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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.41 no.1 Lisboa fev. 2025  Epub 28-Fev-2025

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v41i1.13268 

Prática

Via Verde Saúde Laranjeiro: um projeto de equidade em saúde

Via Verde Saúde Laranjeiro: an health equity project

João Dias Ferreira1 
http://orcid.org/0000-0003-1708-2164

Mónica Martins1 

Joana Marinho1 

Cecília Coelho1 

Alice Magalhães1 

Ana Fernandes2 

Diana Coelho2 

Rui Malha2 

Alexandra Fernandes3 

1 Assistente de Medicina Geral e Familiar. ACeS Almada-Seixal, UCSP St. António Laranjeiro. Feijó, Portugal.

2 Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Fernão Ferro MAIS, ACeS Almada-Seixal. Fernão Ferro, Portugal.

3 Assistente Graduada Sénior de Medicina Geral e Familiar. USF Fernão Ferro MAIS, ACeS Almada-Seixal. Fernão Ferro, Portugal.


Resumo

O projeto Via Verde Saúde Laranjeiro (VVL) foi criado em fevereiro de 2020 com o principal objetivo de prestar cuidados de saúde primários de qualidade aos cerca de 7.000 utentes inscritos na Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados Santo António e Laranjeiro (UCSP SAL) sem equipa de família atribuída e aos cerca de 2.000 utentes esporádicos, em situação irregular, contribuindo para minorar a gritante desigualdade no acesso aos cuidados de saúde na região. Baseia-se num modelo de walk-in-clinic, com marcação de consulta de medicina geral e familiar (MGF) no próprio dia por iniciativa do utente, independentemente do motivo. Assenta ainda na gestão da vigilância de grupos vulneráveis por enfermeiros especialistas na área, com intervenção médica em momentos chave ou sempre que solicitada. Neste Projeto trabalham enfermeiros, assistentes técnicos e assistentes operacionais da UCSP SAL, médicos especialistas e internos de MGF desta e de outras unidades funcionais do Agrupamento de Centros de Saúde Almada-Seixal (ACeS AS). Na sequência da implementação da VVL registaram-se profundas alterações na composição da equipa médica e na motivação de toda a equipa multiprofissional da UCSP SAL que, entretanto, se candidatou a evoluir para modelo Unidade de Saúde Familiar (USF) a partir de agosto de 2021.

Palavras-chave: Walk-in-clinic; Acesso; Equidade

Abstract

The Via Verde Saúde Laranjeiro (VVL) project was created in February 2020 with the main goal of providing quality primary health care to approximately 7,000 patients enrolled in the Santo António e Laranjeiro Personalized Health Care Unit (UCSP SAL) without an assigned family team, and to about 2,000 sporadic patients, in an irregular situation, contributing to alleviate the glaring inequality in access to health care in the region. It is based on a walk-in-clinic model, with user’s initiative appointments for general and family medicine (MGF) on the same day, regardless of the reason. It is also based on surveillance of vulnerable groups managed by specialist nurses, with medical intervention at key moments or whenever requested. It includes nurses, technical and operational assistants from UCSP SAL, family doctors, and family medicine trainees from this and other functional units of the Almada-Seixal Health Centers Group (ACeS AS). Following the implementation of this project, there were profound changes in the composition of the medical team and in the motivation of the entire multi-professional team at UCSP SAL, which applied to evolve to the Family Health Unit (USF) model in August 2021.

Keywords: Walk-in-clinic; Access; Equity

Início

A Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados Santo António e Laranjeiro (UCSP SAL), pertencente ao Agrupamento de Centros de Saúde de Almada e Seixal (ACeS AS), serve cerca de metade dos residentes na União de Freguesias do Laranjeiro e Feijó, no concelho de Almada. No início de 2020, a UCSP SAL tinha cerca de 20.000 utentes inscritos, entre os quais cerca de 7.000 sem equipa de família atribuída. A ela recorriam também anualmente cerca de 2.000 utentes esporádicos, muitos dos quais em situação irregular (estrangeiros, não inscritos no Serviço Nacional de Saúde [SNS]).

A equipa multiprofissional encontrava-se desmotivada, pelo excesso de solicitações e falta de recursos humanos, materiais e organizacionais. Ano após ano eram abertas vagas para colocação de novos médicos de família, que não chegavam a ser preenchidas, pela reduzida atratividade do posto de trabalho. A insatisfação dos utentes, particularmente dos que não tinham equipa de família atribuída, manifestava-se por reclamações formais e, sobretudo, informais.

