Introdução
A Organização Mundial de Saúde definiu a literacia em saúde como algo que diz respeito às capacidades sociais e cognitivas que determinam a motivação e habilidade dos indivíduos para receberem, entenderem e utilizarem a informação sobre saúde, de modo a promoverem e manterem a saúde (World Health Organization 2004). A literacia em saúde tem sido o foco de diferentes políticas em Portugal, embora a investigação nesta área ainda seja escassa. Trata-se de uma temática de extrema importância, uma vez que os resultados em saúde, assim como a qualidade dos cuidados prestados, são influenciados não só pelo nível de Literacia em Saúde dos cidadãos, mas também dos profissionais de saúde que os cuidam, podendo ser um importante elemento preditor das desigualdades em saúde (Vieira, 2020). Segundo Oliveira e Levindo (2020), a transição para o ensino superior caracteriza-se geralmente como um período de ansiedade, sendo acompanhada por mudanças na vida académica e psicossocial dos jovens estudantes. Quando vivenciado de forma pouco adaptativa ou até disfuncional, este processo pode levar os estudantes a baixo rendimento académico, a insatisfação com a vida académica a questionamento sobre as suas escolhas vocacionais e até levar ao abandono escolar. Além disso, podem também ocorrer consequências ao nível psicológico, como ansiedade e depressão. A evidência produzida ao longo das últimas décadas aponta para que a qualidade da adaptação aos novos contextos de vida seja considerada uma variável preditora do sucesso académico (Nogueira et. al., 2017), que envolve, não apenas os aspetos escolares, mas também os sociorrelacionais e psicológicos (Soares et. al. 2015; Van Rooij, et.al. 2018). Nem todos os estudantes estão capacitados para enfrentar e gerir os desafios com sucesso.
No que respeita aos estudantes universitários portugueses, um estudo realizado por Michalos (1991) citado por Imaginário (2011) coloca os estudantes portugueses no final de uma lista de 39 países no que se refere ao bem-estar subjetivo. Em contrapartida, num outro estudo efetuado por Imaginário et. al., (2011) com 355 estudantes da Universidade do Algarve, os estudantes apresentavam uma boa satisfação com a vida, predominância de afetos positivos, sendo o bem-estar subjetivo mais elevado entre o sexo masculino e os que frequentavam os últimos anos da sua formação académica. Coleta e Coleta (2006) concluíram que os alunos com maior bem-estar subjetivo evidenciavam mais e melhores condutas académicas (rendimento académico, expetativas quanto ao curso, tempo passado na Universidade) demonstrando ainda mais hábitos de leitura, atividades extracurriculares e prática de atividades desportivas. Zheng, et. al., (2004) encontraram, na sua investigação com estudantes do Ensino Superior, bem-estar subjetivo mais elevado nos estudantes deslocados, mas socialmente integrados na instituição frequentada. Quanto maior bem-estar subjetivo menor será o risco de comportamentos prejudiciais para a saúde nos estudantes universitários uma vez que alguns estudantes vão iniciar relações com pessoas com hábitos diferentes e de risco e que poderão ser mimetizados: fumar, beber, consumir drogas e ter comportamentos sexuais não protegidos. O contacto com estes fatores, que acompanham a socialização dos novos estudantes ao ingressarem no Ensino Superior, têm um forte impacto e fazem-se sentir com maior intensidade naqueles estudantes que saem da esfera de segurança e vigilância do ambiente familiar e estão sujeitos a estas novas influências podendo dizer-se que esta transição para o novo meio académico universitário funciona, em muitos jovens, como um fator de risco (Faria et. al.,2014).
