Cox, K. L. (2021). No common ground. Confederate monuments and the ongoing fight for racial justice. Chapel Hill, EUA: The University of North Carolina Press.
Karen L. Cox é professora na University of North Carolina (UNC), em Charlotte. Publicou, anteriormente, Goat Castle: A True Story of Murder, Race, and the Gothic South (UNC Press, 2017), Dreaming of Dixie: How the South Was Created in American Popular Culture (UNC Press, 2011) e Dixie’s Daughters: The United Daughters of the Confederacy and the Preservation of Confederate Culture (University Press of Florida, 2003).
No common ground. Confederate monuments and the ongoing fight for racial justice (UNC Press, 2021) procura narrar a história de centenas de monumentos confederados, que foram sendo erigidos, nos E.U.A., desde 1865, contextualizando não só a sua origem, mas identificando também as razões que justificam como tais construções, dedicadas à memória de heróis-generais e dos seus feitos, se têm mantido no centro da luta pela supremacia branca, assim como no âmago da luta pelos direitos civis e pela justiça racial (p.8).
Ao intitular a obra No common ground, a autora, Karen L. Cox, acentuou a importância histórica do combate entre aquelas duas visões da América, que têm permanecido irreconciliáveis até aos dias de hoje, e que continuam a alimentar um conflito, cada vez mais radicalizado, entre white and black southerners (p.8).
No common ground. Confederate monuments and the ongoing fight for racial justice (UNC Press, 2021) é constituído por seis capítulos e um epílogo, seguidos de notas e bibliografia. A obra integra 14 imagens, que documentam a inauguração de alguns dos monumentos confederados, campanhas de formação de jovens no âmbito da Lost Cause, assim como momentos históricos associados ao movimento de luta pelos direitos civis.
O capítulo 1, intitulado “Rewriting history in stone”, descreve a tentativa continuada por parte das comunidades brancas do Sul dos E.U.A., the Southern whites (p. 15), de reescrita da história da derrota do Old South durante a Guerra de Secessão (1861-1865).
É no quadro deste longo processo histórico de luta pela afirmação e sobrevivência dos direitos civis, que Karen L. Cox relata o início das sucessivas campanhas de construção, de memoriais e de monumentos, consagrados aos mortos e aos heróis confederados (p. 20), inicialmente em cemitérios e, posteriormente, nos jardins dos tribunais e dos capitólios estaduais, bem como à promoção de um sistema de valores que tinha sido derrotado pela força das armas, durante a Guerra Civil norte-americana.
O capítulo 2, intitulado “From Bereavement to Vindication”, relata como diversas associações femininas lideraram, nos estados do Sul, um movimento de dedicação de pedras tumulares, de memoriais e de monumentos, inicialmente em torno dos conceitos de perda - bereavement - e de memória - remembrance -, mas que evoluíram rapidamente para a defesa dos valores que tinham presidido ao ideário da Secessão.
Com a criação da The United Daughters of Confederacy, o movimento ganhou novo impulso durante a década de 1890, identificando novos pretextos de heroísmo militar com o deflagrar da Primeira Grande Guerra, erigindo em média 20 monumentos por ano. Entre 1910 e 1920, foram inauguradas 205 estátuas (p. 51), a que se somaram 75 monumentos na década de 1920, 76 monumentos na década de 1930 (p. 54) e cerca de 34 novas estátuas nas décadas de 1950 e 1960 (p.71).
Em simultâneo, os E.U.A. eram atravessados por erupções extremas de violência, por múltiplos massacres de motivação racial, por linchamentos individuais e coletivos, pela atuação impune e protegida do Ku Klux Klan, e pela reposição dos mecanismos de segregação racial, por via da acção legislativa estadual - as leis Jim Crow -, e das sucessivas confirmações pelos tribunais estaduais e federais norte-americanos.
Nos capítulos 3 e 4, intitulados respectivamente “Confederate Culture and the Struggle for Civil Rights” e “Monuments and the Battle for First-Class Citizenship” fica bem patente o longo processo por que têm vindo a passar as comunidades afro-americanas, ao longo dos séculos XX e XXI, na sua persistente luta pela (re)consagração dos direitos civis, pela anulação das leis segregacionistas e pela reposição legal da igualdade e justiça raciais.
