Introdução
O pensamento e a pedagogia de John Dewey têm merecido uma ampla divulgação e estudo, influenciando modelos e práticas educativas por todo o mundo (Thorburn, 2017, 2019; Higham & Biddulph, 2018). Esta relevância advém, em parte, do reconhecimento generalizado atribuído a um conjunto de propostas que desencadearam uma verdadeira revolução copernicana na educação, ao propor a centralização do ato educativo na aprendizagem dos alunos e na assunção convicta de que a aprendizagem pressupõe atividade e experimentação (Alcoforado, 2008; Branco, 2010).
Os ideais pedagógicos de Dewey constituíram a base para a construção dos princípios da escola nova (Correia, 1997; Trindade, 2009), um movimento internacional de renovação da educação, com início no final do século XIX e primeira metade do século XX, que considerou que toda a prática educativa deve centrar-se no aluno e não no professor como transmissor de conhecimentos e detentor do poder, permitindo que o aluno gere aprendizagens significativas. Este ideário antecipa e fundamenta teoricamente um conjunto de competências para a sustentabilidade exigidas aos cidadãos contemporâneos (Tarrant & Thiele, 2016).
A análise comparativa dos princípios enunciados por Dewey e os objetivos gerais e específicos do 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB) permite constatar similitudes entre eles. Como é referido no programa do 1.º CEB (Ministério da Educação, 2006) o professor deve: proporcionar ambientes que possibilitem que os alunos expressem os seus interesses e aptidões e que fomentem a experiência; desenvolver nos alunos a capacidade de analisar e interpretar de forma crítica os fenómenos culturais, sociais e naturais, bem como a sua capacidade para resolver problemas de ordem prática; promover a capacidade de trabalho autónomo e em grupo e suscitar nos alunos atitudes, como a responsabilidade, a solidariedade e a participação democrática na sociedade.
Deste modo, é de salientar a importância de aprofundar o pensamento educacional de John Dewey por se encontrar presente no currículo do 1.º CEB, um ciclo de estudos poucas vezes abordado, mas de grande relevância no desenvolvimento da criança, e em que não encontrámos registo de estudos sobre esta temática, em Portugal. Dada a pertinência e atualidade da pedagogia deweyana na formação dos cidadãos contemporâneos (Tarrant & Thiele, 2016), é essencial perceber a adesão dos professores à sua implementação e os principais constrangimentos existentes.
Neste sentido, este estudo procurou conhecer a perspetiva dos professores do 1.º CEB sobre os ideais pedagógicos de Dewey, perceber se estes recorrem a esta pedagogia e, também, saber quais são as principais dificuldades encontradas na aplicação das metodologias e estratégias preconizadas e as sugestões para as ultrapassar. Assim, foi enunciado o problema desta investigação nos seguintes termos: Será que a ação pedagógica dos professores do 1.º CEB se enquadra na pedagogia de John Dewey?
1. Enquadramento teórico
John Dewey manifestou, desde jovem, grande interesse pelos ideais social-democratas, defendendo, no seu tempo (1859-1952), os movimentos pedagógicos progressistas, visando melhorar as propostas educativas da escola (Thorburn, 2019). Este pedagogo queria impulsionar os fundamentos de uma “escola democrática, experimentalista e laboratorial” (Marques, 2001, p. 49), defendendo que a aprendizagem deveria permitir o trabalho de projeto, o trabalho de grupo, o inquérito social, o trabalho de campo e a cooperação.
O pensamento pedagógico de Dewey pode ser aglutinado e dividido em quatro princípios teóricos: o princípio da atividade, o princípio da utilidade, o princípio da democracia e o princípio científico. Nas palavras de Roldão (1994, p. 67), estes princípios têm fornecido uma base filosófica ao conceito da criança como “pensador concreto”, cuja aprendizagem é o resultado de um processo contínuo de desenvolvimento.
No que concerne ao princípio da atividade, Roldão (1994) refere que para Dewey a criança é um agente ativo, ou seja, ela não aprende a partir da pura e simples transmissão de conhecimento, muito pelo contrário, a criança constrói aprendizagens “através da experiência pessoal ou através da recriação da experiência dos outros” (p.67).
O princípio da utilidade está ligado ao anterior e refere que a criança dá significado a uma atividade se esta tiver utilidade. Deste modo, quando é planeado e construído o currículo, é importante estarem sempre presentes objetivos utilitários e imediatos, pois a aprendizagem apenas ocorre a partir de atividades úteis para as crianças (Roldão, 1994).
