Segundo a conceptualização cultural da APA (2014), qualquer forma de mal-estar é moldada pela idiossincrasia do grupo, e esse impacto associa-se nos padrões de procura de ajuda. A saúde mental existe num continuum complexo, com experiências que vão desde um estado ótimo de bem-estar até estados debilitantes de sofrimento emocional, dentro do ciclo de vida, sendo, em qualquer momento, uma preocupação para os indivíduos, famílias, comunidades e profissionais de saúde (WHO, 2022). Assim, a perceção subjetiva da saúde mental é bastante relevante, sendo a autoavaliação da saúde mental (AASM) útil por corresponder a uma avaliação holística individual, quer em investigação quer em serviços médicos (Casu & Gremigni, 2019; Mawani & Gilmour, 2010; McAlpine et al., 2018).
A AASM, medida por um único item, tem sido conceptualmente válida porque, não procura atribuir um diagnóstico clínico, mas reflete a perceção do entrevistado, que é o melhor juiz, sobre sua saúde mental (Rohrer, 2004), para além da simples soma ou ponderação dos itens incluídos numa escala. Apesar da epidemiologia da AASM não ter sido explorada tão extensivamente quanto a autoavaliação geral da saúde (AAS), que se tem evidenciado como preditor excecionalmente forte de mortalidade e morbilidade (Benyamini & Idler, 1999; DeSalvo et al., 2006; Idler & Benyamini, 1997; Schnittker & Bacak, 2010), tem sido cada vez mais utilizada, e os resultados mostram que uma pior AASM se associa a maior sofrimento psicológico e patologias mais severas (Ahmad et al., 2014; Jang et al., 2012; Mawani & Gilmour, 2010) e que pode ser preditora de sintomas depressivos (Galambos et al., 2022); ou seja, a AASM pode captar sintomas subclínicos, que ainda não se instalaram como patologia, como depressão ou ansiedade (Ahmad et al., 2014; Casu & Gremigni, 2019).
A AASM pode considerar-se um indicador robusto no que respeita a prover informações sobre a autoconsciência e os sentimentos sobre o bem-estar (McAlpine et al., 2018) e alargado da perceção de saúde mental. Essa perceção desempenha um papel importante na procura de ajuda, adesão ao tratamento e recuperação (Mawani & Gilmour, 2010; Zuvekas & Fleishman, 2008) e fornecer informação relevante sobre a saúde psicológica do indivíduo numa determinada altura, assim como, ser útil na monitorização da saúde mental durante as várias fases da vida (Casu & Gremigni, 2019; Galambos et al., 2022; McAlpine et al., 2018). Ahmad et al. (2014) mostraram a AASM como medida confiável e forte de saúde mental da população, com o potencial de fornecer estimativas da saúde mental das populações, análise de mudanças ao longo do tempo e de resposta a políticas e práticas. Os resultados do estudo de Shaban et al. (2022) mostram que, em Portugal, a avaliação da saúde se associa a desigualdades socioeconómicas e a diferentes recursos de serviços de saúde.
A perceção sobre a saúde mental relaciona-se com o processo de procura de apoio profissional, sobre o qual um dos mais citados fatores de influência são as atitudes (Hammer et al., 2018). Tendo por base a teoria de ação planeada (TAP), de Ajzen (1985;1991), as intenções dependem do controlo volitivo dos sujeitos e são indicadores do esforço que estão dispostos a despender para realizar um comportamento, estando sujeitas a três determinantes, conceptualmente independentes: atitudes, fatores sociais e grau de controlo. Aplicando a TAP ao contexto de procura de ajuda psicológica profissional, as atitudes, em articulação com a pressão social de outros significativos e o controlo comportamental percebido (eficácia e obstáculos percebidos), podem predizer a intenção de procura de ajuda. As atitudes positivas, i.e., avaliação positiva sobre a procura de ajuda psicológica profissional, normas subjetivas favoráveis e um maior controle percebido levam à formação da intenção, precursora da procura efetiva de apoio psicológico no futuro (Hammer et al, 2018). Li et al. (2014) confirmaram a magnitude da associação entre a intenção e as atitudes face à procura de ajuda como das mais significativas.
