professores, como instrumento de investigação no nosso trabalho, permitiu uma sistematização dos resultados obtidos, facilitando o processo de recolha e de análise dos dados e reduzindo o tempo de trabalho. Os dados recolhidos, de natureza quantitativa, foram tratados por estatística descritiva e inferencial.
4. Análise e discussão dos resultados
Os questionários foram aplicados aos alunos de 2º ano e 4º ano de licenciatura4 e aos professores de Português desses mesmos alunos. Foram aplicados 210 questionários a alunos, dos quais 20 foram descartados, pois esses alunos referiram nunca ter tido um professor marcante de Português em nenhuma disciplina curricular. Portanto, esses questionários não foram objeto de análise.
4.1 Questionário aos alunos
O questionário aos alunos (ver Anexo I), constituído por 11 perguntas, fechadas e abertas, teve como objetivo saber se os alunos participantes tinham tido algum professor de língua portuguesa que os tivesse marcado positivamente a sua formação escolar. Além disso, o questionário também indagou sobre as caraterísticas marcantes desses professores e as abordagens pedagógicas por eles utilizadas.
Depois de confirmar os dados pessoais dos alunos participantes, na 3ª pergunta, perguntámos se “você teve um professor de língua portuguesa que marcou positivamente a sua formação escolar?”; 100% dos alunos (n=190) respondeu positivamente (“Sim”).
Para obter uma explicação detalhada sobre esse professor, nas 4ª e 5ª perguntas, pedimos aos alunos para escolherem as caraterísticas marcantes do professor, incluindo “Grande cultura geral”, “Sabia explicar bem”, “Utilizava exemplos”, como indicado no Quadro 1.
Além das caraterísticas listadas pela investigadora, os alunos adicionaram outras que consideraram importantes, tais como:
“Bom domínio de conhecimentos, tem paciência.” (Aluno de 4º ano)
“Trabalhadora, simpática e responsável.” (Aluno de 2º ano)
“Bom domínio de técnicas de interpretação, bom domínio da língua portuguesa.” (Aluno de 2º ano)
“É uma pessoa interessante.” (Aluno de 2º ano)
Um aluno de 4º ano deu a seguinte resposta: “Tem ambos aspetos positivo e negativo. Ele é tão excelente que ele pode resolver todas as minhas perguntas estranhas. Mas desde ele ser meu professor principal, a minha capacidade de falar Português já se torna tão má por causa da falta de oportunidades de praticar (sic)”.
Importa salientar que os estudantes chineses praticamente não respondem às questões abertas. Com efeito, trata-se de um elemento cultural a ter em atenção, uma vez que a cultura chinesa considera pouco educado referenciar aspetos negativos e sobretudo quando relacionados com o professor (figura ainda de grande consideração e importância na sociedade chinesa). Apesar disso, incluímos perguntas abertas no questionário e obtivemos respostas que, sendo em número reduzido, nos permitiram, de algum modo, retirar algumas ilações.
Em síntese, os estudantes das universidades chinesas inquiridos parecem privilegiar aspetos relacionados com a capacidade dos professores em planificar a aula e transmitir e interpretar as informações, a relação empática com os seus alunos e a sua capacidade de ouvir. Estas caraterísticas destacadas pelos alunos são referências importantes para a elaboração de programas de formação de professores.
Em relação à avaliação da influência do professor de língua portuguesa enquanto uma das motivações dos alunos para escolher este curso, 42% dos alunos escolheram “não foi uma influência”; a maior parte dos alunos considera que foi “apenas uma dentre outras, mas com um peso importante na minha decisão” (32%), ou foi “fundamental. Se não fosse isso não teria feito esta opção” (26%). Nenhum informante escolheu a opção “pequena e não determinante na opção”. Podemos concluir que o professor continua a assumir um papel de protagonista não só na sala de aula, mas também na escolha por parte dos alunos de um curso de Licenciatura.
Questionados os alunos sobre que dificuldades têm enfrentado na sua aprendizagem do Português, salientamos quatro possibilidades de resposta. A maioria dos inquiridos (79%) considera que a produção oral constitui a maior dificuldade para eles neste processo, enquanto 47% menciona a produção escrita e os restantes (16%) indicam a leitura. Outras dificuldades apresentadas pelos alunos (21%) são: a) compreensão oral (n=18) e b) as diferenças entre o Português europeu e o Português brasileiro (n=22) (Gráfico 1).
