INTRODUÇÃO
A memória dos sócios falecidos é um legado que deve permanecer junto dos atuais associados e o seu legado deve chegar às futuras gerações. Por vezes, apesar das novas tecnologias e da chamada globalização em que rapidamente as notícias são disseminadas, há notícias que demoram a chegar. Deste modo, procurou-se informar os sócios da SCAP do falecimento do associado número 1669, Pedro Frazão Alpendre, em Janeiro do presente ano, docente da Universidade de Évora, desde 1986 a 2023. O objectivo principal deste pequeno trabalho é o de homenagear o Professor Pedro Alpendre, efectuando uma pequena resenha histórica da sua vida, de modo a preservar o seu legado e que as gerações mais novas o fiquem a conhecer e que possam seguir o seu exemplo, enveredando pela área da Fertilidade do Solo. A este mestre e a este texto enquadram-se as palavras de Azevedo Gomes (1937) ao referir-se ao então falecido Prof. Mendes de Almeida que também ao longo da vida dedicou “consagrados [anos] a servir o Estado, dentro da profissão que escolhera e que sempre honrou, como vai recordar-se aqui, embora em termos breves, para que atentem os novos neste raro exemplo.”
BIOGRAFIA
Pedro Frazão Alpendre (Figura 1), nasceu em Lisboa a 2 de Julho de 1962. É desde a infância que tem contacto com a Agricultura em propriedades de família. Em si estavam os genes da região centro de Portugal, e a tradição de culturas agrícolas, já que o seu pai era primo direito de Ildefonso Gonçalves Alpendre Saraiva, ilustre fruticultor que chegou a dirigir a Estação Nacional de Fruticultura Joaquim Vieira da Natividade, actualmente Polo do INIAV de Alcobaça, onde o Professor Pedro Alpendre viria a efectuar a parte experimental do seu relatório de fim de curso.
Entrou na Universidade de Évora com o número de aluno 832, no ano lectivo de 1980/81 onde cursou Engenharia Agrícola. Conclui a licenciatura em 1986, sendo o seu relatório de fim de curso e primeiro trabalho por si publicado no castanheiro (Alpendre, 1986). Fez Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica (Alpendre, 1990) e Doutoramento em Ciências Agrárias (Alpendre, 2001) na mesma universidade. Deste modo, apesar de coração alfacinha, Évora é a sua alma mater.
Pedro Alpendre começou a carreira como assistente do Professor Ário Lobo de Azevedo, no penúltimo ano de reitor, das Unidades Curriculares (UC) Agricultura Geral e Máquinas Agrícolas I e II também no ano de 1986, tendo ficado regente, na década passada das UC de Olivicultura e Fertilidade do Solo e Fertilização das Culturas, já como Professor Auxiliar (DR, 2007). Permaneceu sempre ao Departamento de Fitotecnia (Figura 2), contribuindo para a sua elevada reputação nacional e internacional, um dos departamentos mais antigos da Universidade de Évora. Nesse período colaborou em diversas UC como Fitotecnia Geral, Produção de Plantas Aromáticas e Medicinais, Tecnologia do Solo e das Culturas, Agricultura em Modo de Produção Biológico, Interpretação da Paisagem II e Solos, Instalação e Manutenção. Ficou mais recentemente responsável pelas UC respeitantes à Viticultura na recém-criada Licenciatura em Enologia, no ano de 2019, nomeadamente Fitotecnia da Vinha I e II.
Enquanto assistente, publicou textos de apoio (Alpendre 1990a; Alpendre e Carvalho, 1990), numa altura em que estes eram um dos principais recursos usados pelos estudantes no seu percurso académico e, por vezes, profissional. Com a evolução tecnológica passou para os Power Points, sendo estes bastante completos e facilitando bastante a vida dos estudantes no que concerne à preparação para as avaliações. Era próxima a sua relação com os alunos, estando sempre disponível para esclarecer questões dentro do seu ramo de especialização e com exemplos reais.