Apesar do aumento da procura de apoio psicológico, há um número significativo de pessoas que optam por não procurar essa ajuda, pelo que se tem assistido ao maior interesse das atitudes face à procura de ajuda psicológica (Picco et al., 2016). Dada a relevância da temática, a investigação tem sido extensa, nomeadamente analisar a sua relação com outras variáveis e construtos relacionados, como: a aculturação/enculturação (Sun et al., 2016); a diferença entre sexos (Nam, 2010); a conformidade com normas masculinas (Levant et al., 2022); benefícios e ameaças antecipados, autoestigma e estigma público de procurar ajuda, autorrevelação, apoio social e depressão (Lannin et al., 2018; Nam et al., 2013; Vogel et al., 2005), a intenção e comportamento (Armitage & Conner, 2001; Sheeran, 2002). Por sua vez, a subutilização de serviços profissionais de apoio psicológico tem sido, muitas vezes, relacionada com estigma (Gulliver et al, 2010; Nam et al., 2013; Vogel et al., 2007) ou relutância com a autorrevelação (Hinson & Swanson, 1993; Vogel & Wester, 2003); há evidências que indivíduos com visões negativas sobre a eficácia dos serviços de saúde mental não expressaram intenções de recorrerem a essa ajuda (Angermeyer et al., 1999; Bayer & Peay, 1997) e, por outro lado, pessoas que já tiveram apoio psicológico profissional têm atitudes mais positivas face a este recurso (Halgin et al., 1987; Lin & Parikh, 1999). Os resultados de ten Have e colaboradores (2010) demonstraram que a maioria dos participantes recorreria a ajuda profissional em caso de surgimento de problemas emocionais sérios, mas que se sentiriam desconfortáveis se os seus amigos soubessem que estariam a ter essa ajuda e um terço dos participantes indicou que a ajuda profissional era pior ou igual a não ter nenhuma ajuda.
Coppens et al. (2013), num estudo realizado a países europeus, incluindo Portugal, mostraram que a maioria dos participantes evidenciou abertura para procurar ajuda profissional no caso de problemas de saúde mental. Assim, o objetivo do presente estudo é avaliar a perceção subjetiva dos adultos portugueses relativamente à sua saúde mental e as suas atitudes face à procura de apoio psicológico profissional.
Método
Participantes
A amostra é constituída por 615 indivíduos adultos, da população geral portuguesa, com média de idades 38,75 (DP=14,88). No Quadro 1 apresentam-se as principais características da amostra.
Material
Informação Sociodemográfica. Os participantes responderam a um questionário sociodemográfico, a questões sobre a existência de doenças graves e o recurso a apoio psicológico profissional.
Autoavaliação da saúde mental. A avaliação da saúde mental (AASM) foi medida com um único item, pela questão “Como classificaria a sua saúde mental?”, num formato de resposta de quatro pontos: “4 = excelente”, “3= boa”, “2 = má” e “1= péssima”.
