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Revista Lusófona de Educação
versão impressa ISSN 1645-7250
Rev. Lusófona de Educação n.13 Lisboa 2009
Serão realmente especiais as necessidades educativas dos alunos e alunas? A intencionalidade do discurso.
Jesús Molina Saorin*
Através deste trabalho de investigação, oferecemos alguns contributos teóricos e práticos sobre a nossa consideração a respeito das necessidades educativas mal denominadas “especiais”, realizando uma contextualização sobre a situação educativa actual, centrando o atendimento na realidade educativa e oferecendo uma descrição dos diferentes aspectos que intervêm na denominada escola compreensiva.
Palavras-chave: Diversidade; educação especial; dificuldades de aprendizagem.
Will be specials the educational needs of students? The intentional speech
In this essay, we will offer some brief details about the educational needs, specially badly so called special. After these considerations, we will go through the actual situation, focusing our work on the education reality. At this point we will describe the different aspects that take part in the comprehensive school.
Keywords: diversity; special education; learning difficulties.
Actualmente, falar de diversidade parece ser, para alguns educadores, uma questão conflitual sobretudo se retrocedermos ao pensamento de uma época em que o discurso era o seguinte: “... este aluno não me deixa dar a aula...”; não se descuidem porque, no dia vinte e quatro, vão ter um exame e têm que estudar muita matéria..”; “... para amanhã têm que saber o tema quatro do livro... “; “... Eh!, por favor, trabalhem em silêncio...”; “... este aluno vai reprovar de novo, porque, com oito anos, ainda não aprendeu a somar”; “... vamos!, todos a correr!, têm que dar cinco voltas à pista...”. Conflitual, porque nos faz pensar que houve uma época em que se classificavam os alunos através da sua distribuição por salas de aula, em que os bons eram separados dos chamados maus que, por sua vez, eram colocados numa sala diferente e, no pior dos casos, iam para uma sala ou centro de educação especial. Lembramo-nos que, no passado, os alunos eram examinados através de provas, de acordo com Aussubel, provocavam medo, insegurança e stress infantil (legado, afinal, da sociedade neo-modernista), e, por sua vez, modificavam as expectativas em relação ao rendimento dos alunos que se viam obrigados a recorrer a estratégias de cópia perante uma pseudo-realidade que não eram capazes de compreender. Difícil, ainda mais, porque se transferiu para a escola, sem quaisquer alterações, a estrutura de aprendizagem e formação mais ajustadas aos adultos: salas de aula fechadas, mesas individuais e orientadas para o professor, espaços divididos segundo o género; uma estrutura comunicativa unidirecional que obriga o aluno a seguir a aula (que é única e para todos), juntamente com uma metodologia de trabalho que reforça, no corpo discente, o hábito de trabalhar em silêncio, de forma individual e sem debater o sentido do que está a ser trabalhado. Difícil, também, porque se espera que todos os alunos atinjam, na mesma idade, o mesmo nível de aprendizagem, sem dar atenção ao que temos vindo a chamar arquitectura cognitiva. Conhecer o processo de configuração da arquitectura cognitiva é o primeiro passo para atingir o sucesso no desenho de uma proposta pedagógica que, nutrida por uma didática específica, permita dar respostas às necessidades do corpo discente, desenvolvendo ao máximo as capacidades de qualquer aluno, dentro desse processo sócio-educativo de formação dos jovens cidadãos e cidadãs.
Talvez haja professores para quem, infelizmente, estes exemplos que destacamos lhes sejam familiares por existirem na sua escola ou por fazerem ainda parte da sua experiência. Por isso mesmo, talvez tenha chegado o momento de reflectirmos sobre as nossas práticas, sobre a suposta evolução do sistema educativo e, ainda, sobre as mudanças sociais que, no último século, se verificaram quer ao nível das tecnologias, dos contextos e dos recursos, quer, ainda, ao nível da informação e dos meios de comunicação. Importa saber, por isso, se existe alguma relação entre estas mudanças e o que foi a imutabilidade do sistema educativo nos últimos cem anos. É a partir deste ponto de vista que tentaremos concentrar-nos na nossa experiência ao longo de vários anos, sobretudo no contacto com uma multiplicidade de escolas.
As necessidades educativas serão especiais?
A diversidade é, no ser humano, uma qualidade que lhe outorga uma condição especial. Não obstante, quando tal qualidade é considerada socialmente como uma desigualdade ou como uma categoria de valor, esta pode converter-se num elemento-chave para a segregação (Angelides, Stylianou, e Gibas, 2006). Neste contexto, a diversidade é o efeito de uma combinação de factores económicos, sociais, étnicos, religiosos, culturais, geográficos, que incidem directamente sobre as capacidades da pessoa.
Se centrarmos a nossa atenção no atendimento ao nível educativo, comprovaremos que a diferenciação que os alunos vão experimentando no sistema, através das diversas etapas, implica, no plano pedagógico, a articulação dos procedimentos mais eficazes de intervenção educativa, de acordo com essas circunstâncias, motivações, interesses... etc. A configuração que o anterior sistema educativo oferecia, não só introduzia mudanças de tipo estrutural, mas também modificações que se encaminhavam no sentido de conseguir uma melhoria substancial da qualidade da educação. Com esta mudança, fazia-se coincidir a idade de acesso ao mercado de trabalho com o fim da obrigatoriedade de permanência nos centros escolares.
