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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.253 Lisboa dez. 2024  Epub 31-Dez-2024

https://doi.org/10.31447/37685 

Recensão

Recensão: Control social, represión y otras violencias sobre las mujeres en las dictaduras ibéricas (1933-1975)

Beatriz Fernández de Castro1 
http://orcid.org/0000-0001-6554-1105

1 Universidad de Cádiz, Facultad de Filosofía y Letras » Avenida Dr. Gómez Ulla, 1, Área de Historia Contemporánea, 11003, Cádiz, España ». beatriz.fernandezdecastro@uca.es

Ramos Palomo, María Dolores; Barranquero Texeira, Encarnación; Ortega Muñoz, Víctor J.. (eds.), Control social, represión y otras violencias sobre las mujeres en las dictaduras ibéricas (1933-1975). ,, , Madrid: ,, Dykinson, ,, 2024. ,, 302 pp.p. ISBN, ISBN: 9788410703629.


Durante as primeiras décadas da democracia em Portugal e Espanha, os estudos de género e de história das mulheres lutaram por encontrar um espaço nos centros de investigação, enfrentando a resistência de um campo académico ainda marcado pelas sombras das ditaduras.

Os regimes ditatoriais ibéricos impuseram uma narrativa histórica única, rígida e excludente do passado que eliminava qualquer divergência. Isso contribuiu para sustentar as linhas de investigação e temáticas que legitimaram as suas práticas políticas, a ideologia hegemónica e um pensamento monolítico de carácter autoritário e patriarcal. Após a recuperação das liberdades democráticas em Portugal e Espanha, iniciou-se a tarefa de reconstruir o passado oculto e evitar que narrativas revisionistas omitissem a memória histórica. No entanto, alguns dos vestígios do seu controlo mantiveram-se na sociedade. Este livro, fruto da colaboração entre María Dolores Ramos Palomo, Encarnación Barranquero Texeira e Víctor J. Ortega Muñoz, historiadores do Instituto Universitario de Investigación de Género e Igualdad de la Universidad de Málaga, focase na análise em profundidade das semelhanças e particularidades das ditaduras ibéricas a partir de uma perspetiva de género. A obra aqui recenseada aborda também os processos de socialização, a construção da feminilidade, o controlo social e a repressão que as mulheres sofreram de ambos os lados da fronteira na perspetiva da história das mulheres, realçando a ampla e distinta trajetória dos editores nesta linha de estudo.

O livro é composto por nove capítulos distribuídos em duas secções. A primeira centrase nos meios de controlo social e nos mecanismos repressivos que afetaram as mulheres espanholas e portuguesas durante os regimes franquista e salazarista, destacando particularmente a situação e as experiências das segundas, menos abordadas pela historiografia espanhola. Neste “mapa das violências” entrelaçam-se história e memória, as subjetividades políticas e as formas de resistência que caracterizaram a luta das mulheres na oposição, bem como o nascente movimento feminista.

No primeiro capítulo, escrito por María Dolores Ramos Palomo, Víctor J. Ortega Muñoz e Nuria Félez Castañé, examinam-se as ditaduras de Salazar e Franco a partir de enfoques inovadores que combinam a história do poder, do género e da cultura. Destaca-se o papel ativo das mulheres portuguesas na oposição ao regime, mesmo enfrentando a perseguição, a violência e a prisão. Estas não só desempenharam um papel crucial na clandestinidade como, posteriormente, também participaram em movimentos como o Movimento Democrático de Mulheres (mdm) e o Movimento de Libertação das Mulheres (mlm), influenciados pelo feminismo e pelos acontecimentos da Revolução dos Cravos.

No segundo capítulo, Rosa María Ballesteros García aborda a história contemporânea de Portugal desde a i República (1910-1926), passando pelo golpe militar e o Estado Novo (1926-1974) até à Revolução dos Cravos, em 1974. A autora analisa o modo como, apesar de as mulheres portuguesas terem ganho direitos durante a República, estas eram submetidas a um controlo social estrito e a diferentes tipos de violência e subordinação durante a ditadura, num contexto semelhante ao de Espanha. Apesar da repressão, algumas resistiram e promoveram reformas relacionadas com os direitos femininos, destacando-se o seu ativismo até à queda do regime.

Finalmente, Cristina Somolinos Molina encerra a primeira parte recuperando e valorizando as vozes das mulheres que combateram as ditaduras ibéricas, desafiando as normativas legais e as de género. Estas, duplamente discriminadas por pertencerem ao lado derrotado e pelo facto de serem mulheres, foram marginalizadas na historiografia até que os estudos de género adquiriram relevância nas décadas de 1980 e 1990. Somolinos reúne os seus testemunhos, que funcionam como uma forma de resistência e de reivindicação de uma memória democrática que havia sido silenciada.

A segunda secção do livro desloca a sua abordagem para as mulheres espanholas, tanto aquelas que enfrentaram as duras condições da ditadura no interior do país como as que optaram pelo exílio, sublinhando as diversas formas de perseguição que sofreram, as redes organizativas que criaram, a sua participação ativa na esfera pública durante os anos finais da ditadura e a sua contribuição para as mudanças políticas experimentadas na transição para a democracia.

O capítulo de Encarnación Barranquero Texeira examina o modo como a ditadura franquista utilizou o sistema legal e penal para exercer a repressão, restaurando disposições anteriores à ii República e impondo outras ainda mais restritivas. A autora foca-se em mulheres com participação política direta, oferecendo uma nova perspetiva ao centrar-se no “castigo por parentesco”, um método repressivo aplicado maioritariamente a mulheres devido aos seus vínculos familiares com republicanos.