Atitudes face à procura de apoio psicológico profissional. As atitudes relativas à procura de ajuda foram medidas pela escala Attitude towards Seeking Professional Psychological Help - Short Form (ATSPPH-SF), versão reduzida de 10 itens da ATSPPHS (Fisher & Turner, 1970) ,por 29 itens. O questionário ATSPPH-SF é composto por 10 itens, escala tipo Likert de 4 pontos (de 0 - Discordo a 3 - Concordo), e está subdividido em duas subescalas com 5 itens cada: (1) Abertura à procura de tratamento para problemas emocionais (e.g., “Se eu acreditasse que estava a ter um colapso mental, minha primeira inclinação seria chamar a um profissional.”) e (2) Valor e Necessidade em procurar tratamento (e.g., “Considerando o tempo e a despesa envolvidos na psicoterapia, teria pouco valor para uma pessoa como eu.”). Os valores superiores na subescala Abertura referem-se a uma maior abertura à ajuda profissional. Os valores da escala de Valor são invertidos, pelo que resultados maiores indicam atitudes de estigma face a ajuda psicológica profissional. O instrumento apresenta valores de consistência interna, de alfa de Cronbach, situados num intervalo de 0,82 a 0,84 (Fischer & Farina, 1995; Elhai et al., 2008). A escala ATSPPH-SF, adaptada para população portuguesa, (Blanco & Pais-Ribeiro, 2023) pode medir as atitudes face à procura de apoio psicológico (α=0,79; χ 2 /gl=4,62, RMSEA=0,08, GFI=0,95, CFI=0,90), assim como, avaliar a abertura à procura de apoio psicológico para resolução de problemas emocionais próprios (α=0,72), e o valor do tratamento psicológico profissional (α=0,63).
Variável | Categoria | n | % |
---|---|---|---|
Sexo | Feminino | 448 | 72,85% |
Masculino | 167 | 27,15% | |
Intervalo Idade | [18-25] | 191 | 31,06% |
[26-32] | 33 | 5,37% | |
[33-40] | 49 | 7,97% | |
[41-50] | 221 | 35,93% | |
[51-60] | 93 | 15,12% | |
[61-70] | 20 | 3,25% | |
>70 | 8 | 1,30% | |
Escolaridade concluída | Outro | 4 | 0,65% |
Até ao 6º ano (até ao antigo ciclo preparatório) | 5 | 0,81% | |
Até ao 9º ano (até ao antigo 5º liceal) | 14 | 2,28% | |
Até ao 12º ano (até ao antigo 7º liceal /ano propedêutico) | 188 | 30,57% | |
Bacharelato ou curso técnico superior profissional | 30 | 4,88% | |
Licenciatura | 245 | 39,84% | |
Mestrado | 116 | 18,86% | |
Doutoramento | 13 | 2,11% | |
Situação socioeconómica | Má | 34 | 5,50% |
Satisfatória | 319 | 51,90% | |
Boa | 236 | 38,40% | |
Muito boa | 26 | 4,20% | |
Estatuto profissional | Empregado ou Estudante | 570 | 92,68% |
Desempregado | 26 | 4,23% | |
Reformado | 19 | 3,09% | |
Local de residência | Cidade | 527 | 85,69% |
Meio rural | 88 | 14,31% | |
Existência de doença grave | Sim | 118 | 19,19% |
Não | 497 | 80,81% | |
Apoio Psicológico Profissional | Não | 315 | 51,22% |
Sim | 300 | 48,78% |
Resultados
Análise de correlação entre variáveis
Da análise de correlação entre as variáveis (Quadro 2) evidencia-se que a associação negativa da AASM com o valor geral das atitudes.
ASSM | Abertura | Valor | Atitudes | ||
ASSM | Correlação de Pearson | ||||
Abertura | Correlação de Pearson | -0,11* | |||
Valor | Correlação de Pearson | -0,07 ns | 0,57** | ||
Atitudes | Correlação de Pearson | -0,10* | 0,89** | 0,88** |
Nota. * A correlação é significativa no nível 0,05; ** A correlação é significativa no nível 0,001 (2 extremidades); ns: não significativa
Análise descritiva das medidas
Os coeficientes de assimetria negativos obtidos evidenciam os valores mais elevados de abertura, valor e atitudes (Quadro 3), sendo possível constatar que os participantes revelaram atitudes favoráveis face ao apoio psicológico.
