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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.9 Coimbra maio 2016

https://doi.org/10.12707/RIV16006 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Delírium no doente crítico: fatores de risco modificáveis pelos enfermeiros

Delirium in critically ill patients: risk factors modifiable by nurses

El delirio en pacientes críticos: factores de riesgo modificables por los enfermeros

 

Jorge Miguel Pereira*; Francisco José Dos Reis Barradas**; Rodrigo Miguel Caetano Sequeira***; Maria do Céu Mendes Pinto Marques****; Marco Job Batista*****; Manuel Galhardas******; Marco Santinho Santos*******

* RN., Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Pós-Graduado em Emergência e Trauma, Enfermeiro no Serviço de Urgência do Hospital José Joaquim Fernandes, 7801-849, Beja, Portugal [jorgepere15@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e análise de dados, tratamento estatístico, discussão e redação do artigo. Morada para correspondência: Rua Dr. António Fernando Covas Lima, 7801-849, Beja, Portugal .

** RN., Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Serviço de Urgência do Hospital José Joaquim Fernandes, 7801-849, Beja, Portugal [xkobradas@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e análise de dados, tratamento estatístico, discussão e redação do artigo.

*** RN., Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Serviço de Urgência do Hospital José Joaquim Fernandes, 7801-849, Beja, Portugal [rmcaetanoster@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e análise de dados, tratamento estatístico, discussão e redação do artigo.

**** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem S. João de Deus, 7000- 811, Évora, Portugal [mcmarques@uevora.pt]. Contribuição no artigo: revisão, análise, discussão e redação do artigo

***** MSc., Enfermeiro especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Unidade de Cuidados Diferenciados Imediatos, Hospital Garcia de Orta, 2805-267, Almada, Portugal [marco.batista@hgo.min-saude.pt]. Contribuição no artigo: revisão, análise, discussão e redação do artigo.

****** MSc., Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica, Hospital Garcia de Orta, 2805-267, Almada, Portugal [kikogalhardas@gmail.com]. Contribuição no artigo: revisão, análise, discussão e redação do artigo.

******* MSc., Enfermeiro especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Unidade de Cuidados Diferenciados Imediatos, Hospital Garcia de Orta, 2805-267, Almada, Portugal [marco81santos@gmail.com]. Contribuição no artigo: revisão, análise, discussão e redação do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: O delírium está entre as doenças mentais mais prevalentes nos doentes hospitalizados por patologia aguda, e é um importante preditor independente de prognóstico negativo.

Objetivos: Identificar os fatores de risco modificáveis pelos enfermeiros, associados ao desenvolvimento de delírium nos doentes internados numa unidade de cuidados intensivos nível II de um hospital central.

Metodologia: Realizou-se um estudo exploratório-descritivos, onde foi aplicada a escala Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM-ICU) e recolhidos dados de cariz clínico e outros complementares de 57 doentes internados, selecionados de forma intencional.

Resultados: Identificaram-se variáveis como fatores de risco potencialmente modificáveis pelos enfermeiros, nomeadamente promoção da nutrição e hidratação, gestão de dispositivos clínicos, promoção da visita de familiares, favorecimento da utilização de próteses, gestão adequada da medicação prescrita; favorecimento de posicionamentos e oxigenoterapia adequados.

Conclusão: A presença de delírium ainda é subvalorizada pelos enfermeiros. No entanto, estes podem advertir para a implementação de medidas que diminuam o delírium. Posto isto, deve-se sistematizar a avaliação do delírium nos doentes internados em unidades de cuidados intensivos.

Palavras-chave: delirium; fatores de risco; enfermeiro; cuidados intensivos

 

ABSTRACT

Background: Delirium is one the most prevalent mental disorders in patients hospitalized due to acute conditions and is an important independent predictor of poor outcomes.

Objectives: This study aimed to identify the risk factors modifiable by nurses, which are associated with the development of delirium in patients hospitalized in a level 2 intensive care unit of a central hospital.

Methodology: We conducted an exploratory-descriptive study, with an intentional sample of 57 inpatients. The Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit scale (CAM-ICU) was applied and clinical and other data were collected.