Rocío Negrete Peña estuda o desacolhimento e o controlo que as mulheres espanholas exiladas em França sofreram após a Guerra Civil, um tema pouco explorado a partir de uma perspetiva de género. A sua investigação procura reescrever a história do exílio republicano incorporando as experiências destas mulheres que, após terem obtido direitos sob a ii República, enfrentaram novas formas de controlo no exílio. Embora tenham sido vistas como um perigo social e moral, e sujeitas a uma vigilância estrita, desenvolveram estratégias de resistência para enfrentar a sua difícil situação.

No sexto capítulo, Pilar Iglesias Aparicio investiga o Patronato de Protección a la Mujer, uma instituição crucial do franquismo no controlo das mulheres “caídas em desgraça”. O Patronato, fortemente influenciado pela Igreja Católica, impunha castigos, reeducação e trabalhos forçados, muitas vezes com base em pretextos subjetivos de “perigo moral”. A investigação destaca a violência institucional e a colaboração entre o regime e as organizações eclesiásticas, sublinhando a continuidade destas práticas até à democracia, sem que as entidades responsáveis tenham pedido desculpa ou proposto medidas de reparação para as vítimas.

Víctor J. Ortega Muñoz explora, no sétimo capítulo, a violência de género durante o franquismo, um tema pouco abordado devido à sua normalização na cultura da ditadura. O regime promoveu uma feminilidade baseada na obediência e na submissão, reforçada por leis que consideravam as mulheres como “propriedade privada” dos homens e pela culpabilização das vítimas. A imprensa, especialmente a jornalista Margarita Landi no semanário El Caso, deu visibilidade a estes crimes, que frequentemente eram justificados como “crimes passionais”.

No penúltimo capítulo, Francisco Javier Pereira Baena e María Dolores Ramos Palomo analisam a forma como o cinema franquista contribuiu para a construção e a divulgação de estereótipos de género alinhados com os valores do nacional-catolicismo. Através do “cinema Pátrio” e do “cinema de Cruzada” exaltavam-se figuras históricas femininas ideais como Teresa de Jesus ou Isabel de Castela, representando uma feminilidade submissa e reforçando a intolerância para com aqueles que não se ajustavam aos estritos limites da moral imposta pelo regime. Nas décadas de 1960 e 1970, a chegada de novos modelos de feminilidade e as primeiras mobilizações pelos direitos das mulheres começaram a desafiar estas representações.

Por último, Nuria Félez Castañé analisa o impacto que o Ano Internacional da Mulher de 1975 teve na situação das mulheres durante o tardo-franquismo. Esta celebração impulsionou reformas legislativas em Espanha, como a eliminação da licença marital, embora as melhorias tenham sido limitadas e não tenham alcançado as reivindicações feministas. O capítulo destaca a forma como a Sección Femenina tentou aproveitar essas mudanças para consolidar a sua influência.

Esta publicação coletiva põe em diálogo as experiências de mulheres sob as ditaduras de Salazar e Franco, permitindo uma comparação que revela as semelhanças e as diferenças nos mecanismos de opressão e de controlo social exercidos sobre elas. Através de um amplo leque de perspetivações e temáticas, os autores oferecem uma abordagem rica e matizada das mesmas, refletindo o modo como, apesar das divergências nos tempos e características dos regimes, ambos partilharam um interesse por controlar as mulheres e relegá-las para papéis subalternos, utilizando estratégias diversas para manter a ordem patriarcal.

Um dos aspetos mais inovadores desta análise é o seu enfoque na história do poder, do género e cultural, que revela a forma como as mulheres em Portugal e Espanha não foram apenas vítimas, mas também protagonistas, na resistência contra as ditaduras. Apesar da brutal repressão, muitas desempenharam papéis significativos na oposição clandestina, em movimentos feministas e na luta pelos direitos humanos, demonstrando uma capacidade de agência e de resistência que desafia as narrativas tradicionais de passividade feminina.

A punição específica contra as mulheres manifestou-se de distintas formas, desde a exclusão da vida pública e a relegação ao lar até castigos mais diretos e brutais. Estas práticas refletiam a misoginia inerente aos regimes fascistas e o seu profundo medo de qualquer forma de desvio da norma e da ordem estabelecida. Com o passar do tempo, a historiografia começou a corrigir estas omissões, recuperando as vozes e as experiências das mulheres que viveram sob estas ditaduras. Este processo não foi fácil nem rápido.

Atualmente, existe um corpus significativo de investigações que trouxe à luz as histórias destas mulheres, mostrando não apenas a sua resistência e oposição aos regimes de Salazar e Franco, mas também as formas específicas de violência e repressão a que foram submetidas. No entanto, ainda há muito por fazer. A história das mulheres sob estas ditaduras está ainda em construção e é necessário prosseguir as investigações e reavaliar os relatos históricos para incluir e valorizar estas experiências que foram silenciadas durante anos. A recuperação destas vozes é essencial para uma compreensão completa e justa do passado, para garantir que as lições da história sejam aplicadas na construção de um futuro mais equitativo e democrático.

Referências

Ramos Palomo, María Dolores, Barranquero Texeira, Encarnación, Ortega Muñoz, Víctor J. (eds.) Control social, represión y otras violencias sobre las mujeres en las dictaduras ibéricas (1933-1975), Madrid, Dykinson, 2024 [ Links ]

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