Em Portugal, Faria et al., (2014) desenvolveram um estudo envolvendo jovens universitários e tendo constatado que o nível de instrução não foi fator de proteção na escolha de condutas saudáveis entre os jovens. Os estudantes inseridos há mais tempo na vida acadêmica, quando comparados aos de ingresso recente, apresentaram maior risco para doenças crónicas não transmissíveis. Com a entrada no ensino superior ocorrem situações propícias a maior ansiedade como as saudades de casa, solidão, timidez, dificuldades de relacionamento com professores e colegas, medo do insucesso académico, problemas financeiros e de gestão da casa, que podem ser motivos para consumos aditivos (Pereira & Costa, 2016) O consumo repetido de uma substância psicoativa é caracterizada pelo consumo compulsivo e muitas vezes descontrolado. Tal situação persiste em desprezo por todas as consequências negativas do consumo (físicas, psicológicas e até sociais). A toxicodependência é uma doença que se caracteriza por um modelo destrutivo de abuso de drogas. A pressão das atividades académicas, a necessidade de fazer parte do grupo, o preço acessível da bebida alcoólica e a ausência da proibição do consumo de álcool no ambiente universitário são algumas das causas relacionadas com o consumo de álcool entre os estudantes universitários (Faria et al., 2014). A ingestão de álcool deve-se muito ao facto de os estudantes terem a crença de que este alivia estados emocionais negativos, funcionando como uma estratégia de coping, ainda que mal adaptativa, muitas vezes utilizadas para fazer face ao stresse, tendo como objetivo “fugir” aos problemas do dia-a-dia ou, simplesmente, desinibição social (Galvão et.al., 2017). O consumo de bebidas alcoólicas em excesso pode desencadear problemas como violência, acidentes de viação, dependência química, desnutrição, doenças hepáticas, gastrointestinais, cardiovasculares, respiratórias, neurológicas, do sistema reprodutivo e mentais. A ingestão de álcool provoca efeitos que vão desde a euforia até a falta de controlo e sono, e quando o consumo é exagerado pode provocar o estado de coma (Heckmann & Silveira, 2009). Na Europa, cerca de 127 mil pessoas morrem e 2,4 milhões ficam feridas por ano, vítimas de acidentes de viação. Destas, cerca de um terço têm idades compreendidas entre os 15 e os 29 anos, sendo esta a faixa etária em que os acidentes rodoviários são a primeira causa de morte e em que os homens constituem cerca de 80% do total das vítimas (Racioppi, et.al., 2004). São já vários os estudos que relacionam a participação em atividades recreativas noturnas dos jovens com o consumo de álcool e drogas (Measham, & Brain, 2005; Calafat, et. al., 2007), bem como com outros comportamentos de risco (Lomba, et. al., 2011). Os estudantes universitários expostos a ambientes nos quais o álcool é facilmente obtido e possui baixo custo apresentam maior probabilidade de consumirem álcool excessivamente do que aqueles que não estão expostos a situações desta natureza (Peuker, et.al., 2006). O consumo excessivo de álcool entre universitários também pode ser favorecido de forma indireta. Estudantes influenciam-se mutuamente, por imitação ou reforço do comportamento de beber e fumar. A seleção de colegas, a escolha do tipo de substância, o padrão de uso e a forma como o consumo de substâncias dos seus pares é percebida parecem interagir neste processo.
O tabaco e o álcool são responsáveis por cerca de 4% do peso global de um conjunto de doenças (WHO, 2004). O consumo do tabaco constitui nos países desenvolvidos a mais devastadora causa de doença evitável e de morte prematura. Está associado a um conjunto de doenças, destacando-se o cancro do pulmão, boca e laringe, a doença cardíaca e cerebrovascular e as doenças pulmonares obstrutivas crónicas (Ogden, 2004). A grande maioria dos fumadores iniciaram o consumo na adolescência (Nunes, 2004). Na União Europeia, o pico de iniciação ocorre entre os 12 e os 14 anos (Vitória et. al., 2000) e quanto mais cedo começam a fumar maior risco de se tornarem dependentes.
1. Material e métodos
Com este estudo pretendemos determinar se as variáveis sociodemográficas, académicas e contextuais interferem na literacia em comportamentos aditivos nos estudantes do ensino superior. Enquadra-se no projeto “AppSaúde: Empoderar para Melhor Viver”, Referência PROJ/IPV/ID&I/020. O instrumento de colheita está dividido em duas partes. Na primeira parte foi realizado um questionário ad hoc que procede à caracterização sociodemográfica (sexo; estado civil; nacionalidade; distrito de proveniência; irmãos; grau de escolaridade dos pais; residência e situação atual perante o estudo/profissão), caracterização académica (instituição de ensino superior; curso; ciclo de estudos e ano; tipo de estudante; programa de mobilidade; autoavaliação do desempenho académico e média de classificação no momento de aplicação), estilos de vida e comportamentos aditivos (consumo de tabaco e bebidas alcoólicas e frequência). Na segunda parte surge a escala que estuda a Literacia para comportamentos aditivos, construída e validada para o efeito, como a seguir se descreve.