Perante estes resultados, parece-nos poder afirmar que o ensino do Português na China não privilegia o desenvolvimento das competências comunicativas dos alunos, tanto orais como escritas. A razão pela qual surge esta situação prende-se, em nossa opinião, com as caraterísticas dos alunos chineses. Sob a influência da "cultura humilde", se os alunos chineses encontrarem um estrangeiro, por exemplo, um português, a primeira frase que dizem, muitas vezes, seria "Não falo bem Português". Se alguém disser: "Está lindo!", os ocidentais normalmente vão responder "Obrigado", mas quase todos os chineses vão-se sentir tímidos. Portanto, para os alunos chineses não é fácil assumirem uma postura ativa e interventiva, pois existe um conjunto de fatores que dificultam a mesma: nova língua, nova cultura, novos hábitos e novas formas de estar na vida, que são diferentes daqueles a que o aluno chinês está habituado. Alguns alunos chineses demonstram vontade de participar, mas ainda mantêm um pouco de receio e vergonha de praticar a língua.
A prática do ensino da LP, através do método da gramática-tradição, desenvolve a competência de leitura dos alunos chineses, permite-lhes ganhar nova consciência do mundo que os rodeia, facilitando o acesso aos mais variados tipos de informação. De acordo com Costa (2011), “no que diz respeito ao ensino do Português, o professor tem uma função determinante para o alargamento da competência linguística dos seus alunos (...) tem também de ter um sólido conhecimento linguístico e gramatical que lhe permita ensinar, orientando assumidamente as aprendizagens” (p. 174).
Na sétima questão, formulámos a seguinte pergunta de escolha múltipla: “O que acha mais importante na aprendizagem da Língua Portuguesa?” (Gráfico 2).
Para a maior parte dos alunos participantes (90%), o aspeto mais importante na aprendizagem da LP é compreender, seguido por falar (escolhido por 68% dos alunos), escrever (42%) e ler (42%).
Como consequência, dois grandes objetivos no ensino e na aprendizagem da LP podem ser clarificados. Quando entendemos a língua como um sistema de opções comportamentais, o objetivo deve ser desenvolver nos alunos as habilidades de expressão e compreensão de informações verbais: o uso real da língua em situações sociais específicas. Se a língua for vista como objeto de estudo, o objetivo passa a ser o conhecimento consciente do sistema linguístico, o saber a respeito da língua. A ênfase num ou noutro carateriza um ensino mais prático ou mais teórico.
No entanto, a ênfase dada a um deles não exclui o outro. Na China, no ensino dos 1º e 2º anos, o desenvolvimento das habilidades gramaticais e de comunicação domina a aquisição de conhecimentos sobre a língua, com disciplinas obrigatórias como sejam Leitura Intensiva (estudo da gramática do Português através da leitura de textos), Gramática (a cargo de um docente nativo) e Laboratório (prática da audição em ambiente de laboratório), pois considera-se que outros conhecimentos sobre a língua só podem ser desenvolvidos nos alunos a partir de um bom domínio das mesmas por parte deles.
A partir da década de l950, privilegiaram-se métodos e técnicas de ensino com vista a garantir a eficiência da aprendizagem dos alunos e a defesa da sua neutralidade científica (Soares, 2002). No entanto, na China, o método pedagógico mais utilizado na aula de PLE é verbal, seguido pelo método ativo e intuitivo, conforme os dados fornecidos pelos alunos (Gráfico 3).
Na China, muitos professores universitários, em contexto de sala de aula, tendem a ver-se como especialistas na disciplina que lecionam. Dessa forma, “as ações que desenvolvem em sala de aula podem ser expressas pelo verbo ensinar ou por correlatos como: instruir, orientar, apontar, guiar, dirigir, treinar, formar, amoldar, preparar, doutrinar e instrumentar” (Soares, 2002, p. 24). A atitude desses professores, na maioria das vezes, reproduz os processos pelos quais passaram ao longo da sua formação, centraliza-se na sua própria pessoa, nas suas qualidades e habilidades. Assim, acabam por demonstrar que fazem uma inequívoca opção pelo ensino.