Results: We identified several variables as risk factors potentially modifiable by nurses, including promotion of nutrition and hydration, management of medical devices, promotion of family visits, promotion of the use of prostheses, proper management of prescribed medication; promotion of proper positioning and oxygen therapy.

Conclusion: The presence of delirium is still undervalued by nurses. However, they can call attention to the implementation of measures aimed to reduce delirium. To this end, the assessment of delirium in intensive care patients should be systemized.

Keywords: delirium; risk factors; nurse; critical care

 

RESUMEN

Marco contextual: El delirio es uno de los trastornos mentales con más prevalencia en los pacientes hospitalizados por patología aguda y es un predictor independiente importante de mal pronóstico.

Objetivos: Identificar los factores de riesgo modificables por los enfermeros, asociados con el desarrollo del delirio en pacientes hospitalizados en una unidad de cuidados intensivos nivel II de un hospital central.

Metodología: Se llevó a cabo un estudio exploratorio-descriptivo, en el cual se aplicó la escala Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (UCI-CAM) y se recogieron datos de naturaleza clínica y otros datos complementarios de 57 pacientes hospitalizados y seleccionados de forma intencional.

Resultados: Se identificaron las variables como factores de riesgo potencialmente modificables por los enfermeros, principalmente promover la nutrición y la hidratación, gestionar los dispositivos médicos, promover las visitas familiares, favorecer el uso de prótesis, gestionar adecuadamente la medicación prescrita, favorecer el posicionamiento y la oxigenoterapia adecuados.

Conclusión: La presencia de delirio todavía está infravalorada por los enfermeros. Sin embargo, estos pueden advertir que se pongan en práctica medidas que reduzcan el delirio. Dicho esto, se debe sistematizar la evaluación del delirio en pacientes hospitalizados en unidades de cuidados intensivos.

Palabras clave: delirio: factores de riesgo; enfermero; cuidados críticos

 

Introdução

O delírium, comummente conhecido como estado confusional agudo, está entre as doenças mentais mais prevalentes nos doentes hospitalizados por doença aguda. Segundo os números do National Institute for Health and Care Excellence (NICE, 2014), a sua prevalência situa-se nos 30% nas enfermarias de doentes do foro médico e nos 50% nas enfermarias de doentes do foro cirúrgico. Para Barr et al. (2013), e Faria e Moreno (2013), é ao nível das unidades de cuidados intensivos (UCI) que a prevalência e incidência do delírium é superior. Estes autores documentaram uma taxa de 60% nos doentes que se encontravam em respiração espontânea e de 80% nos doentes sob ventilação mecânica.

Faria e Moreno (2013) acrescentam que, à semelhança de outras condições clínicas, prevenir é melhor do que tratar, já que a intervenção precoce permite não só diminuir a incidência do delírium, como também a sua severidade e duração dos sintomas. Para a American Association of Critical-Care Nurses (AACCN, 2011), Barr et al. (2013) e NICE (2014), é necessário que as UCI's tenham políticas de avaliação, prevenção e tratamento do delírium, que passem em primeira instância por identificar os doentes mais suscetíveis, assim como os fatores de risco associados ao desenvolvimento do quadro. Estima-se que um doente internado na UCI apresente em média mais de 10 fatores de risco para o desenvolvimento de delírium, sendo que alguns são considerados fatores não modificáveis, ou seja, pré- -existentes à data do internamento, enquanto outros são considerados fatores modificáveis, uma vez que decorrem da situação de patologia aguda e/ou de causas iatrogénicas/ ambientais (Faria & Moreno, 2013). Para NICE (2014), é fundamental intervir precocemente nos fatores de risco modificáveis, no sentido de diminuir a suscetibilidade dos doentes ao desenvolvimento de delírium.