Foi a fertilização azotada que mais estudou, tendo publicado inúmeros trabalhos neste âmbito (Cheshire et al., 1999; Machado et al., 2012), sobretudo na cultura do trigo (Carvalho et al., 1987, 1998, 2005; Alpendre et al., 2005, 2007). O seu objectivo eram os ensaios de longa duração, tomando como exemplo os da Rothamsted Experimental Station, Reino Unido, resultados que por vezes explicava nas aulas de Fertilidade do Solo e Fertilização das Culturas. Nas suas aulas tentou alertar os futuros engenheiros agrícolas de Portugal para o mundo do quotidiano de um engenheiro e daquilo que é a engenharia, “medir a eficiência de processos”. São inexplicáveis, num texto com o intuito de o homenagear as lições obladas, cada momento em que se criava um gráfico num pequeno canto de um quadro para depois ser apagado à pressa para dar continuidade ao raciocínio em curso. Deste modo, encarava o sistema agrícola com uma acção integrada/holística, “não é um nutriente, são catorze”, os microorganismos, os organismos (com destaque para as minhocas), a estrutura do solo, a porosidade, o sistema de mobilização, tudo tem que ser contemplado no balanço de cada nutriente no solo, tendo presente que, na maioria das culturas, as raízes permanecem no solo. De realçar para a importância do sistema de fertilização, ao nível da dose e do faseamento, sobretudo no caso do azoto. Exemplificou com casos reais e internacionais, mas com vicissitudes idênticas às portuguesas (solos, climas) que, genericamente, uma cultura bem fertilizada produz o triplo de uma cultura não fertilizada. Nesse âmbito era crucial contabilizar correctamente as extracções de modo a efectuar uma fertilização racional e nunca emocional… E, também de destacar a importância que conferia à ecologia, algo que muitas vezes a sociedade subestima e despreza nos agricultores por achar que estes apenas aspiram produzir. Elucidou os alunos da acção que estes iriam ter no futuro e que mesmo com um plano de fertilização bem calculado era necessário garantir a sustentabilidade económica e ambiental, nomeadamente, indicava a título de exemplo a inviabilização económica de transportar matéria orgânica (MO) de um local para outro mas da necessidade de aumentar a eficiência dos adubos, algo que é conferido com o aumento da MO do solo. Numa das aulas concluiu mais ou menos o seguinte: “Quando vocês terminarem o curso não sabem nada, mas se tiverem essa sensação fico satisfeito”.
Paralelamente à actividade docente, participa também em trabalhos no âmbito de pastagens e forragens mediterrânicas (Basch et al., 1987; Alpendre, 2008a, b, c; Freixial e Alpendre, 2013a, b, c).
Um dos seus últimos desejos concretizados foi a criação de uma pós-graduação em Nutrição e Fertilização das Culturas que futuramente poderia dar lugar a um mestrado, dada a inexistência à época, e atual, na oferta formativa de ensino superior nesta área da Agricultura mas da sua importância directa na sociedade. Nessa pós-graduação o conhecimento base e objectivos dos alunos variavam já que estes eram um público muito diversificado, desde jovens agrónomos a veteranos proprietários, então, adequava o discurso e “atendia” individualmente cada aluno, de modo a tentar resolver os seus problemas.

Figura 2 Fotografia exposta na Sala de Reuniões do Departamento de Fitotecnia no Edifício de Regentes Agrícolas na Herdade Experimental da Mitra da Universidade de Évora, datada de 2008 . Primeiro a contar pelo canto inferior direito, seguido por Prof. Mª João Cabrita, Prof. Rui Machado, Tec. Albina Mendes, Tec. Mª das Dores Grilo,Tec. Maria Mário, Prof. Ivone Clara; Segunda fila, pela mesma ordem: Eng. Manuel Brandão, Doutora Luizeta Palma, Prof. Ana Maria Costa Freitas, Tec. Virgínea Sobral, Prof. Ana Elisa Rato, Prof. Ermelinda Lourenço (também já falecida), Tec. Fátima Alexandrino; Fila seguinte: Prof. Nuno Ribeiro, Prof. Ana Cristina Agulheiro, Prof. Miguel Elias, Prof. Gottlieb Bash, Técnico Rui Bicho, Prof. João Mota Barroso, Prof. Mª do Rosário Gamito de Oliveira, Técnica Antónia Oliveira; Penúltima fila: Téc. Francisco Valente, Prof. José Calado Barros, Prof. Augusto Peixe e Téc. Agnel Ferreira; Última fila: Prof. Mário de Carvalho, Téc. Filipa Santos e Prof. José Barros.