O que de facto ocorre é que a grande maioria dos professores universitários ainda vê o ensino principalmente como transmissão de conhecimento através das aulas expositivas. No entanto, à medida que a ênfase é colocada na aprendizagem, o papel predominante do professor deixa de ser somente o de ensinar, e passa a ser também o de ajudar o aluno a aprender. Neste contexto, educar deixa de ser a “arte de introduzir ideias na cabeça das pessoas, mas de fazer brotar ideias” (Werner & Bower, 1984, pp. 14-15).
Com isto, o ensino passa a ser mais do que a transmissão de conhecimento. Passa a exigir a utilização de métodos e de ferramentas para o desempenho desse papel ativo. Dessa forma, a atenção principal na ação educativa transfere-se do ensino para a aprendizagem e o professor, mais do que transmissor de conhecimento, torna-se um facilitador dessa aprendizagem.
Em relação ao conteúdo a ser ensinado, muitos alunos participantes afirmaram que, quando tinham matérias interessantes ou bem preparadas, sentiram que fixaram melhor. Em nossa opinião, esta é uma outra fragilidade enfrentada no ensino e na aprendizagem da LP na China: a falta de materiais didáticos. Existem poucos manuais produzidos na China, atendendo às caraterísticas dos estudantes chineses na aprendizagem da LP, e os manuais elaborados em Portugal e no Brasil não são apropriados para eles.
Portanto, no processo de ensino e de aprendizagem da LP utilizam-se vários instrumentos de apoio pedagógico, tais como livros, vídeos, TV, projetores. Na sala de aula, é comum a utilização de livros didáticos, CD ou os materiais produzidos pelo professor. Os materiais autênticos, livros didáticos, romances, jornais, e outros, encontram-se no ambiente onde ocorre o processo de ensino e de aprendizagem e podem transformar-se em bons materiais didáticos, desde que sejam utilizados de forma adequada e correta. Os materiais didáticos são instrumentos complementares que ajudam a transformar as ideias em factos e em realidades; auxiliam na transferência de situações, experiências, demonstrações, sons, imagens e factos para o campo da consciência, onde se transformam em ideias claras e inteligíveis. Atualmente, é impossível discutir o ensino de algumas disciplinas do curso da LP sem fazer referência a este recurso.
Além disso, a inclusão das TIC nas aulas revela uma abertura a um potencial de aprendizagem, serve como mais um suporte interativo que, depois de adequado às diferentes situações, estimula nos alunos as suas capacidades de pesquisa e aumenta o volume dos seus conhecimentos, de uma forma quase imediata. Os recursos assíncronos que têm maior protagonismo são os blogs, wikis, fóruns, correio eletrónico e WebQuests.
No que diz respeito às áreas disciplinares, 40% dos alunos considera que fixam melhor as disciplinas de Economia, Literatura e História. Para eles, “a língua também é um elemento cultural. Conhecer uma língua não é só aprender os conhecimentos linguísticos e gramáticos, mas também conhecer a história dessa língua e a literatura que é escrita nessa língua” 6.
Os dados apresentados sinalizam uma situação muito relevante: os alunos sugerem que é melhor transformar algumas disciplinas obrigatórias em opcionais, a fim de permitir a liberdade de escolha. Eles desejam que se acrescentem disciplinas sobre temas específicos, como cultura, economia, diplomacia, e se reduza a carga horária das disciplinas obrigatórias que visam treinar a fonética, a gramática, o léxico e a sintaxe.
Na verdade, estudar uma LE é fundamentalmente estudar a cultura em que ela está inserida; assim, no processo de ensino-aprendizagem, consideramos ser fundamental encontrar as diferenças e as semelhanças entre as culturas materna e da língua-alvo, e levar os alunos a integrar-se não só na língua estudada, mas também na sociedade em que essa língua está inserida, tornando a aprendizagem de LE numa aprendizagem prática e significativa, como defende Cunha (1981).
4.2 Questionário aos professores
O questionário aplicado aos professores (ver Anexo II) continha 20 perguntas e tinha como objetivo conhecer as experiências de formação dos professores, analisar as atividades da sua prática pedagógica e os seus efeitos, e recolher informações e opiniões sobre a combinação entre teorias e práticas.
