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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.28 n.2 Lisboa abr. 2010

 

Um viver feminino no interior rural português: Descrição analítica do tecer de uma história individual (*)

 

João A. Afonso (**), António M. Diniz (***)

 

RESUMO

No contexto de uma visão integradora da personalidade, a identidade surge como necessidade, procura e construção individual do sentido num tempo. É na cultura e na apropriação criativa dos guiões por ela transportados que o indivíduo se reconhece e unifica. Inerente a este esforço de coesão identitária, tapeçaria onde aspectos desavindos do self alcançam novas coerências, encontra-se a noção de história pessoal. É na permanente elaboração narrativa que o sujeito reconstrói o passado, percebe o presente e se projecta no futuro. As histórias de vida (HV) emergem assim como mostruário exemplar deste processo, método que, pelas suas qualidades, permite o acesso ao tecer subjectivo de um vivido que é também portador de uma cultura. A participante, habitante de um interior rural português empobrecido, envelhecido e desertificado, surge como uma das últimas testemunhas de um sistema cultural em que a força e preponderância dos guiões tradicionais assegura a priori a integração identitária. No presente estudo, a recolha e análise da sua HV permite-nos revelar a influência marcante do setting ideológico católico na maneira como teceu a sua narrativa da identidade.

Palavras-chave: Envelhecimento, História de vida, Identidade, Psicobiografia.

 

ABSTRACT

Contextualized by an integrative view of personality, identity emerges as an individual necessity, search and construction of meaning in time and place. It’s in the culture, and in the creative appropriation of the plots it carries, that the individual finds unity and self-conscience. Inherent to this effort of identity cohesion, tapestry where disagreeing aspects of the self achieve new forms of coherence is the notion of personal history. It’s in the permanent elaboration of a self’s narrative that the subject rebuilds his past, perceives his present, and anticipates his future. Hence, life histories (LH) emerge as an exemplar showcase of this process, method that, by its qualities, allows access to the subjective weave of a life that is also the carrier of a culture. The participant, a woman inhabitant of an impoverished, aged and abandoned Portuguese rural interior, arises as one of the last witnesses of a cultural system where the strength and preponderance of the traditional scripts ensures identity integration. In the present work, the harvest and content analysis of her LH allows to reveal the striking influence of the catholic ideological setting on the way she wove her identity narrative.

Key-words: Aging, Identity, Life history, Psychobiography.

 

O espaço da singularidade

Quem sou eu? Por maior ou menor tempo, iniciativa ou disponibilidade que cada um lhe dedique esta é uma questão firmemente arreigada à consciência colectiva do mundo e culturas ocidentais. A vivência subjectiva da vida enquanto bailado livre de um homem com o tempo histórico e cultural que o envolve, a sua identidade percebida, tem inquietado e iluminado artistas das mais diversas áreas e, estranhamente, permanecido como um campo pouco explorado pela psicologia. Poderá e deverá uma ciência que aponta à compreensão das dimensões psicológicas e comportamentais dos indivíduos ignorar de forma tão evidente a percepção que os próprios têm de si mesmo e de quem são?

A adequação da psicologia a um modelo em que se procura a causalidade e se valorizam formas de análise quantitativas na tentativa de gerar leis de base universal, levou à sua credibilização e maior aplicação prática junto da sociedade, mas diminuiu o seu potencial de compreensão do homem enquanto um todo (Langenhove, 1996). O comportamento humano é um com significado e intenção. O homem possui capacidades de antevisão, auto-conhecimento e uma flexibilidade e interacção entre funções e objectivos que fazem dele um desafio bem maior que qualquer outro sistema vivo (Allport, 1962; Langenhove, 1996).

Este balançar da psicologia entre “a incapacidade dos modelos positivistas para acederem às dimensões da subjectividade, do vivido, dos sentidos e, genericamente, a todas as dimensões processuais” (Santos, 1998, p. 503), e a circunstância de que “por mais intensivo, prolongado, objectivo e bem controlado que um estudo de caso seja, não se pode nunca ter a certeza da extensão a que as regularidades nele encontradas podem ser generalizadas a outras pessoas” (Holt, 1962, p. 397), não é novo. Já em 1937 Gordon Allport defendia dois ramos separados para a psicologia: um, nomotético, encarregue da procura de leis gerais de comportamento, e outro, idiográfico, apontado à personalidade única de cada um e à captura da sua unicidade (Holt, 1962; Thomae, 1999).

Recentemente, foram os próprios avanços no conhecimento propiciado pelo paradigma científico vigente que levaram à identificação dos limites, insuficiências estruturais e fragilidade dos pilares em que o mesmo se funda (Santos, 2001). Semelhante processo desembocou num renovado e crescente questionamento acerca da natureza, fronteiras e novos caminhos da psicologia, com o surgimento de um leque de novas metodologias apontadas à compreensão de como os homens se tornaram o que vieram a ser (Smith, Harre, & Langenhove, 1995, 1996).

Neste contexto, a visão subjectiva dos sujeitos sobre si mesmos adquire justificada importância na busca de luz sobre esse esquivo e complexo objecto científico que é o ser humano no seu singular percurso entre o nascimento e a morte.

 

Uma visão integradora da personalidade

Em 2006, McAdams e Pals apresentam uma proposta integradora que se propõe ser uma grelha estruturadora da pesquisa e teorização no campo da psicologia da personalidade. Através da articulação de saberes provenientes de diversos ramos da psicologia, os autores avançam cinco princípios gerais que evoluem da generalidade para a singularidade humana. O primeiro relaciona-se, necessariamente, com o nosso património evolutivo partilhado e com a noção de que todas “as vidas humanas são variações individuais do mesmo design evolutivo geral” (McAdams & Pals, 2006, p. 205), aperfeiçoado ao longo de milhares de anos pela pressão selectiva de factores ambientais. O segundo princípio refere-se a cinco traços disposicionais, de origem genética – extroversão, afabilidade, determinação, neuroticismo e abertura à experiência – que se constituem como “dimensões globais, testáveis, lineares e comparativas da individualidade humana” (McAdams, 2001, p. 111), consistentemente identificados em várias sociedades e diferentes línguas. O terceiro princípio diz respeito às adaptações características: coloridos da individualidade psicológica, contextualizados no tempo, situação e papel social, relacionados com preocupações motivacionais, sócio-cognitivas e desenvolvimentais (McAdams, 2001; McAdams & Pals, 2006).

Avançando de um encarar descritivo para um mais complexo encarar compreensivo, o quarto princípio assinala a singularidade humana como vislumbrada pelo próprio, a procura reflexiva do sentido e identidade levada a cabo pelos indivíduos nos contextos em que vivem e que os vivem. Esta procura é feita através de histórias de vida (HV) integradoras, baseadas em factos biográficos, mas indo além destes, porquanto as pessoas reconstroem passado e constroem futuro a partir de narrativas em que se apropriam selectivamente das suas experiências. É na unicidade da sua HV que cada pessoa é menos como as outras pessoas e mais como si própria. As histórias, paisagens da vida humana, não se desenham, porém, no vazio, antes tecem-se no pano de um contexto cultural, social e histórico específico. “As histórias vivem na cultura. Elas nascem, crescem, proliferam e eventualmente morrem de acordo com as normas, regras e tradições prevalecentes numa dada sociedade” (McAdams, 2001, p. 114). É assim a cultura, veículo de significados, práticas e discursos, quinto princípio enunciado pelos autores, que fornece o cardápio de onde cada um, de acordo com a sua própria percepção da existência, escolherá como viver e interpretar a vida (McAdams, 2001; McAdams & Pals, 2006).

