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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.49 Lisboa jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.22355/exaequo.2024.49.01 

Editorial

EDITORIAL DA EX ÆQUO 49

*Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 3000-995 Coimbra, Portugal.


A temática central do quadragésimo nono número da ex æquo apresenta-se sob o título “Género e linguagem: perspetivas e desafios”, compondo um dossier, organizado por três colegas das Ciências da Linguagem: Antónia Coutinho, CLUNL, da Universidade NOVA de Lisboa, Portugal, Gabriele Diewald, da Leibniz Universität Hannover, Alemanha, e María Muelas-Gil, da Universidad Autónoma de Madrid, Espanha. O propósito do lançamento deste dossier foi “trazer para a discussão argumentação científica que proporcione uma visão ampla e esclarecida da problemática em análise e, nessa mesma medida, contribua para apoiar, em termos práticos, a implementação e a operacionalização de estratégias de linguagem inclusiva linguisticamente sustentadas” (do apelo a contribuições).

O desafio para a abordagem desta problemática foi lançado pelo Conselho Editorial da revista, preocupado em encontrar bases que fundamentem a sua estratégia editorial no que respeita à adoção de uma linguagem inclusiva, que se constitua em alternativa ao masculino como neutro universal, quer a definamos como não sexista, paritária ou sensível ao género.

Em resultado do desafio lançado foram muitas as propostas que nos chegaram, mas poucas as selecionadas, numa demonstração da dificuldade de abordar com bases sólidas as mutações por que passam hoje os usos linguísticos e a resistência que encontram por parte da norma. O modo como a linguagem produz e reproduz as desigualdades de género tem sido objeto de análise, pelo menos, desde a década de 1970, em especial no contexto da língua inglesa. Encontramos bons exemplos em textos publicados em 1973, concretamente o texto seminal de Robin Lakoff sobre “Language and woman's place”. O combate ao androcentrismo linguístico, traduzido no uso de palavras gramaticalmente masculinas ou palavras com morfologia masculina aplicadas a mulheres, grupos mistos ou seres humanos em geral, no contexto da língua portuguesa é muito mais recente. Em Portugal, encontramos um contributo muito importante para esta denúncia no livro de Maria Isabel Barreno sobre O falso neutro (1985). Até recentemente, a opção de linguagem inclusiva mais frequente e preferencial determinava a explicitação das palavras nas suas duas fórmulas - a feminina e a masculina. Ou, como opção menos apreciada, o uso de barras para que a mesma palavra tivesse as duas fórmulas, mas numa morfologia mais abreviada. Assim, enquanto no primeiro caso se dirá “as autoras e os autores”, no segundo bastará escrever “autoras/es”. A ascensão das perspetivas queer tem vindo acompanhada da contestação do binarismo destas duas vias e, no propósito de incluir as pessoas de identidade “não-binária”, têm surgido propostas como o recurso a letras (como o x) ou sinais gráficos (como o @) e o “Sistema Elu ou Linguagem Neutra em Género”, de Pedro Valente (2020), por exemplo. De algum modo, as duas primeiras alternativas são subparadigmáticas, adaptam-se à norma vigente, enquanto a última propõe a substituição da norma por outra, pelo que se lhe adivinhará um caminho bastante mais difícil até ser aceite. Se é certo que o objetivo será encontrar uma norma alternativa, espera-se que esta contribua para a visibilização inclusiva e não para o recurso a uma designação tão abstrata que acaba por invisibilizar todas as pessoas.

Os textos incluídos no dossier trazem ajudas para equacionar os problemas, e não necessariamente para apontar soluções definidas. Contêm, no entanto, propostas de leituras da problemática do Género e Linguagem que se mostram frutíferas para pensar sobre as práticas em uso e a construção de alternativas, claramente em aberto.

