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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental
versão impressa ISSN 1647-2160
Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental no.spe6 Porto nov. 2018
https://doi.org/10.19131/rpesm.0211
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Perspetiva dos pais sobre as perturbações do sono das crianças em idade pré-escolar
Parents' perspective on sleep disorders in pre-school children
Perspectiva de los padres sobre los trastornos del sueño de los niños en edad prescolar
Ernestina Silva*, Mónica Macedo**, Paula Simões***, João Duarte****, Daniel Silva*****, & Manuela Ferreira******
*Mestre em Ciências de Enfermagem; Doutora em Bioética; Membro do CI&DETS; Professora coordenadora no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, R. Dom João Crisóstomo Gomes de Almeida 102, 3500-843 Viseu, Portugal. E-mail: ernestinabatoca@sapo.pt
**Mestre em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria; Enfermeira no ACeS Baixo Vouga, UCC de Albergaria-a-velha, 3850-004, Albergaria-a-velha, Portugal. E-mail: toomonica@gmail.com
***Mestre em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria; Enfermeira no ACeS Baixo Vouga, UCSP Águeda III, 3750-868 Borralha, Portugal. E-mail: padsimoes27@gmail.com
****Mestre em Ciências de Enfermagem; Doutor em Saúde Mental; Membro do CI&DETS; Professor coordenador no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843 Viseu, Portugal. E-mail: duarte.johnny@gmail.com
*****Mestre em Ciências de Enfermagem; Doutor em Ciências da Educação; Membro do CI&DETS; Professor coordenador no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843 Viseu, Portugal. E-mail: dsilva.essv@gmail.com
******Mestre em Ciências de Enfermagem; Doutor em Ciências da Educação; Membro do CI&DETS; Professor coordenador no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843 Viseu, Portugal.
RESUMO
CONTEXTO: O sono tem um papel determinante no desenvolvimento infantil e quando é perturbado assume um impacto social e na saúde das crianças e pais.
OBJETIVO(S): Identificar as perturbações do sono percebidas pelos pais das crianças em idade pré-escolar.
METODOLOGIA: Estudo quantitativo, descritivo e correlacional. Amostra não probabilística com 642 pais de crianças. As crianças frequentam o ensino pré-escolar dos concelhos de Albergaria-a-Velha (64,2%) e Águeda (35,8), têm idade média de 4,55 (±0,93) anos e 51,7% são do sexo feminino. O instrumento incluiu um questionário de caracterização sociodemográfica e estilos de vida e o Questionário de Hábitos de Sono das Crianças (CSHQ-PT).
RESULTADOS: Apurámos que 82,4% das crianças apresentam perturbação do sono (Global) sendo 43,3% do sexo feminino e com idades de 5-6 anos. A Resistência em ir para a cama é classificada como intermédia para 41% das crianças. Em 40,2% o Início do sono é adequado (demora até 20 minutos) e a Duração do sono é adequada para 45,3%. A Ansiedade associada ao sono e Parassonias apresentam valores semelhantes nos três níveis de classificação. Manifestam Despertares noturnos muito frequentes 38,8%. A maioria (74,3%) apresenta reduzida Perturbação respiratória do sono. Um terço das crianças tem Sonolência diurna elevada.
CONCLUSÕES: Os dados revelam a necessidade de dotar os enfermeiros de competências para detetar as alterações no sono e desenvolver programas estruturados de empowerment parental para melhorar os hábitos e higiene do sono das crianças.
Palavras-Chave: Pré-escolar; Transtornos do sono-vigília; Enfermagem
ABSTRACT
BACKGROUND: Sleep has a determining role in child development and when it is disturbed, has a social and an health impact on children and parents.
AIM: Identify the sleep disturbances perceived by pre-school children’s parents.
METHODS: Quantitative, descriptive and correlational study. Non-probabilistic sample with 642 children’s parents. Children attend pre-school education in Albergaria-a-Velha (64.2%) and Águeda (35.8), mean age 4.55 (±0.93) years and 51.7% are female. The instrument included a sociodemographic characterization and lifestyle questionnaire and the Children's Sleep Habits Questionnaire.