Naquele contexto, os monumentos construídos no espaço público funcionavam, e funcionam ainda hoje, como poderosos mecanismos ativadores dos valores segregacionistas, mas também como símbolos permanentes de violência cultural, social e política contra uma parte significativa da população, que deveria satisfazer-se com o princípio instituído, mais tarde declarado inconstitucional, de separados mas iguais.
Desde cedo, que a comunidade afro-americana denunciou essa deriva, tendo exposto a construção sistemática de memoriais e monumentos como fazendo parte integrante do movimento supremacista branco (p. 65). Após a Segunda Grande Guerra e durante a Guerra da Coreia, as tensões raciais alcançaram novos extremos nos E.U.A., particularmente nos estados do Sul, e o movimento pelos direitos civis continuou a denunciar a violência simbólica daqueles memoriais e monumentos, frequentemente acompanhados pela bandeira confederada, utilizada como mecanismo adicional de intimidação (p. 91).
No capítulo 5, “Debating Removal in a Changing Political Landscape”, a autora descreve o longo processo de afirmação, ao longo de todo o século XX e também no século XXI, de uma narrativa que expusesse de forma consistente, na esfera pública, as dimensões de violência simbólica atrás referidas, transmitidas pelas bandeiras confederados e por aqueles monumentos, exigindo que os mesmos fossem removidos dos espaços públicos (p. 133).
Trata-se de uma evolução que tem vindo a acompanhar o crescimento do acesso e da participação das comunidades afro-americanas nas dinâmicas socais, em particular com o aumento da presença de afro-descendentes - African American representation (p. 129) - em cargos das administrações municipais, estaduais e federais. Nos anos 1980 e 1990, a imprensa e as universidades amplificaram significativamente este debate, que se materializou, nalguns casos, na inauguração de contra-monumentos - counter monuments -, promovidos tanto pelas comunidades afro-americanas como por sociedades confederadas (p.134), tendo estas últimas avançado com a constituição da Confederate States of America Historical Preservation Society (p. 133).
No capítulo 6, “Charleston, Charlottesville, and Continued Challenges to Removal”, assistimos à exigência crescente e generalizada da remoção de muitos daqueles monumentos. O massacre ocorrido na Emanuel African Methodist Episcopal Church, em Charleston, Carolina do Sul, a 17 de Junho de 2015 (p. 149), veio exacerbar ainda mais a ideia de uma guerra cultural em curso, e reforçar a necessidade de remoção dos símbolos de violência e apelo aos ideais racistas e supremacistas, símbolos que persistiam na paisagem monumental do Sul (p. 151).
A publicação de No common ground, em Abril de 2021, surge num contexto em que se sucedem ações de violência dirigidas contra monumentos localizados em espaços públicos, não só na América do Norte, mas também na Europa. De facto, a fragmentação pós-moderna tem vindo a acentuar a necessidade de muitas comunidades negociarem acertos com a(s) História(s) nacional(ais) e os seus protagonistas. Nesse sentido, um fenómeno mimético e acelerado contra os monumentos tem percorrido o mundo globalizado, materializando-se, contudo, em torno de distintas circunstâncias, protagonistas e reivindicações.
Acontece que essas ações partilham entre si uma inflamada vontade de reposição de justiça à margem das instituições, como resposta urgente e inadiável a múltiplas tensões sociais e culturais, enquanto identificam memoriais e monumentos como símbolos poderosos das múltiplas agressões históricas que pretendem abolir e reparar, legitimando assim a violência contra a violência.
Neste contexto, serão necessários novos instrumentos bem como renovados compromissos culturais e políticos que permitam a construção de modelos de governança que atenuem não só o proclamado White Fear e os temores de uma generalizada Cancel Culture, mas também que canalizem e enquadrem a mensagem justicialista da Woke Agenda e o discurso radicalmente igualitário da Critical Race Theory.