Introdução
A hipertensão arterial sistémica (HAS) é uma das principais doenças cardiovasculares (DCV), responsável, direta ou indiretamente, pela redução da esperança de vida e da capacidade funcional dos indivíduos (Barroso et al., 2020). Frequentemente tem sido associada com desfechos cardiovasculares fatais e não fatais, sendo considerada um importante fator para o agravamento de outras DCV (Malachias et al., 2016).
No cenário brasileiro, atinge aproximadamente 32,5% (36 milhões) da população adulta e mais de 60% dos indivíduos idosos, contribuindo significativamente para o aumento no número de mortes por DCV, em ambos os sexos e em todas as idades (Magalhães et al., 2018).
Somente no ano de 2018, no Sistema Único de Saúde (SUS), as DCV custaram o total de mais de 2,9 bilhões de reais aos serviços de saúde, sendo o maior montante de gastos entre os grupos de doenças que desencadearam internamentos hospitalares (Ministério da Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde [DATASUS], Sistema de Informações Hospitalares, 2019). Esses custos decorrem da oferta de assistência hospitalar aos indivíduos acometidos, sem contar com os recursos investidos relacionados à perda de função e da produtividade ocasionados pelas DCV, em especial pela HAS (Piuvezam et al., 2015).
Neste sentido, a ESF foi criada com o objetivo de reorientar os processos de trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS) e, consequentemente, reduzir os internamentos considerados evitáveis pela sua atuação, neles incluídos os decorrentes de complicações da HAS, minimizando os gastos com assistência especializada e de alta complexidade no Brasil e melhorando a qualidade de vida das pessoas que vivem com HAS (Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017 do Ministério da Saúde; Malachias et al., 2016).
No cenário brasileiro, há escassez de estudos epidemiológicos, que abordem a relação entre a tendência das taxas de internamentos por HAS e a cobertura da ESF, na perspectiva de verificar se as ações e estratégias implantadas nos últimos anos, direcionadas para a manutenção da saúde do hipertenso e para a redução de internamentos decorrentes de complicações da HAS na ESF, influenciaram as taxas de internamentos no País. Assim, é inquestionável a importância da realização do presente estudo, que teve como objetivos analisar a tendência dos internamentos por HAS e verificar a relação entre as taxas de internamento hospitalar por HAS e a cobertura da ESF no Brasil, de 2010 a 2019.
Enquadramento
A ocorrência da HAS impacta significativamente na morbimortalidade, resultando em internamentos cada vez mais frequentes, onerosos para os serviços de saúde e que prejudica a qualidade de vida das pessoas que vivem com HAS (Malachias et al., 2016). Por ser condição sensível à atenção primária (CSAP), a ocorrência de internamentos ocasionadas pelas suas complicações reflete a eficácia das ações desenvolvidas na APS, visto que, o acompanhamento adequado dos hipertensos, pela ESF, deveria evitar internamentos desnecessários (Santos et al., 2019).
Operacionalizada pela equipa multiprofissional, por gestores e pela população, a ESF apresenta potencial de reduzir os efeitos das desigualdades socioeconómicas, demográficas, sanitárias individuais e contextuais sobre a saúde, favorecendo o atendimento à saúde, o controlo adequado da morbidade crónica, melhorando a qualidade de vida e o bem-estar, o que reduz os riscos de morte precoce e de anos perdidos com incapacidade, decorrentes do incremento das doenças crónicas, como a HAS (Oliveira et al., 2020).
Visando enfrentar o aumento da prevalência da HAS, observado a partir do ano de 2006, e evitar complicações e internamentos desnecessários, a APS vem organizando seus processos de trabalho, intensificando ações e estratégias para o enfrentamento das condições crónicas, em especial, da HAS, criando protocolos de triagem e acompanhamento. Dentre tais estratégias, o incremento da cobertura e qualificação da ESF são observadas em todo o país (Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017 do Ministério da Saúde; Malachias et al., 2016).
Neste contexto, a ESF consolida-se como uma estratégia de expansão, qualificação e consolidação da APS no Brasil e visa a reorientação do processo de trabalho com maior potencial de aprofundar os princípios, diretrizes e fundamentos da atenção básica, de ampliar a resolutividade e impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades, além de propiciar uma importante relação custo-efetividade (Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017 do Ministério da Saúde).
