Introdução

O bem-estar tem sido objeto de análise em diversos contextos, incluindo o ambiente laboral, onde é amplamente reconhecido como um elemento central da experiência de vida de um indivíduo. Para além de constituir uma fonte de subsistência, o trabalho ocupa, em média, cerca de um terço da vida de uma pessoa (^{Carvalho, 2021}). Este conceito reflete a perceção subjetiva de bem-estar, que é influenciada pelas representações intrapessoais e pelos estados emocionais do indivíduo. Encontra-se intimamente associado à saúde mental positiva, sendo resultado do equilíbrio entre corpo, família, comunidade e cultura. Ademais, o bem-estar está relacionado com experiências pessoais, autorrealização e a atribuição de sentido à vida (^{Teixeira et al., 2022}).

O bem-estar no trabalho considera o funcionamento saudável dos indivíduos no seu local de trabalho, mas nem sempre o ambiente laboral proporciona satisfação, realização e felicidade, podendo ser a causa de exaustão física e psicológica. Atualmente, vários profissionais são vítimas das exigências impostas a nível laboral, como por exemplo, as efetuadas pelas instituições relativamente ao cumprimento de prazos, que condicionam a saúde mental e o bem-estar destes (^{Carvalho, 2021}).

Os docentes não são exceção e têm enfrentado um aumento de pressão e incerteza, provocado pela elevada carga de trabalho, sem esquecer as expetativas relativamente ao seu desempenho, que podem ter um impacto negativo no seu bem-estar geral (^{Gast et al., 2022}).

Nos dados obtidos do Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal, é revelado que 76,4% dos professores portugueses apresentam sinais de esgotamento emocional, onde 20,6% apresentam sinais preocupantes de esgotamento emocional, 15,6% têm sinais críticos de esgotamento emocional e 11,6% estão em esgotamento emocional pronunciado (^{Varela et al., 2020}).

Podemos afirmar que os docentes constituem o núcleo das instituições universitárias, assumindo tarefas do tipo académico, contribuem para o desenvolvimento da universidade e deixam a sua marca nos estudantes. Desempenham um papel central no crescimento da instituição, sendo fundamental considerar os fatores que contribuem para a satisfação destes profissionais (^{Larson et al., 2019}). A literatura identifica vários fatores que concorrem para o comprometimento das funções de docência. Destaca-se o stress, o burnout, satisfação no trabalho, mobbing, segurança no emprego, envolvimento no trabalho, organização do trabalho e condições salariais (^{Carvalho, 2021}). Considerando as caraterísticas da profissão, necessidade de trabalhar mais horas que as contratualizadas e o tipo de contrato, é expectável que estes sintam instabilidade na profissão e, por consequência, vejam comprometidos o bem-estar e a satisfação pessoal (^{Kiltz et al., 2020}).

Ultimamente surgiram mudanças no ensino superior, tornando-se o ambiente de trabalho mais tenso pela crescente pressão de publicar e obter financiamento para investigação, sendo este um meio altamente competitivo (^{Gast et al., 2022}). Também os programas de desenvolvimento profissional centram-se sobretudo no desenvolvimento das lacunas de conhecimento, habilidades e atitudes, negligenciando o bem-estar dos profissionais.

O reconhecimento da importância das relações entre o trabalho e a saúde tem vindo a aumentar por parte das instituições, que identificam o bem-estar dos colaboradores como fundamental para o sucesso organizacional (^{Rossi et al., 2020}). No contexto do ensino superior, abordar o bem-estar dos docentes de enfermagem revela-se particularmente relevante, para assegurar o sucesso académico dos alunos, promover relações positivas entre os profissionais e garantir o desempenho eficaz das suas funções (^{Carvalho, 2021}).

Neste sentido, e considerando a escassez de estudos que exploram esta temática de forma específica, o objetivo desta Scoping Review é mapear e analisar as evidências científicas disponíveis sobre o bem-estar psicológico dos docentes de enfermagem no ensino superior.

Com o propósito de responder ao objetivo delineado, optou-se pela realização de uma Scoping Review. Este método permite avaliar a extensão, a diversidade e a natureza da literatura disponível, proporcionando uma visão abrangente sobre o tema sem limitar a inclusão de estudos com base no desenho ou na qualidade metodológica das avaliações (^{Sampaio et al., 2021}). Assim, formulou-se a seguinte questão de investigação: Quais são as evidências científicas disponíveis sobre o bem-estar psicológico dos docentes de enfermagem no ensino superior?

Metodologia

Seleção de Estudos

Os artigos identificados nas bases de dados foram exportados para a plataforma Intelligent Systematic Review (Rayyan®) (^{Ouzzani, et al., 2016}), com a qual os estudos foram identificados e selecionados com base na orientação do fluxograma PRISMA (^{Tricco, et al., 2018}), num processo de seleção realizado por dois investigadores independentes, sendo solicitada a análise de um terceiro revisor nos casos de divergência. A seleção inicial ocorreu a partir da identificação e remoção de duplicados, seguiu-se a análise do título e resumo. Os estudos, resultantes desta seleção, foram analisados mediante leitura na íntegra. Os resultados da pesquisa e seleção de estudos estão relatados e apresentados segundo as recomendações do PRISMA Extension for Scoping Reviews (Tricco, et al., 2018), conforme a Figura 1.