 

A identidade: Narrativa pessoal

Uma HV é, então, uma narrativa evolutiva do self, construção psicossocial, obra conjunta do sujeito e sua cultura de pertença, cuja principal função é a integração dos elementos dispersos do Me no tempo (Atkinson, 1998; McAdams, 1996, 2001; McAdams & Pals, 2006).

A possibilidade de apropriação por parte do self de acções, pensamentos, sentimentos e experiências como suas implica um processo de selfing, em que o I, processo, origina o Me, produto. McAdams (1996), utilizando os termos introduzidos por James (1950), avança o Me como produto primário do processo de selfing, “é o self que o selfing constrói” (McAdams, 1996, p. 302), um conjunto evolutivo de auto-atribuições, materiais, sociais e espirituais, sentido como seu. É este processo que permite ao indivíduo viver o experienciado enquanto seu e assim alcançar as noções de propriedade e alteridade. É no campo do Me que as HV cumprem a sua função, potenciando a sua integração temporal ao conferir-lhe unidade e propósito (McAdams, 1996).

Ao atribuir ao indivíduo a necessidade de fazer sentido da sua existência numa narrativa identitária que integre as diferentes facetas do seu eu, McAdams (2001) aprofunda o quinto estádio do modelo de desenvolvimento de Erikson (1971). A emergência de um sentido de identidade, “identidade como configuração integradora do self no mundo dos adultos” (McAdams, 2001, p. 102), é enquadrada por Erikson nas tarefas com que se deparam adolescentes e jovens adultos que, empurrados por bruscas mudanças hormonais e corporais, bem como por exigências sócio-culturais, se vêm obrigados a uma primeira exploração das ideologias, ocupações e papéis sociais, culturalmente disponíveis, na procura de uma renovada matriz identitária.

Enquanto que Erikson confina a formação da identidade ao período da adolescência, McAdams estende o realizar do trabalho identitário a toda a vida adulta. Apesar de ser na adolescência que emerge a necessidade de construir uma identidade narrativamente estruturada (Erikson, 1971, 1980; McAdams, 1996, 2001), esta não se ergue a partir de terreno estéril, nem estagna para o resto da vida. Para McAdams (1996), o desenvolvimento da identidade desenrola-se ao longo de três eras distintas: uma era pré-narrativa, associada à infância e primeiros anos da adolescência; uma era narrativa, que se estende da adolescência ao fim da idade adulta; e uma pós-narrativa, que nem sempre ocorre e se liga ao estádio de Integridade versus Desespero descrito por Erikson (1971, 1980).

Nas crianças não existe a necessidade de criar unidade e propósito na apropriação do Me, de gerar identidade, ainda que comecem já a desenvolver-se os embriões que a hão-de dar à luz. A era pré-narrativa é marcada pela recolha de material. Este, proveniente do vivido, irá ser utilizado mais tarde quando as crianças, já jovens adultos, construírem as suas próprias histórias. A família, as relações significativas precoces, a vinculação, a escola, os amigos, são campos que depois terão um impacto necessário na identidade criada e percebida (McAdams, 1996, 2001).

A era narrativa propriamente dita inicia-se no fim da adolescência, primavera da idade adulta, com a adopção de um dado setting ideológico e reconstrução ficcionada do passado num texto mnésico contendo episódios nucleares que o I passa a entender como formativos do Me (Erikson, 1968; McAdams, 1996; St. Aubin, Wandrei, Skerven, & Coppolillo, 2001). O desenrolar da idade adulta traz novas ocorrências, novos desafios e, portanto, novas especificidades à história que agasalha a identidade. Com o diversificar de papéis exigido pela sociedade o indivíduo concentra-se na articulação, expansão e refinamento dos mesmos, desenvolvendo diversas personagens, ou imagos, que protagonizam narrativamente diferentes aspectos do Me (McAdams, 1996, 2001).

Ao nível do experienciado pessoal e do reconhecimento social, a meia-idade corresponde para muitos adultos ao pico de vida com a exploração dos diferentes imagos a atingir a sua máxima expressão ao nível do Me. A percepção de que metade da vida já se findou e de que o tempo que se encontra para a frente é necessariamente menor que o que ficou para trás, acarreta, no entanto, mudanças no narrar da identidade. A possibilidade e necessidade de encontrar uma determinada paz consigo e em si mesmo leva a um trabalho no sentido da harmonia, do equilíbrio e conjugação de temas e tendências até aí divergentes, conflituantes (McAdams, 1996, 2001). O explorar da uma linha generativa assume então uma grande importância, no sentido de que ao final físico inevitável o indivíduo procura contrapor uma imortalidade simbólica que lhe permita ter sobre o mesmo uma palavra a dizer. O cuidar das novas gerações, a herança positiva deixada ao futuro e a retribuição à sociedade são alguns temas que começam a habitar as HV por esta altura, porquanto os sujeitos “começam a definir-se a eles mesmos em termos das coisas, pessoas e ideias que geraram e deixaram ficar” (McAdams, 1996, p. 312). A própria história pessoal começa a sofrer a sua edição final, com a procura de uma coerência e causalidade temporal (em termos de princípio, meio e fim) em que o término possa funcionar como resolução (Erikson, 1971, 1980; McAdams, 1996, 2001).

Durante a era pós-narrativa, que não será atravessada por todos, o trabalho de criação da identidade já praticamente não existe (McAdams, 1996). O indivíduo encontra-se centrado na revisão, recapitulação e reorganização da sua vida, tendo em vista sua adequação à realidade presente. A possibilidade de paz em relação à situação de velhice, e desafios por esta levantados, é influenciada pela coerência, unidade e resolução da história que construiu.

 

A identidade e o feminino

No acto criativo que pressupõe o esculpir da identidade, as especificidades sociais e culturais são apropriadas pelo seu autor que as incorpora ao mesmo tempo que nelas se integra (Erikson, 1971, 1980; Josselsson, 1996; McAdams, 1996, 2001).

Até há não muito atrás, os possíveis estilos de vida, no sentido em que a eles se refere Giddens (2000), à disponibilidade das mulheres, não apenas se encontravam claramente definidos e delimitados, como assim o pareciam estar desde sempre. A mulher era um ser para o casamento e a progenitura, a sua identidade, papel e valor social derivavam essencialmente do casamento (Josselsson, 1996). Desde a Segunda Grande Guerra, no entanto, com especial ênfase nas sociedades ocidentais, as mulheres puderam, mercê do rearranjo social em relação ao que lhes era permitido, encarnar outros papéis e perseguir outros objectivos. Ao afirmarem-se enquanto trabalhadoras, eleitoras independentes, entes a considerar na tecedura social, o foco da investigação, nomeadamente a psicológica, começa também a incidir sobre elas. Isto leva à percepção e compreensão de que as lentes por que se olha a mulher, devem ser diferentes das até aqui utilizadas, pois estas, ajustadas ao masculino, pouco mais nos dão que uma realidade míope (Gilligan, 1994; Josselsson, 1996).