O princípio da democracia é fundamental para Dewey (1938), pois, segundo este pedagogo, as interações de caráter democrático permitem uma maior qualidade e experiência humana (Tarrant & Thiele, 2016). Para este autor, a educação tem, de facto, uma função social, de modo a que os alunos consigam desenvolver-se a partir da pertença a uma comunidade (Marques, 2001).
O princípio científico aponta para a utilização do método científico numa filosofia de experiência, que Dewey (1938) considera estar intimamente ligado ao método educativo. Ambos implicam a ação sobre as coisas, alterando as condições existentes e a verificação das diferenças entre essas alterações e as hipóteses formuladas (Alcoforado, 2008). Portanto, as atividades devem permitir a descoberta científica, resolvendo problemas do quotidiano.
Dewey (1938) considerou que o método de resolução de problemas é o mais adequado, tendo como ponto de partida a experiência atual do aluno. Percebe-se, por isso, a relevância dada ao trabalho de projeto, que resulta de um trabalho de cooperação entre o professor e os alunos. O projeto contrapõe-se a uma mera atividade (isolada ou imposta) pelo seu caráter intencional e mobilizador de uma aprendizagem ativa e significativa para o aluno (Pedanik, 2019).
Transpondo a pedagogia de Dewey para o currículo do 1.º CEB, constatam-se semelhanças nos princípios e objetivos defendidos por ambos. Para este autor, o verdadeiro conhecimento é o que decorre da experiência, não fazendo sentido separar o conhecimento da ação. Assim, relativamente ao princípio da atividade, constata-se que o currículo do 1.º CEB objetiva proporcionar aos alunos a experimentação e a descoberta, “a expressão de interesses e aptidões em domínios diversificados” (Ministério da Educação, 2006, p.13).
Dando seguimento a esta análise comparativa, o princípio da utilidade enunciado por Dewey assenta no pressuposto de que apenas as aprendizagens úteis para a criança podem ser consideradas significativas (Marques, 2001). No programa do 1.º CEB, a questão da utilidade está bem presente, quando preconiza que é fundamental permitir que os alunos adquiram a capacidade de resolver problemas práticos, conseguindo interpretar e analisar o mundo à sua volta.
Cruzando o princípio da democracia na pedagogia de Dewey com os objetivos do 1.º CEB, podemos verificar que, neste ciclo de ensino, o terceiro objetivo geral, “desenvolver valores, atitudes e práticas que contribuam para a formação de cidadãos conscientes e participativos num a sociedade democrática” (Ministério da Educação, 2006, p. 13), corresponde à dimensão da cidadania da formação, orientado para a promoção da cidadania e da democracia na sociedade.
O princípio científico preconizado por Dewey assenta no pressuposto de que a ciência na escola possibilita aos alunos a compreensão de situações que acontecem na sociedade, permitindo ao aluno desenvolver a sua reflexão e espírito crítico (Roldão, 1994). A ideia da criança como descobridor/investigador, está também presente no currículo do 1.º CEB, acentuando a importância de o professor realizar atividades de descoberta e resolução de problemas práticos, que pressupõe pesquisa, observação, a exploração, interpretação e análise crítica dos fenómenos naturais, sociais e culturais.
Neste cruzamento de dados, importa salientar o relevante papel do professor no âmbito desta pedagogia. Assim sendo, os professores do 1.º CEB devem regular a sua ação pedagógica a partir dos princípios enunciados, ou seja, devem permitir que os alunos realizem experiências de aprendizagem “ativas, significativas, diversificadas, integradas e socializadoras que garantam, efetivamente, o direito ao sucesso escolar de cada aluno” (Ministério da Educação, 2006, p.23), facilitando a aprendizagem destes.
Com base na revisão de bibliografia foram definidos os seguintes objetivos de investigação: determinar se as atividades desenvolvidas no 1.º CEB vão ao encontro da pedagogia de Dewey, na perspetiva dos professores inquiridos; conhecer as principais dificuldades dos professores do 1.º CEB para a implementação da pedagogia de Dewey; e identificar sugestões de melhoria do processo de ensino-aprendizagem no 1º CEB, na perspetiva dos professores deste nível de escolaridade.
2. Métodos
Face à problemática e aos objetivos definidos foi realizada uma investigação transversal, de caráter descritivo e comparativo (Fortin, 2003), recorrendo ao inquérito por questionário aos professores.