RESULTS: We found that 82.4% of the children presented Global sleep disturbance, being 43.3% female and 5-6 years old. The Resistance to go to bed is classified as intermediate for 41% of the children. In 40.2% the Onset of sleep is adequate (it takes up to 20 minutes) and Sleep duration is adequate for 45.3%. The Anxiety associated with sleep and Parasomnias feature similar values in the three levels of classification. Manifest very frequent Nocturnal awakenings 38.8%. The majority (74.3%) presents reduced respiratory Sleep Disturbance. A third of children have high daytime sleepiness.
CONCLUSIONS: Outcomes reveal the need to provide nurses with skills to detect changes in sleep and develop structured programs of parental empowerment to improve children's sleep habits.
Keywords: Child; Preschool; Sleep wake disorders; Nursing
RESUMEN
CONTEXTO: El sueño tiene un papel determinante en el desarrollo infantil y cuando es perturbado asume un impacto social y en la salud de los niños y padres.
OBJETIVO(S): Identificar las perturbaciones del sueño percibidas por los padres de los niños en edad preescolar.
METODOLOGÍA: Estudio cuantitativo, descriptivo y correlacional. Muestra no probabilística con 642 padres de niños. Los niños asisten a la enseñanza preescolar de los municipios de Albergaria-a-Velha (64,2%) y Águeda (35,8), tienen una edad media de 4,55 (± 0,93) años y el 51,7% son del sexo femenino. El instrumento incluyó un cuestionario de caracterización sociodemográfica y estilos de vida y el Cuestionario de Hábitos de Sueño de los Niños (CSHQ-PT).
RESULTADOS: En el 82,4% de los niños presentan Alteración Global del sueño siendo 43,3% del sexo femenino y con edades de 5-6 años. La Resistencia en ir a la cama se clasifica como intermedia para el 41%. En el 40,2% el Inicio del sueño es adecuado (tarda hasta 20 minutos) e la Duración del sueño es adecuada para el 45,3%. La Ansiedad asociada al sueño y Parassonias presentan valores similares en los tres niveles de clasificación. Manifiestan Despertares nocturnos muy frecuentes 38,8%. La mayoría (74,3%) presenta reducida Trastorno respiratorio del sueño. Un tercio de los niños tiene Somnolencia diurna elevada.
CONCLUSIONES: Los datos revelan la necesidad de dotar a los enfermeros de competencias para detectar los cambios en el sueño y desarrollar programas estructurados de empowerment parental para mejorar los hábitos del sueño de los niños.
Palabras Clave: Prescolar; Trastornos del sueño-vigilia; Enfermería
Introdução
O sono processa-se em ciclos, os quais não são iguais ao longo da vida. Vão desde uma fase policíclica no lactente, a uma bicíclica na criança, até se converterem em monocíclica, no adulto. O sono modifica-se também na sua duração, reduzindo progressivamente ao longo do ciclo vital. O tipo de sono que apresenta um recém-nascido é diferente de uma criança em idade escolar ou um adolescente. Mesmo durante a vida adulta, tanto a duração como o tipo de sono modificam-se à medida que se envelhece (Barclay & Gregory, 2014). O sono tem um papel fundamental no desenvolvimento e plasticidade cerebral (Paavonen et al., 2010). As suas funções prendem-se com o papel reparador e com os processos de aprendizagem e consolidação da memória, duas funções absolutamente vitais para o organismo (Vaughn, Elmore-Staton, Shin, & El-Sheikh, 2014). Assim, sono insuficiente ou de má qualidade, numa fase precoce da vida, pode comprometer a capacidade de aprendizagem e, por outro lado, uma quantidade adequada de sono de boa qualidade é importante para uma saúde e desempenho adequado ao longo da vida (Kelly, Kelly, & Sacker, 2013; Turnbull, Reid, & Morton, 2013).
Os padrões de sono da criança também influenciam o bem-estar familiar (Blunden, 2011). Os pais enfrentam inúmeros desafios em relação ao sono da criança, pois com o seu crescimento e desenvolvimento, o comportamento da criança vai-se alterando relativamente ao sono e podem surgir perturbações do mesmo. Ensinar a criança a dormir, enfrentar períodos de vigília durante a noite e a sua própria perda de sono, é stressante para muitos pais e, independentemente das alterações serem temporárias ou duradouras, influenciam a dinâmica familiar podendo afetar o desenvolvimento da criança.