Para lá da “trama do casamento” (Josselsson, 1996, p. 32), percebeu-se que as mulheres têm sempre construído e definido a sua identidade de forma diferente da dos homens. Esta é definida, essencialmente, em termos relacionais e de conexão ao outro (o que nem sempre é contemplado pelos modelos generalistas que apontam o desenvolvimento no sentido da separação e ganho de independência), o que é diferente e não implica a sua delimitação na redoma composta por marido e filhos: “o amor é uma forma de delinear o self, não de perder o self, como muitos erradamente concluíram” (Josselsson, 1996, p. 32). A identidade na mulher encontra-se mais associada ao que ela é do que ao que consegue. A consciência de si própria é principalmente alcançada nas relações que estabelece com o mundo personificado nos outros e as suas HV orbitam, bastas vezes, em torno de como se vê e sente nessas mesmas relações (Gilligan, 1994; Josselsson, 1996). Isto, segundo Gilligan (1994), atribui à mulher uma percepção mais difusa do seu self, bem como um entendimento e expressão social marcados pela gentileza, compreensão dos sentimentos alheios, forte necessidade de segurança e fácil demonstração de sentimentos terrenos. Esta vulnerabilidade pode ser mapeada através dos séculos em que a vivência feminina se viu arredada de uma participação directa na sociedade, existindo na dependência directa da protecção e suporte masculino. O entendimento de que sociedade e cultura as privam de caminhos identitários, reduzindo-lhes drasticamente as hipóteses de escolha, leva-as a diminuírem-se a si próprias (e.g., leva-as a diminuírem-se a si próprias, escusando-se muitas vezes a assumir responsabilidades quanto à tomada de decisões e posições).

 

O PRESENTE ESTUDO

Animou-nos neste estudo a vontade de trazer a voz do indivíduo à liça científica, de atribuir e perceber a importância de uma dimensão tantas vezes menosprezada e, não obstante, tão central como é a da visão que temos de nós mesmos.

Com este fito, adoptámos uma metodologia de índole qualitativa e exploratória, procedendo à recolha da HV única, heterobiografia, de uma mulher, idosa, a residir num lugar isolado do interior rural Português. Uma heterobiografia de enfoque psicológico, psicobiografia, uma vez que o objectivo central, ainda que não único, é a personalidade, imersa no social, mas interiorizando-o e atribuindo-lhe a sua significação pessoal (Poirier, Clapier-Valladon, & Raybaut, 1999; Santos, 1998). Acreditamos que esta opção nos dotará de uma visão poderosa sobre o indivíduo e o seu percurso. O relato recolhido – testemunho pessoal e subjectivo, rico em texturas e matizes, construção a quatro mãos entre o indivíduo e a cultura envolvente – revelar-se-á, pensamos, um documento aberto a diversos níveis, enfoques e profundidades de análise. A partir deste, numa análise que se pretende clarificadora mas nunca fragmentante, propomo-nos explicitar a urdidura da construção contínua que o sujeito faz da maneira como se percebe. Explicitar o modo como se apropria criativa e selectivamente das suas vivências num tempo e num espaço específicos, integrando-as narrativamente em identidade.

 

MÉTODO

Apesar de um recente recrudescimento, inserido num renovado interesse pelas metodologias de fácies idiográfico trazidas à superfície pela erosão dos modelos experimentalistas e quantitivistas mais duros (Santos, 2001), a utilização nas ciências sociais do material narrativo e, mais particularmente, de HV pode ser seguida até ao século XIX e às práticas desenvolvidas por etnógrafos e antropólogos (McAdams, 1988). Para Clapier-Valladon (1982), a produção de HV enquanto ferramenta metodológica terá, ao longo do seu desenvolvimento, conhecido quatro grandes impulsionadores: os trabalhos desenvolvidos na década de 1920 pela Escola de Sociologia de Chicago, Freud e os avanços na psicanálise, a tradição antropológica e a reflexão epistemológica nas ciências sociais. Evidencia-se assim o carácter multidisciplinar da metodologia das HV que, no seu duplo papel de método e objecto (Santos, 1998; Poirier et al., 1999), se constitui “como uma ferramenta com tantas aplicações quantas aquele que a está a usar conseguir descobrir” (Atkinson, 1998, p. 2).

A eclosão da modernidade e o abrandar do espartilho configurado pelo peso da tradição e costumes, se conduziu a sociedades mais democráticas e livres nos domínios de pensamento e comportamento, levou, também, pela quebra de linhas orientadoras e de referência, à alteração das bases da identidade individual. A consciência de quem somos, em contextos tradicionais, é significativamente sustentada pela adequação ao estatuto social ocupado na comunidade. Assim, num mundo onde nada é incontestado, onde todos os modelos têm falhas, onde a multiplicidade e relatividade imperam e a verdade é parede e não mineral, o tecer da identidade, verdadeira manta de retalhos, de forma coesa e significativa, torna-se um trabalho de complexa resolução (Giddens, 2000; McAdams, 1996, 2001).

Oferecendo ao indivíduo uma paleta díspar de possibilidades, exponenciada pela globalização e coro mediático, mas poucas indicações dando sobre que cores escolher e combinar, as culturas modernas actuais socializam-no no sentindo de “encontrar o seu próprio caminho, engenhando um self que seja verdadeiro a si próprio” (McAdams, 2001, p. 115). A adopção de um determinado estilo de vida – conjunto mais ou menos integrado de práticas em que o indivíduo embarca, não apenas por razões utilitárias e funcionais, mas porque corporizam uma dada narrativa identitária – torna-se neste contexto uma necessidade, algo que todos são obrigados a fazer, face aos agora extenuados guiões tradicionais (Giddens, 2000; McAdams, 2001).

Neste contexto, depois várias décadas de pousio e esquecimento (Howard, Maerlender, Myers, & Curtin, 1992) em que atraíam apenas os mais românticos dos investigadores em psicologia (McAdams, 2001), seguindo as pisadas de homens como Allport e Murray, citados por Atkinson (1998), as HV conhecem novo desenvolvimento. Justificam-no a tentativa de preservação de um passado em diluição pela quebra das correntes de transmissão oral entre gerações (Poirier et al., 1999) e a necessidade de acompanhar e mapear o processo reflexivo e individual de construção do self desenvolvido pelos indivíduos num contínuo de busca de coerência (Giddens, 2000).

De facto, desde meados da década de 1980 as HV assumem um papel de destaque na compreensão do viver subjectivo dos indivíduos. Há assim um virar para as histórias não apenas como objecto metodológico mas também como grelha de interpretação do vivido e se, para Bruner (1990), as narrativas são um importante meio de abordar a forma como o indivíduo constrói a sua vida e, logo, o desenvolvimento humano, já para McAdams (1996) é a identidade ela mesma que toma a forma de história com cenas, enredo, personagens e tema.