Pelas razões apresentadas no seu estudo. Faria e Moreno (2013) salientam que o delírium é uma questão importante para a segurança dos doentes internados na UCI. Sabendo que os enfermeiros têm responsabilidades acrescidas neste âmbito, nomeadamente os enfermeiros especialistas por deterem competências na área da criação e manutenção de ambientes terapêuticos seguros (Regulamento nº 124/2011) e por integrarem a Comissão de Gestão de Risco hospitalar, visando reduzir o “risco de danos desnecessários relacionados com os cuidados de saúde, para um mínimo aceitável”, considerámos pertinente estudar esta temática (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2011, p. 14). Nesse sentido, definimos como objetivo da presente investigação: Identificar os fatores de risco modificáveis pelos enfermeiros, associados ao desenvolvimento de delírium nos doentes internados na Unidade de Cuidados Diferenciados Imediatos do Hospital Garcia de Orta (UCDI - HGO).

 

Enquadramento

A European Delirium Association concebe o delírium à luz dos critérios apresentados pelo Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association (2014). Segundo este manual, o delírium é um distúrbio da consciência com diminuição da capacidade de focar, manter ou alterar a atenção; implica uma alteração na cognição ou o desenvolvimento de uma perturbação da perceção que não é melhor explicada por uma demência pré-existente ou em evolução; a perturbação desenvolve-se num curto período de tempo (horas a dias) e tende a flutuar ao longo do dia; existem evidências de que a perturbação é causada diretamente por uma condição médica.

No que diz respeito às suas consequências, a AACCN (2011) e Barr et al. (2013) salientam que o delírium é um importante preditor independente de prognóstico negativo, correlacionando-se com o aumento da mortalidade intra-hospitalar aos 6 meses, com o aumento do tempo de internamento na UCI e no hospital, com o aumento do tempo de dependência da ventilação mecânica e com a maior necessidade de reintubação endotraqueal. A par dos autores supracitados, Faria e Moreno (2013) acrescentam que mesmo após a alta, prolongam-se em muitos casos alterações cognitivas, emocionais e funcionais de longa duração, com consequências graves para a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias. Nesse sentido outros estudos tem sido desenvolvidos que envolvem diferentes domínios relacionados com o fenómeno, conducentes à implementação de melhores intervenções no contexto hospitalar e no contexto comunitário, que conduzam à melhor qualidade de vida destes doentes quando regressam a casa (Neves, Silva, & Marques, 2011). Do ponto de vista económico estima-se que o delírium contribua até 39% para os gastos da UCI, com custos anuais que rondam os 4 a 16 biliões de dólares só nos Estados Unidos da América (AACCN, 2011; Barr et al., 2013).

Apesar das altas taxas relatadas, Faria e Moreno (2013) afirmam que o subdiagnóstico do delírium é ainda hoje uma realidade, nomeadamente nas UCI's. Segundo os mesmos, esta condição clínica não tem, por parte dos profissionais de saúde, o mesmo reconhecimento que outras disfunções orgânicas e cerca de 66% dos casos podem mesmo não chegar a ser diagnosticados, percentagem que ascende aos 75% nos doentes em que o delírium cursa com uma apresentação hipoativa. O subdiagnóstico constitui-se como um problema, uma vez que os doentes portadores do mesmo, que não são atempadamente identificados, acabam por não beneficiar de um tratamento adequado, com todas as complicações que isso acarreta.

No sentido de facilitar a avaliação do delírium por outros profissionais que não psiquiatras, em 1990 o Dr. Sharon Inouye criou o Confusion Assessment Method (CAM), que anos mais tarde foi adaptado aos cuidados intensivos (CAM-ICU) e que se apresenta como uma ferramenta simples. Pode ser aplicada em doentes que não conseguem verbalizar, pois baseia- -se numa observação de comportamentos e respostas não-verbais a questões simples. Segundo Barr et al. (2013), em consonância com a Society of Critical Care Medicine (SCCM), este método é uma evidência de nível A, apresentando uma sensibilidade de 94% a 100% e uma especificidade de 90% a 95%, pelo que se constitui como um dos critérios de qualidade constantes nas guidelines de prevenção e tratamento do delírium do NICE (2014).