Com base no exposto, é fácil perceber por que razão as preocupações dos pais com o sono das crianças são frequentes. A Direção Geral da Saúde (DGS) reconhecendo a sua importância nesta fase do ciclo de vida, no Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil (Portugal, Ministério da Saúde (MS), DGS, 2013) coloca os hábitos de sono como ponto a abordar nos cuidados antecipatórios das consultas a partir do primeiro mês de vida e, a partir dos nove meses, considera o sono como um estilo de vida saudável. Assim, o sono infantil constitui-se, por força do normativo, uma área de atenção (e intervenção) do enfermeiro, nas consultas de saúde infantil dos Cuidados de Saúde Primários. Também na elaboração do Programa Nacional de Saúde Escolar (Portugal, MS, DGS, 2015), é legitimada a relevância do sono, sendo uma das áreas de intervenção do eixo estratégico capacitação. Apesar de hoje parecer existir um declínio do tempo destinado a dormir (Matriacciani, Olds & Petkov, 2012) e nas crianças portuguesas haver um agravamento da tendência para dormir menos (Crispim, Boto, Melo, e Ferreira, 2011), há que distinguir as crianças que sentem menos necessidade de dormir das que, por reflexo da cultura, hábitos específicos da população portuguesa ou ainda por outras condicionantes, apresentam privação do sono.
As perturbações do sono estão presentes em 30 a 40% das crianças em idade pré-escolar e apesar de em algumas fases da vida poder ser normal ter dificuldade em adormecer e em dormir, quando é frequente ou prolongado, torna-se disruptivo para a criança e para a família (Waters, Suresh, & Nixon, 2013). Apesar de serem demasiado importantes para que se possam descurar e uma grande parte ocorrer na idade pré-escolar e ter resolução com mudanças comportamentais de fácil implementação (Halal e Nunes, 2014), a literatura evidencia que os profissionais de saúde continuam a não conhecer os comportamentos de sono das crianças e a não detetar precocemente as suas alterações (Erichsen et al., 2012; Meltzer, Johnson, Corsette, Ramos, & Mindell, 2010).
Pela dimensão do impacto, a curto e longo prazo, que as perturbações do sono representam para a criança e família, é importante continuar a estudar o sono. Assim, delineámos este estudo com o objetivo de identificar as perturbações do sono percebidas pelos pais das crianças em idade pré-escolar. É nossa finalidade sensibilizar para a implementação de estratégias que visem a capacitação dos pais e comunidade educativa para os hábitos e higiene do sono das crianças em idade pré-escolar.
Metodologia
Estudo quantitativo, descritivo correlacional e transversal. A amostra é não probabilística constituída por 642 pais de crianças (97,2% mães e 2,8% pais). A maioria das crianças frequentava o ensino público (51,2%), dos concelhos de Albergaria-a-Velha (64,2%) e de Águeda (35,8%), no ano letivo 2015/2016.
O instrumento utilizado foi o Questionário de Hábitos de Sono das Crianças (CSHQ-PT), versão portuguesa do Children’s Sleep Habits Questionnaire (CSHQ) (Silva et al., 2014) constituído por 33 itens e um questionário (Ad hoc) com questões de caracterização sociodemográficas, clínica e estilos de vida da criança, preenchido pelos pais das crianças e de âmbito retrospetivo. As perguntas estão agrupadas em oito dimensões: Resistência em ir para a cama; Início do sono; Duração do sono; Ansiedade associada ao sono; Despertares nocturnos; Parassonias; Perturbação respiratória do sono e Sonolência. O resultado final do CSHQ-PT traduz o Índice de Perturbação do Sono que corresponde à soma das pontuações dos 33 itens e não à soma das cotações das dimensões, uma vez que os itens 5 e 8 aparecem em duas subescalas (Resistência em ir para a cama e Ansiedade associada ao sono). A pontuação dos itens é feita de forma a que um score total mais elevado corresponda a uma maior probabilidade de existência de uma Perturbação do sono ou comportamentos problemáticos mais frequentes (Owens, Spirito, & McGuinn, 2000; Silva et al., 2014).