A recolha de dados efetuou-se por intermédio de um questionário, disponibilizado na plataforma online Google Forms, após parecer favorável da Comissão de Ética do Instituto Politécnico de Viseu. Os participantes deste estudo foram informados da temática e dos objetivos do estudo,obtido o seu consentimento e foi garantido o seu anonimato e confidencialidade .
Os instrumentos de cálculo usados foram o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), na versão 25.0 para Windows e o AMOS 25 (Analysis of Moment Structures)Recurreu-se a estatística descritiva, análise multivariada ( análise por cluster e a analise de regressão multivariada) e estatística inferencial
1.1 Construção e Validação da Escala de Literacia em comportamentos aditivos (ELCA)
Para a elaboração da escala foram inicialmente definidos os constructos. E procurou-se para cada definir um conjunto de itens que permitissem a sua medição ( 25 itens) . De seguida, sujeitaram-se os itens a validade de conteúdo e semântica. A primeira foi realizada por quatro peritos na área da saúde dos comportamentos aditivos e por um perito na construção de escalas. Assumiu-se que só os itens com concordância inter-juízes acima de 75% seriam incorporados no instrumento final (15 itens).
A validade semântica processou-se através de um pré-teste realizado a 50 estudantes. Todas as modificações e sugestões apresentadas foram incorporadas na versão final da escala.
A escala ficou constituída inicialmente por 15 afirmações que pretendem definir os conhecimentos sobre comportamentos aditivos. Encontra-se organizada em escala ordinal tipo Likert com o seguinte formato de resposta: 1 (Não Sei), 2 (Muito difícil), 3 (Difícil) 4 (Fácil) e 5 (Muito Fácil). O score de cada Fator obtém-se pelo somatório dos diferentes itens que o compõem. O resultado será transformado num score de 0 a 100 utilizando a seguinte fórmula: ((score bruto-valor mínimo)÷ pela amplitude) x 100.
Pela análise fatorial exploratória e confirmatória, o Alpha de Cronbach para os 15 itens foi de 0,896; Correlação item total 0,896, saturações superiores a 0,40; teste de esfericidade de Barttellet’s 4492,100. A análise fatorial exploratória inicial revelou a existência de 3 fatores e explicam 67,38% da variância. Forçando a 2 fatores estes explicavam 59,49% da variância. Fator 1 constituído por 12 itens e o Fator 2 por 3 itens. Submetida esta estrutura bifatorial a análise fatorial confirmatória, analisou-se a sensibilidade dos itens tendo-se eliminado 2 itens (24, 25) por apresentarem Assimetria e Kurtose bastante elevadas (Figura 1. Os Índices de Bondade e Ajustamento Global apresentavam valores inadequados pelo que se procedeu ao refinamento do modelo, tendo por base os Índices de Modificação propostos pelo AMOS. Em função disso foram eliminados 3 itens (31,33 e 34) por revelarem problemas de multicolinearidade. O modelo intermédio ficou constituído com o fator 1 tendo 12 itens e no Fator 2 com 3 itens. O modelo final ficou constituído com o fator 1 tendo 6 itens e no Fator 2 com 3 itens. Todas as trajetórias dos itens para os respetivos fatores apresentam saturações superiores a 0,50, significativas e com bons índices de ajustamento (GFI=.926; CFI= 0,939; CMIN/DF=7.07; RMR=0,084 e sofrível RMSEA=.115).
1.2 Procedimentos para análise de dados
Avaliaram-se as propriedades psicométricas da escala ELCA através de estudos de fiabilidade e de validade. Com os primeiros determinou-se a consistência interna dos itens através do coeficiente de correlação de Pearson com a nota global e do coeficiente alfa de Cronbach assumindo-se como valores de referência correlações superiores a 0.2 e 0.70 respetivamente (Marôco, 2021).
Para os estudos de validade realizou-se a analise fatorial exploratória (AFE) e a análise fatorial confirmatória (AFC). Para a primeira optou-se pelo método dos componentes principais e uso da rotação ortogonal do tipo varimax. Na retenção de fatores consideraram-se os valores próprios superiores a 1 e o gráfico de declive (scree plot). Assumiu-se como critério de saturação dos itens valores iguais ou superiores a 0.40. Na AFC foi usada a matriz de covariâncias e adotado o algoritmo da máxima verosimilhança MLE (Maximum-Likelihood Estimation) para estimação dos parâmetros.