 

Participante

De modo a proteger a identidade da participante, bem como a de todos os sujeitos nomeados no relato por si feito, preceito ético com ela acordado à partida, tomou-se a liberdade de alterar os nomes de todas as pessoas, bem como os das localidades que, pela sua especificidade, foram consideradas demasiado reveladoras.

A participante, do género feminino, sem qualquer tipo de escolaridade, D. Palmira, conta à data do último encontro 88 anos. Habita sozinha uma pequena casa, uma das duas únicas ainda ocupadas no Tojo, sendo viúva desde os 70 anos. Teve dois filhos: um nado morto e outro, que morava desde há muito na zona de Lisboa e veio a falecer durante as entrevistas, que lhe deu dois netos. Viveu toda a sua vida na aldeia à excepção de dois pequenos períodos em que esteve primeiro na casa do filho e depois na dos compadres. Actualmente sobrevive essencialmente do que compra na aldeia vizinha do Rosmaninho e do que os vizinhos lhe dão em troca de pequenas ajudas.

A D. Palmira é uma idosa de aspecto mirrado mas rijo, olhos claros já algo deslavados, sempre de lenço e bordão na mão. Apresenta para a idade uma autonomia considerável, não tomando medicação psicofarmacológica ou de qualquer espécie, apesar de se queixar frequentemente das dores e sofrimentos por que passa e que a impedem de levar e fazer a vida que gostaria. Ao nível cognitivo, pelo que se pode perceber das entrevistas, é atenta, viva e perspicaz, mostrando apenas dificuldades de memória que pareceram perfeitamente congruentes com a sua idade.

O isolamento e a solidão que se poderiam prever pelas informações que antes dela se tinham, e mesmo pela sua vida no Tojo, são em muitos sentidos apenas aparentes. Afastada dos familiares mais próximos apresenta uma rede social pequena mas presente, constituída pela vizinhança, que contribui para que a sua existência, apesar da pobreza, conserve uma dignidade que a afasta claramente do que poderia ser visto como miséria.

 

Procedimento e instrumentos

A recolha da HV realizou-se a partir de um conjunto de entrevistas repetidas, entrevistas semi-directivas ou abertas, que ocorreram ao longo de onze encontros, cinco dos quais com gravação de material, que se estenderam de 25/02/07 a 28/12/07. Estes momentos, “conversas com um objectivo” (Burgess, 1997), que deixam espaço à anedota e à divagação, são assentes numa necessária relação interpessoal e de familiaridade narrador-narratário.

Assim, os primeiros encontros tiveram como objectivo o estabelecer de uma relação de confiança – a relação biográfica de que falam Poirier e colaboradores (1999) – bem como o ir desenvolvendo, a pouco e pouco, familiaridade com uma visão geral da vida da D. Palmira, e do seu contexto, que pudesse mais tarde ser usada como linha orientadora no processo de entrevista. As entrevistas, cinco ao todo, decorreram num cenário familiar à participante: a soleira da sua porta, uma pedra larga de xisto. Foi utilizado um gravador digital de voz marca Olympus (modelo vn 2100 pc), cuja escolha se deveu à facilidade de manuseamento e possibilidade de passar os documentos das entrevistas directamente para o computador. A sua duração média, dependente das interrupções que existiam sempre, situou-se entre a hora e a hora e meia, seguindo o proposto por Burgess (1997).

Apesar de, na peugada do defendido por Atkinson (1998), Burgess (1997) e Poirier e colaboradores (1999), se ter procurado dar às entrevistas o ar solto de uma conversa, demonstrando à participante um interesse incondicional e desprovido de julgamento e orientando as intervenções, gestos e comentários no sentido de encaminhar o relato na direcção pretendida, interferindo o menos possível no fluxo do discurso, desde cedo que a interacção com a D. Palmira veio a mostrar que o recolher da sua HV não seria fácil. O seu estilo comunicacional sempre se mostrou pouco expansivo e espontâneo, não entrando em solilóquio e estando muito dependente dos estímulos apresentados. A informação ia surgindo, mas sempre dispersa, compartimentada, factual e pouco desenvolvida. Para além disto, tendo determinados períodos e conteúdos bem presentes, outros havia em que se tornava praticamente impossível penetrar no nevoeiro da memória. Esta dificuldade exigiu um exercício de flexibilidade e capacidade de resposta, sempre necessárias numa metodologia em que o entrevistador se encontra privado do controlo oferecido por um inquérito objectivo. O equilíbrio foi encontrado num estilo totalmente coloquial de partilha e troca em que no desenrolar dos diálogos, e perante certos estímulos, as suas memórias e histórias se foram, a pouco e pouco, desenrolando como um novelo. Não obstante nunca se estender muito na narrativa, foi possível ir juntando peças, como se de um puzzle se tratasse, até se ter uma imagem, é certo que desigual entre períodos, mas abrangente, da sua vida. Para isto muito contribuíram os registos feitos num diário de campo (vd. Burgess, 1997; Fernandes, 2002).

Tratando-se, a HV, de um documento íntimo e de carácter pessoal optou-se, como defendido por Poirier e colaboradores (1999), pela transcrição integral do material em bruto, procurando um texto que fizesse jus ao discurso registado não apenas no conteúdo semântico mas também nos seus silêncios, erros, pausas, suspiros, sorrisos. Completa a transcrição, procedeu-se a uma segunda audição das entrevistas que permitiu aquilatar da qualidade e fiabilidade da mesma bem como preencher, na medida do possível, as lacunas existentes no corpo transcrito.

A partir do material transcrito em bruto, num trabalho de tecelagem sobre os excertos da trama relacionados, foi impressa ao texto uma organização cronológica, conferindo-lhe assim uma certa linearidade e tornando-o mais legível e coeso. Simultaneamente, levou-se a cabo a adaptação da oralidade à escrita. Erros correntes da linguagem oral, bordões da fala que sempre parasitam os discursos, incongruências nos tempos verbais, dialectos e regionalismos, foram tratados de forma a explicitar e facilitar o acesso ao conteúdo com prejuízo mínimo da fiabilidade do relato.

O aspecto coloquial das entrevistas colocou grandes problemas à sua reunião e organização. Se, de um modo abstracto, foram seguidas as linhas teóricas propostas por Poirier e colaboradores (1999), grande parte das questões práticas, pela sua especificidade, exigiram respostas próprias orientadas pelo objectivo de construir um todo coerente. Destarte, as alterações feitas tendo em vista o apresentar de um relato na primeira pessoa foram levadas a cabo com o máximo tacto e, para quem privou com a D. Palmira, é ainda a sua voz que se encontra no texto.