No estudo de validade e fiabilidade do instrumento obtivemos uma consistência interna razoável (Pestana e Gageiro, 2014), com os valores de α de Cronbach a oscilar entre 0,723 e 0,754. O valor total α foi de 0,737 e o α baseado em itens estandardizados foi de 0,751. No que respeita aos coeficientes de correlação entre o Índice de Perturbação do Sono (IPS) e as dimensões apurou-se que estas são maioritariamente moderadas, mas estatisticamente significativas (p<0,01), situando-se entre r=0,481 com a Perturbação respiratória do sono e r=0,695 Ansiedade associada ao sono. Verificou-se uma correlação muito baixa e sem significância estatística (p>0,05) do IPS com Início do sono (r=0,021) e baixa mas estatisticamente significativa (p<0,01), com o Duração do sono (r=0,371). Podemos afirmar que o aumento ou diminuição dos índices do Índice de Perturbação do Sono numa das subescalas produz um efeito em sentido direto nas restantes subescalas, com exceção do Início do sono. O tratamento dos dados foi realizado pelo SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 23 e AMOS (Analysis of Moments Strutctures) versão 23 de 2012 para Windows. O nível de significância estabelecido foi de 5% (p=0,05).
Foi solicitada autorização aos diretores dos agrupamentos de escolas do concelho de Águeda e de Albergaria-a-Velha, à Comissão Nacional de Proteção de Dados e à Comissão de Ética da Escola Superior de Saúde de Viseu. Foi obtido o consentimento informado por escrito dos pais das crianças e, nas escolas, foi explicado às crianças o porquê da sua avaliação antropométrica e obtido o seu assentimento. Os investigadores marcaram antecipadamente o dia e hora em cada uma das escolas, entregaram pessoalmente os questionários aos pais das crianças. Após o preenchimento, cada questionário foi colocado num envelope fechado e sem identificação, sendo devolvido ao professor responsável pelo grupo de crianças que o entregou às investigadoras. A recolha de dados ocorreu entre janeiro e abril de 2016.
Resultados
Caraterização Sociodemográfica
Apuramos que 55,9% das crianças têm idades entre os 5 e 6 anos (com uma média de 4,55±0,93), 51,7% são do sexo feminino e na sua maioria (58,1%) são o primeiro filho do casal. A dimensão familiar é a nuclear para 71,23% das crianças e 88,8% vivem com a mãe e o pai e são estes os cuidadores habituais (68,1%).
Caraterização Clínica
O peso das crianças oscila entre os 11 e 30 quilos, com média 18,38±3.6. O índice de massa corporal tem o valor mínimo de 10,57 e máximo de 24,01 (média de 15,57±1,79). A maioria das crianças (84,1%) não têm problemas de saúde e 91,60% não usam qualquer tipo de medicação.
Estilos de Vida
Verificamos que 44,3% das crianças consomem bebidas que contêm teínas (café, chá ou refrigerantes) com muita frequência. O consumo muito frequente de doces e chocolates foi referido por 58,6% das crianças. A maioria (57,7%) apresenta hábitos sedentários. A hora de ir para a cama durante a semana foi entre as 21 e 22 horas para 63,7% e ao fim de semana após as 22 horas para 72,6%. Durante a semana 56,3% das crianças acorda antes das 8 horas e ao fim de semana 89,9% depois das 8 horas. O tempo total de sono diário oscila entre 10 e 13 horas para a maioria (74,1%). O tempo de uso diário de pequenos ecrãs (tablets ou smartphones) durante a semana é menor que 60 minutos para 83,8% das crianças e ao fim de semana entre 60 e 120 minutos (54,8%). Apurámos que 64,8% dormem sozinhas. A transição do quarto dos pais para o seu quarto foi fácil para 47,7%, inicialmente difícil para 22,3% e muito difícil para 30,1% das crianças.
Perturbações do Sono
De modo a podermos fazer uma comparação entre os valores atingidos nas dimensões do CSHQ-PT, calculámos o score percentual de cada uma. Na Tabela 1 apurámos que os scores oscilam entre 0,0% e 100,0% em todas as dimensões, com exceção das “Parassonias” (Max 85,71%) e da “Sonolência diurna” (Max 87,50%) e do “Índice de perturbação do sono” (Global) que varia entre 3,03% e 65,15%. Os valores percentuais médios situaram-se entre 15,08±21,85dp (Perturbação respiratória do sono) e 46,03±42,40dp (Início do sono). Os coeficientes de variação (CV) indiciam dispersões elevadas dos dados e os valores do enviesamento revelam curvas assimétricas positivas em todos os itens, com exceção do “Início do sono”, em que a mesma é simétrica.
O CSHQ-PT discrimina as crianças com ou sem perturbação do sono, respetivamente se o valor for superior ou igual a 44 ou se for inferior a 44. Pela Tabela 2 apurámos que 82,4% da amostra apresenta perturbação do sono, com maior prevalência nas crianças do sexo feminino (43,3%) e nos de 5-6 anos (45.0%). Estas variáveis não mostram diferenças estatística significativa (sexo: X2=0,846 e p=0,358; grupo etário: X2=2,022 e p=0,155), podendo dizer que são independentes.