Os procedimentos estatísticos seguiram a seguinte sequência: (i) sensibilidade dos itens, avaliada pela assimetria (Sk) e achatamento (Ku), como valores de referência <=3 e <= 7 respetivamente; (ii) qualidade do ajustamento global do modelo sendo usados os índices: razão do qui quadrado/ graus de liberdade (x2/gl) são adequados valores inferiores a 5; goodness-of-fit index (GFI), e comparative fit index (CFI). Para estes índices são adequados valores superiores a 0,90; root-square error of aproximation (RMSEA) standardized root mean square residual (SRMR) e root mean square residual (RMR), são aceites valores inferiores a 0,08; (iii) qualidade do ajustamento local efetuada pelos pesos fatoriais (λ) e pela fiabilidade individual dos itens (r2) com valores de 0.50 e 0.25 respetivamente; (iv) fiabilidade compósita (FC) estima a consistência interna dos itens relativos ao fator. Uma FC≥ 0,70 é considerada apropriado; (v) validade do construto avaliada pela validade convergente (VEM) e (vi) validade discriminante. Valores de VEM ≥ 0,50 indica validade adequada e considera-se que há evidência da VD quando a correlação ao quadrado entre os fatores é menor do que a VEM para cada fator.
A reespecificação do modelo realizou-se com base nos índices de modificação propostos pelo AMOS.
Itens-Fator-1 |
---|
2-Compreender a informação sobre o impacto do consumo de tabaco na saúde. |
3-Usar informações para tomar decisões acerca do consumo do tabaco. |
7-Compreender a informação sobre o impacto do consumo de bebidas alcoólicas na saúde. |
8-Usar informações para tomar decisões acerca do consumo bebidas alcoólicas. |
9-Alterar os hábitos de consumo de bebidas alcoólicas, que afetam a saúde. |
10-Compreender a informação dos órgãos de comunicação oficiais (ex: ministério da saúde) sobre o consumo de bebidas alcoólicas. |
Itens-Fator-2 |
13-Usar informações para tomar decisões acerca do consumo de substâncias ilícitas/drogas (Cannabis; Haxixe; Erva; Marijuana; LSD; Anfetaminas; Cocaína; Ecstasy; Heroína; Crack; outras….). |
14-Alterar os hábitos de consumo de substâncias ilícitas/drogas (Cannabis; Haxixe; Erva; Marijuana; LSD; Anfetaminas; Cocaína; Ecstasy; Heroína; Crack; outras….) que afetam a saúde. |
15-Compreender a informação dos órgãos de comunicação oficiais (ex: ministério da saúde) sobre o consumo de substâncias ilícitas/drogas (Cannabis; Haxixe; Erva; Marijuana; LSD; Anfetaminas; Cocaína; Ecstasy; Heroína; Crack; outras….) que afetam a saúde. |
A amostra global foi dividida em duas subamostras sendo utilizada na AFE uma amostra de 461 estudantes e na AFC 463 estudantes.
2. Resultados
Utilizamos uma amostra não probabilística por conveniência, constituída por 924 participantes, estudantes do ensino superior, com uma média de idade de 22,36 anos (±6,1 dp). Na sua maioria são solteiros (89,5%) e 75,0% estão a frequentar uma licenciatura, encontrando-se em maior percentagem (40,6%) no 1º ano curricular. Somente 4,76% se encontram em programa de mobilidade. Mais de 78,0% da totalidade da amostra considera o seu desempenho escolar bom ou muito bom e para 60,2% a média de classificação situa-se entre os 14 e 16 valores. No que se refere às estatísticas relativas à literacia em comportamentos aditivos, para o total da amostra, revelam um mínimo e um máximo a oscilar entre 0 e 100, com uma média de 75,49±19,32, com um coeficiente de variação a indicar uma dispersão moderada. Constata- se uma média mais elevada para o fator Compreender e utilizar a informação (M=82,28±18,57) (Tabela 1).
