INTRODUÇÃO
A definição de riscos psicossociais não é consensual. Os conceitos por vezes são amplos, consideram dimensões de conteúdos e contextos de trabalho, com potenciais impactos físicos, sociais e psicológicos nos indivíduos1.
A evidência empírica sugere que a exposição a riscos psicossociais, ou mesmo só a sua perceção, está associada à deterioração da saúde emocional e física dos trabalhadores, provocando aumento dos níveis de desmotivação, stresse, depressão e outras questões de saúde1,2,3,4,5. Há ainda evidência acumulada de que a exposição a riscos psicossociais potencia o aumento de acidentes de trabalho, absentismo, deterioração do ambiente social no trabalho e aumento da conflitualidade, assim como contribuiu para o decréscimo da produtividade e qualidade do trabalho2,3,4,5. Por exemplo, estima-se que em 2013, o custo anual associado à prevalência de depressão relacionada com o trabalho, atingiu os 617 mil milhões de euros na União Europeia (UE)6.
Há um consenso razoável na literatura sobre os fatores de riscos psicossociais mais relevantes2,3 ,4,5. Os riscos psicossociais estão principalmente associados às exigências físicas e emocionais do trabalho7,8 em combinação com o nível de controle e de tomada decisão8,9, falta de apoio social10, desequilíbrio entre o esforço e recompensas11 e à perceção de injustiças12. Outros fatores, como a insegurança laboral, estilo de liderança, clima organizacional14, exposição a ameaças/ violência15 e a dificuldade de conciliar o trabalho com a vida familiar16 têm sido também associados. As rápidas e profundas alterações nos conteúdos e nas relações de trabalho, podem fazer emergir novos riscos2,3.
A avaliação e a gestão dos riscos psicossociais estão entre as obrigações dos empregadores da UE (Diretiva 89/391/EEC) mas, apesar do crescente esforço regulamentar, uma elevada percentagem de trabalhadores continua exposta a riscos psicossociais17,18. Em Portugal, quase 60% dos trabalhadores considera que casos de stresse no seu local de trabalho são comuns (versus 51% na UE). Os trabalhadores portugueses percecionam, no entanto, em média, melhor capacidade de as empresas gerirem os problemas, do que a média dos seus congéneres da UE (63% versus 54% na UE). As perceções dos trabalhadores da indústria são semelhantes aos trabalhadores em geral18.
Num contexto de má qualidade do trabalho19, os responsáveis das empresas portuguesas tendem a desvalorizar a incidência de riscos psicossociais, embora a maioria (68%) reconheça que os trabalhadores estão sujeitos à “pressão do tempo”. Os responsáveis consideram ter informação sobre como lidar com riscos psicossociais, mas notam a falta de informação sobre como os identificar e avaliar (56.7% no total; 54.3% na Indústria)17 e referem a ausência de planos para os prevenir (80% no total; 85% na Indústria). Estas questões cruzam de forma muito direta com a gestão de recursos humanos praticada nas organizações e realçam o enorme gap entre a importância dada aos trabalhadores em termos de retórica e a prática.
O presente estudo tem como objetivo avaliar os riscos psicossociais a que estão expostos os trabalhadores de uma empresa de cablagem em Portugal. O estudo, pretende contribuir para o conhecimento da realidade portuguesa do setor industrial que, apesar de ser particularmente vulnerável a riscos psicossociais4, é ainda pouco estudado.