À fixação da história seguiu-se uma análise de conteúdo tendo por missão dar um sentindo ao conjunto dos factos enunciados no relato sem, no entanto, diminuir a sua significação. Este sentido foi procurado à luz de um quadro teórico orientador, cuja definição foi prévia à análise em si, constituindo-se como o primeiro passo da mesma (vd. Bardin, 1979; Krippendorf, 1980; Poirier et al., 1999; Vala, 1986). No caso concreto, a análise serviu-se das categorias propostas por McAdams (1996) para análise e compreensão das HV do adulto, sumariamente definidas em seguida. (1) Tom narrativo: tom emocional geral, com raízes na era pré narrativa e nas experiências e relações precoces do indivíduo, que pode oscilar entre o pessimismo sem esperanças e o optimismo sem fronteiras. (2) Imagética: fotografias verbais, sons, cheiros, sabores, símbolos e metáforas que brotam dos anos pré-narrativos e emprestam à história textura e paladar próprios. (3) Linhas temáticas: relacionadas com as motivações humanas: o que as personagens querem, o que lutam por atingir e evitar. Aglutinam-se em torno de duas temáticas base: comunhão (associada ao amor e união com o meio) e iniciativa (associada ao poder e à individualidade). (4) Setting ideológico: refere-se às crenças religiosas, às convicções políticas e éticas e ao quadro de valores do indivíduo. É a partir deste que indivíduo avalia a qualidade da sua própria vida e da dos outros. (5) Episódio nucleares: pontos relevantes na HV que são escolhidos e reconstruídos de modo a criarem um nexo narrativo coerente entre passado presente e futuro. (6) Imagos: personificações idealizadas do self que tendem a reflectir os modelos da cultura contemporânea do indivíduo e que este vai desenvolvendo e explorando ao longo da vida. (7) Desenrolar generativo: surge pela meia-idade e associa-se à necessidade de desenvolver um legado que assegure uma imortalidade simbólica. (8) Avaliação narrativa: até ao fim da vida prossegue um trabalho de revisão e arrumação da história tendo em vista a sua pacificação e adequação às preocupações presentes.

Procedeu-se, então, à identificação e recorte no corpo do texto das unidades de registo semântico e sua indexação às categorias correspondentes levando a uma codificação do material, “representação simplificada dos dados em bruto” (Bardin, 1979, p. 119), tendo em conta a chave teórica adoptada. Estando aqui num campo de análise categorial em que “a história original é separada e secções ou palavras pertencentes a uma determinada categoria são tomadas do todo da história” (Lieblich, Tuval-Mashiack, & Zilber, 1998, p. 12), parece-nos, ainda assim, que, quer pelo enfoque teórico, quer pelas características da análise temática e das próprias categorias, não se abandona a pretensão de manter um desejável holismo na sua abordagem.

Foi ainda elaborado um biograma (vd., e.g., Manita & Da Agra, 2002; Tinoco & Pinto, 2001), que permitiu o contrastar dos episódios fundamentais da vida da D. Palmira, cronologicamente ordenados, com as categorias de McAdams (1996).

Para Stemler (2001), a validação de uma investigação qualitativa deve ser procurada no triângulo: credibilidade da análise associada ao emprego de estratégias múltiplas, confronto com outros investigadores e comparação dos dados com a teoria que os sustenta. Na senda do rigor a que se aspira e da validade e estabilidade das inferências feitas, foram aqui consideradas as validades intra e inter-codificadores. A validade intra-codificadores procurou-se na adopção de estratégias múltiplas de análise. Análise temática, biograma, e o curso biográfico da história foram, assim, continuamente confrontados, no que se mostraram consistente e coerentes. Como recomendado, entre outros, por Krippendorf (1980), a validade inter-codificadores foi assegurada pelo recurso a dois juízes independentes que se mostraram concordantes quanto aos itens incluídos nas categorias.

 

RESULTADOS

Os sublinhados (itálico) presentes nos trechos retirados da HV para ilustrar as categorias que a seguir se apresentam, referem-se a palavras ou frases inseridas no texto tendo em vista a possibilidade e melhoria da legibilidade da história. Em nenhum caso estes acrescentos inserem informação ou alteram o sentido original das afirmações.

 

Tom Narrativo

O tom narrativo que atravessa a HV da D. Palmira é um de tonalidades maioritariamente pessimistas.

“A pobre vida bem pensada é um romance dos melhores que pode haver. Os romances é assim, é a gente a sofrer sabe Deus o quê. Queria para comer é como não o tinha, queria para vestir não o tinha, queria para calçar não tinha, os romances são estes.”

No entanto, o defini-lo simplesmente assim, como pessimista, parece extremamente redutor para quem com ela privou. De facto, colorindo o atributo pessimista, é um tom resignado e conformado de alguém que raramente encarou a vida com esperança, não porque achasse que esta só lhe iria trazer coisas más, mas porque poucas vezes teve a visão que realmente pudesse ter uma palavra a dizer sobre os assuntos.

“Se fico triste por ver a terra desaparecer? Ah eu não, mas de que serve a gente estar triste, mas de que serve? A gente não tira nada por estar triste. Quem é que manda?”

 

Imagética

O estilo de comunicação da D. Palmira não é o mais propício a dar azo às texturas e nuances que relevam e denunciam a imagética própria de uma história. Não surpreendentemente, os coloridos imagéticos mais visíveis surgem vestindo as evocações de pobreza e miséria que associa à sua vida e que iluminam o tom narrativo da história. O roto, o descalço, a fome, a comparação aos cães, são particularmente evocativos desse facto.

“Miséria! Miséria! Fome! Descalços como os cães. É verdade a gente andava quase sempre descalço, roto e esfarrapado...”

 

Linhas Temáticas

Uma constante na vida da D. Palmira, ou no modo como a vê, é a ênfase posta na não existência de conflitos.

“Eu nunca vivi mal com minha Mãe, nem com meu pai, nem com os meus irmãos. Nunca tivemos um azedo uns com os outros. (...) É bom, é bonito mas é a gente viver bem umas com as outras. A família toda.”

A sua motivação principal é uma de união com o meio envolvente, de estar bem com os que a rodeiam, mesmo que isso se faça pelo sacrifício da sua individualidade e de desejos pessoais. Isto é particularmente evidente na questão do casamento e da relação com a mãe.

“Ai tinha tido tantos pretendentes. Melhores do que a este. Fiquei com este por causa de minha Mãe. Minha Mãe, para eu ficar aqui é que ela emburrou o pé à parede: ‘porque este é melhor, porque este assim, porque este assado’. Pronto. Queria-me à roda dela, para eu estar ao olhar dela.”

A linha temática predominante é assim de comunhão, estando a felicidade e o sentindo da vida associados não à persecução de objectivos e iniciativas pessoais, mas a uma vivência pacífica e isenta de conflitos com o meio envolvente e as suas figuras significativas.

 

Setting Ideológico

O setting ideológico que domina toda a história da D. Palmira, influenciando em absoluto toda a sua visão do mundo, da vida, seus valores e moralidade, é um de matriz católica. O estatuto de verdade única que apresenta faz com que a D. Palmira não o refira ou pense directamente, sendo que este se vê essencialmente na aplicação que faz dos seus princípios nos juízos em relação a si própria, e em relação aos outros.

