Introdução
As sociedades do mundo moderno, sujeitas aos efeitos provocados pelas novas tecnologias, têm assistido a mudanças comportamentais que requerem repensar os valores e as regras comportamentais, para as quais se requerem novos quadros interpretativos e normativos. Tal facto exige uma renovação da agenda para as ciências Humanas e Sociais e de uma forma particular da Psicologia.
Esta constatação não é nova. De alguns anos a esta parte, a American Psychological Association (APA) tem vindo a alertar para que os profissionais na área da saúde mental se atualizem, tanto nas suas formas de intervenção como na adoção dos novos instrumentos disponíveis no mercado. Está subentendido que tudo isto implica que se abram novas linhas de investigação, para se aprofundar o conhecimento sobre as dimensões e domínios que implicam a relação Humanos e Tecnologias e quais os eventuais benefícios e malefícios para a saúde.
Quanto aos benefícios da tecnologia para a saúde, há aspetos que são inquestionáveis, nomeadamente no que se refere aos ganhos que se fazem sentir na prática da medicina, quer nos diagnósticos quer nas intervenções terapêuticas. Mas se é verdade que estes benefícios são evidentes na “saúde física”, o mesmo não pode ser dito na “saúde mental”. Mais do que nunca sabemos que a vida humana vai para além do que nos dizem ser saúde. Importa, sim, compreender como as novas tecnologias afectam as vidas das pessoas nos contextos relacionais do dia-a-dia. É neste tipo de contexto que escasseia a investigação científica e alternativas práticas em múltiplos contextos, como é o caso da disseminação do conhecimento adquirido.
Aquilo que deveria ser uma preocupação central da Psicologia parece ter sido ignorado por esta e abordado de forma sistemática por outras áreas científicas como as da engenharia e informática. Mas esta não é uma atitude nova por parte da Psicologia. O mesmo já aconteceu na área da psicologia do desporto e na psicologia do exercício e saúde. A primeira rapidamente integrada como área de especialização em psiquiatria e a outra pelo movimento que cresce com a designação de “medicina dos estilos de vida”.
A American Psychological Association está estruturada (ou reconhece) 56 áreas de especialização, a que dá a designação de divisões, que por motivos de fusão, na realidade, são 53. Infelizmente, quando olhamos às ofertas educativas nos países lusófonos, os estudantes deparam-se com um leque de escolhas particularmente reduzido, quase meia dúzia, onde há maior oferta. Mas isto não resulta da falta de interesse por parte das novas gerações de estudantes, mas sim, em grande parte, da ignorância e resistência ao novo que tipifica toda uma geração de agentes educativos (professores e investigadores) que ainda desempenham funções onde lhes é possível influenciar decisões em nada coerentes com os tempos que correm. Um bom exemplo do que nos referimos aqui pode ser encontrado em Portugal onde as comissões de avaliação de cursos intervêm no sentido de reduzir o leque de oferta educativa a um número muito reduzido fazendo com que na prática todas as instituições de ensino superior ofereçam os mesmos cursos. Mas a ignorância toma forma quando se recomenda fechar cursos de Psicologia do Exercício e da Saúde (divisão 47 da APA) por que não são psicologia mas sim das ciências do desporto, quando se sabe que desde Pinnel (pai da psiquiatria, século 18) se recomenda a atividade física como complemento terapêutico. Isto é mais de 100 anos de ter nascido a Psicologia.
Os efeitos nefastos destas atitudes e deliberações acabam por ter um preço elevado para a sociedade em geral, na medida em que se continua a formar psicólogos em áreas para as quais o mercado de trabalho, vai para muito, esgotou a capacidade para absorver novos profissionais. Entretanto há uma escassez de psicólogos com formação que lhes possibilite intervir nas áreas emergentes, de que são exemplo as novas tecnologias, em particular aquelas que se dedicam ao desenvolvimento de produtos alicerçados na relação entre Homem e Máquina. Atualmente as áreas tecnológicas buscam pelo conhecimento da psicologia para poderem desenvolver produtos mais satisfatórios para as rotinas diárias das pessoas. Isto implica que a formação que atualmente se faz nas instituições de ensino superior deverá ser repensada de forma a preparar os futuros técnicos e investigadores a saberem trabalhar em equipa. Ainda é muito reduzido o número de psicólogos que integra equipas de investigação na área das tecnologias mas finalmente vão surgindo, graças à busca e aos incentivos (leia-se convites) que são feitos pelos pesquisadores da área das tecnologias.