Participou em alguns eventos ligados ao solo, nomeadamente na comissão organizadora do 3º Congresso Ibérico da Ciência do Solo (1 a 4 Julho 2008, Universidade de Évora).
A sua tese “Eficiência da adubação azotada na redução do custo de produção dum cereal” (Alpendre, 2001) constituiu uma revolução na Agricultura Mediterrânica de Sequeiro ao concluir que independentemente da quantidade de azoto deixada no solo por uma cultura de leguminosas, a probabilidade de uma recuperação eficiente desse azoto pela cultura seguinte de um trigo era muito baixa e que o óptimo de fertilização azotada, do trigo era idêntico quer o precedente fosse uma leguminosa, quer fosse o girassol, cultura utilizada como controlo negativo, contrariamente à ideia generalizada de que a incorporação de leguminosas permite aumentar o teor deste elemento. As “receitas” da “Agricultura do tempo de Adão e Eva” não podem ser generalizadas como gostava de salientar nas suas aulas. Demonstrou, ainda, a importância da fertilização mineral diferenciada e faseada, em função dos anos secos e húmidos. No entanto, dado o factor clima ser determinante para a produção agrária esta tese demonstrou que a Agricultura de Conservação, através da não mobilização do solo, ou seja, instalação da cultura através da sementeira directa, “aumenta a eficiência com que a cultura do trigo recupera o azoto acumulado no solo pelas leguminosas.”
Numa das aulas sobre o fósforo destacou a importância das fertilizações fosfatadas, dada a sua insolubilidade e baixa disponibilidade nos solos portugueses, deixando presente que, contrariamente a outras opiniões, existem reservas de fósforo para os próximos séculos e profetizou que mesmo quando estas se esgotarem, possivelmente em 400 anos, o Homem encontrará outras alternativas.
Pelos alunos é lembrado sobretudo pelas aulas humoradas mas muito profissionais e pelo régio rigor nas classificações, disciplina que terá aprendido no Colégio Militar (Figura 3). As notas que atribuía eram arredondadas à centésima e estava sempre disponível para explicar o que dado aluno tinha errado e a razão para ter atribuído 10,45 e a outro 10,46. Crê-se que a sua filosofia de ensino, sobretudo com a Reforma de Bolonha era que a procura da informação por parte dos alunos era crucial na sua aprendizagem. Estes agora desejam ter ainda mais apontamentos, ainda mais histórias, ainda mais exemplos. Ainda assim, a sua perda é comparável a lermos um bom livro, passados anos, querermos lê-lo e ele já não se encontrar na sua estante. Fica-nos apenas, o sabor agradável da sua recordação.

Figura 3 Com o emblema do Colégio Militar. “AA Pedro Frazão Alpendre 412/1972” (Fonte: https://www.aaacm.pt/index.php/sobre/estatutos/capitulo-iv-conselho-supremo/item/1404-faleceu-o-aa-pedro-frazao-alpendre-412-1972, acedido a 15 de Setembro de 2024).
Dotado de humanidade, quando via pessoas esforçadas e trabalhadoras estava disponível a ajudar, desinteressadamente. Era uma herança e espírito de equipa que tinha presente, uma vez que fez desporto, como o Râguebi (Figura 4).

Figura 4 Equipa de Râguebi de Évora. Primeira fila, da esquerda para a direita, Zé Manuel Mata, Carlos Martinho, Nuno Cambezes, Flor Ferreira, Mário Oliveira (também já falecido), Carvalho, Luís Rosado, João Pedro Oliveira (também já falecido), Rogério Costa e Guilherme Souto. Na fila de baixo, pela mesma ordem, Ricardo Freixial, Pedro David, Paulo Jaleco, Nuno Fernandes, Jorge Farrica, Pedro Alpendre e Martins.
