Introdução
O Parvovírus B19 (PB19) é um vírus de DNA pertencente à família Parvoviridae e ao género Erythrovirus1-7, patogénico para o ser humano e responsável pelo Eritema Infecioso, também designado “Quinta Doença”1,2),(4-12.
A comunidade médica tem apresentado um interesse crescente no PB19 pelo aumento do número de casos relatados na literatura. O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) emitiu, em meados de 2024, um alerta relativo à incidência da infeção por PB19 em 14 países europeus, com repercussão sobretudo em grupos vulneráveis - crianças, grávidas, imunodeprimidos e doentes crónicos13. Em Portugal, a Direção Geral de Saúde (DGS) divulgou estes dados e reforçou a importância da identificação de grupos de risco e da correta abordagem a grávidas com suspeita de infeção por PB1914.
A infeção por PB19 é geralmente autolimitada em indivíduos imunocompetentes. Durante a gravidez, pode levar a complicações para o feto, incluindo anemia, hidrópsia fetal e morte2,5),(7-10),(15.
Este artigo tem como objetivo reunir a informação presente na literatura sobre a infeção por PB19 na grávida, de modo a facilitar o seguimento adequado e a melhorar o desfecho obstétrico.
Epidemiologia
A infeção por PB19 tem uma distribuição mundial, associada a sazonalidade com picos no final do inverno e início da primavera6-8),(10. Historicamente, têm sido descritos períodos de epidemia, com aumento significativo do número de casos num curto espaço de tempo7.
A principal forma de disseminação do PB19 é através de gotículas respiratórias e contacto mão-boca, também podendo ser transmitido em transfusões de derivados sanguíneos e verticalmente, por via transplacentar1),(4-7),(9,11,12.
Após a exposição materna ao vírus, há um período de incubação de 4-14 dias. A fase subsequente - fase de virémia - com duração média de uma semana, variável consoante a resposta imunitária materna, caracteriza-se por elevada carga viral em circulação4,5,12. Este é o período de maior contágio, durante o qual podem surgir sintomas prodrómicos, que podem ou não ser seguidos de sintomas mais específicos4,5,8,16.
Infeção materna
Em mulheres em idade fértil, a suscetibilidade à infeção por PB19 ronda os 35-55%5,6,10,11,15,17. Estudos recentes relatam taxas de seroconversão na gravidez de 6-11%18, em contraste com taxas previamente conhecidas de 1-3%5,10,17.
A percentagem de grávidas infetadas assintomáticas ou com sintomas leves é 30-50%4,5,9,12,15. Os primeiros sintomas que podem surgir são prodrómicos e inespecíficos - febre, mialgias, cefaleias, diarreia, vómitos, entre outros; estes sintomas podem ser sucedidos por manifestações específica, que surge cerca de uma semana depois2),(4-6),(15.
Até 50% das grávidas apresenta poliartralgia periférica simétrica, que pode durar semanas ou meses e afeta principalmente mãos, pulsos, pés e joelhos. (4,5,7),(10-12),(15
Apesar de também poder estar presente na grávida, o rash eritematoso malar com palidez perioral - “cara esbofeteada” - é menos característico do que na criança2-5),(7,9,15. Pode surgir associadamente um exantema maculopapular reticular no tronco e/ou extremidades que poupa as palmas das mãos e as plantas dos pés, pode exacerbar com a luz solar e/ou o calor e resolve espontaneamente em uma semana4.
O mecanismo patológico subjacente aos sintomas articulares e cutâneos é a deposição de complexos antigénio-anticorpo na pele e tecido sinovial19.
O PB19 apresenta tropismo para células sanguíneas, com ação citotóxica nas células precursoras eritrocitárias, explicando o desenvolvimento de aplasia, complicação geralmente autolimitada2-5),(9. O PB19 pode ainda levar a trombocitopenia e neutropenia5,10.
A infeção materna é geralmente autolimitada e o tratamento disponível é unicamente de suporte4,5,11,12. Situações de maior gravidade estão associadas à presença de patologia materna crónica, como anemias hemolíticas, que determinam maior suscetibilidade a alterações na linha eritrocitária4,5. Nestes casos, deverá ser avaliada a necessidade de tratamento com hemoderivados4.
Transmissão intrauterina e infeção fetal
Após a infeção materna a transmissão transplacentar é 17-33%, com maior risco nas primeiras três semanas após a infeção materna e quando a mesma ocorre entre as 9-20 semanas de gestação1,3,5,9,10,15,16.