Hipótese
A tendência das taxas de internamentos por HAS é influenciada pela cobertura da ESF no Brasil.
Metodologia
Estudo do tipo ecológico, de séries temporais, que utilizou informações dos internamentos hospitalares por HAS, inseridas no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), referentes aos estados brasileiros.
Os internamentos foram identificados por meio dos códigos para hipertensão essencial/primária (I10) e doença cardíaca hipertensiva (I11) contidos na Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Os internamentos foram referentes aos anos de 2010 a 2019.
Os dados populacionais e os relativos aos internamentos hospitalares foram obtidos através de consulta às páginas eletrónicas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Ministério da Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde [DATASUS], Sistema de Informações Hospitalares, 2019), respectivamente. Para determinar as CSAP foi utilizada a lista nacional de Internamentos por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP; Alfradique et al., 2009). A investigação da cobertura da ESF no Brasil foi realizada por meio de busca no site do Sistema de Informação e Gestão da Atenção Básica (E-GESTOR AB) do Ministério da Saúde do Brasil. As informações referentes ao percentual de cobertura da ESF disponibilizadas no site são de acesso público. O percentual da cobertura da ESF disponível faz referência a cada mês e ano. Por conta disso, foi calculada a média anual de cada ano (2010 a 2019), a fim de estabelecer associação com as taxas de internamentos hospitalares por HAS referentes ao mesmo período (2010 a 2019).
Os dados sobre os internamentos hospitalares foram extraídos a partir dos arquivos das Autorizações de Internamentos Hospitalar (AIH reduzida), disponíveis no Tabnet (DATASUS), no formato data base file (DBF). Para permitir a organização e leitura dos dados, os arquivos das AIH reduzidas foram convertidos e exportados para planilhas do Microsoft Excel (Windows 2010) por meio do software TABWIN, sendo, posteriormente, agrupados em tabelas para determinação das frequências absolutas e relativas. As taxas de internamento foram padronizadas pelo método direto, para minimizar a influência da composição etária da população, sendo utilizada como população padrão aquela descrita no último Censo do IBGE (IBGE, 2010). O cálculo da taxa foi obtido dividindo-se o total de internamentos por HAS em cada unidade da Federação (UF), região geográfica e Brasil, pela população residente nos respectivos locais, multiplicado por 100.000 habitantes. Posteriormente, foi calculada a variação percentual anual (VPA) das taxas de internamento no Brasil, bem como a proporção dos internamentos por HAS em relação ao grupo das ICSAP e em relação ao total de internamentos no Brasil, no período de 2010 a 2019.
O método de regressão linear generalizada de Prais-Winsten foi usado para analisar a tendência por ser o mais indicado para dados que apresentem autocorrelação serial (Prais & Winsten, 1954; Antunes & Waldman, 2002). Nesta análise, utilizou-se o logaritmo das taxas de internamento como variável dependente e o ano do internamento como variável independente. A análise de tendência foi estratificada por região geográfica e UF.
O valor de β relativo à inclinação da reta foi obtido com o uso da regressão de Prais-Winsten. A significância estatística foi estipulada por meio da comparação entre o valor de p e o valor apresentado na curva normal padrão, com um intervalo de confiança de 95%. Para ajuste do modelo estatístico linear generalizado foi emprege o coeficiente de determinação (R²), que varia entre 0 e 1 e indica, em percentual, o quanto o modelo explica os valores observados. Para calcular a VPA foi usada a fórmula empregada por Antunes e Waldman: VPA = ( + 10β, sendo: ( relativo ao valor das taxas de internamento no primeiro ano da série histórica, correspondente à intersecção entre os eixos X e Y; e β relativo ao coeficiente de inclinação da reta formada na regressão. Para calcular o intervalo de confiança de 95% (IC95%%) da VPA no período utilizou-se a fórmula: IC95% = -1 + 10(β ± t * EP), sendo t o valor em que a distribuição t de Student tem15 graus de liberdade a um IC95% bicaudal; e EP é o erro-padrão da estimativa de β, estabelecido pela análise de regressão, a depender dos valores da VPA e dos limites de seus IC95%, a tendência foi classificada em decrescente (valores dos limites inferior e superior do IC95% negativos), estacionária (valor zero entre os limites inferior e superior do IC95%) e crescente (valores dos limites inferior e superior do IC95% positivos; Silva et al., 2019).