Figura 1 Fluxograma do processo de seleção dos artigos para a Scoping Review. 

Foram identificados 328 estudos nas diferentes bases de dados, excluído (n= 2) por ser duplicado. Pela análise do título e resumo, removidos (n= 288), após leitura na íntegra, foram desconsiderados devido à população em estudo (n= 8), conceito (n=24) e não se encontrarem disponíveis em free full text (n= 2). Foram incluídos 4 estudos.

Resultados

Os resultados são apresentados de forma sintetizada e alinhados aos objetivos e questão norteadora desta Scoping Review. Foram incluídos quatro artigos, cujos conteúdos serão expostos de forma descritiva e narrativa, com base nos quadros de evidências elaborados pelos autores, conforme Quadro 3.

A apresentação e interpretação dos dados foram orientadas pelas recomendações do JBI (^{Peters et al., 2020}) para Scoping Reviews, utilizando o Quadro 4 como referência. Este recurso visa garantir que o mapeamento realizado na síntese das evidências seja identificado de forma clara e direta.

Nestes quatro estudos incluídos constata-se que dois foram realizados nos EUA, um na Tailândia e um na Arábia Saudita, o ano de publicação varia entre 2018 e 2022 e, do ponto de vista metodológico, a predominância é de estudos qualitativos e quantitativos com foco descritivo.

Os estudos, na sua generalidade, destacam informações relativamente às características demográficas da amostra, como género, idade e nacionalidade. ^{Almukhaini, Zakari & Aboshaiqah, 2018} e ^{Thomas, Bantz & McIntosh, 2019} destacam áreas de satisfação e áreas de preocupação, como controle ambiental, relações interpessoais e propósito na vida. ^{Sessions, Ness & Mark, 2022} e ^{Shorey et al., 2022} abordam os efeitos da pandemia na educação em enfermagem, destacando desafios como incerteza, transição para o ensino online, preocupações pessoais e profissionais, adaptação das estratégias de ensino e preocupação com a preparação dos alunos. Ressalvam também a importância do apoio emocional e da flexibilidade para lidar com os desafios durante a pandemia. A identificação das categorias temáticas, referidas no Quadro 5, foi realizada a partir de uma análise detalhada dos resultados de cada estudo, possibilitando a organização dos principais tópicos e questões centrais que emergiram da pesquisa. Importa salientar que a seleção destas categorias temáticas baseou-se na frequência com que os temas surgiram nos estudos analisados e na sua relevância para a compreensão do bem-estar psicológico dos docentes de enfermagem do ensino superior.

Discussão

A discussão dos resultados obtidos nos quatro artigos centra-se em categorias temáticas específicas que emergem de forma recorrente, refletindo preocupações centrais na educação em enfermagem durante períodos de crise e estabilidade. A análise agrupada por classes de temas permite uma compreensão mais aprofundada das intersecções e das nuances particulares de cada estudo. As categorias identificadas incluem: insatisfação, stress, burnout, carga de trabalho e fatores protetores.

Insatisfação: Os estudos evidenciam uma preocupação crescente com a insatisfação, tanto a nível pessoal quanto profissional, entre os docentes de enfermagem. Esse descontentamento está frequentemente associado ao esgotamento profissional, com destaque para a falta de atenção dedicada aos docentes que enfrentam esse desgaste. A insatisfação identificada sublinha a necessidade urgente de abordagens mais sensíveis e de maior apoio no ambiente académico e clínico (^{Sessions, Ness & Mark, 2022}; ^{Thomas, Bantz & McIntosh, 2019}). Os dados corroboram as afirmações de ^{Varela et al., 2020} num estudo que realizaram sobre docentes do ensino básico e secundário, onde apontam que a insatisfação é causada pela intensificação do trabalho, desvalorização profissional e perda de autonomia. O autor destaca que, para enfrentar este problema, são necessárias mudanças estruturais no sistema educacional, com foco na valorização da profissão, melhores condições de trabalho e maior reconhecimento profissional. ^{Carvalho, 2021} por sua vez, num estudo que realizou sobre os docentes, sem delimitação específica da sua área de atuação, identifica que os níveis elevados de mobbing entre os docentes e menor bem-estar, são fatores que também contribuem para o aumento da insatisfação.