Esta resposta à diversidade, a que fazemos referência, encontra-se na lei quando se alude ao conceito de adaptabilidade do currículo. Através de tal conceito, atende-se às características individuais do corpo discente mediante o uso de diferentes medidas: agrupamentos flexíveis para os alunos, estabelecimento de planos de trabalho autónomo, reforço educativo, Programas de Garantia Social, organização de sistemas de trabalho cooperativo, Programas de Diversificação Curricular... etc.
Com a lei LOGSE, em Espanha, introduz-se uma mudança na terminologia relativa à tradicional educação especial. A adopção do conceito de necessidade educativa especial expressa essa mudança de perspectiva, cujas consequências e envolvimentos foram muito importantes, tanto no terreno da teoria, como no da prática educativa. É um conceito que tem em consideração a mobilização dos recursos materiais e humanos de que os alunos precisam, deixando de se centrar naqueles que, tradicionalmente, eram objecto de uma educação especial (altamente diferenciada e especializada), ampliando-se, agora, a qualquer aluno que, num determinado momento, possa necessitar de qualquer tipo de apoio. Não podemos esquecer que a LOGSE teve pouco mais de uma década de vida para demonstrar os seus pontos fortes e debilidades. Se bem que nos anos 1990 falar de necessidades educativas especiais foi de todo necessário para sair da situação precária e desoladora em que se encontravam muitos alunos, não deixando de ser um remendo no sistema, e não uma panaceia. Tratava-se de um remendo porque legitimava a existência de categorias de especialidade dentro da escola e, em suma, dentro da sociedade: os alunos especiais.
No entanto, graças ao esforço desses professores e professoras que trabalharam por e para esses alunos nesse contexto educativo, e por respeito a seu labor profissional, hoje deveria ter maior sentido e significado a ideia de uma escola onde coexiste a diversidade que, essencialmente, era o que se pretendia. Aceitar este facto suporia para os professores/as e educadores de todos os níveis de ensino (Educação Infantil, Educação Primária, Educação Secundária... Universidade) voltar o seu olhar para outro ponto: não para os termos, mas para os conceitos; não para os produtos, mas para os processos.
Chegados a este ponto, consideramos que é necessário falar de uma excepção. O conceito de necessidades educativas especiais (extraído da LOGSE) tem para nós uma orientação errada, na medida em que o qualificativo especial faz uma legitimação, como no passado, da existência de uma situação atípica ou pouco frequente que, precisamente, é aquela que pretendemos normalizar. Há mais de cem anos que todos os alunos que não atingiam, numa determinada idade, um determinado nível de aprendizagem e que, ainda hoje, se supõe que o devam adquirir, eram classificados de acordo com uma escala de quociente intelectual, aplicando-lhes os termos de imbecil, cretino, subnormal, idiota... etc., todos eles descendentes da psicologia clínica. Depois de trinta anos de integração escolar, nós, que vivemos e desenvolvemos o conceito de heterogeneidade do corpo discente, pensar em diversidade supõe assumir que, se todos somos normais, se todos os alunos têm necessidades educativas diferentes (ainda que algumas possam ser comuns), por que dizemos então que algumas são especiais?
Este termo, como no passado, denota, unicamente, uma mudança de linguagem, mas não de atitude em relação à diferença; manifesta e legitima um facto atroz: os alunos que até então eram considerados como subnormais, imbecis, cretinos, posteriormente passaram a ser considerados como alunos com necessidades educativas especiais. Hoje em dia voltamos a mudar o cartaz, chegando inclusive a denominá-los alunos diversos ou alunos da diversidade, caindo, assim, numa nova fórmula de eufemismos terminológicos que, em definitivo, não fazem outra coisa senão mascarar a essência que na nossa perspectiva da diferença, tem uma valoração negativa (Farrell, Elliott e Ison, 2004), motivo pelo qual somos incapazes de pensar nas diferenças como algo positivo, já que isso nos impediria de continuar a perpetuar uma metodologia da escola e da sala de aula, uma mesma maneira ancestral de ensinar, de continuar a fazer o que infelizmente fazemos, na qual todos os alunos aprendem a um mesmo ritmo, os mesmos conteúdos e num mesmo espaço e tempo.