A aplicação do CAM-ICU requer avaliar o nível de consciência do doente através da escala de Agitação e Sedação de Richmond (RASS) e perceber se o quadro confusional do doente teve um início agudo ou se sofreu flutuação nas últimas 24 horas, implicando também uma avaliação da consciência, nomeadamente a presença de desatenção e de pensamento desorganizado. Segundo o Vanderbilt University Medical Center (VUMC, 2011), este método permite avaliar o delírium em menos de 1 minuto em 90% dos casos, o que facilita a sua aplicação em todos os turnos já que o delírium se caracteriza por ser uma perturbação flutuante.

Desde o ano 2002 a Organização Mundial de Saúde tem vindo a desenvolver esforços, para que os estados membros produzam evidências científicas que contribuam para melhorar a segurança dos doentes. Impulsionados por esta necessidade, os hospitais têm vindo a criar as suas próprias comissões de gestão de risco, nas quais os enfermeiros têm um papel ativo, e que pretendem reduzir o risco de “dano resultante ou associado a planos ou ações tomadas durante a prestação de cuidados de saúde . . .” (OMS, 2011, p.15).

Atendendo a que os padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem especializados em pessoa em situação crítica defendem que, “Na procura permanente da excelência no exercício profissional, o enfermeiro especialista previne complicações para a saúde da pessoa a vivenciar processos complexos de doença crítica e ou falência orgânica”, a investigação em torno dos fatores modificáveis pelos enfermeiros na prevenção do delírium, encontra não só justificação legal, como também utilidade e pertinência do ponto de vista do seu conteúdo funcional (Regulamento nº 361/2015, p.17242).

 

Questão de investigação

Quais os principais fatores de risco modificáveis pelos enfermeiros, que têm influência no desenvolvimento do delírium, nos doentes internados na UCDI do HGO?

 

Metodologia

Este é um estudo exploratório-descritivo e foi desenvolvido na UCDI (unidade de cuidados intensivos nível II) após parecer positivo da Comissão de Ética (processo número 287) e da autorização do Conselho de Administração do HGO. Na realização do estudo seguiram-se todos os procedimentos éticos e legais de acordo com Declaração de Helsínquia. A recolha de dados teve por base um questionário constituído por quatro partes, nomeadamente caracterização do doente, nível de consciência avaliado pela escala RASS, escala CAM-ICU e outros dados clínicos relevantes. A colheita de dados teve a duração de 5 semanas e decorreu nos meses de dezembro de 2015 e janeiro de 2016.

A amostra foi selecionada intencionalmente pelos investigadores, atendendo à disponibilidade dos mesmos na colheita de dados. Todos os doentes incluídos no estudo tiveram como pré-requisito fundamental um nível de consciência caracterizado por um RASS≥-3, condição que permitiu a aplicação adequada da escala CAM-ICU (VUMC, 2011). Da amostra fizeram parte 57 doentes, alguns dos quais avaliados mais do que uma vez ao longo do internamento (em dias e horários diferentes), uma vez que o delírium se caracteriza por ser uma condição flutuante.

Foram igualmente recolhidos dados de cariz clínico e outros complementares, sugeridos pela revisão da literatura e agrupados como sendo prováveis fatores de risco, modificáveis para o desenvolvimento do delírium: tipo de alimentação (zero, oral, entérica), visita de familiares no internamento, presença de dispositivos clínicos invasivos, tipo de medicação prescrita que atue no sistema nervoso central e défices sensoriais não compensados pela falta de próteses.

Os dados foram introduzidos e processados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0, recorrendo à análise estatística e descritiva dos mesmos, assim como ao cruzamento de variáveis de forma a encontrar relações entre as mesmas.

 

Resultados

A amostra é constituída por 57 doentes, alguns dos quais avaliados mais do que uma vez ao longo do internamento na UCDI, totalizando 96 avaliações. A média de idades da amostra é de 67,9 anos, com um desvio padrão de 13,4. No que respeita ao género, 67% da amostra é do sexo masculino. Dos 57 doentes avaliados, constatou-se a presença de delírium em 20 (35%). A Tabela 1 reúne os dados que caracterizam a amostra do estudo.