Nas dimensões do CSHQ-PT verificamos que os pais percecionam que os filhos têm uma Resistência em ir para a cama classificada como intermédia (41,0%), sendo mais prevalente nas crianças do sexo feminino (22,6%) e nas crianças entre os 5-6 anos (21,8%) não se verificando diferenças estatisticamente significativas quer para o sexo (X2=3,405 e p=0,182), quer para a idade (X2 =6,489 e p=0,039).
Quanto ao Início do sono apurámos que 40,2% das crianças demora até 20 minutos a adormecer (adequado), sendo mais prevalente no sexo masculino (20,9%). No que respeita ao sexo, não encontrámos diferenças significativas entre os grupos (X2=3,405 e p=0,182), mas, relativamente ao grupo etário essas diferenças existem e são significativas (X2=6,131 e p=0,047).
A Duração do sono foi considerada adequada para 45,3% das crianças, não apurando diferenças significativas entre os grupos (sexo: X2=0,774 e p=0,679; grupo etário: X2=5,510 e p=0,064).
A Ansiedade associada ao sono aparece em níveis intermédios e níveis elevados em cerca de um terço das crianças, não se verificando diferenças significativas entre os grupos (sexo: X2=2,347 e p=0,309; grupo etário: X2=0,698 e p=0,705).
Os Despertares noturnos são muito frequentes em 38,8% das crianças e acontecem em 20,7% das crianças dos 5-6 anos e em 20,1% das meninas. Efetuámos teste de X2 para perceber a relação entre as variáveis e verificamos não haver relação (sexo: X2=0,605 e p=0,739; grupo etário: X2=2,958 e p=0,228).
As Parassonias apresentam valores semelhantes nos três níveis de classificação. Não se verificaram diferenças estatísticas significativas (sexo: X2=0,128 e p=0,938; grupo etário: X2=1,351 e p=0,509).
A dimensão Perturbação respiratória do sono é reduzida na maioria das crianças (74,3%) sendo sobretudo nas meninas (38,9%) e nas crianças mais velhas (42.5%). Não se verificaram significância estatística para o sexo (X2=0,362 e p=0,548) e grupo etário (X2=1,299 e p=0,254).
Em 37,9% das crianças a Sonolência diurna é reduzida, sobretudo as crianças com idade entre 5-6 anos (22,1%) e do sexo masculino (20,4%). Apurámos que existe significância estatística para o sexo (X2=6,987 e p=0,030) mas para o grupo etário, não encontrámos diferenças significativas (X2=1,825 e p=0,402).
Discussão
Dormir é uma necessidade básica que requer um processo evolutivo de adaptação, dependente de aspetos intrínsecos e extrínsecos à criança. A existência de períodos de sono possibilita a ocorrência de vastas e complexas interações que permitem um adequado desempenho, nos períodos de vigília, o que ressalta as várias funções do sono: protetora, de manutenção da homeostasia e reguladora de todas as funções do cérebro e do organismo em geral. A linha divisória entre o que é um sono normal e o que são Perturbações do sono é ténue, influenciada por fatores culturais, ambientais e sociais, muito dependente das caraterísticas da criança, das cognições e expetativas dos pais e das rotinas familiares. Apurámos como valor médio 50,26 (±7,27dp) que todas as crianças exibem pelo menos uma Perturbação do sono, dado que nenhuma registou a pontuação mínima no CSHQ-PT, no entanto, é conveniente referir que a idade média da nossa amostra é inferior à da maioria das que encontrámos em estudos com este instrumento e verificarmos que a Perturbação global do sono tem uma associação negativa com a idade da criança (Silva, Silva, Braga, e Neto, 2013).
Owens et al. (2000) obtiveram um índice de perturbação do sono médio de 56,2 (±8,9dp) e em outros estudos portugueses obtiveram-se valores inferiores (Silva et al., 2013; Loureiro, Pinto, Pinto, Pinto e Paiva, 2013; Silva et al., 2014).
Verificámos que a Sonolência diurna se associava ao sexo feminino. No estudo de Silva et al. (2013) também denotaram uma relação entre o sexo feminino e a Ansiedade associada ao sono e a Perturbação global do Sono e, por outro lado, verificaram que a Perturbação respiratória do sono se correlacionava com o sexo masculino, achados que também suportam os nossos.