2.1. Participantes
Uma amostra de conveniência foi recolhida em três agrupamentos de escolas do concelho de Viseu. Constituída por 96 professores (84.4% do sexo feminino) do 1.º CEB, com idades entre 25 e 61 anos (M=48.30; DP=6.53). A idade média dos participantes femininos é superior à do sexo masculino (cf. Tabela 1). Relativamente ao tempo de serviço, este varia de 1 a 37 anos (M=24.28; DP=6.89). Para os elementos do sexo feminino, o tempo de serviço médio foi superior aos do sexo masculino (15.6%) com 24.96 anos, comparativamente a 20.60 anos (cf. Tabela 2). No que concerne às habilitações académicas, 82.3% dos participantes tinham licenciatura, 13.5% mestrado e 4.2% bacharelato. Quanto à situação profissional, 75.0% pertencem ao Quadro de Agrupamento, 19.8% ao Quadro de Zona Pedagógica e 2.1% são professores Contratados.
2.2. Instrumentos
O instrumento de recolha de dados está estruturado em três partes.
a) Questionário sobre os Dados Sociodemográficos: constituído por questões de resposta fechada referentes à caracterização pessoal e profissional dos participantes (idade, sexo, tempo de serviço, habilitação académica e situação profissional).
b) Questionário sobre a Ação Pedagógica no 1.º CEB e o Trabalho de Projeto (adaptado, no presente estudo, de Festas, 2014). Foi utilizada uma escala Likert pontuada de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), com um total de 15 itens - 8 itens distribuídos pelos quatro princípios teóricos: o princípio da atividade (e.g., “No 1.º CEB, o processo de ensino-aprendizagem realiza-se através da participação ativa do aluno na construção do seu conhecimento, aplicando o lema: “só se aprende a fazer, fazendo”); o princípio da utilidade (e.g., “O professor do 1.º CEB proporciona ao aluno um ambiente onde este tem a possibilidade de resolver problemas tal como surgem na vida real”); o princípio da democracia (e.g., “O ensino do 1.º CEB orienta os alunos para a cidadania ativa, com base no desenvolvimento de cidadãos participativos, responsáveis e críticos”); e o princípio científico (e.g., “O professor do 1.º CEB permite que o aluno realize atividades que possibilitam a descoberta científica, com materiais e processos naturais”); 2 itens relativos ao Trabalho de Projeto (e.g., “Os conhecimentos prévios dos alunos desempenham um papel preponderante no processo de ensino-aprendizagem”); e 5 itens relativos aos ambientes proporcionados pelo Trabalho de Projeto (e.g. “…se confrontam com situações problemáticas que pretendem desenvolver”).
c) Questionário sobre a Identificação das dificuldades e sugestões dos professores: Com duas questões de resposta aberta (“Quais as maiores dificuldades que o ensino no 1.º CEB lhe tem apresentado, durante a sua carreira como docente, tendo em conta as ações pedagógicas e o trabalho de projeto anteriormente enunciado”; De acordo com a sua experiência, dê algumas sugestões para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem no 1.º CEB”).
2.3 Procedimentos
Foi realizado um pré-teste ao questionário a 6 professores do 1.º CEB de um concelho vizinho, solicitando que reportassem imprecisões ou dificuldades no seu preenchimento. Após pequenos ajustes, a versão final do questionário foi enviada à Direção-Geral de Educação (DGE), para monitorização e autorização da sua aplicação em meio escolar. O questionário foi aprovado com o número de registo 0515600001. De seguida, foi solicitada autorização aos Diretores de Agrupamentos de Escolas e feita a recolha de dados pessoalmente. Os professores foram informados dos objetivos do estudo e deram o seu consentimento por escrito. Todos os procedimentos éticos foram seguidos, salvaguardando-se a confidencialidade dos dados. A aplicação do questionário decorreu em 2016. Nem todos os professores a quem foram distribuídos questionários participaram. Num dos Agrupamentos de Escolas, esta fase coincidiu com as reuniões gerais dos professores do 1.º CEB, o que facilitou bastante a tarefa. Nos outros dois Agrupamentos o questionário foi entregue aos professores pelos Coordenadores de Departamento do 1.º CEB e a entrega foi feita algumas semanas depois.