Literacia em comportamentos aditivos | N | Min | Max | M | DP | CV (%) | Sk/erro | K/erro |
Compreender e utilizar a informação | 0,00 | 100,00 | 82,28 | 18,54 | 22,53 | -22,87 | 30,56 | |
Alteração de hábitos de consumo | 924 | 0,00 | 100,00 | 61,91 | 30,35 | 48,99 | -6,50 | -3,81 |
Total | 0,00 | 100,00 | 75,49 | 19,32 | 25,59 | -14,75 | 15,50 |
Há um predomínio de estudantes com moderada literacia em comportamentos aditivos (42,2%), secundados pelos que revelam baixa literacia (29,8%), com 28,0% a manifestarem elevada literacia. Os resultados indicam que no grupo de estudantes com baixa literacia em comportamentos aditivos sobressaem os do sexo feminino (79,6%). Fazendo-se uma análise por faixas etárias, apura-se que são os estudantes mais novos (idade ≤19 anos) que mais revelam baixa literacia em comportamentos aditivos (37,8%). Os estudantes que manifestam elevada literacia em comportamentos aditivos são os que têm idade ≥22 anos (36,7%). São os estudantes sem companheiro (a) que revelam moderada literacia (90,5%) (Tabela 2). O Teste Qui-Quadrado não revela existência de diferenças estatisticamente significativas.
Literacia em comportamento s aditivos | Baixa literacia | Moderada literacia | Elevada literacia | Total | Residuais | X2 | p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | nº % | (275) (29,8) | nº % | (390) (42,2) | nº % | (259) (28,0) | nº % | (924) (100.0) | 1 | 2 | 3 | ||
Sexo | |||||||||||||
Masculino | 56 | 20,4 | 83 | 21,3 | 49 | 18,9 | 188 | 20,3 | .0 | 0,6 | -.7 | .536 | .765 |
Feminino | 219 | 79,6 | 307 | 78,7 | 210 | 81,1 | 736 | 79,7 | .0 | -.6 | .7 | ||
Idade | |||||||||||||
<=19 anos | 104 | 37,8 | 138 | 35,4 | 71 | 27,4 | 313 | 33,9 | 1.6 | .8 | -2.6 | 7,365 | .118 |
20-21 anos | 83 | 30,2 | 119 | 30,5 | 93 | 35,9 | 295 | 31,9 | -.7 | -.8 | 1.6 | ||
>=22 anos | 88 | 32,0 | 133 | 34,1 | 95 | 36,7 | 316 | 34,2 | -.9 | -.1 | 1.0 | ||
Estado civil | |||||||||||||
Sem companheiro | 243 | 88,4 | 353 | 90,5 | 231 | 89,2 | 827 | 89,5 | -.7 | .9 | -.2 | .830 | .660 |
Com companheiro | 32 | 11,6 | 37 | 9,5 | 28 | 10,8 | 97 | 10,5 | .7 | -.9 | .2 |
A análise dos dados da literacia em comportamentos aditivos em função do ciclo de estudos que frequentam revela que são os estudantes com a licenciatura que obtiveram valores percentuais mais elevados nos três grupos de coorte: baixa literacia (75,6%), moderada literacia (77,7%) e elevada literacia (70,3%). A manifestar mais baixa literacia encontram-se os estudantes do 1.º ano (45,0%). Os valores dos residuais ajustados mostram diferenças estatisticamente significativas, situadas nos estudantes do 4.º ano e com elevada literacia em comportamentos aditivos (X2=25,138; p=0,001). Numa análise por desempenho académico, apuram-se percentagens mais elevadas nos estudantes que têm um desempenho escolar “Bom”, com elevada literacia (62,5%) (Tabela 3).