“Uma pessoa antes de falecer é que é preciso ouvir missa e é preciso dar esmolas por aquela alma. Então se não der esmolas nenhumas o que é que a alma há-de fazer...”

Eu depois do meu marido morrer não quis cá homem nenhum, e se eu tinha muitos apoquentos depois que ele morreu. Eu agora estou aqui, uma mulher que também fiquei nova sem homem. Então se estivesse com outros, ai Jesus era uma porcada. Era uma vergonha. (...) A minha vizinha dizia assim: ‘ó ti Palmira você faz mal, você faz mal’. Porquê? Para andarem só a apontar para mim? Não apontam não. Uma mulher quando tem vergonha e tem juízo não anda a dar que falar a este e àquele. Nosso Senhor me conserve até morrer.”

Este setting religiosamente ancorado mantém-se estável, como fiel da verdade, durante toda a sua vida, não havendo indícios de qualquer outro tipo de fontes, éticas, políticas ou filosóficas, que o influenciem.

 

Episódios Nucleares

O primeiro episódio nuclear que nos aparece no relato da D. Palmira, quer pela força com que se encontra impresso no seu tecido mnésico, quer pelas consequências reais para a sua vida futura, é o casamento e a sujeição que este implicou à vontade da mãe.

“Mas depois minha Mãe começou-me a rolar, como eu lhe disse que... Se não lhe tenho dito nada ela nada, eu disse-lhe que fazia o caso, disse-me que não: ‘olha filha este aqui é que tem a casinha, é que tem além a hortinha, é que tem onde te meteres, e o outro não tem nada’. Tive que ir à boa, à boa, à boa, pronto. Mas se fosse hoje não me levavam. Arrependi-me bastante, porque a família dele era ruim, ainda hoje eles são maus, falavam para uns e para outros mal de mim.”

Sucede a este episódio a morte do primeiro filho.

“O mais velho já mo tiraram morto. Morreu sexta-feira à noite e foi tirado sábado depois do meio-dia. Tinha vontade, muita vontade de ter esse filho. Eu não sentia nada, é como a que estava morta, estava toda inchada, toda inchada; então o médico nunca me julgou viva, sempre pensou que morresse. Estive sete semanas na cama sem nunca me mexer para lado nenhum.”

E depois, afastado no tempo sete anos o nascimento complicado do seu filho.

“Do outro, agora do mais novo, estive lá um mês. Nunca ninguém me julgou viva, nem o médico.”

Ambas as situações, para além do seu forte impacto emocional, deixaram sequelas ao nível físico.

“Mas o que eu tenho sofrido ai Jesus, ai Jesus, nem quero que me lembre. Nessa altura e mesmo agora, mesmo agora ainda ando a sofrer. Porque eles cortaram-me e eu não soldei, só ficou assim um pouco de um quase nadinha para mo cortar de todo.”

Bem como ao nível das expectativas que a D. Palmira tinha em relação à sua vida.

“Mas o que é que se há-de fazer? Paciência. Uma mulher ter só um filho é como não ter nenhum, morre aquele pronto, e se tem dois... (...) Quem tem dois tem um, quem tem só um não tem nenhum.”

Episódio que na altura em que ocorreu não terá sido tido como extraordinariamente relevante, mas que depois, pelas suas consequências futuras, acaba por tomar um papel de destaque no relato, é o casamento do filho.

“Eu se soubesse o que sei hoje quando ele diz assim: ‘ó Mãe veja lá o que eu vou fazer. Você já é mulher do mundo. Sabe mais do que eu’. Eu soubera o que ela era não punha lá um pé. (...) Porque se ela fosse uma mulher de honra e de vergonha eu não estava aqui, eu estava lá ao pé deles e assim estou aqui... Estou aqui numa cabana.”

A ida para Lisboa, pouco depois da morte do marido, contém um corte drástico na que até aí tinha sido a vida da D. Palmira.

“Quando fui para Lisboa deixei de ter animais. Naquele tempo já só tinha duas cabritas. Abalei para lá, venderam-mas, e meteram o dinheiro ao bolso.”

A mudança representa ainda o quebrar de relações com a nora.

“Era uma besta ou não era!? Ah estafermo negro! Há noras que são boas há mas há outras... Não venha cá para lho perdoar que não perdoo.”

E, acresce, a impossibilidade consequente de permanecer junto do filho.

“Eu não gosto de cá estar, dizia, eu não gosto de cá estar, não dizia lá porque era. Eu não gosto de cá estar. E eu gostava de lá estar, naquele sítio...”

Este é um momento significativo e muito marcado na vivência e mágoa actual da D. Palmira porque significou: primeiro o romper com a vida que até aí tinha tido; segundo o não poder permanecer junto do filho, algo que muito gostaria. Ambas estas situações em que se vê como vítima de processos que não controlou.

 

Imagos

Os imagos tendem à personificação dos principais modelos veiculados pela cultura contemporânea ao indivíduo. Ora sendo a cultura envolvente da D. Palmira hegemonicamente católica e o catolicismo pródigo no estabelecer de modelos de moralidade e conduta, é natural que os imagos por si desenvolvidos gravitem em volta destes modelos. Embora por vezes seja difícil destrinçá-los, uma vez que todos apegados à mesma rocha mãe, estes podem dividir-se em três grandes grupos.

 

A boa católica

“Então eu agora vou ao Rosmaninho, que mais dá estar lá mais uma hora ou menos uma hora a ouvir a missa? Custa alguma coisa? Agora chegar lá e voltar logo, então o que é que uma pessoa foi lá a fazer? Aqui esta minha vizinha vai lá mas diz que também as não ouve, anda que ela lá achará o erro ainda, deixa lá que ela achará o erro. A gente agora não encontra o erro, deixa lá que morra se queres ver onde é que anda a alma por aí.”

 

A de boa virtude

“Eu agora estou aqui, uma mulher que também fiquei nova sem homem. Então se estivesse com outros, ai Jesus era uma porcada. Era uma vergonha.”

 

A resignada

“Quem cala vence! Toda a vida assim foi, quem cala vence. É mais que a verdade ainda!”

Este último não deriva de uma forma tão objectiva da pressão cultural exercida pela religião, mas encontra-se também ligado à forma como o papel das mulheres era encarado no seio da sociedade e a um viver muito próprio da D. Palmira, sem ondas ou ruído, procurando o intervalo dos pingos de chuva na busca da comunhão com o meio envolvente.

 

Desenrolar Generativo

Esta é uma dimensão que quase não é visível no relatado pela D. Palmira. Se algo se pode encontrar que corresponda ao desejo de procura de um desenrolar generativo para a vida é a sua vontade, depois frustrada, de estar junto da família, filho e netos, tomando assim parte e contribuindo para um todo maior.

“Eu gostava de lá estar porque aquele coiso também era bom, à uma tinha por onde me estender, ou a semear, ou a sachar, ou regar, tinha por onde me estender. Já tinha aí uns 60 ou 70 anos, os meus netos ainda eram pequenotes, a garota tinha oito anos e ele, o Sérgio, era mais atirado.”