A empresa, onde se desenvolveu o estudo tem duas categorias de trabalhadores: os trabalhadores afetos à produção (diretos) e os inseridos aos restantes departamentos (indiretos). Grande parte do trabalho dos colaboradores diretos caracteriza-se por ser repetitivo, envolvendo dedos, punhos, ombros, bem como torção e flexão da coluna dorso lombar. Os trabalhadores estão expostos a ruído, agentes químicos, riscos mecânicos (cortes, queimaduras), assim como à pressão do trabalho em linhas de produção. Adicionalmente, o trabalho na linha de produção é organizado por turnos. A evidência mostra efeitos negativos na saúde e no bem-estar associados a trabalho repetitivo4,20, riscos mecânicos3, más posturas3,4, trabalho por turnos3,4,21, em ambientes ruidosos3 e a exposição a químicos
MÉTODOS
Instrumento de recolha de dados
O instrumento de recolha de dados primários foi o Copenhagen Psychosocial Questionnaire (COPSOQ II)22. O COPSOQ II segue uma abordagem multidimensional dos riscos, combinando elementos de diferentes abordagens teóricas e tem sido validado e aplicado em diferentes países, incluindo Portugal23. Para a realização deste estudo foi escolhida a versão curta do questionário, desenvolvida para ser utilizado, sem a necessidade de apoio de consultores profissionais (Figura 1).
O COPSOQ II avalia riscos relacionados com diferentes dimensões relevantes: “Exigências laborais”; “Organização do Trabalho e Conteúdos”, “Relações Pessoais e Liderança”; “Interface Trabalho-Família”, “Valores no Local de Trabalho”, “Comportamentos Ofensivos” e “Personalidade”. Os resultados da “Saúde e Bem-estar”, incluem a avaliação do nível de Stresse e Esgotamento, Sintomas Depressivos, Problemas em Dormir e Estado geral de Saúde. Os itens são classificados de acordo com escalas tipo Likert. A escala para as subdimensões do “Interface Indivíduo/ Trabalho”; “Significado do trabalho” e “Compromisso do trabalho” é 1-Nunca/ quase nunca; 2-Raramente; 3-Às vezes; 4-Frequentemente; 5-Sempre. As restantes subdimensões são avaliados numa escala de 1-Nada/ quase nada; 2-Um pouco; 3-Moderadamente; 4-Muito; 5-Extremamente. O estado geral de saúde é reportado numa escala de 1 (excelente) a 5 (deficitária). O questionário incluiu ainda questões para caracterização demográfica e profissional dos trabalhadores.
Os questionários foram distribuídos entre 16 e 30 de outubro de 2015, a todos os trabalhadores da empresa. Estes foram informados da natureza e dos objetivos do estudo e foi-lhes assegurado que os dados seriam usados exclusivamente pelos investigadores na realização do estudo, que a participação seria voluntária e que em nenhum momento seriam pedidos dados que permitissem identificar o respondente; aliás, uma vez iniciado o preenchimento do questionário, quem desejasse poderia desistir, bastando para tal não o devolver. Foi também dada a possibilidade de tirar dúvidas com os investigadores em relação ao questionário. Quanto aos trabalhadores indiretos, o questionário foi-lhes enviado por correio eletrónico. De acordo com as instruções recebidas, os trabalhadores colocaram os questionários de forma voluntária e anónima nas caixas de sugestões disponíveis na empresa. Não foi elaborado um pedido de consentimento por escrito para cada trabalhador.
Análise estatística
A análise estatística dos dados é meramente descritiva.
Na análise da consistência interna, considerou-se o coeficiente Alfa de Cronbach de 0,60, como o valor mínimo para considerar a consistência interna das escalas aceitável24. Para cada dimensão/ subdimensão, calculou-se a média e o desvio-padrão da escala correspondente. Na análise semáforo, a amplitude do intervalo da cada escala foi dividida em três partes iguais, com pontos de corte de 2.33 e 3.66, permitindo interpretação em “semáforo”, em que o verde identifica uma situação favorável, amarelo uma situação intermédia e vermelho situação de risco para a saúde23. Nas dimensões com apenas um item, considerou-se os pontos de corte de 2 e 4.
A magnitude das associações entre os resultados de saúde e a exposição (ou a perceção de) a riscos psicossociais, foram determinadas pelo cálculo de risco relativo (RR). O RR indica quantas vezes a ocorrência de riscos de Saúde e Bem-estar é maior entre os trabalhadores expostos a riscos psicossociais do que entre os que não estão expostos. Sempre que relevante para a discussão, apresenta-se também o RR ajustado, para o sexo e para o tipo de trabalhador (RRa).
