INTRODUÇÃO
A amendoeira é uma cultura em expansão, com o aparecimento de novas plantações de norte a sul do País, intensificação do sistema produtivo, aumento da área com rega (INE, 2019). O uso de variedades autoférteis e com floração mais tardia, mais produtivas, pode implicar uma maior necessidade de cuidados culturais. É notória a maior sensibilidade de algumas das novas variedades, sobretudo a doenças e o aparecimento de novos inimigos da cultura, sobretudo nas plantações regadas, intensivas e super-intensivas bem como a maior importância de alguns dos inimigos já conhecidos dos agricultores (Gort & Sánches, 2011; Torguet et al., 2019), os quais podem contribuir para a redução quantitativa e qualitativa da produção.
A copa do amendoal, assim como outros agroecossistemas, sustenta uma elevada diversidade de artrópodes que podem exercer atividade fitófaga, predadora, parasítica ou detritívora. Os artrópodes fitófagos alimentam-se das plantas podendo muitas vezes causar estragos irreversíveis, sendo-lhes assim atribuído a designação de pragas quando causam prejuízos nas culturas (Schowalter et al., 1995). No amendoal, as principais espécies fitófagas são a monosteira, Monosteira unicostata (Mulsant & Rey, 1852), os lepidópteros Anarsia lineatella (Zeller, 1839) e Grapholita molesta (Busck, 1916), os ácaros Tetranychus urticae (Koch, 1836) e Panonychus ulmi (Koch, 1836), os afídeos Myzus persicae (Sulzer, 1776), Brachycaudus amygdalinus (Schouteden, 1905) e Brachycaudus helichrysi (Kaltenbach, 1843) e o coleóptero vulgarmente conhecido como cabeça-de-prego (Capnodis tenebrionis (Linnaeus, 1758) (Marannino et al., 2008; Benhadi-Marin et al., 2011; Santos et al., 2016; Sánchez-Ramos et al., 2017a). A ação dos artrópodes predadores e parasitoides contribui de forma decisiva para a manutenção de algumas pragas em níveis populacionais abaixo do nível económico de ataque, contribuindo para um aumento substancial da qualidade e quantidade da produção de amêndoa (Nasare, 2018). Outros artrópodes assumem especial importância no ecossistema agrário uma vez que podem atuar na decomposição da matéria orgânica, na disseminação de pólen, na ciclagem de nutrientes e na dispersão de sementes (Nasare, 2018). A manutenção do equilíbrio entre estes grupos funcionais é de grande importância, uma vez que a biodiversidade funcional desempenha funções que podem manter a sustentabilidade do agroecossistema (Altieri, 1999).
O conhecimento da diversidade de artrópodes das culturas e das relações tróficas existentes é fundamental numa perspetiva de conservação da fauna auxiliar (Bolu, 2007; Santos et al., 2012; Sánchez-Ramos et al., 2017a). O estudo da diversidade de artrópodes possibilita a promoção da proteção biológica contra as principais pragas e permite a aquisição de conhecimentos relativos à manutenção de um bom estado fitossanitário da cultura (Santos, et al., 2012; González-Núñes et al., 2017; Sánchez-Ramos et al., 2017b). Neste contexto, o presente trabalho teve como objetivo conhecer a abundância e diversidade dos grupos funcionais de artrópodes associados ao amendoal e a sua dinâmica ao longo do ano.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho decorreu em 2018 e 2019, num amendoal de sequeiro em modo de produção integrada, localizado em Alfândega da Fé. A parcela em estudo possui uma área de 9,3 ha, inserida numa mancha contínua de amendoal, constituída pelas cultivares Glorieta e Masbovera dispostas num compasso de plantação de 6 m na entrelinha e 4 m na linha. O controlo das infestantes foi realizado com destroçador na entrelinha (apenas em fins de junho) e com a aplicação de herbicida na linha (final de abril).