Atitudes face ao apoio psicológico profissional | M | DP | Min | Max | Sk | Ku |
---|---|---|---|---|---|---|
Abertura | 11,48 | 2,76 | 0,00 | 15,00 | -9,25 | 4,43 |
Valor | 10,81 | 2,66 | 1,00 | 15,00 | -7,17 | 2,49 |
Atitudes | 22,29 | 4,79 | 2,00 | 30,00 | -8,45 | 4,91 |
Nota. M = Média; DP= Desvio-Padrão; Min= Mínimo; Max= Máximo; Sk= Coeficiente de assimetria; Ku= Coeficiente de curtose.
Autoavaliação da saúde mental
75,30% dos participantes avaliaram a sua saúde mental como boa (Quadro 4), e os resultados, evidenciados pelo coeficiente de assimetria negativo, demonstram autoavaliações positivas (Quadro 5).
Atitudes face ao apoio psicológico profissional
Quaisquer das dimensões de atitudes face ao apoio psicológico profissional variam de modo estatisticamente significativo em função do sexo, sendo os resultados mais elevados nas mulheres que os homens [Abertura (t=7,76, p<0,001) e Valor (t=6,00, p<0,001) e valor global de Atitudes (t=7,86, p<0,001)]. Quanto às diferenças por idade verifica-se que as mesmas só se apresentam significativas ao nível da dimensão valor (H=17,92, p<0,001), sendo os resultados desta dimensão mais elevados na idade entre os 33 e os 40 anos relativamente aos mais velhos. As diferenças de escolaridade só se apresentaram significativas para a dimensão valor (H=8,00, p=0,018), cujos valores são mais elevados no ensino. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os participantes do meio urbano e de meio rural, assim como, entre as distintas situações profissionais.
A abertura (t=2,84, p=0,005) e as atitudes (t=2,24, p=0,025) variam de modo estatisticamente significativo em função da existência ou não de doença grave, sendo os valores mais elevados nos participantes com doença grave ou crónica. Os resultados das dimensões abertura (t=-7,81, p<0,001), valor (-7,85, p<0,001) e atitudes (t=-8,97, p<0,001) variam de modo estatisticamente significativo em função do recurso efetivo ao apoio psicológico, sendo os valores mais elevados no grupo dos que o têm (Quadro 6).
Autoavaliação da saúde mental
A AASM varia em função do sexo (U=34232,00, p=0,032), sendo mais elevada nos homens comparativamente às mulheres, e existe correlação estatisticamente significativa positiva (r=0,20, p<0,001) entre a AASM e a idade. Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em função das habilitações académicas e a AASM (H=11,23, p=0,004), considerada mais favorável no grupo dos indivíduos com o ensino superior comparativamente aos que tem apenas o ensino secundário. Não foram encontradas diferenças na AASM relativas ao local de residência. Encontrou-se uma correlação positiva, ainda que fraca, da AASM com a situação socioeconómica (r=0,08, p<0,001).
As diferenças estatisticamente significativas (U=22326, p<0,001), confirmaram melhor AASM nos sujeitos sem doença grave comparativamente aos que têm. Os indivíduos com recurso ao apoio psicológico avaliam pior a sua saúde mental, confirmando diferenças significativas entre grupos (U=36452,50, p<0,001). No Quadro 7, pode constatar-se que existe uma proporção mais elevada de sujeitos que avaliaram como má a sua saúde mental e que recorrem ao apoio psicológico profissional comparativamente aos que não procuraram apoio profissional com a mesma autoavaliação. A diferença, nos indivíduos que avaliaram a sua saúde mental como boa, entre o recurso efetivo a apoio psicológico profissional é de 3,8%.
Atitudes face ao apoio psicológico profissional
O conjunto das variáveis sociodemográficas analisadas explicam 18,3% (R 2=0,18) da variação das atitudes (Quadro 8).