Embora não se enquadrando totalmente na definição de desenrolar generativo considerada para esta análise temática, parece justo considerar-se o seguimento e adesão aos preceitos religiosos culturalmente hegemónicos como uma forma de procura de um final generativo para a vida.

 

Avaliação Narrativa

Ao nível da avaliação narrativa, e apesar do tom geral de resignação conformada com que ao longo da vida foi fazendo frente às vicissitudes e que aparece transparente na sua história, a relação da D. Palmira com a vida que levou não é pacífica.

“Eu nunca tive a ideia de chegar à idade que tenho, sempre tive ideia de chegar só aos 84, 85, 86, vá lá já passou muito. Eu não me importo, porque me há-de importar? Tanto me faz importar como não importar, é igual, fico na mesma.”

Há uma revolta silenciosa contra as dificuldades porque passou, visível no confronto permanente que faz entre aqueles tempos e os de agora.

“Ali é que era uma tristeza, agora neste tempo... Agora têm o que querem, são ricos. Basta dizer que só o abono, só o abono que se ganha dá para se governar. (...) Governavam-se com fome. E agora não, agora é carne disto, carne daquilo, é lambidela disto, lambidela do outro...”

Revolta extensível ao facto de não poder estar ao pé do filho.

“Se eu num tenho ninguém ao pé de mim, tenho o filho, o filho está longe, é como a quem nem ata nem desata. Se estou mal fico pior, fico à mesma, fico à mesma porque ele a mim não me faz cá nada e eu a ele também nada lhe faço. Às vezes a viver com ele estava bem, e assim...”

Revolta, ainda, quanto à vida que, na sua idade e condições, tem que suportar no Tojo.

“Só me lembra de passar mal, só me lembra de viver mal, não é de viver bem, viver mal. Mais para a frente, mais mal ando, mais mal ando.”

Para organizar a discussão, procedeu-se à elaboração de um biograma (vd., e.g., Manita & Da Agra, 2002; Tinoco e Pinto, 2001) como técnica complementar de análise. Com ele pretende-se contrastar o curso cronológico do relato e a análise temática, explicitando a forma como a elaboração narrativa da vida se foi dando ao longo do tempo e como foram para ela contribuindo as experiências em diversas idades. O biograma (Tabela 1) é agora apresentado para auxiliar o acompanhamento e compreensão da análise que se lhe segue.

 

TABELA 1

Biograma

 

DISCUSSÃO

Partimos para este estudo com a intenção primária de aceder ao vivido subjectivo de um indivíduo e à maneira como este, no seio de um contexto histórico e cultural específicos, se concebe construindo narrativamente a sua identidade.

A abordagem metodológica escolhida tendo em conta esse objectivo, uma de índole idiográfica e, portanto, apontada à compreensão profunda do sujeito, pareceu à partida, como parece agora no fim, extremamente adequada. O relato na primeira pessoa mostrou-se um documento multi-facetado, aberto a diversos níveis e possibilidades de análise. Ao reflectir, e dependendo isto das palavras e do engenho de cada um, a construção e narração de uma existência, a HV encerra em si parte da riqueza extraordinária do ser humano e assim, tal como este, torna-se passível de ser dissecada por uma grande quantidade de bisturis teóricos.

No presente trabalho, o quadro categorial de McAdams (1996) concedeu-nos uma visão simultaneamente extensiva e profunda, o que demonstra, por um lado, a qualidade e riqueza das HV enquanto método e, por outro, a abrangência e flexibilidade da visão narrativa da construção da identidade enquanto referencial teórico. Esta última, ao permitir a análise do trabalho identitário de uma forma compreensiva, facilita a articulação com outros domínios do saber, estendendo as suas possibilidades de aplicação a inúmeras realidades e contextos culturais díspares.

A história aqui analisada dá disso fé. A realidade da D. Palmira enquadra-se ainda num tempo em que as correntes de transmissão oral se encontravam intactas e, por conseguinte, os tipos de Me passíveis de ser assimilados pelo I eram padrões transmitido de geração em geração (McAdams, 1996; Poirier et al., 1999). Isto não significa que não tenha existido um trabalho narrativo de construção identitária, apenas que este terá sido menos intenso e menos percebido pelo sujeito, uma vez que grandes pedaços da sua HV, mostruário privilegiado da identidade, se encontravam já à partida preenchidos. A metodologia adoptada mostrou-se perfeitamente adequada no lidar com esta situação.

Atendendo ao biograma percebe-se como o setting ideológico fornecido pela religião é o único percebido, surgindo na história, como seria esperado, por alturas da adolescência. É tão único que, de facto, as referências directas, ou pensamentos, sobre o próprio são escassas. Existe como realidade, verdade, e, portanto, subentende-se nos comportamentos, ideias e juízos desenvolvidos. Nas palavras da própria, “Deus é que nos dá os sentidos e é que nos os tira”. A forma como a D. Palmira construiu a sua identidade, bem como a visão retrospectiva que apresenta em relação ao seu percurso, a maneira como se percebe e o percebe, são, assim, clara e largamente influenciadas por uma matriz de pensamento e concepção da existência judaico-cristãs.

A partir desta posição de charneira, o setting ideológico católico estende os seus ramos de influência a inúmeras áreas da vida da D. Palmira. É, desde logo, nos seus valores, concepções morais e códigos de conduta que se vão fincar as aspirações ideais do self e o sentindo pretendido para a vida. Firmemente ligados aos ditames católicos, e portanto intimamente relacionados entre si, o que nem sempre tornou fácil destrinçá-los, os imagos presentes no relato da D. Palmira – três (a boa católica, a de boa virtude, a resignada), estendendo-se da adolescência à velhice, como visível no biograma – dão todos conta de uma adesão quase total aos padrões de conduta e comportamento tidos como bons e social e culturalmente valorizados. A estabilidade e coerência destes imagos, quer ao nível temporal, quer do setting ideológico a que se encontram arraigados, é prova da força e preponderância do guião religioso, culturalmente veiculado, na construção identitária da D. Palmira.

Através dos imagos, na persecução e personificação dos ideais católicos, valorizados culturalmente como representantes do que é uma vida boa e apropriada, a D. Palmira procura não só um sentido identitário mas, como a própria religião lho indica, a salvação na vida para além da morte. Assim, a busca de um fim apropriado para a HV, a necessidade que surge pela meia-idade de encontrar um desenrolar generativo (McAdams, 1996, 2001) que assegure uma imortalidade simbólica, encontra-se aqui parcialmente respondida pelo próprio guião cultural. A necessidade de deixar um legado às gerações seguintes, de explorar imagos alternativos, de criar um Me que sobreviva ao self apenas pode ser associada ao caminho religioso. É na adopção dos comportamentos, culturalmente determinados, e que lhe foram transmitidos, que procura o seu aperfeiçoamento enquanto mulher, e é com este aperfeiçoamento, e na transmissão dos seus valores, que contribui para o melhorar e progredir da comunidade. Esta parece, não obstante, uma opção “coxa”, uma vez que não se enxerta numa construção pessoal, projecto reflexivo nascido do questionamento inerente à meia-idade, mas advém de um dado cultural pré-existente ao indivíduo.