Nesse contexto, a direção do ACeS AS desafiou uma assistente sénior de medicina geral e familiar (MGF) de outra unidade do ACeS a criar um Projeto inovador na UCSP SAL, que permitisse não só melhorar a resposta às necessidades dos utentes sem equipa de família como também animar a equipa da UCSP e tornar a unidade um local mais atrativo para a fixação de novos profissionais, nomeadamente recém-especialistas em MGF.

Como resposta a este desafio surgiu a Via Verde Saúde Laranjeiro (VVL), que se propunha prestar cuidados de saúde primários de qualidade aos cerca de 9.000 utentes sem médico de família anteriormente referidos.

A prestação de cuidados assentava em três pilares:

Uma walk-in-clinic (Via Verde MGF), com marcação de consulta de MGF no próprio dia por iniciativa do utente, independentemente do motivo.

Um modelo de vigilância em que o acompanhamento dos grupos vulneráveis era gerido por enfermeiras especialistas, com intervenção médica em momentos chave ou sempre que solicitada. Os médicos realizavam uma consulta de saúde materna por trimestre e consultas de saúde infantil em idades-chave (um, seis e dezoito meses). As enfermeiras especialistas realizavam as restantes consultas de vigilância, efetuando também procedimentos técnicos de planeamento familiar (PF) e colheitas para colpocitologia.

A colaboração regular e prolongada de internos do último ano de internato de MGF de outras unidades de saúde do ACeS AS, que assumiam responsavelmente e em autonomia uma fração considerável da atividade médica da VVL.

O Projeto teve início em fevereiro de 2020 com os seguintes profissionais: uma recém especialista em MGF (quarenta horas por semana); uma assistente graduada em MGF (doze horas por semana); quatro internos do 4.º ano de MGF, de outras unidades do ACeS (total de cinquenta e duas horas por semana); dez enfermeiras da UCSP (que já anteriormente colaboravam na vigilância e tratamento dos utentes sem equipa de família), particularmente uma especialista em saúde da mulher e duas especialistas em saúde infantil; e seis secretários clínicos (a totalidade dos assistentes técnicos da UCSP), dos quais dois mais dedicados ao Projeto.

A médica recém-especialista, muito bem posicionada no concurso de provimento, escolheu a vaga pelo interesse que o Projeto lhe despertou. Nos primeiros meses de trabalho não tinha lista de utentes atribuída. Esta situação excecional, que foi solicitada pela direção do ACeS à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), permitiu que se dedicasse totalmente ao Projeto.

Foi também essencial, sobretudo nos primeiros meses, o contributo de internos de 4.º ano da formação específica em medicina geral e familiar, que decidiram, com o apoio dos orientadores e da direção de internato, realizar parte da sua formação (entre oito e vinte horas semanais) na VVL. Os internos procuravam um campo de estágio diferente das suas unidades de formação (todas elas em modelo Unidade de Saúde Familiar [USF]) de forma a reforçar as suas competências clínicas (gestão de doentes complexos e/ou sem acompanhamento regular; vigilância de grupos vulneráveis; realização de técnicas de planeamento familiar) e organizacionais.

O Projeto foi bem aceite pelos vários grupos profissionais da UCSP, pelo apoio que lhes dava no seguimento dos utentes sem equipa de família. Foi também rapidamente compreendido e aceite pelos utentes. Logo desde o início houve elogios diários, sobretudo informais, mas também formais.

Durante o primeiro estado de emergência (abril-maio/2020) a atividade da VVL foi muito afetada pelo facto de quase todos os médicos que nela colaboravam e os dois secretários clínicos alocados ao Projeto se terem voluntariado para as Áreas Dedicadas à COVID-19 na Comunidade (ADC-C) e também pela indicação superior para realizar consulta preferencialmente não presencial. Ainda assim, a médica recém-especialista e uma interna mantiveram-se na UCSP, ao serviço da VVL, mas também das necessidades da UCSP como um todo (triagem à porta, Trace-COVID19, etc.).

Evolução

Em junho/2020, com a homologação das notas das provas realizadas em março pelos recém-especialistas, foram colocados dois novos médicos de apoio ao Projeto, tendo permitido o aumento do número de consultas.