Cerca de 50% das infeções fetais são autolimitadas, com resolução espontânea e sem resultados perinatais adversos. (20,21 Nos restantes casos, a infeção pode associar-se a anemia, hidrópsia e morte fetal. (2,5),(7-10),(15,18
Anemia
A anemia fetal surge em 3-4% dos casos de infeção materna e é explicada pela afinidade do PB19 pelas células eritropoéticas3,5,15. O 1.º e o 2.º trimestres são os períodos de maior suscetibilidade para o desenvolvimento de anemia, coincidente com a fase de eritropoiese hepática5,11,15. Esta vulnerabilidade decorre da intensidade da eritropoiese hepática, com elevado número de células eritrocitárias em circulação com um tempo de semivida curto (45-70 dias)5. O risco diminui significativamente no 3.º trimestre, fase em que a eritropoiese migra para a medula óssea e o turnover celular diminui. (5,7,8
A anemia leve a moderada é geralmente bem tolerada e, na ausência de hidrópsia fetal, tem resolução espontânea em aproximadamente 50% dos casos5,22. Contudo, cerca de 38% dos fetos com anemia vão desenvolver hidrópsia, e nestes, apenas 5% vão ter resolução espontânea da anemia5,7,22,23.
Hidrópsia
A hidrópsia fetal define-se como a acumulação de fluidos em pelo menos dois compartimentos corporais fetais1,3 - subcutâneo, pericárdico, pleural e/ou abdominal - e é explicada por três mecanismos fisiopatológicos diferentes5,7.
A principal causa de hidrópsia é a anemia fetal, com insuficiência cardíaca de alto débito consequente. (5,24 Neste contexto, a hidrópsia usualmente associa-se a défices de hemoglobina superiores a 7 g/dl ou a valores absolutos inferiores a 5 g/dl6,7,10.
Contudo, pode existir hidrópsia antes do desenvolvimento de anemia. (7 Nestes casos, a causa de hidrópsia é o aumento da permeabilidade capilar por lesão endotelial, com aumento do extravasamento de fluidos para o terceiro espaço7. Também a presença de miocardite vírica e insuficiência hepática, ambas causadas por ação viral direta, têm um papel no desenvolvimento de hidrópsia fetal5,7,9,16.
O risco de hidrópsia está relacionado com a idade gestacional em que ocorre a infeção materna e mantém-se até 10-12 semanas após a mesma4,5,9,16. O risco global de hidrópsia é de aproximadamente 4%, mas pode atingir os 10% quando a infeção materna ocorre no 1.º trimestre5. Após as 20 semanas de gestação, o risco de hidrópsia demostrou-se inferior a 1%5.
Trombocitopenia
Alguns fetos podem desenvolver trombocitopenia no decurso da infeção. A trombocitopenia grave - < 50x 109 plaquetas/l - é um fator preditor de mau prognóstico fetal e foi relatada em 95% dos fetos hidrópicos1,5,7.
Morte intrauterina
Embora a infeção por PB19 contribua pouco para o aumento global da mortalidade intrauterina, associa-se a um risco relativo aumentado22. Um dos principais fatores preditores de mortalidade intrauterina é a hidrópsia fetal, com taxas de 29% vs. 4% em fetos não hidrópicos1),(4-6),(8,10,20,22,23. A idade gestacional na qual ocorre a infeção materna também têm impacto na mortalidade, com 13-17% de mortes intrauterinas quando esta ocorre no 1.º trimestre, 8-9% entre as 13-20 semanas e 0,5-2% após 20 semanas1),(4-6),(8,10,20,22.
Cerca de 80% das mortes fetais ocorreram nas primeiras 4 semanas de infeção e no período máximo de 11 semanas após a infeção materna, independentemente do desenvolvimento de hidrópsia9,22.
Diagnóstico da infeção materna
O gold standard no diagnóstico da infeção materna é a deteção serológica de anticorpos IgM e IgG (Quadro I). (1,4,5,8,9,11,25 Os anticorpos IgM são detetados 7-10 dias após contacto com o vírus e podem persistir por aproximadamente 140 dias1,4,5,9,15.
Os anticorpos IgG conferem imunidade e podem ser detetáveis a partir do 7.º dia após infeção materna1,4,5,12.
Quando há exposição conhecida e muito recente ao PB19, numa fase em que as serologias ainda são negativas, a utilização de um teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) para deteção de ácido desoxirribonucleico (DNA) de PB19 pode ser útil no diagnóstico1,7. Contudo, após a fase de virémia, a carga viral em circulação é baixa e a deteção de DNA viral é pouco sensível5,17. Não é possível cultivar o PB19 e, portanto, a cultura não é usada como teste diagnóstico5.
O rastreio universal da infeção por PB19 na gravidez não está recomendado5,14,15,22,25.
