Sumário: 1. Introdução; 2. Da liberdade de imprensa; 3. Os abusos na exposição midiática de inquéritos e processos penais; 4. Dos direitos e garantias fundamentais dos acusados/réus; 5.Conclusão; 6.Referências.
Summary: 1. Introduction; 2. Freedom of the press; 3. Abuses in the media exposure of investigations and criminal proceedings; 4. The fundamental rights and guarantees of the accused/defendants; 5Conclusion; 6. References
1 INTRODUÇÃO
Enquanto seres humanos, todos nós gostamos de acompanhar histórias. As narrativas construídas pelos mais diversos autores chamam a atenção dos homens desde os nossos antepassados mais longínquos, desde quando a narrativa era desenhada nas paredes de cavernas.
Com e evolução da sociedade, e a descoberta de uma série de conhecimentos atrelados às ciências humanas, surgiu uma função específica para contá-las: o jornalista.
Imbuído do trabalho de tornar a vida em sociedade uma história agradável ao público, o papel do jornalista veio, ao longo dos anos, ganhando destaque.
Dentre todos os elementos que prendem a atenção em uma história, uma se destacou através desse profissional: o uso do drama. Com o poder de sua escrita, a criatividade da sua imaginação e uma pitada de drama, o jornalista tornou-se capaz de prender a atenção. Por sua vez, esta é tão valiosa para as empresas as quais esses profissionais prestam serviços - do espectador.
Nesse contexto do jornalismo dramático é notável a evolução do jornalismo com pautas policiais como forma de destaque nos principais canais de mídias. Horários nobres inteiros são dedicados a uma série de reportagens policiais.
Em tais reportagens, o redator - sem o compromisso da imparcialidade inerente à Justiça - cria a sua narrativa, elegendo vilões e vítimas conforme a conveniência do contexto.
A cobertura midiática de alguns procedimentos penais tem rendido cenas icônicas. Um grande exemplo foi a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, mais se assemelhando a um show que ao relato dos fatos.
Não é difícil imaginar, com todo esse trabalho de cobertura totalmente parcial realizado pela mídia, que haveria sérios impactos nos próprios processos e, neste caso específico, um desdobramento na história do país, já que se trata de uma figura política.
O que se percebe atualmente é que a mídia dita especializada faz a sua própria investigação e julgamento. Os repórteres fazem toda uma busca de fatos e até provas e, nesse mesmo viés, peritos - não ligados à justiça e que, portanto, não teriam acesso aos autos - são ouvidos sobre as provas produzidas, gerando uma série de especulações acerca de determinado caso.
Há até mesmo rodas de discussão, onde o próprio julgamento final do acusado e repassado para a audiência. Em alguns casos, mesmos processos em sigilo têm os seus documentos e provas expostos em rede nacional. Sem dúvidas, todas essas ações maculam a própria finalidade do processo penal.
O que se vê hoje é uma mídia com um forte de poder de movimentar a opinião pública, sendo, na maioria das vezes, a primeira a formar a convicção sobre a culpabilidade dos investigados ou réus.
Tamanho poder merece atenção pois notável que ele pode influenciar, como já ocorreu em grandes casos, como no vazamento de conversas telefônicas ocorridas no âmbito da Operação Spoofing. À época, as matérias veiculadas pelo site de notícias The Intercept chegou a embasar requerimentos e decisões judiciais.
Dada a relevância e contemporaneidade do tema, através do método indutivo, este artigo tem o objetivo de analisar os impactos e aspectos legais do sensacionalismo midiático na cobertura de processos penais.
Este trabalho possui como hipótese central a afirmação de que a cobertura midiática como é feita na atualidade fere uma série de garantias constitucionais, devendo, portanto, ser moderada.
Outros direitos constitucionais, ao acesso à informação e a liberdade de expressão não podem se sobressair indiscriminadamente em detrimento dos direitos dos acusados ou réus, é necessário que haja uma clara ponderação nesse conflito aparente de normas.
Para avaliar a questão, se utilizou a revisão bibliográfica como metodologia para a realização deste estudo. Portanto, foram analisados e revistos artigos científicos, doutrinas e a jurisprudência nacional, para um estudo acurado do debate realizado, sempre levando em consideração o conflito de normas constitucionais. Quanto ao material utilizado, vale ressaltar que a análise da doutrina se mostrou essencial para ajudar na elucidação da questão em discussão.
O que se conclui deste estudo é que o sensacionalismo midiático fere diretamente direitos e garantias assegurados aos acusados/réus pela Constituição. É certo que ela não autoriza a sobrepujança de quaisquer direitos, devendo haver uma harmonia entre todos eles.