 

 

Com o objetivo de identificar os principais fatores de risco para o desenvolvimento do delírium nos doentes internados na UCDI do HGO e que simultaneamente possam ser modificáveis pelos enfermeiros, em cada avaliação realizada foram apreciadas 16 variáveis previamente assinaladas pela revisão da literatura, cujos resultados se apresentam nas Tabelas 2 e 3.

 

Discussão

Os resultados deste estudo apontam para a existência de vários fatores de risco que levam ao desenvolvimento do delírium. Dos diferentes fatores encontrados centrar-se-á a discussão apenas nos que efetivamente podem ser modificáveis pelos enfermeiros.

No que se refere à variável relacionada com a nutrição e hidratação, houve 37 observações em que os doentes tinham delírium presente no momento da avaliação. É de salientar que em sete observações os doentes estavam em dieta zero (43,75%) e em 12 observação tinham uma dieta entérica (75%). Os estudos desenvolvidos por Torres, Sánchez, e Zarco (2012) Ocádiz-Carrasco, Gutiérrez-Padilha, Páramo-Rivas, Serrano, e Hernández-Ortega (2013) e Raats, Eijsden, Crolla, Steyerberg, e van der Laan (2015), apontam que a má nutrição e a desidratação são fatores de risco modificáveis para o desenvolvimento do delírium.

No estudo desenvolvido por Ocádiz-Carrasco et al. (2013), emerge a relevância da adoção de intervenções que fomentam o consumo de água e promovem a nutrição e a manutenção da boca limpa, fresca e hidratada, estas permitem diminuir a incidência de delírium. Assim, os enfermeiros devem fomentar a alimentação pela via oral sempre que possível, quer seja adaptando o tipo de dieta à condição e às preferências dos doentes, quer seja mantendo uma higiene e hidratação da mucosa oral adequadas, evitando ao máximo a alimentação por Sonda Nasogástrica (SNG). De Castro et al. (2014) mostraram existir um risco acrescido de delírium nos doentes alimentados por SNG.

Para além das medidas sugeridas, os enfermeiros devem ainda permitir e estimular a utilização das próteses dentárias dos doentes durante o internamento, de modo a facilitar a alimentação pela via oral. Ao refletir sobre os achados, importa referir que se trata de uma variável claramente da responsabilidade dos enfermeiros, contudo os dados estudados não nos permitem fazer uma relação causa-efeito direta, porque muitos outros fatores relacionados com a condição do doente podem condicionar a mesma.

Relativamente à gestão dos dispositivos invasivos, à semelhança dos resultados encontrados no presente estudo, vários autores apontam as suas conclusões para o facto de existir relação entre a utilização de dispositivos invasivos e o desenvolvimento de delírium nos doentes internados. Das avaliações efetuadas, verifica-se que os doentes com delírium presente tinham cateter venoso central (39,13%), linha arterial (46,94%) entre outros biodispositivos (41,46%). Entre os outros dispositivos invasivos a utilização de algálias é sublinhada por Ocádiz-Carrasco et al. (2013) e De Castro et al. (2014) como um fator de risco para o desenvolvimento de delírium. Estes autores evidenciaram ainda que a utilização de drenos pós-operatórios teve relação semelhante com o delírium. Raats et al. (2015) apontaram também que à medida que os procedimentos se vão tornando mais invasivos, o risco de delírium aumenta.

Os profissionais de saúde devem minimizar sempre que possível a utilização de dispositivos invasivos no processo de tratamento dos doentes e os enfermeiros em particular devem sensibilizar os restantes profissionais para a sua real necessidade, refletindo em equipa sobre os ganhos potenciais e os riscos decorrentes. A gestão de risco constitui uma temática emergente neste tipo de unidades e o enfermeiro é um dos principais intervenientes nesse processo. Para além disso, segundo Henao-Castaño e Amaya-Rey (2014) as equipas devem criar protocolos cientificamente validados que sustentem a tomada de decisão relativamente ao tempo de permanência dos diferentes dispositivos, nomeadamente quando a sua utilização deixa de ser indispensável, ou quando a sua funcionalidade está comprometida.