Portanto, enquanto uma situação escolar for considerada como especial, estaremos a afastar-nos do princípio ético e também legislativo que supõe essa normalização que pretendemos atingir. Isto é, se todo o aluno tem algumas necessidades, interesses, motivações e ritmos de aprendizagem diferentes relativamente aos dos seus colegas e, por outra lado, o corpo docente tem consciência dessa diversidade inerente ao género humano (personalidade, capacidades, atitudes, aptidões, horizontes), a partir de uma perspectiva que tem em vista a normalização, é de todo contraproducente isolar uma determinada característica especial do corpo discente uma vez que, ao fazê-lo, estaremos a legitimar a existência de um grupo considerado normal (do ponto de vista da escola e da cultura hegemónicas) e outro especial. Este último engloba todos os que se afastem dos padrões anteriores e para os quais seria, então, necessário adoptar certas medidas de reorientação terapêutica que conduzissem à sua aproximação relativamente a esse grupo normal. Para que o leitor possa realizar uma rápida auto-avaliação de si mesmo, bastaria responder a esta trilogia de perguntas:
- Dê um exemplo de alunos com necessidades educativas especiais.
- Explique qual é, exactamente, essa necessidade que considera que é especial?
- Por que motivo essa necessidade é especial?
Até à data, as pessoas que têm reflectido sobre estas questões não conseguiram dar-lhes uma resposta concludente ou irrefutável. Normalmente, legitimando o que diz a lei, e sem questionar a ética nela presente, costuma-se cair no erro de citar, como respostas à trilogia, exemplos como os seguintes: um aluno com síndrome de Down; um aluno cego, um aluno surdo, um aluno árabe. Ao fazê-lo, consciente ou inconscientemente, estamos a afirmar que o problema está no aluno e que o professor/a, a escola ou o método são infalíveis.
Todavia, não nos ocorre pensar o que aconteceria se os professores/as soubessem linguagem gestual, árabe ou trabalhar com a máquina Perkins. Inclusive, a partir deste discurso e considerando esses alunos como especiais, volta-se a cair num segundo erro: considerar que alguma das necessidades que salientam possa ser especial. Se, por acaso, tivéssemos um aluno que voasse, a necessidade de voar poderia ser considerada especial, já que, no mundo, não haveria outra criança que fosse capaz de voar, ao mesmo tempo que seria qualquer coisa de grandiosa, majestosa, invejável.
Neste sentido, a conotação atribuída a esta necessidade é, de todo, positiva. A palavra especial, no exemplo anterior (cego, surdo...), está carregada de desprezo, repulsa ou rejeição. No entanto, no mundo existem seis mil e quinhentos milhões de pessoas com essas discapacidades. De tal modo é assim, que existem organizações regionais, nacionais e internacionais em defesa dos interesses destes grupos que, infelizmente, não estão incluídos na sociedade desde o início da idade escolar tendo em vista a sua adequada inserção e desenvolvimento equilibrado.
Algumas considerações sobre a situação educativa precedente
Ao que parece, a sociedade, no seu conjunto, não parece disposta ou preparada para aceitar o facto que acabamos de expor, tal como um amplo sector de profissionais de ensino, a quem se lhes supõe terem grandes responsabilidades na transformação social, dado que transmitem uma série de valores carregados de ideologia. Reivindicou-se que os poderes públicos eliminassem essa diversidade de modo a impedir que se voltasse a uma sociedade estratificada onde, como no futebol, há cidadãos de primeira, segunda e terceira divisões. Possivelmente, os cidadãos de terceira têm que se conformar em engrossar as listas de pedintes de emprego ou, no melhor dos casos, desenvolver as suas capacidades profissionais em tarefas não qualificadas ou à margem da lei. Quem sabe se os cidadãos de segunda não possam encontrar um trabalho ou serviço igual aos cidadãos de primeira, voltando, assim, a uma época e a um sistema social e educativo em que os motores ainda não tinham sido inventados.
Se fazemos estas afirmações é, precisamente, porque há estudos realizados sobre aspectos, tais como o rendimento e a auto-estima do corpo discente que é submetido a um ou outro sistema (Williams, Johnson e Sukhodolsky, 2005). Do mesmo modo, o novo sistema educativo, cujos horizontes começam a abrir-se, já foi experimentado noutros países e contextos e os resultados estão à vista: a segregação pura e dura e o regresso ao passado (Young, 2005). Citando algum exemplo ilustrativo do sucedido noutros países com esta nova lei, diremos que a população imigrante alemã não está repartida ao longo de todos os itinerários educativos do sistema educativo alemão, mas concentra-se nos denominados “itinerários-lixo”. Em França, os alunos da escola primária cujos pais têm estudos superiores, têm, à partida, cerca de 71% de probabilidades de obter uma qualificação final de notável (8), enquanto tais probabilidades descem para 35% quando nos referimos aos alunos cujos pais são operários não qualificados.
Perante esta situação, mais de metade dos alunos que atingem o ensino secundário apresentam uma diferença de mais ou menos um ano escolar em relação ao grupo de referência, e quase um terço repetiu um ano mais do que uma vez. Ao finalizar a educação secundária, apenas 19% acedem aos estudos pré-universitários, enquanto o resto se reparte entre os ensinos profissionais, técnicos ou, inclusive, o completo abandono do sistema educativo. Esta situação põe em relevo o facto de que, a não haver soluções, a distribuição dos alunos será feita em função da classe social e não do rendimento escolar.