As serologias maternas devem ser realizadas na presença de:
Clínica materna compatível com infeção por PB19; (7,15,22,25
Marcadores ecográficos compatíveis com infeção fetal por PB19 (Quadro II); (5,7,14,15,22
Contacto de risco: qualquer contato doméstico, contato “cara a cara” com caso índice ou permanência na mesma sala por um período > 15 minutos7,14,25.
Vigilância obstétrica e diagnóstico da infeção fetal
Grávidas infetadas com PB19 devem ser referenciadas para vigilância da gravidez num centro hospitalar terciário5,8,9,14,25.
O gold standard para seguimento é a ecografia obstétrica com avaliação do pico de velocidade sistólica da artéria cerebral média (PVS-ACM) (6,7,9,12. A anemia fetal, com diminuição de eritrócitos em circulação, leva à alteração da viscosidade sanguínea que se manifesta através do aumento do PVS-ACM7. PVS-ACM > 1,5 vezes a mediana (MoM) é altamente indicativo de anemia fetal moderada a grave5-7),(9,12, com sensibilidade de 86%26.
O Quadro II resume as alterações ecográficas compatíveis com infeção fetal por PB19 que devem ser alvo de vigilância5,6,8,9,14,24,27. A monitorização ecográfica fetal deve ser realizada a cada 1-2 semanas durante, aproximadamente, 12 semanas após a infeção materna4,8,9. Na presença de cardiomegalia ou sinais de disfunção cardíaca fetal deverá ser complementado o estudo com ecocardiograma fetal5),(8.
Os exames diagnósticos pré-natais invasivos estão indicados em situações específicas5,8,10,15.
Nos casos de infeção materna suspeita ou confirmada e PVS-ACM > 1,5 MoM deve ser realizada cordocentese. Esta técnica permite uma abordagem diagnóstica e terapêutica simultânea, com pesquisa de DNA viral no sangue fetal e tratamento simultâneo da anemia fetal4-9.
Na presença de alterações ecográficas sugestivas de infeção fetal por PB19, sem outra causa subjacente, com ou sem infeção materna comprovada, está recomendada a realização de amniocentese, para pesquisa de DNA viral no líquido amniótico e exclusão de outras etiologias4-6),(8,9.
O diagnóstico ou a suspeita de infeção materna por PB19, na ausência de alterações ecográficas, não deve motivar, por si só, a realização de testes diagnósticos invasivos1,5,8,9.
Prevenção
A prevenção da infeção materna desempenha um papel importante na minimização da morbidade associada à doença5. A prevenção primária passa pelo conhecimento das situações de risco, que incluem o contacto com crianças com doença febril, doentes imunodeprimidos e transplantados, e adoção de medidas de proteção individual - higienização das mãos e superfícies5,14.
Ainda não está disponível nenhuma vacina no mercado, contudo, vários centros têm estudos em curso neste sentido5,12.
Tratamento e orientação da infeção fetal
Transfusão intrauterina
A transfusão intrauterina é dirigida ao tratamento da anemia moderada a grave e, consequentemente da hidrópsia fetal1,6,8,10.
O sangue utilizado deve ser Rhesus D negativo, irradiado e concentrado para um hematócrito de 80-85%6,7.
As principais complicações da transfusão intrauterina são rutura de membranas, infeção, hemorragia no local da punção e bradicardia/taquicardia fetal10,23. Algumas destas complicações podem exigir o parto emergente, pelo que a maturação pulmonar fetal antes do procedimento deve ser ponderada10.
Atualmente, a técnica de eleição é a transfusão intravascular (TIV), realizada através da punção da veia umbilical por cordocentese, a realizar entre as 18-35 semanas de gestação1,7,10,24. Em fases mais precoces da gravidez existem limitações técnicas à sua execução e, após as 35 semanas, o parto é a opção com menos riscos associados1,5.
A colheita de sangue fetal imediatamente antes da transfusão é importante para determinação do valor exato de hemoglobina e da contagem plaquetar. (5,10 Alguns autores recomendam a administração de plaquetas durante a TIV por rotina ou se trombocitopenia grave (< 50x109 plaquetas/l), de modo a prevenir hemorragia grave no local da punção5,23. Contudo, não é uma prática consensual, com benefícios a carecer de comprovação e com riscos fetais pela sobrecarga de volume23.
Em casos de hidrópsia antes das 18-20 semanas e/ou na impossibilidade de punção da veia umbilical, a transfusão intraperitoneal (TIP) deve ser considerada como alternativa terapêutica1,7,10.