Literacia em comportamentos aditivos | Baixa literacia | Moderada literacia | Elevada literacia | Total | Residuais | X2 | p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | nº % | (275) (29,8) | nº % | (390) (42,2) | nº % | (259) (28,0) | nº % | (924) (100.0) | 1 | 2 | 3 | ||
Ciclo de estudos CTeSP Licenciatura Mestrado Outro | 7 208 46 14 | 2,5 75,6 16,7 5,1 | 5 303 60 22 | 1,3 77,7 15,4 5,6 | 7 182 55 15 | 2,7 70,3 21,2 5,8 | 19 693 161 51 | 2,1 75 17,4 5,5 | 0,7 0,3 -0,4 -0,4 | -1,4 1,6 -1,4 0,1 | 0,9 -2,1 1,9 0,2 | 6,451 | 0,375 |
Ano curricular ano ano ano ano ano | 122 73 53 16 7 | 45,0 26,9 19,6 5,9 2,6 | 159 114 84 25 4 | 41,2 29,5 21,8 6,5 1,0 | 90 75 47 40 5 | 35,0 29,2 18,3 15,6 1,9 | 371 262 184 81 16 | 40,6 28,7 20,1 8,9 1,8 | 1,8 -0,7 -0,3 -2,0 1,2 | 0,3 0,5 1,1 -2,2 -1,4 | -2,1 0,2 1,1 4,5 0,3 | 25,138 | 0,001 |
Desempenho académico | 17,888 | 0,022 | |||||||||||
Mau | 5 | 1,8 | 2 | 0,5 | 1 | 0,4 | 8 | 0,9 | 2,0 | -1,0 | -1,0 | ||
Razoável | 61 | 22,2 | 72 | 18,5 | 31 | 12,0 | 164 | 17,7 | 2,3 | 0,5 | -2,9 | ||
Bom | 152 | 55,3 | 246 | 63,1 | 162 | 62,5 | 560 | 60,6 | -2,2 | 1,3 | 0,8 | ||
Muito Bom | 52 | 18,9 | 63 | 16,2 | 59 | 22,8 | 174 | 18,8 | 0,0 | -1,8 | 1,9 | ||
Excelente | 5 | 1,8 | 7 | 1,8 | 6 | 2,3 | 18 | 1,9 | -0,2 | -0,3 | 0,5 |
Os estudantes que nunca fumaram revelam mais literacia no fator Compreender e utilização a informação (OM=471,18) e os que fumam atualmente pontuaram mais no fator Alteração de hábitos de consumo (OM=479,64) e no fator total (OM=474,133) (Tabela 4).
Hábitos tabágicos | Fumo atualmente | Costumava fumar, mas já parei | Nunca fumei | X2 | p |
---|---|---|---|---|---|
Literacia em comportamentos aditivos | OM | OM | OM | ||
Compreender e utilizar a informação | 445,28 | 429,00 | 471,18 | 3,147 | .207 |
Alteração de hábitos de consumo Total | 479,64 474,33 | 457,66 451,11 | 460,45 462,48 | .567 .447 | .753 .800 |
Os estudantes que referem consumir bebidas alcoólicas são os que revelam mais literacia no fator Compreender e utilizar a informação (OM=470,34) e no fator total (OM=471,30), sendo os que nunca consumiram bebidas alcoólicas aqueles que pontuaram mais no fator Alteração de hábitos de consumo (OM=468,73) (Tabela 5).
3. Discussão dos resultados
O estudo evidencia que há um predomínio de estudantes com moderada literacia em comportamentos aditivos (42,2%), secundados pelos que revelam baixa literacia (29,8%). Constatamos o desempenho académico e o ano curricular foram as variáveis que tiveram relevância estatisticamente significativa nos níveis de literacia em comportamentos aditivos. Assim, aferiu-se que os estudantes com uma média mais elevada no fator Compreender e utilização a informação são os mais velhos e os que manifestam mais literacia no fator Alteração de hábitos de consumo são os que possuem idade compreendida entre os 20-21 anos, (p=0,010). Obtiveram-se valores de ordenação média mais elevados para os estudantes com um desempenho académico “Excelente”, destacando-se o fator Compreender e utilização a informação. Os estudantes com pontuações mais baixas são os que têm um desempenho académico “Mau”, resultando em diferenças estatisticamente significativas (Compreender e utilização a informação p=0,028; Alteração de hábitos de consumo p=0,011; fator total p=0,003). Registam-se valores de ordenação média mais elevados para os estudantes do 4.º ano curricular, com destaque para o fator Alteração de hábitos de consumo. No estudo de Jeffries et al. (2016), os estudantes com mais comportamentos aditivos tinham idade entre os 18 e os 20 anos, o que reforça o pressuposto de que entre estudantes do ensino superior este tipo de comportamento é uma preocupação significativa de saúde, o que requer que se dotem os estudantes com mais literacia em saúde, pois, em conformidade com Pedro, et. al. (2016), nos últimos anos, as evidências têm demonstrado que um nível inadequado de literacia em saúde pode ter implicações importantes nos resultados em saúde, no uso dos serviços de saúde e resultar também em maiores gastos em saúde. Também Pedro et al. (2016), concluíram que, em Portugal, 61% da população inquirida manifestava um nível de literacia geral em saúde problemático ou inadequado, situando-se a