É importante referir que não foram reportados, em nenhuma dimensão, os valores máximos da pontuação, o que é positivo e indicativo que nenhuma criança apresenta uma perturbação do sono extrema. Não foi possível saber a amplitude de variação das subescalas, nos autores consultados mas, verificámos que os nossos índices médios foram semelhantes aos dos autores consultados (Owens et al., 2000; Silva et al., 2013; Loureiro et al., 2013; Silva et al., 2014).
A Resistência em ir para a cama apresenta valores mais elevados (41,0%) no nível intermédio, seguido do nível elevado com 21,0%.
Um Início do sono adequado é a situação mais frequente (40,2%), e a Duração do sono adequada é referida em 45,3% das crianças. Constatámos que uma Ansiedade associada ao sono classificada como intermédia estava presente em 35,5% das crianças e que um nível elevado aparece em 31,5% das crianças. Os Despertares noturnos são muito frequentes em 38,8% e os esporádicos em 34,7% das crianças.
Ghalebandi et al. (2011) referem que é importante estabelecer o nível das Parassonias uma vez que a sua ocorrência regular pode ser indicativa de stress. Na nossa amostra, 35,4% revela nível intermédio de Parassonias, 32,7% apresenta um nível reduzido e 31,9% exibe um nível elevado.
A Perturbação respiratória do sono é considerada reduzida em 74,3% e a Sonolência diurna apresenta níveis reduzidos em 37,9% e intermédios em 33,6% das crianças.
Conclusão
Estudamos uma amostra de 642 crianças do ensino pré-escolar dos concelhos de Águeda e Albergaria e foi possível cateterizar sociodemograficamente que a maioria são crianças do sexo feminino, com média de idades quatro anos e meio, residentes em Águeda, são o primeiro filho do casal e vivem com a mãe e o pai. Em termos clínicos, globalmente as crianças não têm patologia associada, mas nutricionalmente apresentam excesso de peso.
Sobre os estilos de vida a maioria consomem bebidas que contêm teínas (café, chá ou refrigerantes) e comem doces e chocolates com muita frequência e têm hábitos sedentários. A quase totalidade utiliza dispositivos eletrónicos diariamente num período de tempo considerado aceitável.
Durante a semana a generalidade das crianças vai dormir entre as 21 e as 22 horas e ao fim de semana deitam-se mais tarde; no global as crianças apresentam a quantidade total de sono diário recomendada para a sua idade; a maioria dorme sozinha e para quase metade a transição para o quarto foi fácil e cerca de um terço foi muito difícil.
Os nossos dados permitem-nos considerar a possibilidade de que todas as crianças apresentam pelo menos uma Perturbação do sono, pois que nenhuma obteve a pontuação mínima no CSHQ-PT. Nas dimensões das perturbações do sono, verificámos que a Resistência em ir para a cama classificada como intermédia é a mais frequente; o Início do sono é adequado para mais de um terço das crianças; a Duração do sono revelou-se adequada em quase metade da amostra; aproximadamente um terço das crianças exibe níveis intermédios ou elevados de Ansiedade associada ao sono; os Despertares noturnos são muito frequentes em mais de um terço da amostra; as Parassonias são semelhantes nos três níveis de classificação; a Perturbação respiratória do sono é reduzida na grande maioria das crianças e a Sonolência diurna elevada aparece em quase um terço das crianças.
Implicações para a Prática Clínica
Estes resultados preocupam-nos e impelem a sugerir algumas estratégias e medidas que poderão ser objeto de reflexão no contexto das equipas dos cuidados de saúde primários: Rastreio das Perturbações do sono de forma estruturada e consistente nas consultas de saúde infantil dos Cuidados de Saúde Primários, com instrumentos validados para a população portuguesa e, se possível, o registo nas bases de dados em utilização nos serviços; Promover ações educativas que envolvam os pais e a comunidade educativa pré-escolar sobre e higiene do sono e implicações no desenvolvimento infantil; Realizar estudos longitudinais que permitam aferir o impacto dos estilos educativos parentais nas perturbações do sono e a sua evolução ao longo da infância e adolescência.
Referências Bibliográficas
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Recebido em 30 de dezembro de 2017
Aceite para publicação em 3 de abril de 2018