2.4 Análise de dados
Para a análise dos dados quantitativos, provenientes das respostas fechadas do questionário foi usada a estatística descritiva, utilizando o programa informático Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 21). Foram calculadas frequências absolutas (N) e frequências percentuais (%) e, no caso das variáveis de razão (idade e tempo de serviço no ensino), também foram calculadas as médias e os desvios-padrão. No que se refere ao tratamento dos dados qualitativos, que se reportam às respostas abertas do questionário, utilizámos a análise de conteúdo (Bardin, 2016), um conjunto de técnicas de análise das comunicações, utilizando procedimentos objetivos e sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens.
3. Resultados
Dados referentes à ação pedagógica no 1.º CEB
O princípio da atividade é um dos princípios fundamentais da pedagogia de Dewey. Tendo em conta os resultados, mais de metade dos inquiridos concorda, ou concorda totalmente, que o ensino no 1.º CEB permite aos alunos: a participação ativa na construção do conhecimento, aplicando o lema “só se aprende a fazer, fazendo” (59.4% e 32.3%, respetivamente); o desenvolvimento de capacidades de exploração e manipulação de materiais (64.6% e 12.5%, respetivamente); e o desenvolvimento da capacidade de esforço, perseverança e disciplina, tendo em conta que este nível de ensino se centra no saber-fazer (54.2% e 42.7%, respetivamente).
O princípio da utilidade é também bastante relevante nesta pedagogia. Relativamente a este princípio, a análise dos resultados revelou que a grande maioria dos inquiridos concorda (70.8%), ou concorda totalmente (14.6%), que o ensino no 1.º CEB proporciona ao aluno um ambiente semelhante à realidade vivida.
O princípio da democracia é basilar na pedagogia de Dewey, considerando a educação como um processo social, que promove a aprendizagem dos valores democráticos. A este respeito, mais de metade dos inquiridos concorda que o ensino no 1.º CEB permite aos alunos desenvolver capacidades de comunicação e cooperação, cultivando atitudes solidárias (65.6%), sendo que 31.1% concordam totalmente. Opinião semelhante se verificou relativamente à afirmação de que o 1.º CEB orienta os alunos para a cidadania ativa e permite o desenvolvimento de cidadãos participativos, responsáveis e críticos, com a qual os professores concordam (62.5%), ou concordam totalmente (32.3%).
O princípio científico de Dewey (2002) preconiza o valor da experimentação e da resolução de situações-problema desafiantes. Neste âmbito, verificou-se que cerca de três quartos dos inquiridos concordam que o ensino do 1.º CEB permite aos alunos conhecer a história e evolução dos materiais e objetos (75%), sendo que 9.4% concordam totalmente. De forma idêntica, 72.9% dos professores concordam e 20.8% concordam totalmente com a afirmação de que o ensino no 1.º CEB possibilita ao aluno realizar atividades que permitam a descoberta científica, com materiais e processos naturais.
Trabalho de projeto e sua implementação
O trabalho de projeto é uma das aplicações mais evidentes da pedagogia de Dewey. Após a análise dos resultados, relativamente ao papel preponderante dos conhecimentos prévios dos alunos no processo de ensino-aprendizagem, constatou-se que a maioria dos inquiridos concorda (55.2%), ou concorda totalmente (36.5%) com a importância desses conhecimentos. Já em relação ao facto de as unidades de trabalho se desenvolverem no âmbito do fluxo “situação-problema-indagação-reflexão-nova situação”, a maioria dos inquiridos concorda (72.9%), ou concorda totalmente (6.3%) com esta afirmação.
No que concerne ao ambiente proporcionado aos alunos para a implementação do trabalho de projeto, evidenciou-se, em todas as questões, a concordância dos inquiridos, embora houvesse algumas discordâncias. Assim, grande parte dos professores concorda, ou concorda totalmente, que: i) o trabalho de projeto, no 1.º CEB, proporciona ambientes em que os alunos se confrontam com situações problemáticas que pretendem resolver (79.2% e 15.6%, respetivamente); ii) permite trabalhar com base no método de resolução de problemas (74% e 13.5%, respetivamente); iii) possibilita desenvolver a capacidade organizativa (74% e 22.9%, respetivamente); iv) permite desenvolver o pensamento crítico e reflexivo (74% e 23.9%, respetivamente); e v) desenvolver a aprendizagem autónoma (69.8 e 21.9%, respetivamente).