Na primeira parte, investigámos os dados pessoais e profissionais dos professores participantes. Num total dos 20 professores que responderam, 17 são professores chineses e 3 leitores portugueses. A maioria dos professores são do género feminino (n=18) e 2 do género masculino, o que é uma situação semelhante à dos alunos - a proporção feminina é muito superior à masculina. Em termos de faixa etária, os professores participantes são muito jovens, 18 professores têm menos de 40 anos e para a maioria o número de anos de serviço centra-se entre os 5 e os 10 anos. Em relação às habilitações académicas, como se verifica no quadro que se segue, todos os docentes de Português possuem formação superior, sendo que a maioria dos informantes já tem Mestrado concluído (n=12) e 5 estão já a desenvolver estudos de Doutoramento (Quadro 2).
Na China, falta uma coordenação a nível nacional, cabendo às autoridades governamentais decidir sobre a criação do curso em Língua Portuguesa e algumas instituições de ensino superior (IES) começaram a recrutar alunos sem as condições necessárias. Portanto, existe uma grande falta de professores de Português, devidamente qualificados, para assegurarem todas as disciplinas previstas nos programas. Consideramos que a formação de professores é um trabalho moroso e a falta quantitativa e qualitativa de professores para trabalharem em contextos emergentes de expansão do Português é um problema que tem aumentado com o interesse pela língua. Quanto aos professores estrangeiros, o número também é diminuto, não podendo atingir uma proporção de 1:1 em relação aos professores chineses.
Na segunda parte do questionário, analisámos a situação de formação contínua dos professores participantes nos últimos quatro anos.
Relativamente à importância da formação em língua portuguesa para o ensino superior, todos os respondentes se pronunciaram afirmativamente, e todos disseram ter frequentado ações de curta duração nos últimos quatro anos. Nestas ações, os conteúdos/temáticas versados(as) centraram-se nas que se apresentam no Quadro 3.
Estas ações foram organizadas sempre por uma universidade ou IES. As modalidades de formação contínua centraram-se em curso, módulo, oficina, círculo de estudos, seminário, disciplina singular no ensino superior e projeto, tendo sido o seminário a modalidade mais frequentada (100%).
Para clarificar as motivações que levaram os professores a participar em ações de formação e/ou de desenvolvimento profissional contínuo, utilizámos a escala de 1 a 3 para cada um dos itens que se seguem (Quadro 4): 1= não importante; 2= algo importante; 3= muito importante.
Uma análise ao Quadro 4 permite-nos verificar quais são as motivações privilegiadas pelos professores. Em síntese, as motivações mais destacadas pelos respondentes são aspetos relacionados com o desenvolvimento pessoal e profissional, pelo que podemos concluir que os professores chineses participam em ações de formação contínua com o objetivo de melhorar os seus próprios desempenhos, em vez de as considerarem como exigências e pressões externas.
Na China, o conhecimento teórico foi assinalado nas pesquisas como precário por parte dos professores em serviço e devido à formação inicial insuficiente; os professores, durante o exercício de suas atividades, procuram caminhos alternativos para a sua prática, sem o mínimo de reflexão. Parece-nos poder perceber que a formação contínua de professores de LE se baseia principalmente num paradigma tradicional-artesanal, e os modelos de formação se centram nos artístico e tecnicista, sem o reflexivo.
De acordo com a nossa pesquisa teórica relevante e com alguns dos pressupostos anteriormente apresentados, concluímos que uma formação que enfoca apenas os conteúdos linguísticos, e que trabalha a formação de professores de uma maneira puramente técnica, não responde às necessidades da atualidade. Perante os resultados estatísticos, tanto em termos de conteúdo quanto de modalidades de formação, a presente conceção da formação de professores de língua salienta uma disciplina singular e descuida a capacidade interdisciplinar e transdisciplinar. Em especial, quando incide no papel das TIC na sociedade, não aparece nas respostas dadas no questionário a introdução destas na educação nem na formação dos profissionais em educação. Tudo isso constitui um grande desafio para a formação de professores de Português.
No entanto, é digno de louvor que todos os professores respondentes vejam contribuições significativas da formação contínua na sua prática docente. Nessa perspetiva, a formação contínua configura-se como um processo de desenvolvimento em interação com a realidade, possibilitando aos docentes a consciencialização das suas dificuldades e a procura de aperfeiçoamento profissional e pessoal.