AASM | Apoio Psicológico Profissional | |||
---|---|---|---|---|
Não | Sim | |||
N | % | N | % | |
Péssima | 2 | 0,6% | 3 | 1,0% |
Má | 31 | 9,8% | 73 | 24,3% |
Boa | 243 | 77,1% | 220 | 73,3% |
Excelente | 39 | 12,4% | 4 | 1,3% |
Modelo | Coeficientes não padronizados | Coeficientes padronizados | t | p | F | p | R 2 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
B | Erro | Beta | ||||||
(Constante) | 24,92 | 1,87 | - | 13,32 | <0,001 | 27,27 | <0,001 | 0,18 |
Sexo | -2,84 | 0,40 | -0,26 | -7,04 | <0,001 | |||
Intervalo Idade | 0,13 | 0,11 | 0,05 | 1,15 | 0,249 | |||
Autoavaliação da Saúde mental | 3,01 | 0,37 | 0,31 | 7,98 | <0,001 | |||
Apoio Psi. Profissional | -0,19 | 0,42 | -0,02 | -0,47 | 0,640 |
Abertura face ao apoio psicológico profissional
17% (R 2=0,17) da variação de abertura face ao apoio psicológico é impactada pelas características sociodemográficas analisadas (Quadro 9). Mulheres (B=-1,64, p<0,001), aumento da idade (B=0,21, p=0,002) e recurso de apoio psicológico profissional (B=1,53, p<0,001) contribuem para o aumento da abertura.
Modelo | Coeficientes não padronizados | Coeficientes padronizados | t | p | F | p | R 2 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
B | Erro | Beta | ||||||
(Constante) | 12,02 | 1,08 | - | 11,10 | <0,001 | 24,89 | <0,001 | 0,17 |
Sexo | -1,64 | 0,23 | -0,26 | -7,02 | <0,001 | |||
Intervalo Idade | 0,21 | 0,06 | 0,12 | 3,11 | <0,002 | |||
Autoavaliação da Saúde mental | -0,07 | 0,24 | -0,01 | -0,30 | <0,760 | |||
Apoio Psicológico Profissional | 1,53 | 0,21 | 0,27 | 7,04 | <0,001 |
Valor face ao apoio psicológico profissional
As variáveis consideradas: sexo, intervalo de idade, autoavaliação da saúde mental, o apoio psicológico profissional e o stress explicam 13,4% (R 2 =0,13) da variação do valor dado ao apoio psicológico. As mulheres (B=-1,20, p<0,001) e o recurso efetivo ao apoio profissional contribuem para o aumento significativo do valor (B=1,47, p<0,001).
Autoavaliação da saúde mental
A variação de 5,7% da AASM é explicada em função do conjunto de variáveis sociodemográficas. O aumento da idade (B=0,05, p<0,001) e maiores habilitações académicas (B=0,07, p=0,051) impactam num aumento da AASM.
Modelo | Coeficientes não padronizados | Coeficientes padronizados | t | p | F | p | R 2 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
B | Erro | Beta | ||||||
(Constante) | 12,89 | 1,07 | - | 12,07 | <0,001 | 18,92 | <0,001 | 0,13 |
Sexo | -1,20 | 0,23 | -0,20 | -5,21 | <0,001 | |||
Intervalo Idade | -0,07 | 0,06 | -0,04 | -1,14 | 0,253 | |||
Autoavaliação da Saúde mental | -0,12 | 0,24 | -0,02 | -0,50 | 0,611 | |||
Apoio Psi. Profissional | 1,47 | 0,21 | 0,27 | 6,83 | <0,001 |
Discussão
O propósito principal deste trabalho foi o de perscrutar a perceção do estado psicológico dos adultos portugueses e sua associação à procura de apoio psicológico profissional, mediante a AASM e sua relação com as crenças subjetivas face à procura de tratamento psicológico.