Dificuldades relativas à implementação da pedagogia de John Dewey
O professor desempenha um papel fundamental na aplicação dos princípios orientadores da pedagogia de Dewey. No que se refere às dificuldades sentidas durante a docência no 1.º CEB, os inquiridos salientaram as “características dos alunos/turma” (71 menções, equivalente a 39.44%), sendo o número elevado de alunos por turma (30 menções) e a existência de mais de um ano de escolaridade por turma, os indicadores mais referidos, logo seguidos das turmas heterogéneas (7 menções) e dos comportamentos inadequados de alguns alunos (6 menções). São também apontados os “recursos materiais/apoios”, com 27.22%, sendo a falta de material o indicador mais recorrente (Tabela 3).
Com uma percentagem ainda expressiva temos os “programas/metas”, com 26.67%, salientando-se como indicadores mais frequentes a extensão do programa (24 menções) e a complexidade do mesmo (12 menções). De destacar, também, seis indicadores (3.33%) que remetem para a falta de tempo, consequência de um programa extenso. A constante alteração dos programas e das políticas educativas foi outra dificuldade considerada (2.78%).
Sugestões para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem no 1.º CEB
Apesar das dificuldades que os professores enunciaram, estes sugeriram, igualmente, diversas alterações que poderão contribuir para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem. Neste ponto, os inquiridos salientaram o “programa/metas” (49 menções, equivalente a 31.21%), sendo a diminuição da extensão do programa, a revisão, atualização das metas e um programa mais adequado, os indicadores mais referidos. Seguiram-se as “características dos alunos/turmas”, com 26.75% de menções, sendo as turmas mais pequenas o indicador mais recorrente (37 menções) e, ainda com percentagens assinaláveis, a “organização educativa”, e os “recursos materiais/apoios”, com 17.20% e 15.29%, respetivamente. Salientam-se, como indicadores da primeira categoria, a redução de horas letivas e mais autonomia, e da segunda categoria, o aumento de equipamento/materiais (Tabela 4).
4. Discussão
A análise dos resultados permite constatar que a maioria dos professores concorda com a afirmação de que o processo de ensino-aprendizagem no 1.º CEB se realiza através da participação ativa do aluno na construção do seu conhecimento, aplicando o lema “só se aprende a fazer, fazendo”, o que vai ao encontro dos ideais pedagógicos defendidos por Dewey, que encara o aluno como um agente ativo no processo de ensino-aprendizagem (Marques, 2001; Tarrant & Thiele, 2016 ).
Os resultados demonstram que a maioria dos docentes concorda com a afirmação de que os professores do 1.º CEB proporcionam um ambiente que desenvolve no aluno a capacidade de esforço, perseverança e disciplina, atitudes que Dewey (1938) considerou essenciais para que o aluno consiga alcançar os objetivos a partir do seu trabalho e persistência.
Ainda neste contexto, os resultados evidenciam que a maioria dos docentes concorda com a afirmação de que os alunos, no 1.º CEB, desenvolvem a capacidade de manipulação e exploração dos materiais até dominarem as técnicas da sua transformação. Tal está em consonância com a pedagogia de Dewey que considera o “saber fazer” essencial para o desenvolvimento da aprendizagem (Roldão, 1994).
Constata-se que a maior parte dos professores do 1.º CEB afirma proporcionar ao aluno um ambiente onde este tem a possibilidade de resolver problemas tal como surgem na vida real, indo ao encontro do que Dewey (2002) sugere, designadamente, que o aluno deve conseguir tirar significado das suas aprendizagens de modo a estas serem úteis, com aplicações em situações do quotidiano, não como algo abstrato e sem utilidade.
Os dados obtidos revelam também que a maior parte dos professores considera que, nas práticas letivas do 1.º CEB, os alunos desenvolvem a capacidade de comunicação e de cooperação, cultivando atitudes solidárias. Regista-se também um claro predomínio de professores que concordam com a ideia de que o ensino orienta os alunos para a cidadania ativa, com base no desenvolvimento de cidadãos participativos, responsáveis e críticos, na linha do que Dewey (1959) preconiza para o desenvolvimento dos valores democráticos.
A esmagadora maioria dos inquiridos revela ainda que, no respeitante à sua ação pedagógica, o professor permite que o aluno conheça a história e evolução dos materiais e objetos, relacionando os diversos saberes (históricos, sociais, científico-naturais...), e que realize atividades que possibilitam a descoberta científica, com materiais e processos naturais, estando isto em conformidade com o princípio científico impulsionado por Dewey (2002). Deste modo, a ação pedagógica dos professores não se reduz apenas a uma prática rotineira, mas sim a uma prática ativa de descoberta científica sobre os materiais e processos naturais.