Associado ao uso dos biodispositivos, também a presença de infeções pode ser compreendida como um fator de risco modificável para o desenvolvimento de delírium (Ocádiz-Carrasco et al., 2013). No que se refere à contagem de leucócitos, Ansaloni et al. (2010), De Castro et al. (2014) e Kennedy et al. (2014) concluíram que o número de células brancas é superior nos doentes com delírium (9,6 ± 4,3 Vs 8,3 ± 3,4), que corrobora os resultados alcançados com o presente estudo.

É indispensável que os enfermeiros prestem cuidados que respeitem os princípios gerais da prevenção e do controlo de infeções, nomeadamente a higienização das mãos, cumprindo para isso com rigor as normas e os protocolos instituídos. Importa ainda salientar que do ponto de vista legal, uma das competências específicas do enfermeiro especialista em enfermagem à pessoa em situação crítica, visa maximizar “a intervenção na prevenção e controlo da infeção perante a pessoa em situação crítica e ou falência orgânica . . .” (Regulamento nº 124/2011, p. 8656). Ao fazer a análise destas variáveis existem inúmeras limitações uma vez que o doente crítico é altamente complexo e torna-se muito difícil isolar variáveis relativamente a esta temática, pois todas estão em interação.

A promoção da visita de familiares é, também, um fator de risco modificável pelos enfermeiros. Neste estudo existe uma percentagem significativa de observações em doentes sem visitas e com delírium presente (44%). Ocádiz-Carrasco et al. (2013) destacaram que o suporte familiar é também um fator de risco independente para o desenvolvimento de delírium e que os doentes estão mais propensos quando o apoio familiar é pobre. Rosenbloom-Brtuton, Henneman, e Inouye (2010) afirmam que é indispensável incorporar a família na prevenção e no tratamento do delírium e que esta estratégia permitiu reduzir a sua incidência. Uma vez que os enfermeiros são os profissionais de saúde que mais tempo passam junto dos doentes e que estão em melhor posição para fazer a sua ligação à família, Henao-Castaño e Amaya-Rey (2014) defendem que os enfermeiros deverão não só facilitar, como também promover as visitas dos familiares. Para além disso, a interação destes com os doentes também deve ser estimulada, nomeadamente através de intervenções que os orientem, quer seja através do diálogo sobre temas atuais, quer seja apelando à memória e relembrando o passado, quer seja visualizando em fotografias ou ainda permitindo aos doentes ouvir músicas que gostem (Rosenbloom-Brunton et al., 2010; Ocádiz-Carrasco et al., 2013).

Os défices sensoriais não compensados (défice visual e/ou auditivo) foram também identificados como fator modificável, tal como descrevem Torres et al. (2012), Dasgupta e Brymer (2014), De Castro et al. (2014) e Raats et al. (2015). Nos artigos de De Castro et al. (2014) e de Raats et al. (2015), a diminuição da acuidade visual esteve presente na maioria dos doentes com delírium. A diminuição da acuidade auditiva verificou-se em grande parte dos doentes com delírium (Dasgupta & Brymer, 2014; De Castro et al., 2014). Por este motivo, Henao-Castaño e Amaya-Rey (2014) defendem que os enfermeiros devem favorecer a utilização de próteses visuais e auditivas, nos doentes previamente dependentes destes dispositivos, melhorando a sua capacidade de perceção e interação com o meio ambiente, prevenindo desta forma o desenvolvimento de delírium. As limitações à utilização dos objetos pessoais dos doentes internados nas UCI's devem ser por isso ultrapassadas.

Outro fator de risco identificado através das observações é a gestão e monitorização da administração de medicação que atua no sistema nervoso central. No presente estudo, 55% e 83,33% dos doentes medicados com benzodiazepinas e propofol, respetivamente, desenvolveram delírium. As evidências científicas apuradas por Torres et al. (2012), sustentam que a administração de benzodiazepinas aumenta o risco de delírium. Svenningsen et al. (2013) referem que o risco está mais aumentado quando a administração destes fármacos é realizada em bólus, em comparação com a sua administração em perfusão contínua. Ocádiz-Carrasco et al. (2013) e Svenningsen et al. (2013) referem que a administração de propofol está associada a risco de delírium e que este fármaco apresenta um risco superior ao verificado para as benzodiazepinas.