2 A LIBERDADE DE IMPRENSA
Nossa Constituição entendeu por bem estabelecer em seu art. 5.º, IX que:
“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Ocorre que a Constituição não se limitou a estabelecer a liberdade de comunicação. Ela foi além, ao prever a impossibilidade da criação de embaraços ao exercício da atividade jornalística.
Nesse sentido, é teor do disposto no art. 220, §1º da Constituição da República:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1.º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV.
Percebe-se o cuidado que a nossa Carta Maior deu à questão da liberdade de imprensa. Ela assegurou essa garantia à imprensa como direito fundamental, e, indo além, garantiu expressamente que nenhuma norma contrária à plena liberdade de informação poderia viger sob sua alçada.
É fácil inferir que houve todo o cuidado não só com o momento contemporâneo à elaboração do texto constitucional, mas também com o futuro vindouro, e todas as possibilidades dele decorrente.
O que se pode afirmar é que o direito à liberdade de imprensa está intimamente relacionado com o direito à liberdade de expressão. Este, por sua vez, é bem definido nas palavras de Sousa e Nuno, apudAlmeida (2010):
A liberdade de expressão consiste na prerrogativa à livre comunicação espiritual, no direito de fazer conhecer aos outros o próprio pensamento (na fórmula do art. 11° da Declaração francesa dos direitos do homem de 1789: a livre comunicação de pensamentos e opiniões).
Não se trata de proteger o homem isolado, mas as relações interindividuais (‘divulgar’).
Abrange-se todas as expressões que influenciam a formação delas: não só a própria opinião, de caráter mais ou menos crítico, referida ou não a aspectos de verdade, mas também a divulgação de factos (informações).
Obviamente, a discussão acerca da liberdade de impressa já passou pela mais alta corte da Justiça brasileira, tendo o Supremo Tribunal Federal assim se posicionado sobre o tema nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 869:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL 8069/90. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE CRIAÇÃO, DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO.
1. Lei 8069/90. Divulgação total ou parcial por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo à criança, ou adolescente a que se atribua ato infracional. Publicidade indevida. Penalidade: suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números. Inconstitucionalidade.
A Constituição de 1988 em seu artigo 220 estabeleceu que a liberdade de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerá qualquer restrição, observado o que nela estiver disposto.
2. Limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas. Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
O que se conclui, portanto, é que a sociedade brasileira optou por adotar a livre manifestação do pensamento - através da mídia - sem que haja qualquer tipo de ponderação prévia sobre o conteúdo veiculado.
Ora, seja pelo ordenamento jurídico, seja pelas decisões já tomadas no âmbito judicial, vemos que não devem existir amarras ou impedimentos de qualquer natureza à veiculação de notícias.
É importante lembrar que, se por um lado essa garantia, de liberdade de expressão e, por consequência, a veiculação de notícias é essencial para o Estado Democrático de Direito, por outro é perigosa.
Sim, perigosa porque como se verá adiante, permite abusos indiscriminados do livre direito de manifestação daqueles que estejam sendo penalmente processados.
3 OS ABUSOS NA EXPOSIÇÃO MIDIÁTICA DE INQUÉRITOS E PROCESSOS PENAIS
Vimos no capítulo anterior a importância dada pelo nosso ordenamento jurídico à liberdade de informação (expressão). Ela é, sem sombra de dúvidas, um dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito.
Há, no entanto, outro ponto que merece destaque. Assim como há a mídia informativa, tida como aquela imparcial que expõe os fatos, sem adentrar no mérito da questão, há uma parcela maior ainda representada na imprensa sensacionalista.
Os redatores dessas pautas não poupam esforços na produção de conteúdo que atraia a atenção humana, ainda que em detrimento do achincalhe público de terceiros.
Para conquistar a audiência, essa parcela considerável da mídia não mede esforços para roteirizar histórias, criar dramas, sabendo que este tipo de conteúdo atiça a curiosidade humana.
No âmbito da divulgação midiática eminentemente sensacionalista reside a opção, quase sempre frequente, pelo acompanhamento de questões ligadas aos inquéritos e processos penais.
Todos os jornais de grande circulação possuem pelo menos um editorial destacado de forma integral para “conteúdo policial”. Emissores de rádio e TV possuem programas em horários considerados nobres (meio-dia e vinte e uma horas) dedicados às notícias policiais.
A predileção pela veiculação desse tipo de conteúdo nos mais diversos meios de comunicação revela a preferência do público por esse conteúdo.
Em muitos desses recortes informativos acerca dos “noticiários policiais” vemos uma constante execração pública daqueles que figuram na condição de acusado/réu.