Tendo em conta que as afirmações anteriores referentes aos quatro princípios teóricos de Dewey (1938), podemos considerar que estão a concretizar-se os objetivos propostos pelo documento Organização Curricular e Programas Ensino Básico - 1.º CEB (Ministério da Educação, 2006), que salientam a importância de serem os alunos a construírem os seus conhecimentos, através da experiência e da resolução de problemas do quotidiano, bem como a importância de serem desenvolvidas atitudes de entreajuda, cooperação, responsabilidade e solidariedade.
Quanto ao Trabalho de Projeto, constata-se que a grande maioria dos professores considera que as ideias prévias dos alunos desempenham um papel preponderante no processo de ensino-aprendizagem e que as unidades de trabalho, no 1.º CEB, desenvolvem-se no âmbito do fluxo situação-problema-indagação-reflexão-nova situação. Como tal, a maioria dos participantes é unânime em considerar que a ação pedagógica é desenvolvida através de um processo racional e faseado, na procura de soluções para os problemas levantados pelos alunos, através de uma aprendizagem baseada na experiência - corroborando os pressupostos da pedagogia de Dewey (Higham & Biddulph, 2018).
Os professores referem diversas dificuldades que o ensino no 1.º CEB lhes tem apresentado, salientando-se o número elevado de alunos por turma, a falta de materiais e de recursos tecnológicos e a extensão do programa e a sua complexidade, corroborando os resultados de outras investigações (Mendonça, 2000; Pereira, Cardoso, & Rocha, 2015). Face a estas dificuldades, quase em espelho, os professores dão também sugestões pertinentes para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, com manifestas implicações para a prática.
Conclusões
Esta investigação vem mostrar que os objetivos gerais do 1.º CEB vão ao encontro do ideário educacional de John Dewey e que os princípios que orientam a ação pedagógica dos professores estão, igualmente, em conformidade com os princípios teóricos por ele preconizados.
As atividades desenvolvidas no 1.º CEB vão ao encontro da pedagogia Deweyana proporcionando ambientes que permitem a atividade do aluno, a experimentação, o desenvolvimento de valores e atitudes democráticas, a descoberta e a compreensão científica, o desenvolvimento de projetos ajustados às necessidades e interesses dos alunos através da aplicação do método de resolução de problemas.
O trabalho de projeto preconizado por Dewey, e realizado nas escolas do 1.º CEB, faz com que a cooperação entre o professor e os alunos seja uma realidade, através do levantamento de problemas em sala de aula, em que as experiências dos alunos são fontes privilegiadas.
Contudo, os professores mencionam inúmeras dificuldades que o ensino no 1.º CEB lhes tem apresentado, que representam sérios constrangimentos à sua ação, dificultando a necessária flexibilidade e diferenciação pedagógica na abordagem do programa curricular, em correspondência com as necessidades, interesses e vivências dos alunos, aspetos centrais da pedagogia de Dewey.
As sugestões de melhoria elencadas, reforçam as implicações deste estudo para a prática educativa, nomeadamente ao nível do Ministério da Educação e ao nível dos órgãos diretivos das escolas. De entre elas, destacam-se a necessidade de haver turmas mais pequenas, programas menos extensos, revisão/atualização das metas/programas, mais equipamentos tecnológicos e recursos para atividades experimentais. Só através destas mudanças políticas e organizacionais, os professores do 1.º CEB terão condições para implementar com efetividade uma metodologia ativa, participativa, capaz de promover a exploração do meio envolvente e a manipulação e exploração de materiais.
A investigação desenvolvida dá resposta aos objetivos delineados, no entanto, há algumas limitações a referir. Uma delas é o facto de este estudo se basear apenas no inquérito por questionário, tendo em conta a perspetiva dos professores inquiridos. Ou seja, os professores revelaram uma perspetiva em geral favorável aos princípios da pedagogia de Dewey, o que não significa que os coloquem em prática em igual proporção ao grau de concordância manifestado. Outra limitação prende-se com a amostra de conveniência utilizada e o número reduzido de participantes que não permite a generalização dos dados a toda a população do concelho.
As exigências educativas das sociedades atuais são cada vez maiores e mais desafiantes e implicam um conjunto de mudanças, a diversos níveis, nas políticas educativas, nas escolas e sua dinâmica organizacional e na ação pedagógica dos professores, pois só através de uma ação global e concertada será possível sustentar um processo de ensino-aprendizagem mais motivador, que envolva ativamente os alunos no processo de construção do próprio saber.