As três vagas do primeiro concurso para assistentes de MGF de 2020 foram escolhidas (em primeira escolha) por recém-especialistas altamente motivados, que iniciaram funções em outubro desse ano. O mesmo se passou com a vaga do segundo concurso de assistentes de 2020 e com a vaga do concurso de mobilidade de 2020, tendo as médicas iniciado funções em fevereiro e junho/2021, respetivamente. Dois médicos da UCSP estão ausentes, em processo de reforma, e duas médicas solicitaram transferência para outras unidades do ACeS.

Assim, à data de redação deste artigo (maio/2021), a VVL conta com quatro recém-especialistas a tempo inteiro (uma das quais em licença de maternidade), um a tempo parcial (que exerce também funções na Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos do ACeS), três internos do 4.º ano de MGF (com horários entre oito e doze horas semanais) e o apoio (a nível de consultadoria) de uma assistente graduada sénior, criadora do Projeto. Atualmente serve cerca de 13.500 utentes, que incluem aqueles cujos médicos de família saíram da UCSP. Os recém-especialistas têm utentes inscritos nas suas listas, mas estes são informados de que serão por enquanto servidos pela VVL, sem garantia de personalização dos cuidados (Figura 1), sendo este facto geralmente bem aceite pelos utentes.

Figura 1 Cartaz informativo do funcionamento da VVL. 

A coordenação da UCSP, que há meses vinha sendo da responsabilidade da presidente do Conselho Clínico e de Saúde do ACeS, foi assumida por um dos recém-especialistas, ao qual sucedeu posteriormente outra recém-especialista do mesmo grupo.

Outra melhoria implementada foi a organização de reuniões quinzenais de toda a equipa da UCSP, com componente clínica, científica e organizacional.

Funcionamento

A informação sobre o funcionamento da VVL está expressa num cartaz afixado na entrada da unidade (Figura 1). É também veiculada oralmente pelos profissionais da UCSP (vigilantes, secretários clínicos, médicos, enfermeiros) e pelos próprios utentes.

A VVL funciona todos os dias úteis, das 8.00h às 20.00h. As consultas presenciais têm lugar entre as 8.30h e as 18.00h. No final do dia, até ao encerramento da unidade, existe um horário de consulta não presencial, que permite dar resposta a solicitações como renovação de receituário crónico, registo de exames complementares de diagnóstico, elaboração de relatórios médicos, agendamento de consultas de vigilância, acompanhamento de utentes em Trace-COVID-19 e, mais raramente, realização de contactos telefónicos e por e-mail com utentes.

As marcações para consulta médica do dia (Via Verde MGF) são feitas no próprio dia, presencialmente, pelo utente ou seu representante. É o método menos injusto encontrado para permitir o acesso à consulta, sendo, no entanto, ainda muito arcaico e condicionando filas à porta da UCSP todas as manhãs. No entanto, como o acesso destes utentes a cuidados médicos de qualidade era praticamente inexistente antes da entrada em funcionamento da VVL, nota-se que a satisfação com os cuidados obtidos se sobrepõe ao incómodo causado pelo processo de marcação. O número diário de vagas para consulta depende da disponibilidade dos médicos afetos à VVL. A solicitação destes profissionais em representação da UCSP SAL nas diversas atividades do ACeS, nomeadamente na Área Dedicada a Doentes Respiratórios da Comunidade (ADR-C), centros de vacinação COVID e Trace COVID-19, muitas vezes condiciona o acesso à consulta, diminuindo o número de vagas nesse dia.

Conforme referido no capítulo inicial, nos primeiros meses do Projeto a marcação e gestão das consultas de vigilância de grupos vulneráveis era feita através da equipa de enfermagem, nomeadamente as enfermeiras especialistas na respetiva área de cuidados. Com o aumento da dimensão da equipa médica da VVL, o acesso e organização da consulta passaram a ser repartidos entre médicos e enfermeiros. Devido às contingências impostas pela pandemia COVID-19 e às solicitações de elementos médicos e de enfermagem para integrar atividades do ACeS nesse âmbito, nem sempre é possível realizar consultas conexas nos programas de vigilância. A título de exemplo, na saúde infantil é privilegiado o contacto com a equipa de enfermagem nos momentos que incluem vacinação, podendo ser dispensada noutros momentos; em contrapartida, as consultas dos dois e quatro meses são realizadas em autonomia pelos enfermeiros, com apoio médico sempre que solicitado.

Os pedidos de consulta domiciliária médica são efetuados pelos familiares junto do secretariado ou diretamente pelos enfermeiros da UCSP, sendo posteriormente analisados pela equipa médica da VVL. A marcação é realizada tendo em conta a indicação clínica e a disponibilidade dos profissionais.