O processo penal midiático independe de provas, não confere direito ao contraditório e, na maioria das vezes, condena sumariamente.
Esse processo de exposição vexatória do acusado foi analisado nos Estados Unidos da América, sendo nominado o fenômeno como trial by media, ou seja, julgamento pela mídia, em tradução livre.
Sobre os impactos desse fenômeno, é importante considerar as valiosas lições trazidas por Gavin Phillipson2:
Talvez a observação final seja mais impressionista. O espetáculo da recusa persistente dos tribunais dos EUA em proteger os indivíduos do efeito prejudicial da cobertura da mídia sobre sua prisão e julgamentos, restringindo a mídia, parece de fora dos Estados Unidos o oposto do respeito americano pelo indivíduo e reverência pela liberdade individual. Pelo contrário, parece que os direitos e liberdades dos indivíduos estão sendo sacrificados aos interesses comerciais dos meios de comunicação de massa e à curiosidade ociosa da maioria.
No Brasil, a situação existente não é diferente. Um grande exemplo da influência e impactos da constante cobertura midiática sobre processos penais foi o julgamento da famigerada operação Lava-Jato.
Desde o início dessa operação, quando ainda se investigava um suposto esquema de lavagem de dinheiro, o inquérito já ganhava destaques nos noticiários nacionais.
Depois, com o envolvimento do nome de grandes políticos e empresários do nosso país, o tema praticamente monopolizou o noticiário nacional por vários meses.
Em se tratando da maior operação policial já ocorrida no Brasil, não faltam exemplos dos perigos da exposição sensacionalista de processos penais.
Por exemplo, em 2019, o periódico online El País noticiou que um órgão extraoficial da imprensa internacional teria obtido acesso a documentos sigilosos da investigação. É o que se denota da matéria veiculada em seu sítio eletrônico:
Uma investigação jornalística acaba de abrir um novo capítulo para os problemas legais da Odebrecht na América Latina.
O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) teve acesso a arquivos obtidos pelo site equatoriano La Posta contendo 13.000 documentos armazenados na plataforma de comunicação Drousys, utilizada pelo então setor de Operações Estruturadas da companhia, responsável por controlar os pagamentos de propinas em vários países.
Até então, a Operação Lava Jato detinha o acesso privilegiado a estas informações, bem como a distribuição de seu conteúdo para os países interessados e que investigavam o escândalo, que sacudiu a política latino-americano, especialmente a de Brasil e Peru.
A primeira reportagem com dados vazados do Drousys afirma que executivos que fizeram acordos de delação omitiram pagamentos de propinas em quatro países: 39 milhões de dólares relacionados a usina de carvão de Punta Catalina, na República Dominicana; cerca de 3 milhões de dólares relacionados a um gasoduto peruano; cerca de 18 milhões de dólares ligados ao sistema de metrô na Cidade do Panamá; e mais de US$ 34 milhões ligados à Linha 5 do sistema de metrô em Caracas. Também cita mensagem discutindo “pagamentos secretos” relativos à construção do metrô em Quito.
Segundo os jornalistas da revista Época e do site Poder 360 - que fazem parte do consórcio de mais de 50 profissionais, de 10 países, que tiveram acesso aos dados -, essa omissão pode colocar em xeque os acordos feitos com a empresa no Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ), com o qual a empresa acertou pagamento de multa de 2,6 bilhões de dólares, além de uma declaração pública de culpa.
O DoJ afirma que a Odebrecht pagou mais de 788 milhões de dólares em propina, entre 2001 e 2016, e teve 3,3 bilhões de dólares de benefícios.
Como é possível inferir da notícia veiculada, o grupo de jornalistas responsáveis pelo vazamento de documentos sigilosos coloca em xeque até mesmo as decisões tomadas por Órgãos de Justiça.
Numa situação como esta é totalmente possível concluir que os jornalistas em questão assumem para si a verdadeira pecha de julgadores do caso, apontando inclusive falhas dos órgãos jurisdicionais.
Não se olvida que o acesso à informação, ainda mais no tocante aos processos judiciais, constitui verdadeira ferramenta de controle social sobre o exercício das funções públicas. No entanto, não pode a mídia querer outorgar para si o poder judicante.
Citando como exemplo, nesse mesmo caso da Operação Lava-Jato, há o famoso vazamento de conversas de membros do Ministério Público Federal no Telegram feito pelo periódico online The Intercept.
O referido site trouxe à tona as conversas entre membros do Ministério Público Federal e outras autoridades, incluindo o juiz do caso, o que resultou, dentre outras consequências, numa mudança de todo o curso da investigação e dos processos em trâmite.