Exímio mestre na Fertilização das Culturas, depois de ter dissertado sobre o azoto (Alpendre, 2001), o magnésio mereceu também a sua dedicação, tendo publicado em 2015 com o Professor Rui Machado o livro Magnésio: um nutriente essencial na produção agrícola (Machado e Alpendre, 2015). Nesta publicação é referido que este macronutriente, embora secundário, pode estar relacionado com a resiliência das culturas, nomeadamente ao stress hídrico.
Posteriormente, colabora numa comunicação sobre o comportamento radicular de um porta enxerto de nogueira (Peixe et al., 2013). Mais recentemente colaborou num trabalho que avalia o efeito das fertilizações com magnésio nas características do vinho (Alpendre et al., 2019; Pereira et al., 2019).
Numa das agora reduzidas conversas com o primeiro autor desta singela homenagem confessou ter cursado Engenharia Agrícola por esta ser a base da sociedade e somente com um conhecimento do pilar poderia subir. Infelizmente subiu cedo demais. Cumpriu durante cerca de 4 décadas “Uma das principais funções da nossa Sociedade [Sociedade de Ciências Agronómicas de Portugal que mais tarde daria origem à SCAP - Sociedade de Ciências Agrárias de Portugal] consiste em «contribuir para o desenvolvimento e progresso das ciências agronómicas no País e sua imediata aplicação à lavoura nacional», algo que se enquadra nos objectivos desta sociedade” (Amaro, 1968) da qual era o sócio número 1669. Um exemplo desta visão basilar da agricultura foi, quando estava a preparar um ensaio da vinha com diferentes níveis de um elemento tinha como intuito, num horizonte mais distante aos demais, avaliar o efeito que aquele ensaio teria nas propriedades organolépticas do vinho, ou seja, o produto final e aquele que servirá, directamente, a sociedade.
Colaborou no projecto de fertilização do pinheiro (Fertipinea; Marcelo, 2022) nos últimos tempos de vida.
A doença esclerose lateral amiotrófica (ELA) foi-lhe diagnosticada no último período de 2020. Trata-se de uma doença rara, degenerativa, incurável, que se caracteriza pela morte dos neurónios que conduzem a informação de movimentos ao cérebro. Desde essa altura e até à sua morte, a sua vida degradou-se progressivamente e apesar de estar ciente do seu destino, cumpriu a sua actividade de docente enquanto não lhe foi conferida a reforma por invalidez, algo que ironicamente só foi concedido a 1 de Janeiro de 2023, praticamente um ano antes da data da sua morte (Lisboa, 2 de Janeiro de 2024). Paralelamente, tentou cumprir sempre as suas responsabilidades familiares enquanto pai e marido.
Após a sua morte, o seu percurso brilhante e honrado foi reconhecido e homenageado pela Reitora da Universidade de Évora, Hermínia Vilar (2024) .
LEGADO
O seu legado está bem presente, sobretudo nas publicações em que participou na fertilização do trigo e no papel do azoto. Deixou também um significativo número de obras no magnésio e em culturas mediterrânicas de sequeiro como pastagens e forragens, oliveira e vinha. Ou seja, nele residia aquilo que só os mestres são feitos, estando sempre preocupado com o futuro, pois sabia prever e contrariar adversidades e, por isso, tem um notório legado, estando eternizado nessas publicações e, sobretudo no rigor que lhe era característico.
O exemplo do Professor Pedro Frazão Alpendre e os resultados alcançados na sua vasta carreira nas Ciências Agrárias, em culturas mediterrânicas, sobretudo de sequeiro deve permanecer e crê-se que a sua vida enquanto engenheiro agrícola e desportista é um exemplo a seguir para os jovens cientistas agrários e silvícolas.