A escola que defendemos deve apostar em políticas não segregacionistas de modo a que os alunos possam permanecer no sistema educativo durante o maior tempo possível; pelo contrário, aquela em que vivemos serve-se da compaixão como uma fórmula política (Gimeno e Pérez, 1992). A permanência no centro é um valor positivo, pois supõe uma luta ideológica e social para evitar que os empregos mais mal remunerados estejam reservados para as classes sociais mais desfavorecidas. A escola deve ser compreensiva, sobretudo com aqueles alunos que acedem em desigualdade de condições, sejam eles de tipo social, cultural, de motivação, de aquisição de competências sociais... etc. Por este motivo, o currículo compreensivo implica uma análise dos métodos utilizados na escola, com objectivo de não se perpetuarem os inconvenientes de um acesso desigual.
Sem margem para dúvidas, encontramo-nos perante uma verdadeira contradição ideológica. Por um lado, com o corpo docente e os meios disponíveis temos de oferecer o mesmo serviço educativo a todos os alunos. No entanto, nem os conteúdos nem os códigos linguísticos utilizados no currículo têm um significado unívoco para os membros da comunidade educativa. Oferecer uma educação integral não parece ser uma tarefa fácil, sobretudo, se o objectivo é a preparação para a vida e para a continuidade no sistema educativo. Não devemos esquecer que na escola se vivem, com identidade própria, diferenças sociais, alheias à escolaridade.
Quem sabe se o maior problema não radica na falta de consenso e representatividade social do currículo, a partir do momento em que este foi definido por uma administração educativa que pratica um monopólio como se fosse o principal accionista da empresa. Consideramos que se todos somos accionistas do sistema educativo (professores/as, administração, mães e pais, alunos), do mesmo modo todos deveríamos participar na construção desse currículo que queremos.
Como diz Skilbeck (1984), num debate social onde há uma grande variedade de grupos implicados, é impossível adoptar uma solução não conflituosa e satisfatória, sempre que esta não seja fruto da imposição e/ou exclusividade de qualquer uma das partes. Infelizmente, não é isto o que está acontecendo em muitos países. Consciente de que se trata de uma questão polémica, não parece muito mal propor que, progressivamente, se vá aumentando a autonomia dos diferentes agentes sociais e educativos para facilitar, não só a fluidez do processo de diálogo curricular, mas também, e mais importante, para que, de uma vez por todas, se incluam as vozes de quem, tradicionalmente, permaneceu silenciado dos seus direitos.
O debate social é uma ferramenta muito poderosa para desmistificar os fantasmas do passado e do presente. Na nova legislação educativa espanhola, não há uma aposta séria no sentido de aumentar a autonomia dos professores, pelo contrário, estabelece-se, cada vez mais, toda uma série de mecanismos punitivos (VanDerHeyden, Witt e Gilbertsn, 2007), cuja finalidade é controlar e impor o modo como se deve operacionalizar o desenho curricular (como deve ser uma aula, como deve ser o PEC, como se deve avaliar).
Sem perder de vista este referente ideológico, consideramos que o resultado desta situação fantasmagórica ilustra outro debate social aberto: o processo de des-profissionalização da função docente. Não podemos esquecer que os professores do Ensino Secundário se debatem, em numerosas ocasiões, entre a angústia de um modelo profissional tecnicista, burocrático e o sonho de uma profissão liberal. Na verdade, a perda de espaço e de poder por parte do corpo docente, talvez resultado de convergência de múltiplos factores, como a intromissão de outras entidades na actividade profissional, a alteração de valores sociais, a nova situação laboral das famílias, os escândalos escolares propagados pela comunicação social, a desestruturação da família nuclear, as características da própria carreira universitária, estão a fazer com que os professores tenham cada vez mais dificuldade no exercício da sua profissão.
Este aspecto tornou-se mais visível depois da entrada em vigor da referida lei, uma vez que os seus dois grandes princípios – atendimento à diversidade e compreensão – mostram aos professores que aquilo que tinham estado a fazer durante anos e pelo qual lhes foi reconhecido o seu empenhamento social, não só devia mudar imediatamente como, também, se salientava que essa prática tinha sido inadequada. Este facto obrigou à realização de programas de formação de professores (Taylor, 2005) que, se permitiram a constituição de novas ideias e intencionalidades que pudessem ser operacionalizadas, na prática encontraram, como obstáculo, a escassez de fundos que impediu que a mudança se realizasse, conduzindo, isso sim, a uma rejeição da mudança e a sensações de desconforto e pessimismo.
O que foi feito do princípio de compreensão educativa?
No ensino secundário obrigatório, a compreensão implica a integração de todos os alunos de idades compreendidas entre os doze e os dezasseis anos. Ao concluir esta etapa, obtém-se o primeiro título académico espanhol: o Graduado em Educação Secundária Obrigatória. Por este motivo, e a fim de evitar a desigualdade, impera o desejo social de que todos, independentemente das suas características e condições, possam superar os objetivos propostos e, desse modo, conseguir tão precioso título.