Na análise de dados, usou-se o pacote estatístico Stata14®.
RESULTADOS
Características socioeconómicas e profissionais
A maioria dos trabalhadores (respondentes) é do sexo feminino (63%) na faixa etária dos 26 aos 45 anos (61,3%). O nível de escolaridade é baixo, sendo que metade dos trabalhadores não completou o ensino secundário e apenas 7% tem curso superior. Os trabalhadores diretos representam 77% dos trabalhadores, 68% dos quais são mulheres (versus 55% entre os trabalhadores indiretos). Em média, os trabalhadores diretos, assim como as trabalhadoras, são mais novos e têm menor nível de escolaridade.
Análise das escalas
Os resultados da análise da consistência das escalas, em cada dimensão, estão apresentados na Tabela 1. O Alfa de Cronbach das escalas COPSOQ II está acima de 0.6, com exceção da dimensão Exigências Cognitivas. Por este motivo, os itens são analisados individualmente.
Os trabalhadores reportam exposição, em média, a 4.5 fatores de risco psicossociais [Min= 1 e Max=12, Mediana=4]. Cerca de 43% dos trabalhadores não reporta risco de Saúde e Bem-estar. Os restantes reportam, em média, risco em duas subdimensões.
Dimensões/Subdimensões | Questões | Alfa de Cronbach | Média | Desvio Padrão |
---|---|---|---|---|
Exigências Laborais | ||||
Exigências quantitativas | 1, 2 | 0.72 | 2,98 | 0,87 |
Ritmo de trabalho | 3 | * | 4,00 | 0,94 |
Exigências cognitivas | 4, 5 | 0.15 | ||
Atenção | 4 | 4,75 | 0,59 | |
Decisões difíceis | 5 | 2,99 | 1,10 | |
Exigências emocionais | 6 | * | 3,40 | 1,14 |
Organização do Trabalho e Conteúdos | ||||
Influência no trabalho | 7 | * | 3,69 | 1,08 |
Possibilidades de desenvolvimento | 8, 9 | 0.60 | 3,84 | 0,80 |
Significado do trabalho | 24, 25 | 0.74 | 4,18 | 0,69 |
Compromisso face ao local do trabalho | 26 | * | 3,81 | 0,95 |
Relações Sociais e Liderança | ||||
Previsibilidade | 10, 11 | 0.60 | 3,48 | 0,81 |
Transparência do papel laboral desempenhado | 12 | * | 4,67 | 0,59 |
Recompensas (Reconhecimento) | 13, 14 | 0.69 | 3,33 | 0,88 |
Apoio social de superiores | 15 | * | 3,48 | 1,02 |
Qualidade da liderança | 17, 18 | 0.64 | 3,48 | 0,73 |
Interface Trabalho-Indivíduo | ||||
Satisfação laboral | 27 | * | 3,59 | 0,81 |
Insegurança laboral | 28 | * | 4,09 | 1,185 |
Conflito trabalho/família | 30, 31 | 0.83 | 3,14 | 0,90 |
Valores no Local de Trabalho | ||||
Comunidade social no trabalho | 16 | * | 3,89 | 0,88 |
Confiança Vertical | 19, 20 | 0.61 | 4,12 | 0,65 |
Justiça e respeito | 21, 22 | 0.70 | 3,08 | 0,79 |
Personalidade: Autoeficácia | 23 | * | 3,94 | 0,76 |
Saúde e Bem-Estar | ||||
Saúde geral | 29 | * | 2,74 | 0,96 |
Problemas em dormir | 32 | * | 2,95 | 1,13 |
Esgotamento | 33, 34 | 0.81 | 3,11 | 0,94 |
Stress | 35, 36 | 0.74 | 2,89 | 0,90 |
Sintomas depressivos | 37 | * | 2,59 | 1,10 |
Comportamentos Ofensivos | 38, 39, 40, 41 | 0.63 | 1,17 | 0,36 |
A tabela 1 apresenta ainda os valores médios das diferentes escalas. Atenção, Insegurança Laboral e Ritmo de Trabalho apresentam os riscos mais elevados. Os trabalhadores têm uma perceção favorável nas dimensões Comportamentos Ofensivos, Organização do Trabalho e Conteúdos e Autoeficácia. A perceção da Transparência do Papel Laboral e a Relação com os Superiores e Colegas é igualmente favorável. No entanto, as dimensões de Apoio Social dos Superiores e de Justiça e Respeito apresentam situações de risco intermédio. Os valores médios obtidos para as dimensões/ subdimensões em análise são, em geral, próximos dos reportados para o setor industrial em Portugal23.