Para testar a relação entre as taxas de internamento por HAS e a cobertura da ESF, foi utilizada a correlação de Pearson (r), empregada para verificar o grau de relação entre duas variáveis quantitativas e independentes, com distribuição normal. Para todos os testes estatísticos utilizados foi adotado o nível de significância de 5% (p < 0,05). As análises estatísticas foram realizadas no software R (versão 3.6.2), sendo as regressões calculadas no pacote Prais.
Os dados utilizados no estudo são anónimos e de acesso público, o que dispensa a necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
Resultados
No período de 2010 a 2019 foram autorizados 793.198 internamentos por HAS nos serviços hospitalares públicos e conveniados ao SUS no Brasil.
Os resultados apontados no presente estudo evidenciaram redução na taxa de internamentos por HAS no Brasil, que passou de 58,7/100.000 hab. em 2010 para 29,6/100.000 hab. em 2019 (-49,6%), conforme descrito na Tabela 1.
Região/Unidade da Federação | 2010 | 2019 | VPAᵃ (%) | IC (95%)ᵇ | Valor p* | Tendência | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
LI | LS | ||||||
Brasil | 58,7 | 29,6 | -16,3 | -21,8 | -10,9 | <0,001 | Decrescente |
Norte | 72,4 | 42,7 | -14,4 | -34,9 | 6,0 | 0,010 | Estacionária |
Rondônia | 142,0 | 71,2 | -18,9 | -45,7 | 7,9 | 0,010 | Estacionária |
Acre | 46,3 | 28,9 | -11,2 | -4,4 | 17,9 | 0,050 | Estacionária |
Amazonas | 34,2 | 26,5 | -6,9 | -27,2 | 13,2 | 0,015 | Estacionária |
Roraima | 49,2 | 21,5 | -10,9 | -95,2 | 73,3 | 0,201 | Estacionária |
Pará | 80,6 | 52,0 | -12,5 | -36,8 | 11,7 | 0,030 | Estacionária |
Amapá | 35,5 | 15,8 | -27,0 | -78,4 | 24,4 | 0,010 | Estacionária |
Tocantins | 84,7 | 27,5 | -28,8 | -65,2 | 7,4 | 0,011 | Estacionária |
Nordeste | 79,8 | 40,7 | -15,7 | -27,0 | -4,4 | <0,001 | Decrescente |
Maranhão | 126,5 | 119,9 | -0,9 | -23,6 | 21,8 | 0,673 | Estacionária |
Piauí | 192,9 | 58,5 | -27,9 | -45,4 | -10,4 | <0,001 | Decrescente |
Ceará | 46,2 | 13,6 | -26,8 | -38,7 | -15,0 | <0,001 | Decrescente |
Rio Grande do Norte | 35,3 | 8,0 | -31,6 | -59,3 | -3,9 | <0,001 | Decrescente |
Paraíba | 89,1 | 17,6 | -33,6 | -68,2 | 1,0 | 0,010 | Estacionária |
Pernambuco | 56,4 | 23,4 | -19,9 | -30,3 | -9,4 | <0,001 | Decrescente |
Alagoas | 51,6 | 21,2 | -19,3 | -38,1 | -0,4 | <0,001 | Decrescente |
Sergipe | 30,5 | 24,8 | -4,4 | -34,7 | 25,9 | 0,081 | Estacionária |
Bahia | 88,7 | 47,2 | -15,1 | -36,0 | 5,6 | 0,010 | Estacionária |
Sudeste | 45,9 | 22,3 | -17,3 | -22,9 | -11,7 | <0,001 | Decrescente |
Minas Gerais | 37,5 | 19,0 | -16,4 | -27,4 | -5,3 | <0,001 | Decrescente |
Espírito Santo | 58,5 | 27,5 | -17,1 | -46,8 | 12,6 | 0,010 | Estacionária |
Rio de Janeiro | 43,1 | 23,2 | -14,9 | -60,3 | 30,3 | 0,020 | Estacionária |
São Paulo | 49,9 | 23,0 | -18,1 | -24,6 | -11,7 | <0,001 | Decrescente |