Método de amostragem
Com o objetivo de monitorizar as populações de artrópodes associados à copa da amendoeira, procedeu-se à realização da técnica das pancadas em 25 árvores selecionadas aleatoriamente na parcela. Cada amostra era constituída por duas pancadas/ramo e dois ramos por árvore. A amostragem realizou-se entre início de abril e início de outubro, com periodicidade semanal, nos anos 2018 e 2019. O material recolhido foi levado para laboratório e posteriormente observado à lupa binocular. Os artrópodes capturados foram identificados até ao mais baixo nível taxonómico possível.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No total foram capturados 11809 artrópodes, dos quais 7033 registaram-se em 2018 e 5874 em 2019 (Quadro 1). Nos dois anos de amostragem a ordem Hemiptera foi o grupo de insetos mais abundante, representando mais de 50% dos artrópodes capturados na técnica das pancadas. Seguiram-se por ordem de importância as ordens Araneae, Coleoptera, Diptera e Hymenoptera (Figura 1).
2018 | 2019 | 2018 | 2019 | |||||||||||
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N | N | N | N | |||||||||||
Hemiptera | 3921 | 2932 | Diptera | 637 | 183 | |||||||||
Sternorrhyncha | Syrphidae | 3 | 2 | |||||||||||
Aphidoidea | 1420 | 155 | Outros | 634 | 181 | |||||||||
Auchenorrhyncha | ||||||||||||||
Cicadomorpha | Hymenoptera | 314 | 374 | |||||||||||
Cicadellidae | 561 | 555 | Formicidae | 91 | 69 | |||||||||
Aphrophoridae | 3 | 8 | Parasítica | 199 | 305 | |||||||||
Outros | 24 | 0 | ||||||||||||
Hereroptera | ||||||||||||||
Monosteira | 1896 | 2148 | Thysanoptera | 0 | 55 | |||||||||
Outros | 41 | 66 | ||||||||||||
Dermaptera | 42 | 16 | ||||||||||||
Coleoptera | 1072 | 536 | ||||||||||||
Coccinellidae | 429 | 293 | Aranea | 921 | 1526 | |||||||||
Outros | 643 | 243 | ||||||||||||
Outros | 86 | 227 | ||||||||||||
Neuroptera | 40 | 25 | ||||||||||||
Chrysopidae | 7 | 14 | ||||||||||||
Outros | 33 | 11 | Total | 7033 | 5874 | |||||||||
Os indivíduos da ordem Hemíptera apresentam uma grande variedade de hábitos alimentares (fitófagos, carnívoros e hematófagos). Contudo, no amendoal, os indivíduos desta ordem com maior relevância são os que possuem atividade fitófaga, como é o caso da monosteira, M. unicostata. Adultos e ninfas desta espécie são capazes de sugar o conteúdo celular das folhas, causando graves desfoliações na amendoeira, o que leva por sua vez à diminuição da produção; por tal, esta espécie é considerada uma das pragas chaves da amendoeira (Sánchez-Ramos et al., 2017b). No amendoal em estudo, ao longo do período de amostragem, a monosteira foi o hemíptero mais abundante (1896 e 2148 indivíduos em 2018 e 2019, respetivamente). Dentro da ordem Hemiptera, destaca-se ainda a captura de indivíduos da infraordem Cicadomorpha (564 e 563 indivíduos em 2018 e 2019, respetivamente), não só pelo hábito fitófago que apresentam, mas pela capacidade de transmitirem fitopatogénios às plantas como é o caso da bactéria gram-negativa Xylella fastidiosa (Wells et al., 1987). Em Espanha, já há registos desta bactéria em amendoais (EFSA, 2016) e em Portugal, apesar de já se ter registado a presença de X. fastidiosa, esta ainda não foi reportada em zonas agrícolas (DGAV, 2020).
Os resultados obtidos neste estudo apresentam uma abundância maior de hemípteros (monosteira e cicadelídeos) relativamente aos resultados descritos por Marcotegui et al. (2015); no entanto, o padrão de abundância e as flutuações ao longo do ano são semelhantes.