Sem margem para dúvidas, conceber uma educação comum e da qual todos possam sair vitoriosos, não é uma mudança fútil. Esta convicção contraria a pedagogia para elites característica do ensino médio (Tirado, 1996), se bem que não exige uma mudança ou aposentadoria antecipada de todo o corpo docente do ensino secundário, mas requer, pelo menos, uma mudança de mentalidade no que diz respeito ao exercício da profissão. Exige uma convicção democrática, apenas assumida quando o discurso da diversidade, mesclado de hipocrisia, modismo ou imposição, se converter em estandarte de defesa das identidades e em estilo de vida de quem o proclama.
Basta observar uma placa de anúncios escolares para sentir um duplo desalento. Por um lado, estamos a referir-nos ao facto, quase mercantilista, em que se converteu o processo de avaliação. Tal como acontece em alguns países anglo-saxónicos, a qualificação tradicional foi reduzida a uma listagem de nomes, números e notas expostos ao público através dos rankings. Por outro lado, o verdadeiro mal-estar da nossa consciência surge perante a passividade social em relação às contínuas e elevadas percentagens de não superado, não apto, suspenso ou insuficiente com que os alunos são avaliados, ano após ano. Problema de uns ou incompetência de outros? Fica a dúvida, pelo que será necessário analisar o corpo discente: o que se está a passar com os alunos?
O extravagante da situação é que ainda existem grupos docentes que defendem, com unhas e dentes, à margem de toda a legalidade, concepções educativas selectivas, enraizadas noutro momento social e histórico diferente daquele em que vivemos. Em síntese, e como afirma Barral (1998), a escola compreensiva pretende oferecer uma cultura comum a que tenham acesso todos os cidadãos. O modelo de escola compreensiva que propomos oferece um mesmo currículo básico, as mesmas experiências e oportunidades educativas e de aprendizagem para todos dentro de uma mesma instituição escolar, o que leva, como consequência, ao respeito pelas diferenças (Rodkin et al, 2006).
Estamos conscientes das dificuldades que teve, e continua a ter o corpo docente da Escola Secundária para o desenvolvimento e adopção das medidas necessárias que contêm a resposta à diversidade do corpo discente devido, sobretudo, à carência de tempos estabelecidos e remunerados para a análise, reflexão e coordenação das actividades. Do mesmo modo, tais medidas requerem a criação e experimentação de materiais curriculares em diferentes contextos e situações práticas. Isto é, há instituições onde se verificam boas práticas resultantes de um trabalho em grupo e colaborativo e que promove e facilita os processos de melhoria. A partir desta óptica, não devemos esquecer que desde que a reforma foi incrementada, a tarefa de elaboração de currículos tendo em conta a diversidade, longe de ser experienciada como uma possibilidade para melhorar a educação foi, pelo contrário, interpretada por muitos professores como mais uma tarefa burocrática que tinham que cumprir ou como um instrumento que, simplesmente, veio prolongar a normatividade das administrações educativas nas escolas. Não faltam, também, aqueles profissionais que consideram uma utopia desejável a inclusão da diversidade, mas inatingível nas condições actuais, nem aqueles que acreditam que é uma panaceia para resolver todos os problemas educativos (Antúnez et al,, 1992).
Neste sentido, estas dificuldades redesenhadas constituem, entre outras, o marco de referência da nossa actividade docente, ao mesmo tempo que nos ajuda a tomar consciência dos esforços que teremos que assumir para atingir este fim. Se exceptuarmos diversas experiências e realizações ainda isoladas ou em desenvolvimento (Ferretti, MacArthur e Okolo, 2005; Friend e Pope, 2005; Grace, 2006), somos obrigados a pensar que o lema pela autonomia e pela reconstrução interna dos centros, o reconhecimento do protagonismo de um novo professor mais crítico e reflexivo, bem como o fortalecimento das equipas docentes (consideradas como núcleos de colaboração para o desenvolvimento educativo), tem algum significado no plano das declarações e, quem sabe, da retórica fácil, mas não na plataforma das decisões, das práticas organizativas, curriculares ou formativas, nem nos apoios que deveriam ser congruentes com as mesmas.
O ensino obrigatório, no seu desejo de oferecer uma educação básica e comum a todos os cidadãos, deve reflectir o caráter multicultural da sociedade. Neste sentido, o currículo de cada centro terá que fazer uma recolha das culturas que estejam representadas no mesmo, prestando atenção aos valores implícitos em cada uma delas. Este convencimento de mudança requer que se ministre um ensino diversificado, aberto e flexível, não só com o propósito de dar respostas adequadas à situação pessoal e social dos estudantes, mas também de considerar as grandes diferenças existentes entre os seus interesses, motivações, necessidades e inquietudes.
Mãe, o que acontecerá quando tiver idade para entrar no ensino secundário obrigatório?
Vários autores (Atirado, 1996; Molina e Illán, 1999) apontaram algumas das dificuldades que implica, para os alunos, a própria estrutura e características da Educação Secundária Obrigatória. O funcionamento e estrutura dos institutos de ensino secundário, ligado à prática educativa habitual de uma boa parte dos seus professores, criam novas necessidades educativas nos alunos, as quais não existiam antes de sua chegada ao instituto. Por um lado, o agrupamento de conteúdos em torno de grandes áreas, característica da Educação Primária, dissolve-se ao chegar ao ensino secundário, adoptando uma dimensão disciplinar e especializada, situação que dificulta o entendimento globalizado dos factos, a generalização do conhecimento e o significado das aprendizagens. Por outro lado, a estrutura organizativa de um instituto, segmentada e compartimentada, supõe um grande número de professores/as diferentes que interagem com muitos alunos.