Sul | 39,6 | 24,1 | -11,1 | -28,0 | 5,7 | 0,010 | Estacionária |
Paraná | 50,1 | 24,5 | -16,6 | -46,1 | 12,8 | 0,020 | Estacionária |
Santa Catarina | 24,7 | 29,1 | 8,1 | -27,8 | 44,1 | 0,109 | Estacionária |
Rio Grande do Sul | 38,0 | 20,6 | -14,4 | -21,0 | -7,9 | <0,001 | Decrescente |
Centro-Oeste | 74,0 | 25,5 | -23,9 | -42,4 | -5,5 | <0,001 | Decrescente |
Mato Grosso do Sul | 66,6 | 25,3 | -20,0 | -48,7 | 8,6 | 0,012 | Estacionária |
Mato Grosso | 59,7 | 23,4 | -22,0 | -49,7 | 5,6 | 0,010 | Estacionária |
Goiás | 51,3 | 28,7 | -16,9 | -65,3 | 31,5 | 0,030 | Estacionária |
Distrito Federal | 58,7 | 29,6 | -16,3 | -21,8 | -10,9 | <0,001 | Decrescente |
Nota. LI: limite inferior; LS: limite superior
a Variação Percentual Anual
b Intervalo de Confiança de 95%
* Regressão de Prais Winsten
Entre as regiões geográficas, a região Centro-Oeste, que tinha taxa de 74,0/100.000 hab., em 2010 teve a maior redução no período (-65,5%), resultando em taxa de 25,5/100.000 hab., em 2019. O Piauí apresentou a maior taxa de internamento entre os estados brasileiros no ano de 2010 (192,9/100.000 hab.) e apresentou a maior redução (-69,6%), no período do estudo, findando a série histórica com taxa de 58,5/100.000 hab. No estado de Santa Catarina, a taxa de internamento aumentou de 24,7/100.000 hab., em 2010, para 29,1/100.000 hab., em 2019, porém, manteve tendência estacionária (VPA = 8,1 %; IC95%: -27,8; 44,1; p = 0,109). As demais UF apresentaram redução nas taxas de internamento, no período do estudo. Ao final da série histórica (2019), as menores taxas de internamento foram verificadas nas regiões Sul e Sudeste, enquanto as maiores, nas regiões Norte e Nordeste (Tabela 1).
No presente estudo, a análise de tendência indicou declínio nas taxas de internamento por HAS no Brasil (VPA = -16,3 %; IC95%: -21,8; -10,9; p < 0,001) e nas regiões Nordeste (VPA: -15,7; IC95%: -27,0; -4,4; p < 0,001), Sudeste (VPA: -17,3; IC95%: -22,9; -11,7; p < 0,001) e Centro-Oeste (VPA = -23,9 %; IC95%: -42,4; -5,5; p < 0,001). As regiões Norte (VPA: -14,4; IC95%: -34,9; 6,0; p = 0,010) e Sul (VPA: -11,1; IC95%: -28,0; 5,7; p = 0,010) apresentaram tendência estacionária. Entre os estados, aqueles que apresentaram tendência decrescente foram: Piauí (VPA = -27,9 %; IC95%: -45,4; -10,4; p < 0,001); Ceará (VPA: -26,8; IC95%: -38,7; -15,0; p < 0,001), Rio Grande do Norte (VPA: -31,6; IC95%: -59,3; -3,9; p < 0,001), Pernambuco (VPA: -19,9; IC95%: -30,3; -9,4; p < 0,001) e Alagoas (VPA: -19,3; IC95%: -38,1; -0,4; p < 0,001) na região Nordeste; Minas Gerais (VPA: -16,4; IC95%: -27,4; -5,3; p < 0,001) e São Paulo (VPA: -18,1; IC95%: -24,6;-11,7; p < 0,001) na região Sudeste; Rio Grande do Sul (VPA: -14,4; IC95%: -21,0; -7,9; p < 0,001) na região Sul; e Distrito Federal (VPA: -16,3; IC95%: -21,8; -10,9; p < 0,001) na região Centro-Oeste (Tabela 1).