Mas as resistências levantadas pela comunidade científica não se ficam por estas a que já nos referimos. Felizmente, as novas gerações de técnicos e pesquisadores teimam em estudar e compreender o mundo em que vivem e não se rendem a uma visão retrógrada sustentada por teorias que foram capazes de explicar um mundo que já não existe. Esta resistência tem eco na dificuldade de verem os seus trabalhos publicados em periódicos científicos que se vão constituindo como os guardiões da reprodução do desatualizado.
Renovar os quadros teóricos é algo de urgente nos tempos que correm. Melhor do que ninguém serão as novas gerações de psicólogos e pesquisadores das novas tecnologias que com base nas suas vivências irão propor novas formas de ver e interpretar o mundo. Acontece que esta geração depara-se com revisores e editores que não dispõem de tempo suficiente para refletir sobre as novas propostas, limitando-se a darem pareceres assentes em corpos teóricos ou suposições que nos tempos que correm dificilmente encontram eco na realidade. Este aspecto está também associado ao facto de que o sistema de revisão por pares está a dar sinais preocupantes quanto à sua eficácia e funcionalidade.
Somos da opinião que chegou o momento de se reinventar a forma como o conhecimento é disseminado. A divulgação do saber foi apoderada pelos grandes interesses financeiros. Hoje quem produz o conhecimento fá-lo na maior das adversidades. Fazer investigação acarreta despesas que, na vastíssima das vezes, são suportadas pelos próprios pesquisadores. Para além disto, são eles que têm de suportar os custos inerentes ao processo editorial que leva à publicação. Os fundos para a investigação científica escasseiam, mas, em muito, aumentam as exigências para que quem lecciona e faz pesquisa publique em determinadas fontes de indexação, deixando transparecer, de forma clara, que o que está em jogo são acordos decariz financeiro e nunca o direito do cidadão em divulgar e em ser informado sobre os avanços científicos. Exemplo do que aqui afirmamos é caso da relação contratual entre a União Europeia e a SCOPUS. A não adesão a estas práticas põe em causa o emprego dos pesquisadores. Também falta financiamento às instituições de ensino superior, o que as impede de apoiar os seus docentes e investigadores, por um lado, mas, no entanto não deixam de agir como agentes repressores. Por outro lado, os gestores das Instituições do Ensino Superior não deixam de se constituírem como os agentes executores da descaracterização profissional imposta ao professores, e a quem tudo é pedido e a quem praticamente nada é dado. Na prática ninguém dá dinheiro para que se faça investigação, mas para avaliar os docentes e investigadores privilegiam-se as publicações feitas naquelas bases onde os pesquisadores não podem publicar como gostariam, por falta de capacidade financeira: quer seja por falta de financiamento ou por que os seus salários não lhes permite esse gasto. Mais, para que se possam fazer as publicações ao ritmo que é imposto, a componente ensino é drasticamente desvalorizada fazendo com que em alguns casos o ensino superior possa ser percepcionado como uma fraude intelectual e a que os responsáveis, conhecendo a situação, parece não quererem dar solução.
É neste quadro que julgamos que um dos caminhos possíveis para o futuro, no que se refere à divulgação dos novos saberes, é a criação de meios próprios, devidamente inscritos naquelas bases em que, para já, é notório a prestação de um serviço que efetivamente, e de forma justa, serve a comunidade científica como é o caso da CrossRef e a Cite-Factor.org. O PsychTech & Health Journal no seu compromisso perante o rigor científico aceite pela comunidade científica propõe-se a ser pioneiro nesta nova visão para a disseminação do conhecimento. Para o efeito acarinha e intervém de forma pedagógica, para preparar e consolidar a formação das novas gerações de pesquisadores. Estamos conscientes que este será um percurso difícil e que muitas pedras nos serão lançadas ao longo desta caminhada. Mas tal como o fizemos em múltiplas outras circunstâncias ao longa da vida, mais uma vez assumimos os riscos associados a esta proposta, nomeadamente no que se refere às resistências para nos inserirem em algumas bases de indexação em pé de igualdade com os restantes periódicos.