A mudança de rotas no curso da Lava-Jato é apenas um (dentre os maiores) exemplo do poder de influência que a grande mídia pode exercer sobre a atividade jurisdicional.
Há um engano por parte daqueles que defendem a ideia de que é possível ter isenção e parcimônia no âmbito de um processo penal quando esteja sob constantes e duradouros olhares da parte vil da mídia.
Apesar de não ser a única ocorrência, as ações desencadeadas na Lava-Jato demonstram o poder de influência que a grande mídia pode ter.
4 DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DOS ACUSADOS/RÉUS
A exposição vexatória de acusados/réus pela mídia viola direitos dos acusados/réus. Dentre eles podemos destacar dois: a presunção de inocência e o direito à intimidade.
Considerando que ambos os direitos são de ordem constitucional é de se preocupar a frequência e os níveis em que tais abusos ocorrem.
Quando um caso de ordem penal, seja inquérito, investigação preliminar, ou mesmo já na fase judicial, ganha a atenção da mídia sensacionalista, há uma verdadeira devassa da vida dos réus, acusados ou investigados.
As violências e coações morais, no entanto, não param na pessoa do acusado, refletindo muitas vezes em familiares que nada tem a ver com a investigação em curso.
Há uma verdadeira violação de direitos da intimidade e da vida privada, que não é levada em consideração quando o que importa é somente ter um fato para especular e julgar. Este é outro efeito deletério da perseguição midiática feita no âmbito do sensacionalismo penal.
Com relação à presunção de inocência, constitucionalmente assegurados a todos, vemos que este inexiste na seara das “colunas policiais”.
Há toda uma orquestra montada para um verdadeiro “julgamento paralelo”. Os acusados são colocados à prova da opinião pública muitas das vezes como verdadeiros culpados, sem qualquer possibilidade de defesa.
A “sentença” vem forte e rápida, corriqueiramente seguida por palavras de ordem e adágios populares como “bandido bom é bandido morto”. Há uma verdadeira derrocada de todo e qualquer resquício de humanidade, quando um semelhante é jogado ao público conforme a vontade da direção jornalística.
No que tange ao direito à intimidade, qualquer cidadão que se veja sobre o crivo da execração pública promovida pela mídia perde de imediato tal prerrogativa.
Numa simples e rápida análise dos noticiários policiais podemos ver toda a vida dos indivíduos investigados pela mídia especializada, conforme a vontade daquele que estabelece a pauta do jornal.
É comum que a violação desses direitos transpasse da pessoa acusada, ricocheteando em pessoas próximas que nada tem a ver com a situação que deu origem à investigação promovida pela mídia.
O que se observa é que o processo sensacionalista de parte da mídia viola toda e qualquer garantia individual constitucionalmente assegurada. A sensação, para aqueles que tem consciência dos princípios democráticos de direito e da importância do devido processo legal, dos direitos individuais e do valor histórico das lutas para conquista-los, é de grave ameaça aos valores civilizatórios.
Além disso, cumpre destacar, que a conscientização deveria partir não apenas da própria mídia, mas sobretudo da sociedade que, como espectadora das notícias, valoriza e consome essa espécie de informação.
É possível fazer essa afirmação tendo como base o fato de que o processo de exposição midiática do investigado desrespeita sumariamente a dignidade que toda e qualquer pessoa tem direito. Sobre esse direito, vale anotar as palavras de Rodrigues Junior (2009):
A dignidade da pessoa humana é um princípio estruturante e fundamental do Direito, ou, em outras palavras, ‘o fim supremo de todo o Direito’, que dispensa para a sua eficácia, o reconhecimento formal pelos ordenamentos jurídicos.
Sobre esse direito, vale anotar as palavras de Rodrigues Junior (2009):
A dignidade da pessoa humana é um princípio estruturante e fundamental do Direito, ou, em outras palavras, ‘o fim supremo de todo o Direito’, que dispensa para a sua eficácia, o reconhecimento formal pelos ordenamentos jurídicos.
Guilherme Nucci (2012) vai adiante, esclarecendo ainda mais o tema:
Há dois prismas para o princípio constitucional regente da dignidade da pessoa humana: objetivo e subjetivo.
Sob o aspecto objetivo, significa a garantia de um mínimo existencial ao ser humano, atendendo as suas necessidades básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, nos moldes fixados pelo art. 7.º, IV, da CF.
Sob o aspecto subjetivo, trata-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima, inerentes ao ser humano, desde o nascimento, em relação aos quais não cabe qualquer espécie de renúncia ou desistência.
Como balizador do ordenamento jurídico nacional, a dignidade humana deve habitar toda a dogmática do Direito.