Relativamente a superfamília Aphidoidea, também pertencente à ordem Hemiptera, apresentou um grande número de indivíduos em 2018 (1420 afídeos) comparativamente a 2019 (155 afídeos). Estes indivíduos são responsáveis pelo enrolamento das folhas jovens e pela deformação e menor crescimento dos lançamentos (Santos et al., 2012). A presença de afídeos no amendoal pode justificar a presença de formigas na copa da amendoeira, uma vez que estes indivíduos são mutualistas. Os afídeos proveram as formigas com melaço e, em contrapartida, as formigas protegem os afídeos de predadores como os coccinelídeos (Stadler & Dixon, 2005).
No que diz respeito aos predadores capturados, o período de maior ocorrência, em 2018, registou-se no início de agosto, enquanto em 2019, o máximo de abundância ocorreu no final de julho (Figuras 2 e 3). Os indivíduos mais abundantes pertencem às ordens Araneae, Coleoptera (Coccinellidae), Hymenoptera (Formicidae) e Neuroptera, com dados consistentes nos dois anos de amostragem. Os resultados obtidos no presente estudo são concordantes com os referidos na escassa bibliografia disponível (Benhadi-Marin et al., 2011; Yanik et al., 2011; Santos et al., 2012). É de salientar que apesar de as formigas serem consideradas predadores, neste contexto, devido à presença de afídeos na copa, a sua função pode não se limitar apenas à ação predadora.
A comunidade de Araneae constituiu o predador mais abundante nos dois anos de estudo. Exemplares desta ordem estiveram sempre presentes em todas as amostragens (Figuras 2 e 3). O máximo de abundância registou-se no início de agosto em 2018 e no final de julho em 2019. Os resultados obtidos neste estudo vão de encontro aos resultados apresentados por Benhadi-Marin et al. (2011) onde se constatou um domínio de Araneae entre os inimigos naturais presentes na copa do amendoal. As aranhas utilizam a copa das amendoeiras para se abrigarem e assumem um papel relevante na proteção biológica enquanto predadores (Benhadi-Marin et al., 2011). Araneae apresenta cinco períodos de maior abundância, coincidentes com os períodos de maior ocorrência de M. unicostata (Figura 3).
Quanto aos coleópteros, estes apresentaram o máximo de abundância em meados de junho em 2018 e no final de junho em 2019 (Figura 2). Destacou-se a família Coccinellidae, por ser a mais abundante e pela sua ação predadora. De acordo com Sánchez-Ramos et al. (2017a) e González-Núñes et al. (2017), o elevado número de coccinelídeos presentes na copa do amendoal pode estar relacionado com a presença de pragas como a monosteira, M. unicostata, o aranhiço amarelo, T. urticae, e o afídeo B. amygdalinus. Os indivíduos da família Coccinellidae registaram um máximo de abundância no final de junho (Figura 3).
Relativamente aos himenópteros parasitoides, estes representam 11% do total de auxiliares em 2018 e 15% do total de auxiliares em 2019. O maior número de himenópteros parasitoides observou-se no final de maio em 2018 e no início de junho, em 2019 (Figura 3).
Quanto à ordem Neuroptera, foram capturados apenas 40 e 25 exemplares, respetivamente em 2018 e 2019, dos quais 7 e 14 indivíduos pertenciam à família Chrysopidae.
CONCLUSÕES
Observou-se um elevado número e diversidade de artrópodes na copa da amendoeira. A ordem Hemiptera foi a mais abundante nos dois anos de estudo, com especial destaque para a espécie M. unicostata. Observou-se a presença de indivíduos de Cicadomorpha; algumas espécies presentes estão referidas como transmissoras da bactéria X. fastidiosa.
Os insetos predadores e parasitoides também se fizeram notar, com indivíduos pertencentes às ordens Araneae, Coleoptera (Coccinellidae), Hymenoptera (Formicidae) e Neuroptera. A presença e fomento dos auxiliares, como a implementação de mais infraestruturas ecológicas, podem ser decisivos para a manutenção de algumas pragas em níveis populacionais abaixo do nível económico de ataque.