Os resultados do presente estudo mostraram que o decréscimo na tendência das taxas de internamento por HAS no Brasil, de 2010 a 2019, foi correlacionado com o aumento na cobertura da ESF, (Figura 1).
No período estudado, a proporção dos internamentos por HAS decresceu 34,4% em relação ao total das ICSAP e 55,5% em relação ao total de internamentos por todas as causas registadas no SIH/SUS (Tabela 2).
Ano | Taxa de internamento ᵃ | Proporção em relação às ICSAP (%) ᵇ | Proporção em relação ao total dos internamentos (%) ᶜ |
---|---|---|---|
2010 | 58,7 | 3,9 | 0,9 |
2011 | 55,1 | 3,6 | 0,9 |
2012 | 50,5 | 3,8 | 0,8 |
2013 | 47,1 | 3,4 | 0,8 |
2014 | 44,9 | 3,2 | 0,7 |
2015 | 40,4 | 3,1 | 0,6 |
2016 | 35,0 | 2,9 | 0,5 |
2017 | 33,9 | 2,7 | 0,5 |
2018 | 32,6 | 2,6 | 0,5 |
2019 | 29,6 | 2,5 | 0,4 |
(2010-2019) | -49,6 | -34,4 | -55,5 |
a Taxa de internamento por hipertensão arterial x 100.000 habitantes.
b Proporção dos internamentos por HAS em relação às ICSAP.
c Proporção dos internamentos por HAS em relação ao total de internamentos.
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
Discussão
A redução nas taxas e na tendência dos internamentos por HAS no Brasil pode estar associada à melhoria na qualidade da assistência às condições sensíveis à APS, bem como ao seu acesso, evidenciada pelo aumento do percentual de cobertura da ESF observada no Brasil, a partir de 2010 (Santos, et al., 2019).
Além disso, a ampliação da cobertura da ESF, o estabelecimento de políticas, protocolos e estratégias, como a criação da lista de CSAP, que, dentre outros objetivos, visam evitar internamentos pela ação efetiva da APS, podem ter impactado diretamente na redução dos internamentos por HAS no Brasil, visto que a APS tem uma capacidade resolutiva de até 80% dos problemas de saúde sensíveis à sua ação (Malachias et al., 2016; Malta et al., 2017; Santos et al., 2019).
As taxas de internamento variaram entre as regiões geográficas. A ocorrência e distribuição heterogénea das DCNT na sociedade resultam de intensos processos determinados por fatores sociais, económicos, culturais, ambientais, políticos e individuais, tais como as características sociodemográficas e fatores comportamentais (World Health Organization [WHO], 2010). Além disso, as características dos serviços, incluindo profissionais de saúde e infraestrutura física, nos municípios do país, são fatores facilitadores ou limitantes do uso pelos utentes e impactam na qualidade e efetividade da atenção à HAS, o que pode também explicar a maior ocorrência de internamento hospitalar observada em alguns municípios (Oliveira et al., 2020).
Diversos estudos apontam que a distribuição dos internamentos hospitalares também sofre influência dos determinantes sociais da saúde (DSS), cujos os fatores individuais, como hábitos de fumar, sedentarismo e pior qualidade da dieta, são importantes para verificar quais indivíduos que em determinado grupo estão expostos a um risco maior, enquanto as diferenças nos níveis de saúde de grupos, regiões e países, estão associadas, principalmente, à distribuição de renda e escolaridade, cujos níveis também influenciam os fatores individuais (Carrapato et al., 2017; Oliveira et al., 2015).
No Brasil, as regiões Norte e Nordeste destacam-se como locais com população que apresenta os mais baixos níveis de renda e escolaridade e, consequentemente, os grupos mais vulneráveis ao acometimento por algumas DCNT, como a HAS (Albuquerque et al., 2017). Essa situação pode decorrer das diferenças nas condições socioeconómicas e nos DDS apresentados por essas regiões, visto que, o território brasileiro apresenta intensas desigualdades regionais, resultantes da herança histórica, sendo encontrados no Norte e Nordeste os mais baixos níveis de desenvolvimento socioeconómico do país, bem como as menores coberturas de ESF, que contribuem, direta ou indiretamente, para a ocorrência de internamentos por HAS (Albuquerque et al., 2017; Oliveira et al., 2020).