Análise Semáforo
O Gráfico 1 apresenta a distribuição da perceção de risco dos trabalhadores, de acordo com a análise semáforo.
A maioria dos trabalhadores reporta níveis de satisfação (56%) e de compromisso com o trabalho favoráveis (65,4%). Cerca de 80% dos trabalhadores atribui significado elevado ao trabalho. Os fatores de risco estão associados a Exigências Laborais, em particular Ritmo e Atenção e Exigências Emocionais. Quase todos os trabalhadores (97%) reportam níveis de risco na Atenção e 69% no Ritmo de Trabalho. Aproximadamente metade (48%) dos trabalhadores reporta exposição a riscos de Exigências Emocionais. A perceção de insegurança laboral é elevada; 73% dos trabalhadores reporta ter frequentemente ou sempre a preocupação de perder o emprego. Cerca de 25% dos trabalhadores indica ter dificuldades em compatibilizar o trabalho com a vida familiar em níveis de risco. Uma minoria dos trabalhadores reporta níveis de riscos na Possibilidade de Desenvolvimento (2.3%) e na Influência no Trabalho (12.7%).
Os resultados sugerem variações relevantes na exposição (perceção) de riscos entre os trabalhadores. Os trabalhadores diretos reportam com mais frequência exposição a fatores de riscos psicossociais. Em particular, as Exigências Laborais afetam sobretudo os trabalhadores diretos que reportam mais frequentemente Exigências Quantitativas (RR:2.2) e de Ritmo de Trabalho (RR:1.4). Os trabalhadores diretos, por seu lado, estão mais expostos a risco nas subdimensões de Influência no Trabalho (RR: 2.6), Compromisso (RR: 2.2), Apoio dos superiores (RR: 2.5), Comunidade social no trabalho (RR: 2.2) e Insegurança laboral (RR: 1.3).
As Exigências Cognitivas, embora com níveis médios de risco pouco expressivos, são percecionadas desproporcionalmente pelos trabalhadores indiretos. Aproximadamente 54% percecionam risco de Decisões Difíceis o que compara com 24% dos trabalhadores diretos (RR: 2.27).
As diferenças de exposição (perceção) a riscos entre sexos é, em geral, pequena após se ajustar para as diferenças ente os grupos profissionais (RRa). As trabalhadoras reportam, no entanto, maior exposição a fatores de risco nas subdimensões de Autoeficácia (RR:2.71; RRa:2.16), Influência no Trabalho (RR:1.80; RRa:1.58), Exigências Emocionais (RR:1.45; RRa:1.47), Apoio de Superiores (RR:1.50; RRa:1.35), Justiça e Respeito (RR:1.46; RRa:1.16) e menor nas subdimensões de Compromisso (RR:0.62; RRa:0.54) e Recompensas (RR:0.99; RRa: 0.79).
Dimensão “Saúde e bem-estar”
A tabela 2 reporta o coeficiente de correlação linear entre a exposição ao risco nas diferentes subdimensões de Saúde e Bem-estar. Embora as correlações sejam, como esperado, positivas, a associação é fraca ou moderada (Tabela 2), o que indica que as subdimensões capturam diferentes aspetos da Saúde e Bem-estar dos trabalhadores.