Este facto, não só comporta uma grande diversidade de metodologias, normas de actuação, critérios de avaliação, como também uma grande quantidade de matérias e horários que dificultam a adopção de estratégias didácticas e pedagógicas adequadas, tanto para o processo de aprendizagem, como para as necessidades dos estudantes. Estamos convictos de que estas condições, não só dificultam o processo de aprendizagem, como, também, em muitas ocasiões, são responsáveis por algumas necessidades educativas que os estudantes não tinham antes da sua chegada à Educação Secundária Obrigatória.
Como já sabemos, o desenvolvimento do pensamento formal, através do qual é possível integrar conhecimentos, organizá-los, generalizá-los e inclusive formular hipóteses, começa a desenvolver-se, de modo genérico, coincidindo com a etapa da Educação Secundária Obrigatória. Nesta etapa, os alunos estão mais desenvolvidos para assumir uma maior autonomia e amplitude de perspectivas. Neste sentido, uma proposta curricular integrada (como a que defendemos), vai favorecer, não só a consolidação do pensamento concreto, mas também o desenvolvimento do pensamento hipotético-dedutivo e proposicional.
Indubitavelmente, a chegada da integração escolar representou um duro golpe para a cultura segregacionista instaurada no sistema educativo tradicional (Heung e Grossman, 2007). Este facto, permitiu que se dessem alguns passos na direcção de uma etapa mais democrática, na qual a presença de todos os alunos independentemente da idade, sexo, tipo de corpo, cultura... etc., supôs, para os centros e professores, a necessidade de levar a cabo mudanças organizativas, à escala macro, transformando estruturas, currículos, materiais, metodologias, programas, etc. Passa a ser nesta mudança ideológica, onde se origina e assenta o conceito de diversidade; um termo difícil de circunscrever e simplificar já que está carregado de ideologia (Sáez, 1997).
Todavia, é essa carga ideológica que lhe confere a razão de ser e de existir. A materialização deste princípio ideológico, é levada a cabo no sistema educativo em consequência de um esforço, sistemático e governamental, realizado para melhorar o sistema educativo (McLaughlin, 1975). Perante a nossa atónita observação, estas propostas foram confrontadas com o novo sistema educativo emergente, ancorado no modelo científico-homogeneizante, carente de base social e que despersonaliza o corpo discente, ao pretender a sua estandardização (Saez, 1997), gerando contradições importantes entre o equilíbrio do currículo, que respeita a diversidade, e um modelo social mercantil-eficientista que procura a eficiência dos trabalhadores. A julgar por esta última teoria filosófica, só poderão triunfar na sociedade aqueles que melhor se adaptem e respondam às exigências do sistema. Invertendo a ordem, receamos que aqueles grupos que há anos foram afastados do sistema educativo e excluídos socialmente, voltarão agora, com a nova lei, a ser excluídos (de uma forma legal), ainda que dentro do sistema, pondo em causa o que, apesar de tudo, se conseguiu com a extinta LOGSE.
Neste sentido, o que parecia ser a grande matéria pendente do sistema educativo, com a lei que, subsequentemente, se obteve, conduziu, afinal, a uma qualificação de insuficiente. O respeito pela diversidade exige que se reclame uma escola aberta, flexível, crítica e plural, tal como foi proposta por Giroux (1990). A formação de professores constitui-se como uma questão central; apesar dos esforços realizados, é necessário que se insista na formação científica e didáctica, ligada a uma reforma no processo de acesso à profissão docente (curso de adaptação pedagógica, critérios de acesso, em oposição à ideia de que a carreira docente é um emprego para toda a vida).
Na situação educativa actual, o tratamento do atendimento à diversidade passa, necessariamente, pela consideração das dificuldades de ensino (dos professores/as) e de aprendizagem, e não só pelas dificuldades de aprendizagem do corpo discente. Não posso dizer que as dificuldades de aprendizagem surjam, exclusivamente, em consequência das características educativas dos alunos mas também pela ausência de ajustamento entre estas e as condições que são oferecidas pela escola e pelos professores. Consequentemente, qualquer resposta pedagógica que se ofereça deverá basear-se, não só nas características educativas dos alunos mas também - e o que é mais importante-, na qualidade de um serviço educativo personalizado e compreensivo.
Como resultado da análise dos indicadores educativos, os professores poderão conservar o seu status quo, legitimando, assim, o da sociedade, ou, pelo contrário, poderão adoptar uma postura crítica, orientada para a emancipação, tal como defendem Freire (1975) e Giroux (1990). Sobre esta mesma idéia, Jiménez e Vilà (1999) asseguram que sem o esforço crítico dos professores – e restantes agentes educativos - para superar os valores de uma sociedade competitiva e desigual, é impensável a mudança para uma educação na diversidade, se, de facto, considerarmos que essa educação é absolutamente necessária.