Estudos e Ensaios

Na secção de artigos extra-dossier, a ex æquo traz à estampa cinco artigos sobre temáticas muito diferentes, que se inserem em áreas disciplinares diferenciadas, de autorias singulares e coletivas sediadas em diversos países e continentes. O primeiro artigo e o segundo filiam-se na área das Ciências da Comunicação. Eduardo Antunes, Rita Basílio de Simões, Inês Amaral e Ana Marta M. Flores investigaram as práticas de auto-rastreio e dão-nos conta do estudo realizado no texto “Género e auto-rastreio: a utilização de smartphones por jovens em idade adulta em Portugal”. Segundo as conclusões a que chegaram, ainda que exploratórias, os padrões de utilização captados reproduzem os padrões patriarcais de responsabilização das mulheres pela sua capacidade reprodutiva. No segundo artigo, Elizângela Carvalho Noronha apoiou-se na Análise Crítica do Discurso para analisar as conceções de direitos humanos de mulheres veiculadas em plataformas digitais de mulheres jornalistas. No artigo intitulado “Dos direitos aos ‘pós-direitos’: a plataformização jornalística dos direitos das mulheres”, a autora escalpeliza as notícias publicadas em duas das plataformas com maior difusão em Portugal e no Brasil e põe a nu uma engenharia discursiva que faz das mulheres “os sujeitos neoliberais ideais”, através da recontextualização dos discursos feministas.

De outro continente, Ana Tamarit, Belén Puñal e Juan Carlos Cevallos apresentam-nos um estudo a que deram o título de Entre ‘la mujer brava’ y ‘el poder del moño’. Estereotipos de género y acoso sexual en el trabajo en Ecuador”. Com base na análise dos testemunhos captados em dezasseis grupos de discussão, realçam a agressividade que os homens mostram para com as suas colegas e a condescendência com que estas justificam o assédio sexual da parte deles. Ressalvam, no entanto, a emergência de um modelo de mulher ‘brava’, que se defende do assédio. Numa perspetiva completamente diferente, é com muito gosto que, pouco depois da celebração do centenário do nascimento de Natália Correia, incluímos o texto de Miguel Filipe Mochila sobre a sua obra: “A jangada de Fedra: a ibericidade de Natália Correia”. O autor traz-nos uma “leitura do iberismo de Natália Correia, atendendo tanto aos seus substratos cultural e geopolítico, em torno da defesa do valor da pluralidade, presentes no ensaio Somos todos hispanos, como à sua articulação com um discurso feminista na sua produção poética”.

Por fim, a equipa do Projeto ENGENDER apresenta o resultado de um estudo bibliométrico no qual se compara a expressão da produção científica de filiação institucional portuguesa presente nas plataformas Web of Science e Scopus, enquadrável na área de Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas, para concluir que ela é bastante semelhante em ambas as plataformas, com diferenciação da Scopus, que apresentou uma cobertura mais abrangente de documentos publicados em português, assim como uma maior diversidade de periódicos de diferentes países. O texto Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas em Portugal: uma análise bibliométrica comparativa entre Web of Science e Scopus (1995-2021)” é de autoria de Caynnã de Camargo Santos, Mónica Lopes, Rosa Monteiro, Cristina C. Vieira e Virgínia Ferreira.

Recensões

No capítulo das recensões, Rui do Carmo, Adelina Barradas de Oliveira e Susana Amante sugerem-nos as suas próprias leituras, respetivamente, das seguintes obras: O papel do direito e dos tribunais na violência contra as mulheres, de Madalena Duarte; Direitos humanos das mulheres, organizado por Margarida Martins, Mariana Cunha e Paulo Pinto de Albuquerque; e Menino, Menina, de Joana Estrela.

Fica o desafio para leituras que queremos, e cremos, inspiradoras…

Como citar este texto:

[Segundo a norma Chicago]:

Ferreira, Virgínia. 2024. “Editorial.” ex æquo 49: 5-8. DOI: https://doi.org/10.22355/exaequo.2024.49.01

[Segundo a norma APA adaptada]:

Ferreira, Virgínia (2023). Editorial. ex æquo 49, 5-8. DOI: https://doi.org/10.22355/exaequo.2024.49.01

Referências bibliográficas

Barreno, Maria Isabel. 1985. O falso neutro: um estudo sobre a discriminação sexual no ensino. Lisboa: Instituto de Estudos para o Desenvolvimento. [ Links ]

Lakoff, Robin. 1973. “Language and Woman’s Place.” Language and Society 2(1): 45-80. DOI: https://doi.org/10.1017/S0047404500000051Links ]

Valente, Pedro. 2020. “O ‘x’ e o ‘@’ não são a solução: Sistema Elu e Linguagem Neutra em Género.” Medium, 13 de abril. Disponível em https://medium.com/@pedrosttv/sistema-elu-linguagem-neutra-emg%C3%A9nero-pt-pt-9529ed3885cf [Acesso em 1/06/2024]. [ Links ]

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