Saúde geral | Problemas em dormir | Esgotamento | Stress | |
---|---|---|---|---|
Saúde geral | ||||
Problemas em dormir | 0.262 | |||
Esgotamento | 0.172 | 0.319 | ||
Stress | 0.178 | 0.303 | 0.490 | |
Sintomas depressivos | 0.260 | 0.306 | 0.449 | 0.446 |
Relativamente à Saúde e Bem-estar, o nível de risco reportado, nas diferentes subdimensões é em geral, intermédio. Os resultados sugerem, no entanto, debilidade na saúde e bem-estar: são reportados problemas frequentes ou constantes em dormir (34.4%), esgotamento (28.5%), depressão (20.1%) e de stresse (18.2%). Cerca de um em cada quatro dos trabalhadores (23.5%), classifica o seu estado de saúde geral como razoável ou deficitário. Os do sexo feminino e os diretos, reportam mais frequentemente situações de risco em todas as subdimensões de Saúde e Bem-estar. Aproximadamente 34% das trabalhadoras classifica o seu estado saúde geral como deficitário ou satisfatório, o que compara com apenas 5.8% entre os seus colegas (RR:5.8) (Gráfico 2).
A tabela 3 apresenta os RR da exposição (perceção) a riscos psicossociais, nas dimensões de Saúde e Bem-estar. Os resultados mostram que, em média, os trabalhadores que reportam riscos psicossociais, assinalam mais frequentemente riscos de Saúde e Bem-estar. O resultado é transversal a todas as subdimensões, mas o Stresse e Sintomas Depressivos estão particularmente associados à exposição a riscos psicossociais.
Dimensões | Dormir | Esgotamento | Stress | Sintomas depressivos | Saúde geral |
---|---|---|---|---|---|
Exigências Laborais | |||||
Exigências quantitativas | 1.827 | 2.915 | 3.050 | 3.011 | 1.827 |
Ritmo de trabalho | 1.693 | 3.174 | 2.773 | 2.516 | 1.355 |
Exigências cognitivas | |||||
Atenção | 4.175 | 1.126 | 2.430 | 2.688 | 1.549 |
Decisões difíceis | 1.617 | 0.990 | 1.554 | 1.448 | 0.933 |
Exigências emocionais | 2.261 | 2.006 | 2.866 | 1.834 | 1.839 |
Organização do Trabalho e Conteúdos | |||||
Influência no trabalho | 0.994 | 0.860 | 0.420 | 0.911 | 1.018 |
Possibilidades de desenvolvimento | 0.964 | 0.772 | 1.237 | 1.689 | 1.529 |
Significado do trabalho | 0.969 | - | - | - | 0 |
Compromisso face ao local do trabalho | 0.763 | 0.961 | 0.473 | 0.887 | 0.498 |
Relações Sociais e Liderança | |||||
Previsibilidade | 1.506 | 1.673 | 2.548 | 3.346 | 1.385 |
Transparência do papel laboral desempenhado | - | - | - | - | - |
Recompensas (Reconhecimento) | 1.832 | 2.641 | 3.583 | 3.728 | 1.280 |
Apoio social de superiores | 1.269 | 2.381 | 2.377 | 2.381 | 1.829 |
Qualidade da liderança | 1.441 | 2.720 | 4.050 | 3.991 | 1.940 |
Interface Trabalho-Indivíduo | |||||
Satisfação laboral | 1.734 | 2.315 | 3.164 | 2.315 | 2.015 |
Insegurança laboral | 1.595 | 0.986 | 0.857 | 0.985 | 1.292 |
Conflito trabalho/família | 2.461 | 4.046 | 4.632 | 3.343 | 1.347 |
Valores no Local de Trabalho | |||||
Comunidade social no trabalho | 1.501 | 1.942 | 2.416 | 1.059 | 2.422 |
Confiança Vertical | - | - | - | - | - |
Justiça e respeito | 1.322 | 2.271 | 3.000 | 3.130 | 1.320 |
Personalidade: Autoeficácia | 1.899 | 2.000 | 3.899 | 3.974 | 2.882 |
Comportamentos Ofensivos | - | - | - | - | - |
Os trabalhadores que percecionam riscos no Ritmo do Trabalho reportam 3.2 vezes mais níveis de risco de esgotamento, 2.8 vezes mais níveis de risco de stresse e 2.5 vezes mais níveis risco de depressão. De igual modo, os trabalhadores que reportam risco na Atenção, reportam 4.2 vezes mais Problemas em Dormir, 2.4 vezes mais níveis de risco de Stresse e 2.7 vezes mais níveis de riscos de Depressão. Os que reportam menor Influência de trabalho, reportam, em média, melhores níveis de Saúde e Bem-estar.