As ações realizadas no âmbito da ESF impactam positivamente a qualidade de vida dos hipertensos, pelo acompanhamento regular da ESF e pela melhoria no acesso aos outros serviços de saúde, que reduz os riscos de óbito precoce e de anos perdidos com incapacidade e, consequentemente, as taxas de internamento por HAS (Oliveira et al., 2020).
Nesse sentido, o fortalecimento da APS deve ser um compromisso dos gestores com a saúde, objetivando combater o crescimento das doenças crónicas não transmissíveis (DCNT), como a HAS, e, consequentemente, evitar internamentos e mortes prematuras decorrentes das suas complicações (WHO, 2018).
O decréscimo na tendência das taxas de internamento por HAS no Brasil reforça a ideia de que a ampliação das ações realizadas na ESF e melhoria do acesso aos serviços de saúde na APS são resultantes da ampliação da cobertura da ESF, que impactaram na vida e na saúde das pessoas que são acompanhadas pelas equipes de saúde da família, como é o caso das pessoas com HAS (Malachias et al., 2016; Rodrigues et al., 2019).
Outro achado que subsidia a ideia de melhoria das ações na ESF é que a taxa de internamento por HAS no Brasil reduziu 49,6% no período de 2010 a 2019. Neste mesmo período, a proporção dos internamentos por HAS decresceu 34,4% em relação ao total das ICSAP e 55,5%em relação ao total de internamentos por todas as causas registradas no SIH/SUS.
Apesar do decréscimo nas taxas de internamento observado no presente estudo, a prevalência da HAS vem aumentando no Brasil e ainda é considerada uma das principais causas de internamentos hospitalares por DCV nos serviços de saúde (Silva et al., 2019).
Vale destacar ainda que, nos últimos, apesar da melhoria da qualidade da assistência prestada na APS (Barroso et al., 2020; Santos et al., 2019), medidas, como o congelamento de gastos com o financiamento do SUS, poderá gerar impactos futuros, refletidos na ocorrência e controlo das DCNT, como a HAS, visto que, os países que investem em uma APS de qualidade geram impactos positivos na saúde e, consequentemente, as pessoas vivem mais e melhor. Neste cenário, a APS é condição necessária para otimizar os gastos do sistema e organizar fluxos de pacientes entre distintos serviços de saúde (Malta et al., 2017).
As limitações do estudo estão relacionadas à utilização de base de dados secundários, sujeitos à falta de padronização na coleta, o que pode afetar a qualidade dos dados registrados (viés de informação). As taxas foram calculadas com base no número de internamentos em relação à população residente e referem-se apenas à população usuária do SUS, mas que abrange 70% a 80% da população brasileira. Logo, esses resultados devem ser avaliados com cautela necessária para interpretação de achados de estudos ecológicos. Apesar das limitações apontadas, os resultados desse estudo são úteis como avaliação indireta do efeito do acesso aos serviços de atenção primária na redução dos internamentos hospitalares por HAS no Brasil.
Conclusão
A partir dos resultados apresentados, depreende-se que a tendência de decréscimo nas taxas de internamento por HAS no Brasil foi influenciada pelo aumento da cobertura da ESF, o que pode refletir a melhoria do cuidado prestado pela equipa multiprofissional, sensibilização da população para o cuidado com a saúde e maior empenho dos gestores para a ampliação do acesso aos serviços de APS no Brasil. Apesar disso, em alguns estados a tendência seguiu em estabilidade.
A cobertura da ESF seguiu em direção contrária às taxas de internamento por HAS, que diminuíram. Apesar disso, torna necessário, por parte da APS, a intensificação das ações de promoção da saúde envolvendo a prevenção da HAS e de suas complicações, com foco nos grupos mais vulneráveis, neste caso, indivíduos do sexo feminino e idosos.
Os resultados apontados nesse estudo podem subsidiar a modificação, manutenção e/ou intensificação das ações preventivas e de cuidado à HAS, especialmente naqueles estados que não apresentaram redução significativa das taxas. Para isso, torna-se necessária a avaliação de outros fatores que possam estar associados à não redução.