É necessário que a formação permita que o docente estabeleça a ligação necessária entre a teoria e a prática, vendo a língua na perspetiva do uso real e entendendo qual a relação entre a língua-alvo e a sociedade em que está inserida. Essa abordagem permite, inclusive, que o professor seja preparado na formação de cidadãos que atuem com eficácia não só no tangente ao atender dos objetivos propostos no ambiente da sala de aula, mas também da vida e da sociedade.
Na sociedade contemporânea, a formação contínua exige o levantamento das necessidades dos professores universitários e a proposta de sessões contínuas de discussão e reflexão sobre as possibilidades de mudança.
Um outro desafio enfrentado pelos professores de língua, na China continental, é que as oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento profissional para os professores em serviço que ensinam Português são extremamente insuficientes.
A maior parte das oportunidades vêm de palestras ou de cursos curtos no Centro de Desenvolvimento Profissional dos Professores da universidade (90%), seguido de projetos do Centro de Investigação Cultural Latino-Americano da universidade (80%), Centro de Investigação Linguística da universidade (60%) e o desenvolvimento profissional junto com o desenvolvimento dos alunos (50%); 25% dos professores ainda não conhece bem as oportunidades existentes no seu local de trabalho (Quadro 5).
Podemos concluir que a temática de formação de professores chineses de Português é pouco explorada na China. Por um lado, o desenvolvimento do ensino de Português tem apenas duas décadas, e mesmo que os jovens professores chineses de Português tenham consciência de que precisam de fazer muita formação contínua e de que atualizam os seus conhecimentos, não há um organismo que lhes permita encontrar-se e discutir e eventualmente propor e/ou elaborar um programa de formação. Por outro lado, esses professores estão dispersos, a trabalhar em diferentes universidades, e torna-se difícil fazer um programa comum para toda a China, dado o facto de os objetivos variarem de universidade para universidade.
De acordo com Cheng (2005), vice-reitor do Instituto de Educação de Hong Kong, o novo paradigma da triplicação (ou seja, globalização, localização e individualização) de educação e de formação de professores pode ser uma solução para essas fragilidades. A ideia é introduzir as inteligências múltiplas no processo de formação de professores, ajudar professores de diferentes cursos a terem oportunidades ilimitadas de aprendizagem profissional por meio das TIC e plataformas de intercâmbio profissional e, assim, formar professores com interesses pluridimensionais, em constante evolução e criativos. Neste sentido, a realização de reformas na formação de professores de Português nos níveis macro, institucional e operacional tem ainda um longo caminho a percorrer.
No desenvolvimento das atividades em sala de aula, os professores tentam integrar o foco nas habilidades de ouvir, de ler, de falar e de escrever, utilizando as metodologias comunicativa e de trabalho por tarefas, como se pode verificar no Quadro 6.
No entanto, a abordagem comunicativa - que tem sido bem-sucedida no contexto ocidental, especialmente a partir da segunda metade do século XX - nem sempre alcança os resultados esperados nas salas de aula na China cujos alunos têm caraterísticas particulares. Como consequência, é preciso os professores refletirem sobre as necessidades especiais dos seus alunos e serem capazes de modelar a sua prestação em sala de aula de acordo com as circunstâncias na China.
Para os 20 respondentes, no processo de ensino e de aprendizagem de PLE, combinando com as caraterísticas próprias dos alunos chineses, os professores têm que ser mais explicativos, organizados e engraçados (ver Quadro 7).
Uma análise ao Quadro 7 permite-nos verificar quais são as caraterísticas privilegiadas pelos professores. Podemos concluir que as caraterísticas mais destacadas pelos professores correspondem às caraterísticas escolhidas pelos alunos respondentes, que são saber explicar bem e aulas organizadas, só que os professores salientem mais duas caraterísticas - estimular a participação dos alunos e desenvolvimento de atividades variadas.
Em síntese, as respostas dadas pelos docentes do ensino superior chinês, que ensinam o Português língua estrangeira, parecem apontar para o seguinte: em primeiro lugar, os seus focos de atenção respondem basicamente aos requisitos dos alunos chineses; em segundo lugar, mesmo que eles tenham a consciência da importância de uma formação contínua, há falta de entidades formadoras e de paradigmas adequados na China continental; em terceiro lugar, é preciso sublinhar a necessidade de integração teoria-prática na formação de professores, bem como as ações de reflexão sobre-a-ação e reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação, a fim de superar as fragilidades existentes nos programas de formação, e assim ajudar os professores a gerar novas trajetórias para uma prática pedagógica mais eficaz e mais adequada aos requisitos sociais.