Educar na diversidade supõe transgredir o limite da cultura oficial – tradicionalmente elitista -, para reconstruir a escola a partir das diferentes culturas dos alunos, de modo a que sejam tidas em conta aquelas que, historicamente, foram afastadas do meio escolar, aquelas cujas vozes foram intencionalmente silenciadas. Neste sentido, defendo uma perspectiva ideológica que, de maneira explícita, aposte numa escola pública, numa escola para todos, através de um Projeto Educativo cimentado na filosofia da normalização (Sánchez, 1994). Portanto, é possível afirmar que o discurso da diversidade é um discurso preferencialmente ético, na medida em que, ou nos situamos ao serviço de uma educação de qualidade para todos - sem exclusão -, ou nos pomos ao serviço do sistema hegemónico de poder. O significado global desta opção está estreitamente vinculado ao universo das atitudes e dos valores, fazendo parte do meio social e político em que nos situamos, e através do qual configuramos um sistema de crenças que guiam as nossas acções e comportamentos (Apple, 1986).
Tradicionalmente, a diversidade educativa, longe de ser considerada como uma característica própria e singular da vida quotidiana, foi percebida como uma problemática que complica o processo de ensino-aprendizagem. No entanto, mais do que um dilema técnico, converte-se num dilema ético (Gimeno, 1993) e axiológico (Jiménez e Vilà, 1999), na medida em que obriga a adoptar uma postura política e social perante os reptos que as diferenças humanas ocasionam ao sistema educativo.
Nesta perspectiva, considero que a diversidade é uma característica intrínseca da condição humana, um valor positivo e enriquecedor das relações sociais entre as pessoas. Trata-se de um novo modo de entender o facto educativo, contrário ao modelo dual de ensino, e no qual se advoga a inclusão daqueles alunos que, por uma ou outra razão, foram, no passado, segregados e afastados dos centros educativos (Ratcliffe, 2006). A vantagem principal desta revolução copernicana apoia-se na consideração positiva da diferença e na configuração de um meio cultural aberto, flexível e transdisciplinar, no qual se aceitem e respeitem as diferenças individuais e se persiga a eliminação das desigualdades.
Esta nova perspectiva pôs em relevo não tanto a necessidade de individualizar a instrução (Eisner, 1987), mas também a obrigação de personalizar o processo de ensino aprendizagem. Tal como numa sapataria não existe calçado de um só número (que corresponderia à média aritmética da população), nem num restaurante servem, apenas, uma refeição, mas, tanto na sapataria como no restaurante encontramos sapatos e menus de diferentes medidas, texturas, ingredientes, sabores, cores, de acordo com os diferentes gostos, para que possam ajustar-se às necessidades de todos e de cada um, do mesmo modo consideramos que uma escola democrática, que pretenda dar resposta a todos os alunos que foram obrigados a estar no seu seio, deve garantir aquilo que denomino por ensino à carta, que corresponde a uma oferta educativa aberta, flexível e capaz de se adaptar às características individuais dos alunos, dando resposta às suas necessidades e interesses, e contra a tendência homogeneizadora dos últimos anos, que trata de nos impor perfumes unissex e prendas de talha única.
Por este motivo, os programas e métodos de ensino escolar deverão ter em conta, na actualidade, tais interesses, características e necessidades, antes de empreender itinerários e decisões educativas de ordem política. Na actualidade, é complicado negar a todos os alunos a possibilidade de aprender. O repto pretende determinar, cientificamente, que devem aprender, onde, quando, como, com que critérios e através de que vias é possível atingir esse objectivo. Esta aproximação ao processo de aprendizagem está inspirada na escola construtivista de Vigotsky.
No entanto, o novo sistema educativo espanhol resgata um modelo deficitário que estabelece a origem dos problemas nos próprios alunos, motivo pelo qual são considerados, explícita ou implicitamente, deficientes, específicos, inadaptados, problemáticos, especiais, com necessidades educativas especiais. Por esta razão, os esforços centram-se em dar respostas individualizadas aos alunos que mais problemas suscitam a um sistema fechado, em lugar de argumentar com as vantagens que comportaria, para toda a comunidade educativa, a adopção de um modelo compreensivo através do qual seria possível crescer numa escola para todos, nessa escola da felicidade que desejamos, na qual todos os alunos, através de diferentes actividades, possam desenvolver ao máximo as suas capacidades e, ao fazê-lo, possam desfrutar o prazer e a emoção pelo conhecimento. Definitivamente, uma escola em que todos os alunos sejam tratados em igualdade e a partir de um currículo comum e democrático. O empenho na construção desta escola, tal como o desejo de fazer essa mudança, é a base na qual assenta o nosso trabalho diário.