média de outros países europeus em 49,2% (Espanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Alemanha, Bulgária, Polónia e Áustria). As autoras, face aos resultados apurados, referem que a literacia em saúde não consiste num “problema individual”, mas num “problema sistémico”, que agrega diversas dimensões e competências, o que requer “a elaboração de estratégias de atuação nestes domínios” (Pedro et al., 2016, p. 272). Como tal, torna-se fundamental, no domínio dos comportamentos aditivos, dotarem-se os estudantes do ensino superior de mais literacia em saúde. Rolova, et. al., (2021). Verificou-se que nenhuma das variáveis contextuais estudadas (consumo de bebidas alcoólicas e hábitos tabágicos) interfere na literacia em comportamentos aditivos nos estudantes do ensino superior. No entanto, verificou-se que os estudantes que nunca fumaram revelam mais literacia no fatorCompreender e utilização a informação e os que fumam atualmente pontuaram mais no fator Alteração de hábitos de consumo e no fator total. Estes resultados poderão ser explicados com o facto de os estudantes que nunca fumaram terem mais literacia em como usar informações para tomar decisões acerca do consumo do tabaco, o que poderá resultar, inclusive, numa relação de causa-efeito, ou seja, tendo mais literacia a este nível faz com que os mesmos não tenham hábitos tabágicos. Constatou-se também que os estudantes que referem consumir bebidas alcoólicas são os que revelam mais literacia no fator Compreender e utilização a informação e no fator total, sendo os que nunca consumiram bebidas alcoólicas aqueles que pontuaram mais no fator Alteração de hábitos de consumo, o que poderá sugerir que estes estudantes nunca consumiram bebidas alcoólicas porque possuem mais conhecimentos sobre o facto de os hábitos de consumo de bebidas alcoólicas afetarem a sua saúde.
Conclusão
A Escala construída e validada para avaliar a literacia em comportamentos aditivos (ELCA) apresenta boas qualidades psicométricas, sendo um bom instrumento para as Instituições de Ensino Superior aplicarem aos seus estudantes. No modelo final ficou constituído com o fator 1 tendo 6 itens e no Fator 2 com 3 itens. Todas as trajetórias dos itens para os respetivos fatores apresentam saturações superiores a .50, significativas e com bons Indicies de ajustamento (GFI=.926; CFI= .939; CMIN/DF=7,07; RMR=.084 e sofrível RMSEA=.115
No nosso estudo, apenas 28,0% dos estudantes manifestaram elevada literacia em comportamentos aditivos; é o desempenho académico e o ano que frequentam que influenciam a literacia em comportamentos aditivos. Consideramos indispensável que se conheça o nível de literacia em comportamentos aditivos dos estudantes do ensino superior para podermos intervir de forma integrada e coordenada, com projeto de educação para a saúde multidisciplinar, e integrado no plano estratégico da instituição. Os Hábitos e comportamentos de saúde que se consolidam nesta fase têm tendência a manter-se ao longo da vida, sendo preditores da saúde e bem-estar futuro. As intervenções formativas devem recorrer a metodologias ativas, capazes de empoderar os estudantes do Ensino Superior neste âmbito. O Recurso a tecnologias, prática simulada, ambientes de aprendizagem virtuais e interativos fazem com que o envolvimento dos estudantes no processo formativo seja maior e consequentemente a aprendizagem facilitada. As abordagens em literacia em comportamentos aditivos devem ter em conta as especificidades dos estudantes e ir ao encontro das suas reais necessidades. O estudante do ensino superior vivencia contextos informais facilitadores de iniciação aos consumos (Tabaco, álcool e outras substâncias aditivas) surgindo muitas oportunidades de promoção de literacia em saúde. A evidência científica aponta para a necessidade de recentrar a ação nos resultados e implica o desenvolvimento de intervenções mais adequadas à população jovem capacitando-os para a tomada de decisão e adoção de comportamentos promotores da sua saúde
Agradecimentos
Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto Refª UIDB/00742/2020. Agradecemos adicionalmente à Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) e ao Politécnico de Viseu pelo apoio prestado.