Stress: O stress é abordado sob várias perspetivas, sendo identificado como um problema multifacetado, que se manifesta através das exigências organizacionais e do ambiente de trabalho (^{Almukhaini, Zakari & Aboshaiqah, 2018}). A pandemia de COVID-19 exacerbou significativamente os níveis de stress, com a cultura organizacional e a falta de comunicação e apoio social a agravar ainda mais o quadro (^{Sessions, Ness & Mark, 2022}; ^{Shorey et al., 2022}; ^{Thomas, Bantz & McIntosh, 2019}). ^{Kiltz et al., 2020} num estudo que realizou sobre o bem-estar dos doentes do ensino superior, assim como ^{Varela et al., 2020} e ^{Carvalho, 2021} identificam diversos fatores geradores de stress entre os docentes. Destacam a carga de trabalho, refletida no aumento da carga horária, turmas numerosas, excesso de burocracia, elevadas exigências de desempenho e falta de tempo para planeamento e desenvolvimento profissional. Apontam também as relações interpessoais, caracterizadas por conflitos com colegas e alunos, falta de apoio institucional e problemas de comunicação. Além disso, Varela et al., 2020 e Carvalho, 2021 mencionam as mudanças constantes nas políticas educacionais, como revisões curriculares, introdução de novas metodologias de ensino e instabilidade nas políticas, que exigem adaptação constante e geram insegurança e stress. De forma a minimizar os efeitos do stress, Carvalho, 2021 e Kiltz et al., 2020 defendem a promoção de ambientes de trabalho saudáveis e de apoio com criação de espaços de diálogo e colaboração entre colegas, programas de bem-estar, acompanhamento psicológico e mindfulness para ajudar a reduzir o stress e promover o bem-estar.

Burnout: O burnout surge como uma preocupação constante nos artigos analisados, com alguns autores a apontarem uma relação direta com a pandemia (^{Shorey et al., 2022}; ^{Thomas, Bantz & McIntosh, 2019}). É enfatizada a necessidade de reconhecimento do trabalho docente e a implementação de sistemas de suporte para mitigar os efeitos do burnout. A falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional também é destacada como um fator significativo de contributo para este desgaste (^{Sessions, Ness & Mark, 2022}). Dados semelhantes foram referidos num estudo de ^{Carvalho, 2021}, que descreve o burnout como um construto negativamente associado ao trabalho. O autor defende que capacitar os professores para desenvolverem resiliência e lidarem com os desafios da profissão pode ser uma estratégia eficaz na sua prevenção. ^{Varela et al., 2020} sustenta os resultados do presente estudo, sublinhando a importância de se compreender o burnout como uma doença socioprofissional, cujas causas estão profundamente enraizadas nas condições laborais e na organização social do sistema educativo. O autor critica ainda a tendência de individualizar o problema, enfatizando que muitas "soluções" recaem sobre a adaptação do indivíduo a um ambiente de trabalho nocivo, em vez de se intervirem nas causas estruturais subjacentes.

Carga de Trabalho: A elevada carga de trabalho é uma temática recorrente, com menção à pressão crescente na elaboração de materiais para aulas online (^{Shorey et al., 2022}) e à escassez de docentes, que intensifica a sobrecarga sobre os profissionais existentes (^{Thomas, Bantz & McIntosh, 2019}). Estudos realizados subscrevem os dados obtidos, evidenciando que a perceção da sobrecarga de trabalho intensificou-se com as políticas de austeridade, que promovem o lema "fazer mais com menos". Esta intensificação resulta numa escassez de condições laborais adequadas e conduz à exaustão dos professores (^{Varela et al., 2020}). ^{Carvalho, 2021} destaca também a multiplicidade de tarefas que os professores enfrentam diariamente, sublinhando as dificuldades relatadas em conciliar a carga horária letiva com as exigências burocráticas e a falta de tempo para o planeamento e desenvolvimento profissional. Ambos os autores convergem na necessidade de implementar medidas que reduzam a carga de trabalho e promovam melhores condições laborais, tais como a diminuição da carga horária letiva, redução das exigências burocráticas, contratação de mais docentes, fomento de um ambiente de trabalho colaborativo e valorização da docência.

Fatores Protetores: Vários fatores protetores foram identificados como cruciais para mitigar os efeitos adversos do ambiente desafiador enfrentado pelos docentes. Destacam-se as boas relações interpessoais com os colegas e um propósito de vida como essenciais para o bem-estar (^{Almukhaini, Zakari & Aboshaiqah, 2018}). A resiliência (^{Sessions, Ness & Mark, 2022}; ^{Shorey et al., 2022}) e uma liderança eficaz são fundamentais para lidar com as complexidades da profissão (Sessions, Ness & Mark, 2022; ^{Thomas, Bantz & McIntosh, 2019}). Os dados do nosso estudo são confirmados por outros autores, nomeadamente ^{Varela et al., 2020} que sublinha a relevância de uma gestão democrática e participativa, promovendo maior autonomia e envolvimento dos professores nas decisões. Por sua vez, ^{Carvalho, 2021} destaca a importância das redes de apoio entre colegas, realçando que a colaboração entre pares, a partilha de experiências e o fortalecimento destas redes constituem fatores de proteção fundamentais.

Esta análise evidencia a interligação entre as condições de trabalho, o apoio emocional e as estratégias organizacionais indispensáveis para promover o bem-estar no domínio da docência em enfermagem. Complementarmente, os resultados de um estudo realizado com professores universitários sugerem que, embora muitos apresentem um estado satisfatório de bem-estar emocional, é urgente implementar intervenções que abordem as lacunas na satisfação com a vida, no afeto positivo, no afeto negativo e no equilíbrio emocional (^{Martínez, Bórquez & Huerta, 2024}), reforçando a importância de uma abordagem abrangente e integrada para a promoção de um ambiente saudável e equilibrado.