Excetuando as consultas de vigilância de grupos vulneráveis e os domicílios, só são efetuadas pré-marcações de consulta médica em situações excecionais, como utentes muito idosos ou com mobilidade reduzida ou reavaliação de situações específicas observadas na consulta do dia.

O agendamento das consultas médicas é feito em quatro agendas distintas (consultas do próprio dia, consultas de vigilância de grupos vulneráveis, consultas indiretas, consultas programadas/domicílios). Todas as consultas médicas presenciais têm a duração de 30 minutos. As agendas são diariamente organizadas pelos médicos da VVL, tendo em conta as suas solicitações para outras atividades, como descrito anteriormente. Os médicos especialistas e internos distribuem-se pelas diferentes tipologias de consulta, consoante a sua disponibilidade e interesse.

Resultados

O número de consultas médicas realizadas pela equipa médica da VVL nos primeiros quinze meses de atividade encontra-se discriminado na Tabela 1.

Tabela 1 Consultas médicas realizadas pela VVL (fevereiro/2020 - abril/2021) 

As características da população que recorreu à VVL nos primeiros oito meses de atividade estão patentes na Tabela 2.

Tabela 2 Utentes que tiveram consulta direta na VVL (fevereiro-setembro/2020) 

Trata-se de uma população jovem, predominantemente do sexo feminino, condicionando elevada procura de consultas de vigilância de saúde infantil e saúde da mulher.

Mais de metade dos utentes consultados são provenientes de regiões fora de Portugal, maioritariamente Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), Brasil e países asiáticos (Nepal, Paquistão, Bangladesh, Índia). Os principais desafios daí decorrentes são: diferenças culturais e dificuldades comunicacionais devido à barreira linguística (muitos utentes falam pouco ou nenhum inglês, tendo por vezes de vir acompanhados de familiares/conhecidos para tradução e/ou o médico tem de recorrer a ferramentas na consulta, como aplicações para tradução).

Uma parcela importante (mais de 10%) dos utentes está em situação irregular, com a correspondente dificuldade de acesso a cuidados de saúde e apoios sociais.

Muitos dos utilizadores da VVL estiveram vários anos sem acompanhamento médico, sendo frequente a identificação de doenças em estadios avançados. O baixo nível de literacia em saúde é transversal a praticamente toda a população que recorre a esta consulta, o que poderá estar relacionado com a dificuldade no acesso aos cuidados de saúde e com o baixo nível socioeconómico da comunidade local. Estes fatores tornam ainda maior o desafio dos profissionais da VVL na orientação, diagnóstico e terapêutica destes utentes.

A satisfação com a unidade de saúde por partes dos utentes e familiares tem vindo a aumentar após a implementação do projeto. Houve uma redução substancial de reclamações escritas e um aumento dos elogios dirigidos à equipa. Diariamente os utentes verbalizam na consulta gratidão e reconhecimento pelo trabalho dos profissionais, que consideram ir ao encontro das suas necessidades.

Entre os profissionais que integram o Projeto, o contentamento é geral. Há uma sensibilização de todos eles para a iniquidade em saúde, que é evidente na UCSP SAL, sendo muito compensador poder contribuir para a sua atenuação. É também motivo de satisfação poder prestar cuidados de saúde de qualidade a uma população muito carente deles, proporcionando ganhos em saúde. A gestão das várias patologias, muitas delas complexas e com processos diagnósticos intrincados, é desafiante e torna o trabalho diário muito estimulante. O registo clínico é outro dos aspetos desafiantes no seguimento dos utentes da VVL, pois as consultas subsequentes são muitas vezes realizadas por um médico diferente. Assim, o registo da informação da consulta é essencial na continuidade dos cuidados, particularmente o resumo da história clínica, o plano, a lista de problemas e a medicação crónica. O trabalho em equipa é também um fator muito positivo do Projeto, porque a entreajuda solidária e a discussão das situações clínicas mais complexas não só promovem a evolução pessoal e profissional, como também melhoram a qualidade dos cuidados prestados.