A exposição (perceção) a risco elevado nas Recompensas está associada a maior prevalência de níveis de risco, em particular de Stresse (RR:3.4) e Sintomas Depressivos (RR:3.7). De igual modo, os que reportam risco elevado nas dimensões de Qualidade da Liderança, Conflito Trabalho/ Família e Autoeficácia e Satisfação Laboral reportam mais frequentemente níveis de risco de Stresse, Esgotamento e Sintomas Depressivos.
O estado geral de Saúde, parece particularmente afetado por baixos níveis de Autoeficácia (RR: 2.9), baixo sentimento de Comunidade Social (RR:2.4) e baixa Satisfação Laboral (RR:2.0). A Insegurança Laboral tem um impacto misto na Saúde e Bem-estar. Os trabalhadores que percecionam maior Insegurança Laboral, não reportam mais frequentemente níveis de risco de stresse, esgotamento e sintomas depressivos, mas apresentam maior frequência de problemas persistentes em dormir (RR:1.6) e estado geral de saúde mais débil (RR:1.3). A exposição a níveis de riscos de Organização do Trabalho e Conteúdos tem uma associação fraca com riscos de Saúde e Bem-estar.
Os riscos relativos na Saúde e Bem-estar, associados à exposição a riscos psicossociais são, em geral, superiores entre os homens, em particular o impacto da exposição (perceção) a riscos laborais e exigências cognitivas nos sintomas de Stresse. As diferenças de género no excesso de risco na saúde geral são menores e os resultados mais difíceis de generalizar.
DISCUSSÃO
Os resultados indicam que, as subdimensões de Saúde e Bem-estar, apesar de relacionadas, capturam diferentes aspetos da saúde e bem-estar dos trabalhadores. Na literatura encontram-se resultados semelhantes3. As políticas que visam diminuir os riscos psicossociais devem assim ser entendidas num contexto amplo da política de saúde e bem-estar na empresa.
Em média, os trabalhadores diretos e os do sexo feminino reportam níveis de Saúde e Bem-estar menos favoráveis. Estes resultados são esperados com base na literatura3,4. Os trabalhadores diretos percecionam também, em média, maior exposição a fatores de riscos psicossociais. Do mesmo modo, as trabalhadoras reportam mais frequentemente exposição a riscos psicossociais, apesar das diferenças serem, em geral, menores do que as encontradas em outros estudos25. Por outro lado, o excesso de risco por exposição (perceção) a riscos psicossociais, tende a ser menor entre as trabalhadoras, em particular o excesso de risco de Stress. Na literatura9,25 os resultados sugerem não existir diferenças de género em relação à exposição a riscos psicossociais no trabalho.
A variação na exposição (perceção) a riscos e no seu impacto na saúde e bem-estar, indica que os programas de gestão dos riscos psicossociais, devem ter em conta a heterogeneidade das características e das expectativas dos trabalhadores.
Os resultados permitem identificar dois grupos de fatores risco particularmente relevantes. O primeiro grupo inclui riscos, associados à natureza e conteúdos do trabalho, percecionados por uma grande percentagem de trabalhadores e com forte impacto na sua Saúde e Bem-estar. Incluem-se, neste grupo, os fatores relacionados com as Exigências Laborais e Cognitivas.