5. Considerações finais
A globalização gera um novo paradigma em relação ao espaço e também evidencia as questões de caráter cultural e as línguas que, de acordo com Wolton (2006), são as portadoras de visões do mundo que servem como instrumentos de comunicação com o mundo exterior.
Nos últimos vinte anos, o Português tem sido considerado como uma “língua de ouro” na China, o que resultou em um crescimento notável do número dos cursos de Licenciatura de Português nas IES. No entanto, após a nossa investigação, podemos afirmar que há vários fatores que podem influenciar a qualidade do ensino do PLE na China, incluindo a qualidade profissional dos professores, o interesse dos alunos por LP, a utilização dos materiais didáticos, as metodologias de ensino, entre outros.
No que diz respeito à qualidade profissional dos professores e à sua formação, consideramos que a educação de qualidade depende duma boa formação teórica e prática dos professores, uma vez que a profissão de professor combina sistematicamente elementos teóricos com situações práticas. Uma sólida formação teórica possibilita ao professor compreender melhor as distorções sociais e culturais da sua própria prática. De outra forma, haverá dificuldade na análise reflexiva da sua prática. O facto está relacionado diretamente com o uso das novas tecnologias como meios que podem facilitar quer a prática do professor, quer a compreensão dos estudantes.
Os professores devem, portanto, tomar uma atitude reflexiva em relação ao seu próprio ensino e às condições socioeconómicas que o influenciam, porque o objetivo da educação é capacitar os jovens a alcançar um desenvolvimento diversificado e sustentável. Isso exige o desenvolvimento da autonomia de pensamento e da ação, face a situações conflituantes geradas pela sociedade contemporânea.
Para os professores, refletir sobre a própria prática significa ter coragem e também redescobrir-se como professor, utilizando para isso recursos variados, tais como pesquisas académicas ou não académicas e realizar projetos em grupo ou individualmente. Enfim, é importante que “o professor olhe para si mesmo, questione-se, explique-se e, eventualmente, reveja sua prática” (Cavalcanti, 1999, p. 135).
Tendo em conta a situação da China, acreditamos que o currículo do curso de formação deve ser bem mais organizado e reformulado, no sentido de propiciar o contato do professor, desde o início do curso, com as disciplinas de base teórica e prática. Assim, o curso vai ser capaz de propiciar aos seus formandos as condições para formarem o trinómio: teoria-prática-reflexão.
Em síntese, o sucesso de uma proposta de reforma do ensino e das práticas pedagógicas e de formação de professores depende da clareza dos seus objetivos, bem como do cumprimento das suas propostas. No contexto da globalização, os professores normalmente mostram necessidades e indecisões no uso das TIC. Por isso mesmo, é preciso formação contínua que possibilite a profissionalização, a melhoria constante, bem como a reflexão sobre a prática pedagógica.
Para os professores chineses de Português, também é necessário refletir e definir claramente as caraterísticas dos seus alunos no processo de ensino e de aprendizagem, isto é, é preciso filtrar as necessidades dos alunos, compreender os processos individuais de aquisição da linguagem, misturar conteúdos, primando sempre por tornar o que é estudado concreto para o aluno.
Conforme os requisitos do documento do Ministério da Educação da China, aprender uma língua estrangeira não significa apenas falar a língua-alvo, mas também desenvolver a competência de comunicação da língua estrangeira que os alunos querem aprender. Assim sendo, para os professores de Português, não é suficiente ter competência linguística somente para lecionar a língua, eles devem também ser preparados para pesquisar as suas próprias práticas pedagógicas e investigar as questões interdisciplinares e transdisciplinares que envolvem a sua prática.
Finalmente, o professor do século XXI assume a responsabilidade de formar jovens conscientes do mundo real e prontos a exercer a sua cidadania ativa. Neste contexto, a formação de professores tem um papel fundamental para que os docentes possam evoluir sempre, a vários níveis, ao longo da sua carreira. É necessário que estejamos dispostos a apostar nas mudanças, nos processos de renovação e de reconstrução da formação docente e das práticas pedagógicas de LP.