O descrito acima é particularmente relevante para os internos de MGF, que procuram ativamente a VVL para realizar estágios. Durante o tempo de implementação do Projeto registou-se um aumento do pedido de estágios médicos, maioritariamente de internos do 4.º ano de MGF, que têm realizado longos períodos de estágio na VVL. Os internos de outros anos também escolhem a VVL para realizar estágios curtos na Via Verde MGF e/ou nas consultas de saúde materna, saúde infantil e planeamento familiar. A VVL tem servido também como campo de estágio curricular para estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Internos e estudantes de medicina são tutelados pelos especialistas da equipa VVL, que constatam a motivação com que colaboram com o Projeto, sendo o feedback global muito positivo.

A VVL foi objeto duma reportagem no Jornal Médico, em fevereiro/2021. Na sequência da ampla divulgação que esse artigo permitiu, temos sido contactados e visitados por responsáveis de outros ACeS que pretendem conhecer o modelo, para o adaptar e aplicar nos seus contextos específicos, porque têm também um número considerável de utentes sem médico de família.

Em abril/2021 foi atribuído à VVL o Prémio Fratelli Tutti, na sua primeira edição. Este prémio, patrocinado pela entidade promotora do Congresso Update em Medicina, visa reconhecer e apoiar projetos no âmbito do SNS que promovam a igualdade no acesso aos cuidados de saúde primários. O valor envolvido (10.000 euros) está a ser despendido em equipamento clínico e informático que permitirá maximizar a utilização dos postos de trabalho da UCSP.

Futuro

Este Projeto permitiu o reforço e rejuvenescimento da equipa médica da UCSP SAL. Esse facto, associado ao incremento de motivação de toda a equipa multiprofissional, permitiu concretizar um sonho antigo desta: a evolução para USF. A USF Saúde Laranjeiro (USF SAL), que será inaugurada em agosto/2021, terá dez microequipas e integrará quatro médicos, dez enfermeiros e sete secretários clínicos que já trabalhavam na UCSP antes da chegada da VVL.

A USF SAL vem propor um modelo de funcionamento um pouco diferente do habitual: terá até 4.000 utentes inscritos sem equipa de família atribuída, aos quais garantirá cuidados mínimos e continuará a disponibilizar a todos os inscritos o acesso à Via Verde MGF. Responderá, assim, a três dos principais desafios das USF: consulta do dia, intersubstituição e resposta a utentes sem equipa de família ou em situação irregular. Outro ponto revolucionador será a manutenção da vigilância de grupos vulneráveis sem equipa de família atribuída centrada em enfermeiros especialistas nestas áreas, com o apoio da equipa médica.

Conclusão

Decorridos dezasseis meses após o seu início, o Projeto VVL parece ter atingido os objetivos a que se propôs: os utentes sem equipa de família atribuída têm tido cuidados de boa qualidade técnica e humana com uma acessibilidade que, apesar de estar longe de ser a ideal, é muito melhor da que existia anteriormente. Por outro lado, vários recém-especialistas escolheram em primeira opção um posto de trabalho na UCSP SAL. Finalmente, toda a equipa multiprofissional desta unidade ficou mais motivada e coesa.

Este modelo poderá ser replicado noutras UCSP com problemas semelhantes, contribuindo para a melhoria da sua organização, o aumento da satisfação e motivação dos seus profissionais e, sobretudo, para a diminuição da inaceitável desigualdade no acesso a cuidados de saúde de qualidade de que são vítimas os nossos concidadãos tristemente designados por «utentes sem médico».

Agradecimentos

À Direção e Conselho Clínico e de Saúde do ACeS AS, pelo desafio e apoio. À equipa multiprofissional da UCSP SAL, pelo acolhimento e colaboração. Aos internos do 4.º ano (agora especialistas em MGF) que colaboraram na VVL com competência, dedicação e responsabilidade e sem os quais o Projeto não teria sido possível. Às enfermeiras que têm trabalhado mais diretamente com a VVL e têm sido elementos essenciais na vigilância dos grupos vulneráveis. Aos secretários clínicos que estiveram dedicados ao Projeto no início e tão bem o souberam divulgar. À assistente graduada sénior Dra. Maria José Guimarães Colaço e à diretora de Internato Dra. Inês Maio, sempre disponíveis para apoiar e colaborar em projetos construtivos no ACeS AS.

Contributo dos autores

Conceptualização, JDF e AlF; redação do draft original, JDF; revisão, validação e edição do texto final, JDF, MM, JM, CC, AM, AnF, DC, RM e AlF; visualização, JDF E RM; supervisão, JDF.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Recebido: 13 de Junho de 2021; Aceito: 20 de Junho de 2021

Endereço para correspondência João Dias Ferreira E-mail: joaodiasferreira2@gmail.com

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