De acordo com o modelo Esforço-Controle8 as exigências laborais, combinadas com a falta de Influência no Trabalho são principais fatores de risco para a Saúde e Bem-estar dos trabalhadores. Os resultados não suportam, no entanto, a hipótese de que a baixa influência no Trabalho reforce o impacto negativo das Exigências Laborais e Cognitivas, nos resultados de Saúde e Bem-estar, como previsto modelo Esforço-Controle8.
O segundo grupo, inclui riscos mais vinculados à organização do trabalho e às relações interpessoais, que embora percecionados por uma percentagem pequena de trabalhadores, têm forte impacto na saúde e bem-estar, em particular nos níveis de Stresse e Depressão. Incluem-se os riscos relacionados com Relações Sociais e Liderança, Qualidade de Liderança, Recompensas, Conflito Trabalho/ Família e Autoeficácia. Estes resultados convergem para as principais conclusões na literatura. Há evidência acumulada de que a dificuldade de conciliar o trabalho com a vida familiar, está associada ao aumento de stresse e de esgotamento nos trabalhadores16. A literatura nota também o papel da liderança e do suporte social na satisfação, bem-estar e saúde do trabalhador26. Tal como sugerido no modelo de Esforço - Recompensa11, os resultados indicam que o desequilíbrio entre o esforço e as recompensas está associado à deterioração da saúde e do bem-estar dos trabalhadores. Estes fatores exigem compromisso da empresa para a melhoria do ambiente de trabalho, formação dos dirigentes e preocupação com a saúde dos trabalhadores, que vai além dos aspetos usualmente cobertos pela regulação.
Contrariamente a resultados prévios na literatura8,9,20 neste estudo, a perceção de risco na Organização do Trabalho e Conteúdos é reduzida e o impacto na Saúde e Bem-estar dos trabalhadores é misto. Os resultados indicam mesmo, que baixos níveis de compromisso do trabalhador e influência no trabalho estão associados com melhor Saúde e Bem-estar. Os trabalhadores reportam ainda risco elevado de Insegurança Laboral, mas o impacto na saúde dos trabalhadores é menor do que o sugerido na literatura5,27.
No estudo não são exploradas as potenciais relações entre os diferentes riscos de saúde. A literatura tem, no entanto, estalecido a causalidade das relações entre más condições de trabalho e a saúde e bem-estar dos trabalhadores, diretas ou mediadas pela experiência de stresse3.
CONCLUSÕES
Apesar da vasta literatura sobre a natureza e as consequências dos riscos psicossociais no trabalho, os estudos continuam relevantes, num contexto de rápidas transformações sociais, económicas e tecnológicas.
Usando um instrumento de avaliação dos riscos psicossociais amplamente validado, o presente estudo pretende contribuir para o conhecimento da realidade do setor industrial em Portugal que, apesar de particularmente vulnerável a riscos psicossociais, é ainda pouco estudado. Esta abordagem é meritória para o desenho e implementação de estratégias integradas de gestão dos riscos psicossociais nas empresas e permite evidenciar a complexa interação entre os fatores de risco e as características e expectativas dos trabalhadores.
O estudo suporta a relação entre a exposição (perceção) a um ambiente de trabalho psicossocial adverso e a (perceção) deterioração da saúde e bem-estar dos trabalhadores.
O estudo realça a necessidade de uma abordagem multidimensional à avaliação e à gestão dos riscos psicossociais, para facilitar a intervenção mais orientada para os diferentes fatores de riscos e para diferentes grupos de trabalhadores. As políticas que visam diminuir os riscos psicossociais devem assim ser entendidas num contexto da política geral de promoção da saúde e bem-estar dos trabalhadores.
Importa referir, que os resultados do estudo não são facilmente extrapoláveis, devendo por isso as generalizações para outros contextos laborais, serem cautelosas. Adicionalmente, o estudo apenas nos permite argumentar sobre a evidência de associações entre os riscos elevados e a saúde e bem-estar dos trabalhadores, não sendo possível ajuizar sobre a causalidade destas relações.