Muito embora, numa análise superficial, a produção de conteúdo jornalístico possa não ter relação com os julgamentos realizados pelas Justiça, uma análise mais detalhada revela que a confluência de informações entre os dois campos (justiça e mídia) é incontestável.
É inegável a interferência de um campo noutro, do mesmo modo a observância do princípio da dignidade humana deve prevalecer no âmbito das manifestações informativos dos jornais e mídias eletrônicos.
5 CONCLUSÃO
Conforme exposto, há uma clara relação de interferência das notícias e informações divulgadas de forma sensacionalista sobre casos policiais e processos penais.
É inegável que há uma verdadeira simbiose entre a justiça e os meios de comunicação, tendo estes - principalmente nos últimos anos - interferido naqueles.
Não há qualquer garantia aos acusados contra as notícias veiculadas pelos portais de “informação”, mesmo que esses interfiram indiretamente nos processos.
A Constituição Federal do Brasil, dentre os direitos e garantias fundamentais - art. 5º, inc. III - , prevê que ninguém será submetido a tortura e nem a tratamento desumano ou degradante. Estabelece ainda que são invioláveis a intimidade, a vida privada a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, inc. X).
Percebe-se a atenção dada ao constituinte para os direitos fundamentais do homem - em especial a dignidade e a honra.
É notável que a Constituição Federal cuidou de assegurar a todos aqueles em território nacional a garantia do tratamento humano e do direito à intimidade e à imagem das pessoas.
Não poderia ser diferente, afinal, o próprio conceito de dignidade passa pela manutenção da sua honra enquanto indivíduo.
Uma vez definido pelo texto maior que toda e qualquer pessoa deve ter a sua imagem preservada, todos devem observar essa regra.
Infelizmente, essa vertente segue sendo ignorada ao longo dos últimos anos pela grande mídia especializada, que busca a todo custo, a disseminação de informações sem o devido trato.
É inegável que a grande mídia atingiu um patamar atual onde é capaz de envolver e movimentar a consciência coletiva social. Esse poder é, sem sombra de dúvidas, algo assustador uma vez que pode ser utilizado para objetivos nada ortodoxos.
Pode-se, com um bom texto e uma narrativa bem construída, destruir-se reputações, causar linchamentos públicos e/ou outras coisas inomináveis.
O pior a se pensar, nessa hipótese, é que o acusado - apesar de ter suas garantias respeitadas no âmbito do processo penal - está totalmente à mercê da vontade do editor. Sim, porque ainda que comprove sua inocência, os danos causados à imagem podem não ser reparados, mesmo quando há a veiculação de erratas.
Ao final deste trabalho a hipótese levantada se confirmou. Ficou demonstrado que os meios de comunicação interferem diretamente na prestação jurisdicional penal, ferindo uma série de garantias e direitos fundamentais.
Um grande exemplo disso foi a própria investigação Laja-Jato, que teve diversas decisões judiciais que usaram como embasamento matérias veiculadas em grandes portais de notícias.
Não há, em nosso país, nenhum controle sobre os materiais publicados. Nem mesmo quando há o vazamento de documentos que deveriam ser sigilosos há responsabilização das matérias jornalísticas e periódicos publicados, incentivando a perpetuação da prática indiscriminada de veiculação de matérias de cunho julgador.
O que existe é um evidente conflito aparente de normas constitucionais. Se por um lado a Constituição defende e prevê a liberdade de impressa, por outro também assegura a todos a manutenção de um status mínimo de dignidade, neste caso, de investigados.
O Direito à informação não deve prevalecer sobremaneira ao direito dos acusados/réus, de modo que estes possam ter suas vidas devassadas ao bel prazer da vontade de poucos.
Do mesmo modo, os fins lucrativos da imprensa especializada não podem, num Estado que se autointitula democrático e de Direito, sobressair-se sobre os direitos dos indivíduos.
É inegável que a mídia detém importante missão institucional para a manutenção do status quo da nossa democracia, que deve ser gerida com responsabilidade e compromisso com os ditames da mesma democracia.
Por isso, tal mister não pode ser justificativa para que ignoremos os abusos cometidos por essa mesma mídia no que tange ao sensacionalismo midiático promovido em casos penais.
Há de haver uma convergência de interesses, com a ponderação entre a função de informar e, ao mesmo tempo, a manutenção de direitos dos acusados/réus.
Somente com o cumprimento dessas premissas poderemos assegurar um justo e efetivo processo criminal conforme previsto no âmbito do nosso ordenamento jurídico, respeitando direitos fundamentais, individuais e coletivos, sempre em harmonia, preservando o bem comum.