Os resultados mostram que, em geral, os portugueses avaliam positivamente o apoio psicológico profissional, congruentes com os de estudos anteriores, tal como as diferenças de atitudes, valor e abertura em os sexos, com as mulheres mais favoráveis ao tratamento profissional. O valor dado ao apoio psicológico profissional, dimensão mais geral e não individual, decresce com a idade e aumenta conforme o grau académico. Os indivíduos com doenças graves apresentaram maior abertura ao apoio psicológico profissional para os seus problemas emocionais do que aqueles sem patologia, e os participantes que recorreram a cuidados psicoterapêuticos dão mais valor a esse tipo de suporte, são mais abertos a fazer diligências para encontrar esse apoio profissional e avaliam mais favoravelmente a procura de tratamento psicológico profissional. Os resultados confirmaram que o sexo e o prévio recurso ao apoio psicológico predizem uma maior abertura e maior valor a esse suporte.
Os estudos prévios realizados, quer à população geral portuguesa (Coppens et al., 2013; Kohls et al., 2016), com recolha de dados entre 2009 e 2011, quer a estudantes universitários (Conceição et al., 2022), em 2019, evidenciaram resultados médios inferiores aos obtidos no presente estudo. Dado que os dados foram recolhidos há mais de uma década e os mais recentes terem sido antes da pandemia de Covid-19, poder-se-á deduzir que os portugueses passaram a valorizar mais a procura de cuidados profissionais em saúde mental. Ainda assim, e apesar de 84,8% dos participantes ponderarem ter ajuda psicológica profissional no futuro, 60,3% dos inquiridos considera que “há algo de admirável numa pessoa que consegue lidar com os seus próprios medos, sem recorrer a apoio profissional”.
Numa perspetiva diacrónica e sincrónica, a vida de um individuo é pautada pela perceção subjetiva do estado psicológico, dependente do contexto e ciclo de vida. A AASM representa a perceção e avaliação holística do bem-estar psicológico por parte de cada sujeito, pelo que se objetivou analisar como é que os adultos portugueses avaliam a sua saúde mental, com recurso a uma pergunta fundamentada pela investigação.
A grande maioria dos inquiridos classificou a sua saúde mental como boa (75,3%), com os homens e os mais velhos a avaliarem mais positivamente. Os níveis académico e socioeconómico também se associam positivamente à AASM; já os sujeitos com doença grave e com apoio psicológico efetivo refletem uma pior AASM.
A proporção de sujeitos que avaliaram como má a sua saúde mental e que recorreram ao apoio psicológico profissional foi mais elevada comparativamente aos que não procuraram apoio profissional com a mesma autoavaliação. Dos 463 sujeitos que avaliaram como boa a sua saúde mental, apenas mais 23, i.e. 3,8%, não recorrerem a apoio psicológico profissional, o que parece indicar que poderão existir indivíduos que procuram apoio psicológico profissional para fins de desenvolvimento pessoal, além daqueles que possam já ter beneficiado dos efeitos benéficos de uma psicoterapia.
Os resultados de um estudo epidemiológico evidenciaram que, cerca de, 23% da população geral adulta portuguesa apresenta algum grau de perturbação psicológica, e que a prevalência é das mais altas da Europa, destacando-se as perturbações de ansiedade (Almeida & Xavier, 2015). O facto de haver evidências de que a AASM pode ser capaz de captar condições subsindrómicas e sintomas subclínicos, que ainda não se instalaram como perturbações psicológicas, poderia sugerir o seu uso quer em investigação, em conjunto com outras medidas de variáveis psicológicas, quer como monitorização da perceção do estado psicológico geral dos portugueses, no entanto, tanto quanto foi possível apurar, não foram realizados estudos, em Portugal, com recurso a esta medida. Comparando com outros estudos, os nossos resultados seguem a mesma tendência, nomeadamente nas diferenças encontradas entre sexos, idades, nível académico, nível socioeconómico, existência de doenças graves (Jang et al., 2012; Levinson & Kaplan, 2014). Num estudo sobre as disparidades na saúde em Portugal, Campos-Matos et al. (2016) identificaram as desigualdades entre sexos e educacionais como as que mais afetam a saúde mental. O relatório de Estatísticas da Saúde de 2020 (INE, 2021) descreve que 26,6% da população, com mais de 16 anos, reportou ter sentido um efeito negativo da pandemia sobre a saúde mental; no relatório referente ao ano de 2022, (INE, 2023) evidencia que a população reportou menos 2,3 pontos percentuais que no ano precedente; em ambos os dados, foram as mulheres que sentiram maior decréscimo do seu bem-estar psicológico. Estas evidências podem sugerir que os valores obtidos tenham ainda reflexos da pandemia. Não obstante, poder-se-á colocar como hipótese de que uma das consequências sociais e individuais da pandemia, tenha sido a de uma maior sensibilização para as questões da saúde mental, minimizando os erros de autoavaliação.