Esta é uma variável que não depende da ação independente dos enfermeiros. Contudo, os mesmos, podem gerir a administração dos fármacos quando prescritos em SOS, tendo em conta o maior ou menor risco de desenvolvimento de delírium. Os enfermeiros devem, sempre que possível, associar medidas não farmacológicas, como por exemplo, diminuir a luminosidade e os estímulos sonoros no horário noturno, promover a alternância correta entre os ciclos de sono e vigília, e fazer uso de um tom de voz calmo e sereno (Henao-Castaño & Amaya-Rey, 2014).

Para além das potenciais consequências supracitadas, a sedação pode condicionar a ocorrência de hipoventilação, que por sua vez leva à retenção de CO2. Segundo Ocádiz-Carrasco et al. (2013), a hipercápnia é outro fator de risco para o desenvolvimento de delírium. No presente estudo verifica-se que os doentes com delírium apresentavam hipercapnia ligeira (48,79 mmHg). Além disso, a hipercápnia pode propiciar a necessidade de instituir ventilação mecânica, que atendendo aos resultados do presente estudo também se apresenta como um fator de risco para a ocorrência de delírium.

Em consonância com estes achados, Svenningsen et al. (2013) evidenciaram que 93,5% dos doentes submetidos a ventilação mecânica invasiva desenvolveram delírium. Embora, estes resultados não dependam da ação autónoma dos enfermeiros, estes podem desenvolver intervenções que diminuam a ocorrência do delírium. Os enfermeiros podem posicionar adequadamente os doentes de acordo com a sua situação e necessidade para promover o conforto e uma respiração eficaz, de modo a manter uma saturação periférica adequada.

 

Conclusão

A evidência indica que o delírium condiciona a mortalidade e morbilidade nos doentes internados e que estão identificados como fatores de risco modificáveis para o seu desenvolvimento. Os enfermeiros, em particular os enfermeiros especialistas, tem responsabilidade acrescida na criação e manutenção de um ambiente terapêutico seguro que contribua para diminuir a sua ocorrência. Atendendo aos resultados do presente estudo e à evidência dos restantes estudos mencionados, sugere-se que os enfermeiros pudessem contribuir para a diminuição da incidência do delírium, através da: Promoção de uma nutrição e hidratação adequadas por via oral, quer ajustando a dieta ao gosto do doente, quer incentivando à utilização de próteses dentárias, quer ainda mantendo uma boa higiene e hidratação da mucosa oral, evitando sempre que possível a alimentação por SNG; Prevenção e controlo de infeções associadas aos cuidados, tendo em consideração a gestão adequada dos dispositivos invasivos; Promoção da visita de familiares, estimulando a sua interação com os doentes mediante diálogos que os orientem no tempo e no espaço; Favorecimento da utilização de próteses visuais e auditivas já existentes, melhorando a capacidade dos doentes percecionarem o meio e interagirem com ele; Gestão adequada dos medicamentos prescritos em SOS, fazer uso mais sistemático das técnicas não farmacológicas para tranquilizar os doentes; Favorecimento de posicionamentos e oxigenoterapia adequados, adjuvados por uma aspiração oportuna de secreções, retardando ao máximo a necessidade de instituir ventilação mecânica.

Considera-se que este estudo foi importante para a reflexão sobre a necessidade da avaliação sistematizada da presença (ou não) de delírium nos doentes internados na UCDI para que se possam tomar medidas na sua prevenção ou tratamento. No entanto, sabe-se que o tempo para a realização deste estudo foi um fator que limitou a colheita de dados e a posterior análise e relação entre as variáveis. Por este motivo, este estudo não pode ser generalizado e apenas diz respeito à amostra identificada.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 25.01.16

Aceite para publicação em: 09.05.16

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