Neste sentido, é necessário dirigir os esforços para os verdadeiros actores da dita mudança: os professores. Se a educação está ao serviço da ordem política, e se, ao mesmo tempo, deve constituir-se numa perspectiva crítica, não poderemos conformar-nos apenas com propostas. É necessário que eles sejam considerados como artífices da mudança, como autênticos libertadores da ordem ideológica estabelecida; isto é, como profissionais críticos cujo labor se projecte para além do horizonte tecnicista e burocrático.
Muitas são as sombras e numerosos os fantasmas que envolvem a nova lei educativa em cuja base se estabelece o princípio mais importante do processo educativo. Desconhecê-la é um indicativo importante para a implantação da nova reforma. Conhecê-la implica, necessariamente, entrarmos num processo de atribuição de significados - com frequência - conotativos; um processo que contém em si valores contrários à expressão denotativa deste princípio e, portanto, desenvolvidos à margem da lei. Por outro lado, e em defesa destes livres-pensamentos, teremos de exigir que se ponham em acção mecanismos que permitam comprovar como todos e cada um dos princípios e valores que propõe a lei, não só são do conhecimento dos professores como também saber como acederam ao seu conhecimento.
Isto é, se durante a última década se sucederam numerosas investigações que dão conta de uma opinião maioritária a favor da LOGSE, entendida como uma proposta politicamente correcta, que responde à diversidade e promove processos de construção democrática, não é possível que resgatemos da nova lei os problemas históricos do século passado em matéria docente. E cremos que não é possível, pois, sendo correctas tais investigações, estranho e confuso é comprovar a outra cara do diabo, como diz o professor Nicola Cuomo. Estranho, contraditório e confuso porque a nova lei propõe grandes interrogações ainda sem solução, como, por exemplo: porque é que num mesmo centro existe diversidade de critérios de pensamento em matéria educativa? Porque é que não se gastam as energias a pôr em prática e com seriedade as mudanças políticas e ideológicas que a nova lei propõe? Como é possível que, no presente, a escola desenvolva o seu trabalho ancorada nos princípios metodológicos do passado? Por que motivo a mudança surge sempre do exterior? De um modo retórico, defende-se um currículo aberto e flexível mas, na prática, procede-se como se o currículo fosse fragmentado, assente numa programação inerte? Sobre quem recai a responsabilidade de garantir que o princípio de atendimento à diversidade é respeitado por todos os professores? Por que é que é mais importante que um aluno saiba limitar, derivar e integrar, em detrimento do conhecimento do seu corpo, da sua honestidade, equilíbrio e honradez? Por que é que um aluno com sucesso académico evolui independentemente da sua atitude e seu comportamento não serem democráticos ou críticos? Por que motivo todos os alunos têm de aprender os mesmos conteúdos e, o que é pior, ao mesmo tempo? E os agrupamentos escolares, por que motivo continuam sequestrados pelo critérios da idade cronológica? Afirmamos defender a diversidade de ritmos de aprendizagem e, ao mesmo tempo, por que é que actuamos como uma espécie de terroristas da linguagem, examinando os alunos de um modo uniforme, num mesmo dia, numa mesma sala, com o mesmo exame e com os mesmos critérios? Porquê? Porquê?
Muitas e importantes são as questões às quais seria necessário dar resposta. Algumas centradas na pessoa, outras, no percurso académico. Esta, centrada no saber e no ter e a primeira, preocupada com o ser e com as emoções. Talvez estas questões encerrem uma ideologia do passado, conservadora de um satus oferecido pela homogeneidade da escola e legitimado por uma universidade medíocre. Sem qualquer tipo de dúvida, uma vez que falamos como professor, é muito simples programar unidades didácticas e sessões orientadas para um grupo modelo, estabelecendo univocidade nos critérios, na metodologia, na organização, a partir da pretensa objectividade científica do acto educativo, a partir da qual se defende que todos os alunos que terminam a Educação Secundária Obrigatória têm que saber extrair consequências, que existem conhecimentos que obrigatoriamente o aluno deve aprender durante o seu percurso no ensino secundário.
Todavia, a abordagem numa escola democrática remete-nos, forçosamente, para a tomada de consciência de que o processo didáctico é um processo dialéctico e que, como tal, não pode ser considerado como algo objectivo, mensurável e circunscrito. Pelo contrário, pretende ser um processo entrópico, tal como a natureza humana, despojado de esterilidade e carregado de valores. O verdadeiro problema estará, não só no conhecimento, mas no uso que dele se possa fazer. Talvez seja difícil dar o salto, talvez até seja um atrevimento, uma insolência da nossa juventude perante um saber instalado e perante aqueles que se amparam num conhecimento estático, inerte sem terem a ousadia de pensar que se em dois mil anos nós, seres humanos, trocámos as cavernas pelos apartamentos, a flecha pela pólvora, o fumo pelo e-mail, não poderemos continuar a utilizar o mesmo sistema, a mesma escola, numa sociedade que é diferente. Se os tempos mudaram, é necessário que, forçosamente, a escola mude. Se não tivermos a ousadia de empreender as mudanças, permaneceremos nesse conflito insolúvel entre o passado e o futuro.
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* Faculdade de Educação da Universidade de Múrcia.
Revisão científica de Manuel Tavares