A busca de comunhão com os que se encontram à sua volta aparece no relato, bem como no discurso normalmente apresentado pela D. Palmira durante os encontros, como uma motivação sempre presente. De facto, a linha temática da comunhão, ligada ao amor e à intimidade, e marcada por um desinvestimento na individualidade assume uma absoluta preponderância na sua vida. Essencialmente, esta evidencia-se na procura de vinculação afectiva com os outros, nomeadamente com a família e, de grande proeminência no relato, pelo recente da questão e consequências no presente, com o filho. Ela também é constatável na sua postura de evitamento de situações conflituais, patente na submissão às ideias da mãe em relação ao próprio casamento, ou no comentário sobre a relação com o marido: “há criaturas que apanham porque querem, palram, palram, pronto apanham porrada. Quem cala vence! Toda a vida assim foi, quem cala vence. É mais que a verdade ainda”.

Na senda dos porquês desta linha de acção encontram-se várias questões que podem confluir para a justificar. Desde logo o facto de a mulher tender a definir a sua identidade essencialmente em termos relacionais e de conexão ao outro, o que se liga aos papéis e modelos de submissão e exclusão social que lhes são disponibilizados pelas culturas mais tradicionais e integrados na sua identidade percebida (Gilligan, 1994; Josselsson, 1996). A esta questão, que parece em perfeita consonância com o esboço que aqui tem vindo a ser traçado do Tojo enquanto contexto histórico, social e cultural, bem como com a influência deste mesmo contexto no tecer identitário da D. Palmira, há que acrescentar outras de origem mais precoce e enfoque mais relacional.

De facto, a predominância das motivações associadas ao desejo de comunhão pode encontrar-se associada a uma falta de esperança na sua possibilidade de agir e de assumir posições mais assertivas e individualistas na interacção com os outros e o mundo, evocando-se assim questões relativas à não existência de uma confiança básica (Erikson, 1971, 1980) herdeira de relações significativas precoces. Pode ainda resultar, ou encontrar-se relacionada, com uma má resolução do conflito Iniciativa versus Culpa (Erikson, 1971, 1980) com esta última a sobrepor-se à primeira truncando a possibilidade de comportamentos mais independentes. Estas duas justificações remetem para períodos em que a necessidade de forjar uma identidade é, ainda, inexistente. Apesar de estes períodos se situarem numa era pré-narrativa, as suas características irão influenciar, colorir, o tecer da trama identitária. São as experiências e vivências deste período, preservadas no tecido mnésico, que mais tarde se constituirão como material inicial a partir do qual o I procederá à construção do Me. Directamente influenciado por estas vivências surge o tom narrativo emprestado pelo indivíduo à sua história. Este corresponde à tonalidade emocional global apresentada pelo relato e, para McAdams (1996), encontra-se particularmente associado à qualidade das relações de vinculação.

O tom narrativo adoptado pela D. Palmira reveste-se de cores escuras, com o pessimismo a combinar-se com a resignação e o conformismo. Na desigualdade do seu relato, o período relativo à infância e à qualidade das relações aí estabelecidas é escassamente investido. Deste modo, torna-se complicado, a partir da sua simples análise, a percepção das especificidades pré-narrativas por trás deste tom. No entanto, o enquadrar da infância da D. Palmira no seu tempo histórico permite-nos lançar sobre o assunto alguma luz. As características da organização familiar nas primeiras décadas do século XX no interior rural português não podem ser comparadas com ideia de família hoje existente. “Os filhos não eram tratados como indivíduos nem criados para dar satisfação aos pais. (...). Não se tratava de falta de amor por parte dos pais, mas estes estavam mais preocupados com a contribuição que os filhos davam no trabalho comum do que com as próprias crianças”. Estas palavras de Giddens (2001, p. 60) permitem, talvez, ter uma ideia da realidade vivida pela D. Palmira enquanto criança e perceber que, pese embora ter crescido num meio familiar coeso e estruturalmente estável, as vicissitudes inerentes à instituição familiar à altura terão certamente tido influência na qualidade das relações de vinculação por ela estabelecidas e imprimido no I vivências e sensações que terão influenciado a forma resignada e desesperançada com que posteriormente esculpiu o Me.

Neste contexto, emergindo também dos anos pré-narrativos da infância, as poucas imagens são os adereços sombrios vestidos pelo tom narrativo. A aspereza e falta de confiança com que a D. Palmira encara o mundo, já patente na categoria anterior, influenciam agora as imagens colhidas da infância e integradas no processo de selfing.

Os momentos nucleares presentes na HV da D. Palmira apresentam-se, de certa forma, como espelho de diversas das características da sua vida exploradas até agora. Num relance abrangente sobre o texto percebe-se que este se organiza em quatro momentos, episódios nucleares, marcados pelo conflito e o sofrimento, pungentemente e largamente investidos (vd. biograma), entremeados por um narrar disperso e desorganizado, quase desinteressado. Se isto, por um lado, nos remete para uma certa dificuldade da D. Palmira em encarar a sua vida de uma forma narrativa e, portanto, em se contar; por outro, o facto de todos os momentos se referirem a momentos de sofrimento e conflito remete para a importância dada a estas temáticas pela visão judaico-cristã, bem como para tom pessimista do relato, influenciador dos momentos escolhidos como nucleares.

Devotando uma atenção mais pormenorizada aos momentos em si, dá-se conta de como todos os quatro episódios se encontram associados a questões envolvendo desígnios de comunhão, relacionados com a procura e manutenção de relações familiares satisfatórias nem sempre atingidas. À luz da sua existência presente, vivendo sozinha no Tojo em condições nem sempre fáceis, a obrigação de ficar junto à mãe, a morte de um dos filhos e a impossibilidade de estar junto do outro, pelo mau relacionamento com a nora aquando da ida para Lisboa, surgem-lhe como responsáveis pela forma como o passado deu origem ao presente.

Assim, apesar do tom de resignação geral emprestado ao relato, nota-se nela um certo descontentamento e revolta. Estes evidenciam-se na constante comparação das dificuldades que atravessou com as que hoje as pessoas enfrentam, bem como, e principalmente, no facto de, depois de uma vida dedicada a temas de comunhão, não poder agora, no fim da mesma, estar junto a filhos e netos e receber o seu suporte. Não havendo um medo evidente da morte, amortecido pelo enredo cultural, que torna também injustificada a preocupação pelo pouco tempo para criar novas significações, parece ainda assim que a D. Palmira não terá atingido com sucesso absoluto a integridade do ego (Erikson, 1971, 1980). Talvez que a roupagem emprestada à identidade pela cultura, por muito agasalhadora que seja, não tenha nunca o tamanho certo da pessoa.

 

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NOTAS

(*)    Este artigo deriva da dissertação de mestrado do primeiro autor (com apresentação e defesa pública em Fevereiro de 2009), orientada pelo segundo autor no ISPA – Instituto Universitário, Lisboa.

(**)   ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal.

(***)  Universidade de Évora, Largo dos Colegiais, 2, 7004-516 Évora, Portugal.

 

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