O volume sanguíneo a transfundir pode ser estimado através de várias fórmulas (Quadro III) (6,10,28,29. Alguns autores relatam maior mortalidade fetal com volumes superiores a 20 ml/kg, explicada pela baixa tolerância dos fetos hidrópicos ao overload circulatório6,10,30.
A realização de TIV com exsanguinotransfusão tem sido proposta como alternativa, com menor volémia fetal no final do procedimento e taxas de complicações e eficácia não inferiores à TIV simples30.
Alguns fetos podem necessitar de várias transfusões para a resolução da anemia e da hidrópsia, com intervalo de, pelo menos, uma semana entre procedimentos5,8,18,23. O PVS-ACM deve ser utilizado para monitorização após cada transfusão, embora a sua sensibilidade diminua significativamente, principalmente após três ou mais intervenções5,10,26.
A maioria dos centros considera a realização da última transfusão intrauterina por volta das 34-35 semanas, com o objetivo de programar o parto para as 37-38 semanas10.
As transfusões intrauterinas em fetos com anemia causada pelo PB19 têm resultado numa sobrevida de 80-97%, comparativamente com 32-55% em fetos não transfundidos5,6,8,10,23,24. O maior risco de morte fetal foi documentado nas primeiras 24 horas após a primeira transfusão, sendo que o risco de perda intrauterina em transfusões subsequentes baixo24.
Imunoglobulina
A imunoglobulina endovenosa tem sido usada para tratar infeção por PB19 em pacientes imunocomprometidos5. A sua administração na gravidez, tanto materna como fetal, já foi descrita em relatos de caso, com bons resultados, contudo, carece de estudos a comprovar a sua eficácia e segurança5,10,12.
Parto
Após as 35 semanas, o parto deve ser considerado como primeira opção e a maturação pulmonar fetal pode ser realizada5.
A seroconversão para PB19 durante a gravidez exige uma vigilância do trabalho de parto e parto num centro de referência obstétrico e neonatal, com cuidados neonatais especializados10.
A maioria dos recém-nascidos hidrópicos exige suporte ventilatório ao nascimento e, eventualmente, paracentese ou toracocentese evacuadoras5,10,15.
A amamentação não é contraindicada8.
No período neonatal imediato, os filhos de mães com infeção na gravidez devem realizar hemograma, PCR para deteção de DNA viral e serologias para PB195. O diagnóstico retrospetivo da infeção pode ser utilizado em caso de suspeita clínica pós-natal de infeção intrauterina e é fundamental para melhorar o resultado perinatal21,31.
Estes recém-nascidos devem ser referenciados para consulta de neonatologia num hospital de referência1,5,15.
Prognóstico
O prognóstico pós-natal é favorável em 50% dos fetos infetados por PB1920),(21. Os piores outcomes pós-natais, a curto e a longo prazo, associam-se à hidrópsia fetal. (1),(4-6),8,10,22)
Nas infeções que cursam com hidrópsia fetal, a taxa de mortalidade perinatal é de 27-29%, comparativamente com 4% nos fetos não hidrópicos22. Contudo, esta taxa parece ser à custa das mortes fetais, uma vez que a mortalidade neonatal é similar nos dois grupos, rondando os 3%21,22. A resolução espontânea da infeção e das manifestações fetais acontece em 50% dos fetos sem hidrópsia, e em cerca de 5% dos fetos com hidrópsia21.
Uma pequena percentagem dos recém-nascidos apresenta infeção congénita persistente, com manutenção de cargas virais elevadas associadas a anemia significativa e, por vezes, trombocitopenia grave25),(32. A administração de imunoglobulina nestes recém-nascidos foi descrita em relatos de caso com resultados favoráveis32-34.
A transfusão intrauterina está associada a bons resultados neonatais imediatos em fetos anémicos35. Contudo, recém-nascidos submetidos a múltiplas transfusões intrauterinas podem apresentar supressão transitória da eritropoiese e necessitar de transfusões complementares de hemoderivados, até que a mesma seja retomada10.
A longo prazo, as sequelas neurológicas e alterações no neurodesenvolvimento têm um impacto significativo na morbilidade destas crianças5,22,27,36.
As alterações neurológicas parecem estar associadas à presença de anemia fetal e não a um resultado direto da própria infeção22. A hipótese que melhor explica esta relação sugere o desenvolvimento de encefalopatia hipóxico-isquémica como consequência da diminuição do número de eritrócitos e consecutiva redução do aporte de oxigénio aos tecidos fetais6,10. As principais complicações neurológicas incluem ventriculomegalia, polimicrogiria, heterotopia cerebral e outras anomalias do sistema nervoso central5,22. Numa revisão sistemática, a prevalência de imagens cerebrais anormais foi de 9,8% em fetos hidrópicos em comparação com 0% nos fetos sem hidrópsia21.