As principais limitações do presente estudo incluem: o delineamento de corte transversal, restringindo conclusões de inferência causal; o uso de uma amostra não probabilística de conveniência, cuja maioria dos participantes tem o ensino superior completo e é de meio urbano; e, o questionário foi distribuído com recurso a meios digitais, o que poderá ter condicionado o acesso equitativo a diferentes meios socioeconómicos, culturais, etários e pontos de residência.
Embora a generalização dos resultados e a inferência de causalidade sejam limitadas, a presente investigação contribuiu para a literatura de avaliação psicológica com o recurso à medida de AASM de um só item, abrindo espaço para a sua maior utilização e estudo. De facto, considera-se pertinente que estudos futuros devam: incluir outras medidas de análise psicológica que se possam associar convergente e divergentemente com a AASM de forma a majorar a sua validade; investigar o papel da AASM como indicador adequado da saúde mental em distintas populações; e, explorar quais os fatores implícitos que contribuem para as perceções subjetivas dos indivíduos sobre seu próprio estado de saúde mental, entre os quais a literacia em saúde mental.
Relativamente às atitudes face à procura de apoio profissional, considera-se essencial que este constructo seja mais estudado na população geral portuguesa, no futuro. Conforme a afirmação de Snowden et al. (1982, p.281), citados por Vogel et al. (2005)
“A questão de saber por que razão os potenciais clientes não se tornam clientes reais é consideravelmente mais complicada do que muitas vezes se reconhece. Por trás de qualquer potencial ajuda profissional, está um histórico de perceções, julgamentos e ações, que podem aproximar ou afastar a pessoa desse serviço.”
Consideramos ser fundamental que a ciência continue a tentar perceber e explicar quais os fatores “complexos” que determinam a procura de apoio profissional. Por exemplo, apesar dos resultados terem evidenciado avaliações favoráveis ao suporte psicológico profissional, seria relevante tentar perceber quais os fatores que poderiam explicar porque é que 30% dos participantes que avaliaram como má e péssima a sua saúde mental não tenham recorrido a ajuda psicológica. Tal como sugerido para a autoavaliação da saúde mental, novos estudos deveriam incidir na investigação sobre a relação entre as atitudes face ao apoio psicológico profissional, não só com o estigma, mas com a literacia em saúde mental, na população portuguesa. O facto das expectativas e crenças não serem tendencialmente estáticas, estudos futuros poderão analisar, em diferentes momentos, quer as atitudes quer as variações nas intenções e na tomada de decisão.
Os resultados sugerem que o grupo de pessoas que avalia a sua saúde mental como mais sofrível é o mesmo que avalia mais positivamente a procura de apoio psicológico. Apesar dos resultados da avaliação positiva dos portugueses face à procura de tratamento psicológico e, considerando que a maioria dos participantes que avaliou negativamente a sua saúde mental recorre a este apoio profissional, as políticas públicas deverão potenciar medidas que potenciem o fácil acesso a estes indivíduos, maximizando o grau de controlo percebido que, concomitantemente às atitudes positivas ,podem majorar as intenções de procura de apoio psicológico, conforme postulado pela teoria de ação planeada.