Foram descritas alterações do neurodesenvolvimento em 4,8% das crianças cujas gestações complicaram com infeção materna por PB19 e em 12,5% de crianças submetidas a múltiplas transfusões intrauterinas5,31,35. A maioria apresentava leves alterações cognitivas e/ou alterações da motricidade fina, contudo, em 3,1% dos casos foram descritas alterações cognitivas graves com ataxia, hipertonia, surdez e paralisia cerebral5. Ainda não está determinado o fator causal destas alterações, se a presença de anemia fetal grave, o efeito viral direto ou se consequência de múltiplas transfusões intrauterinas21,22,27.
Relatos de casos isolados também descreveram complicações gastrointestinais associadas à infeção pelo PB19, particularmente intestino hiperecogénico e peritonite meconial22.
Contudo, é expectável que a grande maioria das crianças seja saudável, com um bom desfecho pediátrico21,22.
Conclusões e perspetivas futuras
O PB19 é transmitido através de gotículas respiratórias e, durante a gravidez, pode ser transmitido ao feto por via transplacentar.
A maioria das grávidas tem doença ligeira e autolimitada com um bom desfecho obstétrico, contudo, a infeção por PB19 é causa de complicações fetais graves, tais como anemia e hidrópsia fetal. Estas manifestações devem-se ao tropismo do vírus pelas células precursoras hematopoiéticas do feto. Também existem recetores para o PB19 nas células do miocárdio, explicando o surgimento de miocardite viral, manifestação frequente e geralmente autolimitada. A mortalidade intrauterina é maior em fetos hidrópicos, nas primeiras 12 semanas após infeção materna e quando a infeção materna surge antes das 20 semanas de gestação. A hipótese de que a relação entre a idade gestacional e o desfecho obstétrico se pode dever à maior dificuldade em oferecer tratamento para a anemia numa fase precoce da gravidez deve ser tida em consideração e carece de maior investigação.
O rastreio universal da infeção por PB19 na gravidez não está recomendado. O diagnóstico da infeção materna, através de serologias para o PB19, está indicado se clínica materna compatível, contacto de risco e/ou marcadores ecográficos compatíveis com infeção fetal por PB19.
A prevenção da infeção materna e a sua deteção precoce desempenham um papel crucial na minimização da morbimortalidade fetal, uma vez que não existe um tratamento específico para a infeção; o desenvolvimento de uma vacina parece uma estratégia promissora e que exige especial atenção por parte da comunidade científica num futuro próximo.
Na presença de infeção materna, a vigilância da gravidez deve ser realizada num centro hospitalar terciário com acesso a controlo ecográfico com determinação do PVS-ACM e avaliação de sinais de hidrópsia fetal. A presença de sinais de hidrópsia e/ou de PVS-ACM > 1,5 MoM deve determinar a realização de exames pré-natais invasivos, para tratamento da anemia fetal e possibilidade de diagnóstico definitivo da infeção fetal, com pesquisa de DNA viral. O tratamento de anemia é feito através de transfusão intravascular, realizada através de cordocentese, ou através de transfusão intraperitoneal. A idade gestacional e a capacidade de execução técnica são os principais fatores preponderantes na escolha. Fetos submetidos a transfusões intrauterinas apresentam melhores taxas de sobrevida, podendo, contudo, necessitar de várias transfusões para a resolução da anemia e da hidrópsia.
O parto deve ser considerado como primeira opção após as 35 semanas, num centro de referência obstétrico e neonatal.
Após o nascimento a infeção deve ser comprovada, com referenciação subsequente para seguimento em consulta de neonatologia. A amamentação não é contraindicada.
Devido à falta de estudos, a administração de imunoglobulina fetal e em recém-nascidos com infeção congénita não está recomendada, contudo, parece ser uma estratégia promissora.
Não é claro se a infeção por PB19 isolada traz repercussões após o nascimento.
Uma supressão transitória da eritropoiese no recém-nascido pode acontecer após múltiplas transfusões intrauterinas e exige terapêutica de suporte até que a mesma seja retomada.
Nos fetos com infeção por PB19 sabe-se que a presença de hidrópsia leva a piores desfechos perinatais, com taxa de mortalidade de 27-29%. A longo prazo, fetos hidrópicos têm maior risco de sequelas neurológicas e de alterações no neurodesenvolvimento.
Contudo, o prognóstico pós-natal é geralmente favorável e é expectável que a grande maioria das crianças seja saudável.

















